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Where the world comes to study the Bible

27. Da Tragédia ao Triunfo (I Samuel 30:1-31)

Introdução

Lembro-me da história de um livro fascinante intitulado Shantung Compound, escrito por Langdon Gilkey. O livro descreve como o confinamento afetou a vida das pessoas que foram mantidas em Shantung Compound, um antigo acampamento de igreja mal-adaptado para alojar todos estrangeiros ocidentais que residiam na China durante a invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial. Homens de negócio, diplomatas, professores, missionários e muitos outros ficaram confinados juntos em alojamentos precários. Não era bem um campo de prisioneiros; parecia mais uma prisão de segurança mínima. As condições eram tais que Shantung Compound revelou o que havia de pior, e de melhor, daqueles que ali se encontravam. O autor do livro era um dos que ficaram nestas instalações.

Quando o Natal se aproximava, um veículo da Cruz Vermelha chegou lotado de suprimentos para os reclusos de Shantung Compound. Alguns poderiam pensar que a distribuição desses suprimentos seria uma coisa fácil, que só precisariam dividir o número de pacotes pelo número de pessoas. Se fossem 600 pessoas e 1200 pacotes, cada pessoa receberia 2 pacotes. No entanto, esta tarefa simples e “automática” acabou se transformando num enorme problema. Veja, alguns americanos perceberam que os pacotes eram da Cruz Vermelha Americana, e consideraram que haviam sido designados especificamente para eles, americanos. Eles argumentaram que os pacotes deveriam ser igualmente divididos entre eles. Se alguém quisesse dividir seus presentes com os outros, era um direito seu.

No capítulo 30 de I Samuel acontece algo muito parecido. Davi e seus homens perseguem um bando de salteadores amalequitas que havia saqueado e destruído Ziclague e levado suas esposas, filhos e bens. Eles foram guiados até o acampamento principal destes salteadores, onde os destruíram completamente, recuperando tudo o que haviam perdido. Somado a isso, os despojos desta vitória incluem tudo o que os amalequitas haviam tomado das cidades israelitas e filistéias que foram invadidas e saqueadas além de Ziclague. Alguns dos soldados de Davi não estavam dispostos a dividir estes despojos com os 200 homens que ficaram para trás com as bagagens.

São muitas as lições de nosso texto. Aquilo que à primeira vista parece ser uma história “antiga e longínqua” tem relevância e aplicação direta às nossas próprias vidas hoje. Uma vez que esta mensagem está sendo pregada no domingo de Páscoa, com certeza você deve estranhar porque não estou ensinando uma mensagem de Páscoa. Minha resposta seria que nosso texto é uma mensagem de Páscoa. Na verdade, ouso dizer que há em nosso texto muito mais do que apenas coisas relativas à Páscoa. Talvez alguns estejam duvidando, por isso, peço que mantenham suas mentes abertas para aquilo que o Espírito de Deus nos ensina neste texto.

O Cenário
(30:1-6a)

“Sucedeu, pois, que, chegando Davi e os seus homens, ao terceiro dia, a Ziclague, já os amalequitas tinham dado com ímpeto contra o Sul e Ziclague e a esta, ferido e queimado; tinham levado cativas as mulheres que lá se achavam, porém a ninguém mataram, nem pequenos nem grandes; tão-somente os levaram consigo e foram seu caminho. Davi e os seus homens vieram à cidade, e ei-la queimada, e suas mulheres, seus filhos e suas filhas eram levados cativos. Então, Davi e o povo que se achava com ele ergueram a voz e choraram, até não terem mais forças para chorar. Também as duas mulheres de Davi foram levadas cativas: Ainoã, a jezreelita, e Abigail, a viúva de Nabal, o carmelita. Davi muito se angustiou, pois o povo falava de apedrejá-lo, porque todos estavam em amargura, cada um por causa de seus filhos e de suas filhas.”

Não demora muito para que a notícia de que os filisteus estão em indo direção norte travar uma grande batalha contra Israel se espalhe. Os amalequitas, que pareciam fazer dos ataques às vilas e cidades filistéias e israelitas do sul um meio de subsistência (não muito diferente de Davi), não poderiam ter recebido notícia melhor. Uma vez que os homens em idade de combate tinham ido para guerra, poucos ou nenhum foi deixado prá trás para defender as cidades israelitas e filistéias, incluindo Ziclague. Enquanto Davi e seus homens estão sendo passados em revista junto com o exército filisteu (29:2), os amalequitas estão saqueando Ziclague. Os salteadores levam todo o gado e todos os bens, raptam todas as mulheres e crianças, e queimam totalmente a cidade.

Quando Davi e seus homens se aproximam de Ziclague, ficam horrorizados ao ver que a cidade fora destruída e suas famílias levadas cativas. Ninguém foi morto, mas tudo o que tinha vida foi levado. É de pouco conforto que suas famílias ainda estejam vivas. Cada um imagina o que esteja acontecendo (ou que acontecerá em breve) com sua esposa e filhos. Na melhor das hipóteses eles se tornarão escravos, para um trabalho duro e tratamento cruel. Na pior... eles não queriam nem pensar. As duas esposas de Davi também foram levadas.

Estes 600 guerreiros estão muito angustiados pelo que aconteceu à sua cidade e às suas famílias. Eles choram até não terem mais lágrimas. Então, começam a pensar sobre como isto veio a acontecer. Fora idéia de Davi trazê-los para território filisteu (27:1-4); foi pedido seu que vivessem nesta cidade remota (27:5-6), e foi ele quem os levou a lutar com os filisteus, deixando suas famílias vulneráveis a esse ataque. Alguns estão tão furiosos que falam em apedrejar Davi.

Perseguição Intensa; Rastro Frio
(30:6b-10)

Porém Davi se reanimou no SENHOR, seu Deus. Disse Davi a Abiatar, o sacerdote, filho de Aimeleque: Traze-me aqui a estola sacerdotal. E Abiatar a trouxe a Davi. Então, consultou Davi ao SENHOR, dizendo: Perseguirei eu o bando? Alcançá-lo-ei? Respondeu-lhe o SENHOR: Persegue-o, porque, de fato, o alcançarás e tudo libertarás. Partiu, pois, Davi, ele e os seiscentos homens que com ele se achavam, e chegaram ao ribeiro de Besor, onde os retardatários ficaram. Davi, porém, e quatrocentos homens continuaram a perseguição, pois que duzentos ficaram atrás, por não poderem, de cansados que estavam, passar o ribeiro de Besor.”

Conforme Davis demonstra, desde o capítulo 23 Davi não busca a vontade de Deus por meio da estola sacerdotal, e desde o capítulo 26 ele não menciona o nome do Senhor. Como sempre, a tragédia faz o coração de Davi se voltar para Deus. Este capítulo é outro de seus melhores momentos. Primeiro ele se fortalece no Senhor, depois recorre a Ele para uma orientação específica a respeito de suas famílias e daqueles que os raptaram. Davi pede ao Senhor que revele se ele deve, ou não, perseguir aqueles que levaram seus entes queridos. Se persegui-los, ele os alcançará? A resposta a estas perguntas é “Sim!” Deus lhe assegura que ele não só alcançará o bando, mas também recuperará tudo o que foi levado.

Precisamos nos lembrar das condições físicas e mentais destes homens. Eles acabam de viajar quase 60 milhas de Afeca até Ziclague, sem dúvida apertando o passo para chegar logo em casa. Eles podem descansar em Ziclague quando chegarem, ou assim eles pensam. Então, ao encontrar seus entes queridos seqüestrados, seu gado roubado e sua cidade destruída pelo fogo, eles se cansam de tanto chorar (verso 4); agora eles saem em perseguição de seus inimigos. O grupo de salteadores tem uma vantagem considerável, e seu rastro está esfriando. Eles podem facilmente desaparecer no deserto. Se devem ser alcançados a tempo de salvar seus entes queridos, Davi e seus homens precisam andar logo.

Imagino que Davi e seus homens estejam marchando a passos largos. À medida que o tempo passa e o calor do sol os afeta, eles vão ficando cansados. Quando chegam ao ribeiro de Besor, um terço dos homens simplesmente não agüenta prosseguir. Eles têm motivos de sobra - suas famílias estão em perigo e eles querem estar lá para resgatá-los - mas, simplesmente, não têm forças para continuar. Duzentos homens desmoronam ali próximo ao ribeiro, incapazes de sair do lugar. Mesmo que sigam em frente, só retardarão os demais. Davi e os outros 400 homens prosseguem, deixando a maior parte da bagagem para trás com os que ficam, a fim de se moverem mais rápido, gastando menos energia.

Um Homem à Beira da Morte Dá Vida Nova à Perseguição de Davi
(30:11-15)

“Acharam no campo um homem egípcio e o trouxeram a Davi; deram-lhe pão, e comeu, e deram-lhe a beber água. Deram-lhe também um pedaço de pasta de figos secos e dois cachos de passas, e comeu; recobrou, então, o alento, pois havia três dias e três noites que não comia pão, nem bebia água. Então, lhe perguntou Davi: De quem és tu e de onde vens? Respondeu o moço egípcio: Sou servo de um amalequita, e meu senhor me deixou aqui, porque adoeci há três dias. Nós demos com ímpeto contra o lado sul dos queretitas, contra o território de Judá e contra o lado sul de Calebe e pusemos fogo em Ziclague. Disse-lhe Davi: Poderias, descendo, guiar-me a esse bando? Respondeu-lhe: Jura-me, por Deus, que me não matarás, nem me entregarás nas mãos de meu senhor, e descerei e te guiarei a esse bando.”

O rastro tinha esfriado. Parece que Davi e seus homens nem mesmo sabem quem são os salteadores (é dito no verso 1, mas Davi e seus homens parecem ter conhecimento desta informação somente nos versos 13 e 14). Eles devem estar se perguntando que direção devem tomar. Nesse momento crucial, “acontece” justamente deles cruzarem com um homem que tinha sido deixado semimorto naquela região. O homem está tão fraco que não consegue falar. Para alguns pode parecer ”perda de tempo” o fato Davi e seus homens pararem e prestarem socorro a este homem. Se é por absoluta compaixão (fazendo de Davi uma espécie de bom samaritano), seus esforços são bem recompensados. Pão e água, um pedaço de pasta de figo e uvas passas trazem este homem de volta à vida, uma vez que ele passou três dias e três noite sem comer, nem beber.

Quando finalmente o homem tem força suficiente para falar, Davi começa a lhe fazer perguntas. As respostas devem animar o espírito de Davi e seus homens, pois o homem conta que é egípcio, escravo de um amalequita. Seu senhor o deixou três dias atrás porque ele estava doente e atrasando os demais. Seu senhor o deixou ali para morrer, sem água e sem comida. Ele, então, diz a Davi que estava com o bando de amalequitas que saqueou Ziclague.

Davi pergunta ao jovem se ele estaria disposto a guiá-los até o acampamento amalequita. Normalmente, tenho certeza que ele não faria uma coisa dessas. Mas, uma vez que seu senhor e os outros o deixaram para trás para morrer, ele está disposto a cooperar, em troca da garantia de Davi de que não será morto ou devolvido a seu senhor. Este servo semimorto dá nova vida à busca de Davi pelo bando amalequita e seus prisioneiros.

Resgatados
(30:16-20)

“E, descendo, o guiou. Eis que estavam espalhados sobre toda a região, comendo, bebendo e fazendo festa por todo aquele grande despojo que tomaram da terra dos filisteus e da terra de Judá. Feriu-os Davi, desde o crepúsculo vespertino até à tarde do dia seguinte, e nenhum deles escapou, senão só quatrocentos moços que, montados em camelos, fugiram. Assim, Davi salvou tudo quanto haviam tomado os amalequitas; também salvou as suas duas mulheres. Não lhes faltou coisa alguma, nem pequena nem grande, nem os filhos, nem as filhas, nem o despojo, nada do que lhes haviam tomado: tudo Davi tornou a trazer. Também tomou Davi todas as ovelhas e o gado, e o levaram diante de Davi e diziam: Este é o despojo de Davi.”

Não havia mais necessidade de tentar seguir o rastro do bando de salteadores. Graças ao escravo egípcio que eles reanimaram, agora seriam guiados ao acampamento amalequita. Davi e seus homens chegam ao acampamento, encontrando os amalequitas totalmente vulneráveis. Afinal, eles supõem que os filisteus (junto com Davi e seus homens), e os israelitas, estejam bem longe, em guerra na região norte. Quem viria atrás deles? Eles festejam a missão bem-sucedida; agora estão em casa, onde podem se esbaldar com o resultado de suas vitórias. Os amalequitas estão espalhados sobre toda a região (verso 16), o que dá a entender que não estejam agrupados, o que seria a melhor posição defensiva (nos filmes de faroeste as carroças sempre andavam em círculos quando estavam sendo atacadas, colocando as mulheres e as crianças no meio). Se a expressão “divida e conquiste” é verdadeira, esse pessoal já tinha se dividido quando se espalhou. Além do mais, eles estão comendo, bebendo e dançando. Em resumo, estão tão bêbados que mal conseguem ficar em pé, quanto mais lutar.

Se este for o acampamento principal dos amalequitas, então há muito mais pessoas do que apenas o bando de salteadores. Portanto, Davi e seus homens estão em grande desvantagem. No entanto, devido ao estado de embriaguez dos amalequitas, eles são presas fáceis. Davi e seus homens atacam, um massacre que dura várias horas. Nenhuma só pessoa escapa, exceto 400 homens que fogem em seus camelos. Todas as pessoas e tudo o que os amalequitas tinham tomado de Ziclague é recuperado. Davi e seus homens não sofrem absolutamente nenhuma perda (exceto por aquilo que já fora queimado em Ziclague). As duas esposas de Davi estão entre os reféns resgatados. O autor é muito específico. Nada está faltando. Davi traz tudo de volta. Exatamente como Deus mostrou, eles alcançaram os inimigos e prevaleceram. Esta missão não poderia ter sido mais bem-sucedida.

Dividindo os Despojos ou Quase Despojando a Vitória
(30:21-31)

“Chegando Davi aos duzentos homens que, de cansados que estavam, não o puderam seguir e ficaram no ribeiro de Besor, estes saíram ao encontro de Davi e do povo que com ele vinha; Davi, aproximando-se destes, os saudou cordialmente. Então, todos os maus e filhos de Belial, dentre os homens que tinham ido com Davi, responderam e disseram: Visto que não foram conosco, não lhes daremos do despojo que salvamos; cada um, porém, leve sua mulher e seus filhos e se vá embora. Porém Davi disse: Não fareis assim, irmãos meus, com o que nos deu o SENHOR, que nos guardou e entregou às nossas mãos o bando que contra nós vinha. Quem vos daria ouvidos nisso? Porque qual é a parte dos que desceram à peleja, tal será a parte dos que ficaram com a bagagem; receberão partes iguais. E assim, desde aquele dia em diante, foi isso estabelecido por estatuto e direito em Israel, até ao dia de hoje. Chegando Davi a Ziclague, enviou do despojo aos anciãos de Judá, seus amigos, dizendo: Eis para vós outros um presente do despojo dos inimigos do SENHOR: aos de Betel, aos de Ramote do Neguebe, aos de Jatir, aos de Aroer, aos de Sifmote, aos de Estemoa, aos de Racal, aos que estavam nas cidades dos jerameelitas e nas cidades dos queneus, aos de Horma, aos de Borasã, aos de Atace, aos de Hebrom e a todos os lugares em que andara Davi, ele e os seus homens.”

A vitória é conquistada e tudo o que havia sido perdido foi recuperado. Na realidade, Davi e seus homens não recuperaram só o que haviam perdido, eles conquistaram também uma porção de coisas mais. Eles conquistaram os despojos que os amalequitas haviam obtido em suas invasões às cidades filistéias e israelitas. Estes despojos agora representam o principal problema de Davi. Alguns dos 400 homens que derrotaram os amalequitas estão se recusando a reparti-los com os 200 homens que ficaram para trás.

Só uma parte dos 400 homens que lutaram contra os amalequitas é de homens ”maus e filhos de Belial”. Nem todos são assim, só alguns deles. Mas, estes que são maus e filhos de Belial parecem estar assumindo o comando. O raciocínio deles é: somente 400 homens lutaram de verdade; os outros 200 não tiveram parte na batalha ou na vitória conquistada. Aos 200 deveria ser devolvido aquilo que perderam. Mas não deveriam receber uma parte dos despojos extras da guerra, dos despojos que os amalequitas tomaram dos filisteus e israelitas. Estes despojos deveriam ser repartidos só entre os 400 guerreiros. A recusa destes homens em partilhar os despojos com os outros 200 parece ter como base algumas suposições errôneas:

(1) Eles presumem que os despojos sejam seus para repartirem como quiserem, e deixam bem claro que se recusam a repartir com os demais os “seus” despojos.

(2) Eles presumem que os outros 200 não tiveram parte na batalha ou na vitória, só porque não estavam com eles quando lutaram e venceram os amalequitas.

(3) Eles presumem que a vitória foi deles, algo pelo que pudessem levar o crédito, e pelo que devessem esperar uma recompensa.

(4) Estes homens não estão pedindo uma parte maior dos despojos, eles estão exigindo. Eles não estão buscando a orientação de Davi, ou estão usurpando sua liderança, ou, pelo menos, tentando.

Davi não deixa que prevaleçam. Ele se dispõe a tratar de suas exigências e administra tudo muito bem. Ele se recusa a permitir que façam as coisas do seu jeito, enquanto lhes mostra por que estão errado em sua exigência. Veja o raciocínio de Davi:

(1) Eles não merecem estes despojos, como supõem. Tanto a vitória quanto os despojos são um presente gracioso de Deus (e, desta forma, sem méritos). Deus deu os despojos da mesma forma que deu a vitória. Como, então, eles podem fazer esta reclamação como se merecessem alguma coisa?

(2) A vitória é do grupo todo, e o grupo é bem maior do que os 400 homens. Quando Davi emprega a palavra nos, parece claro que ele inclui todos os 600 homens. “Deus nos deu a vitória”, ele argumenta, “para todos os 600 homens, não apenas para 400”.

(3) Os 600 homens de Davi são todos irmãos (verso 23). Não é somente uma porção de indivíduos; é uma irmandade. Estes homens são uma família. Quando o bando amalequita retorna a seu acampamento, todo mundo celebra a vitória; todo mundo partilha os despojos. Os homens de Davi devem fazer menos?

(4) A batalha é uma ação coletiva, cada membro desempenhando um papel diferente. Só porque 200 ficaram para trás não significa que não tiveram parte na vitória. Eles ficaram com as bagagens (pelo que entendo, a bagagem de todos os 600 homens) e, desta forma, também contribuíram para a vitória. A vitória é uma vitória coletiva, e assim, cada homem deve ter uma parte igual dos despojos.

Davi se recusa a permitir que estes “homens maus e filhos de Belial” estraguem a vitória que Deus lhes deu. Ele cuida para que os despojos sejam igualmente distribuídos entre todos os 600 homens. No entanto, eles não ficam com todos os despojos desta vitória. Nos versos 26 a 31, vemos que Davi faz bom uso de uma parte dos despojos partilhando-a com algumas cidades israelitas que ele e seus homens costumavam freqüentar.

Estas cidades talvez tivessem sido atacadas pelos amalequitas e sofrido algumas perdas. Talvez alguns despojos sejam deles.

(1) Estas cidades são aquelas que Davi e seus homens freqüentavam.

(2) Estas são algumas das cidades que Davi deu a entender a Aquis que ele mesmo tinha invadido e saqueado.

(3) Alguns homens destas cidades são anciãos; homens de considerável influência.

(4) Alguns homens destas cidades são amigos de Davi.

(5) Estas cidades são israelitas; na verdade, estão no território de Judá. Portanto, são parentes de Davi.

(6) Muito em breve estes beneficiários da generosidade de Davi serão os primeiros a abraçá-lo como seu rei.

A decisão de Davi tem um longo alcance, muito maior do que ele possa imaginar neste momento. Muitas decisões têm longo alcance. Ele jamais imaginou, por exemplo, qual seria o resultado de fugir para o território filisteu. Ele jamais imaginou as conseqüências de enfrentar Golias e matá-lo. No calor do momento, Davi tinha uma decisão a tomar. Deveria fazer a vontade de uns poucos homens maus e filhos de Belial, deixando-os dividir os despojos só entre os 400? Ou deveria ficar firme naquilo que é certo? Davi escolhe ficar firme naquilo que é certo, e nesse processo, ele estabelece um princípio que subsistirá além dele. O bem ou o mal que escolhemos estabelece um precedente para o futuro.

Conclusão

Lição um: A Providência de Deus. Como a providência de Deus é espantosa! Ela é vista muitas vezes e com muita clareza em I Samuel, e agora em nosso texto. A providência de Deus é Sua mão “invisível” nos acontecimentos da vida, assegurando e alcançando Seus propósitos e Suas promessas. Davi fora escolhido e ungido como o próximo rei de Israel. Deus cuidou dele e o protegeu, e a seus homens, de formas incríveis, formas que, necessariamente, não reconheceríamos como providência de Deus na época em que aconteceram. Lemos que Davi estava pronto e disposto a acompanhar Aquis e seus comandantes na batalha. Ele parece ficar muito desapontado ao ser rejeitado pelos comandantes filisteus e mandado de volta prá Ziclague. Contudo, agora vemos que foi isto que contribuiu para que ele e seus homens atacassem os amalequitas e recuperassem tudo o que haviam perdido.

Deus orientou Davi e seu pequeno exército por meio de um sacerdote e de uma estola sacerdotal, guiando-os na perseguição aos amalequitas, garantindo que eles os alcançassem e resgatassem tudo o que haviam perdido. Mas, além desta orientação, Deus providenciou para que um escravo egípcio de um senhor amalequita ficasse tão doente que tivesse que ser deixado para trás para morrer. Assim, este homem seria encontrado e reanimado por Davi e seus homens. Este homem, então, serviria como guia para dirigi-los ao acampamento amalequita.

Mas espere, tem mais! Na providência de Deus, aparentemente o bando amalequita tinha atacado Ziclague por último. Eles não tinham saqueado só Ziclague, mas também muitas outras cidades filistéias e israelitas. Davi e seus homens não recuperaram somente seus bens, mas também os bens de muitas outras pessoas. Davi dividiu estes despojos com uma porção de cidades israelitas, caindo assim nas graças de seus parentes. Ziclague foi queimada, a única perda irrecuperável. Contudo, esta “perda” foi útil para fazê-lo retornar mais rápido ao território de Judá, onde ele foi constituído Rei de Judá. “Todas as coisas realmente cooperam para o bem dos que amam a Deus, daqueles que são chamados segundos o Seu propósito.” (Romanos 8:28)

Lição 2: O Princípio da Graça. Este princípio é o mais importante, pois ele nos obriga a repensar e revolucionar nosso ministério como membros do corpo de Cristo. A vitória de Davi e seus homens sobre os amalequitas, na realidade, foi uma vitória de Deus. É claro que os homens desempenharam seu papel, mas, em última análise, foi uma vitória de Deus. Que os homens não ousem tomar o crédito (e as recompensas) por aquilo que Deus faz. Este não é um ponto de somenos. Lembra-se do que aconteceu a Herodes quando ele permitiu que os homens o louvassem como se fosse um deus? Ele foi ferido por Deus e morto, porque não deu a glória a Deus (ver Atos 12:20-23). Jesus ensinou “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” (Mateus 22:21). Não devemos tomar o crédito das coisas que são de Deus, mas dar a glória a Ele. Paulo ensinou claramente este princípio quando aplicado aos dons e ministérios espirituais que Deus dá aos membros individuais do corpo de Cristo:

“Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (I Co. 4:7)

Graça significa não termos de fazer alguma coisa para alcançar o perdão, a salvação e as bênçãos de Deus. Tudo o que temos a fazer é receber aquilo que Deus, em graça, nos dá. Mas graça também significa que quando recebemos o que não merecemos, não podemos ousar levar o crédito por isso, como se o merecêssemos. O princípio da graça significa que os homens não levam o crédito por aquilo que Deus faz.

Lição 3: O Princípio da Pluralidade (ou do trabalho em equipe). Ainda que Deus tenha lhes dado a vitória, Davi e seus homens têm um papel muito importante da batalha. Todos eles tomam parte na batalha. Os 200 homens que ficam para trás guardam a bagagem. Se eles tivessem ido junto, teriam retardado os demais, pois estavam muito cansados. Se não tivessem guardado a bagagem, os outros 400 teriam arriado. Os que ficaram para trás agiram no melhor interesse de todos os 600. Mas cada um dos 600 homens contribuiu para a causa. Foi um esforço de equipe.

Havia muitas divisões na igreja de Corinto. Algumas parecem ter como fundamento o fato de que os coríntios possuíam diferentes dons espirituais. Alguns destes dons eram mais valorizados do que outros. Aqueles que possuíam dons considerados mais importantes ficaram orgulhosos, desprezando os que supostamente tinham dons menores. E aqueles que tinham dons supostamente menores começaram a pensar que não eram necessários e talvez até não fizessem parte do corpo de Cristo (I Coríntios 12). Paulo mostra que todos os dons são dons da graça, para que ninguém se glorie naquilo que lhe foi dado. Ele também enfatiza que cada dom tem um papel importante, e todos são necessários. A igreja é o corpo de Cristo e cada membro individual tem um dom ou dons que desempenham uma função vital no corpo. Cada membro do corpo depende dos outros membros. Ninguém é sem importância. Todos fazem parte da equipe. O trabalho de nosso Senhor - o trabalho do corpo de Cristo, a igreja - só pode ser desempenhado como parte de um todo, como membros de uma equipe. Aqueles que pensam de forma individualista estão errados.

Lição 4: Lições Sobre a Páscoa. Mencionei anteriormente que esta passagem contém pelo menos uma mensagem de Páscoa. Agora é hora de fazer bom uso desta afirmação. Como nosso texto pode se relacionar com a Páscoa? Porque a Bíblia, o Velho e o Novo Testamento falam de fé, e fé bíblica é fé na ressurreição.

Para os santos do Novo Testamento, fé na ressurreição de nosso Senhor Jesus é uma parte vital, inseparável da mensagem do evangelho que cremos:

“Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação.” (Romanos 10:8-10; ver I Coríntios 15:1 e ss).

É pela fé que cremos que ressuscitaremos da morte, como Cristo:

“Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem. Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda.” (I Coríntios 15:20-23)

Celebramos a Páscoa todos os anos porque sabemos destas coisas. A fé cristã é fé na ressurreição. Esta foi uma verdade para os santos do Novo Testamento. E quero lembrá-lo ainda que a fé dos santos do Antigo Testamento também foi fé na ressurreição. Sabemos que foi verdade para Abraão:

“Essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça, a fim de que seja firme a promessa para toda a descendência, não somente ao que está no regime da lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque Abraão é pai de todos nós, como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí.), perante aquele no qual creu, o Deus que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem. Abraão, esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe fora dito: Assim será a tua descendência. E, sem enfraquecer na fé, embora levasse em conta o seu próprio corpo amortecido, sendo já de cem anos, e a idade avançada de Sara, não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus; mas, pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus, estando plenamente convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera. Pelo que isso lhe foi também imputado para justiça. E não somente por causa dele está escrito que lhe foi levado em conta, mas também por nossa causa, posto que a nós igualmente nos será imputado, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação.” (Romanos 4:16-25)

Como demonstra o escritor da carta aos Hebreus, isto também foi verdade para todos os outros santos do Antigo Testamento. Todos foram salvos pela fé e não pelas obras - esta fé era fé na ressurreição:

Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade. Pela fé, Abraão, quando posto à prova, ofereceu Isaque; estava mesmo para sacrificar o seu unigênito aquele que acolheu alegremente as promessas, a quem se tinha dito: Em Isaque será chamada a tua descendência; porque considerou que Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os mortos, de onde também, figuradamente, o recobrou. Pela fé, igualmente Isaque abençoou a Jacó e a Esaú, acerca de coisas que ainda estavam para vir. Pela fé, Jacó, quando estava para morrer, abençoou cada um dos filhos de José e, apoiado sobre a extremidade do seu bordão, adorou. Pela fé, José, próximo do seu fim, fez menção do êxodo dos filhos de Israel, bem como deu ordens quanto aos seus próprios ossos.” (Hebreus 11:13-22, ênfase minha).

Desde o início da história humana, Deus tem demonstrado que Ele é o doador da vida, um Deus que dá vida aos mortos:

(1) Nos dois primeiros capítulos do livro de Gênesis, vemos Deus criando a vida.

(2) Já vimos que, no que diz respeito a ter filhos, Abrão e Sarai estavam “mortos”, e, no entanto, Deus lhes deu um filho (Romanos 4:16-25). Quando Deus pediu a Abraão para oferecer seu filho como sacrifício, Abraão estava disposto a obedecer, confiando que Deus o ressuscitaria dentre os mortos (Hebreus 11:17-19).

(3) Os irmãos de José o odiavam e o colocaram numa cisterna, planejando matá-lo. Ele estava praticamente “morto”, mas Deus, providencialmente, trouxe um grupo de mercadores midianitas que o compraram como escravo. José parecia sem esperanças como escravo, e depois, na prisão, como condenado, mas Deus deu vida a este morto, por assim dizer, ao elevá-lo à segunda posição mais alta do Egito (ver Gênesis 37 e ss).

(4) Os israelitas se tornaram escravos dos egípcios e foram insultados e maltratados. Faraó expediu uma ordem para que todos os bebês do sexo masculino fossem lançados no Nilo para morrer. Moisés estava praticamente morto. E, no entanto, Deus arranjou para que a filha de Faraó o tirasse do rio, anulando, desta forma, a ordem de Faraó que determinava a morte de todos os bebês meninos hebreus. Pelo salvamento desde pequenino, Deus libertou a nação inteira do jugo do Egito, e todos os poderes que ameaçavam os israelitas foram afogados no Mar Vermelho (Êxodo 1-15).

(5) Inúmeras vezes os inimigos circunvizinhos invadiram Israel, ameaçando sua existência (vida); no entanto, Deus levantou os juízes (ver o livro de Juízes).

(6) Ana era estéril e sem filhos, mas queria desesperadamente ter uma criança: ela “estava praticamente morta” para dar à luz, no entanto, Deus lhe deu Samuel e outros filhos e filhas (I Samuel 1 e 2).

(7) Os israelitas estão em guerra com os filisteus. Eles levam a arca da Aliança com eles. Israel é derrotado, os dois filhos de Eli são mortos, Eli morre, e sua nora também: posso até ouvir um murmúrio israelita “estamos todos mortos”. Mas Deus deu nova vida à nação. Ele afligiu tanto os filisteus que eles não só devolveram a arca da Aliança, como também mandaram junto um “agrado” (isto é, ouro; ver I Samuel 4-6).

(8) Os israelitas se reúnem em Mispa para renovar sua aliança com Deus; os filisteus ouvem falar deste grande ajuntamento e presumem erroneamente que seja algum tipo de operação militar. Eles enviam um vasto exército, que cerca os israelitas. Os filisteus têm carros de ferro e lanças. Com certeza os israelitas pensam: “Estamos todos mortos!” Mas Deus envia uma tempestade elétrica e os filisteus são derrotados (I Samuel 7).

(9) Os filisteus ocupam Israel e Jônatas os provoca atacando uma de suas guarnições. Uma vasta força armada vem dar uma lição em Israel. Saul tem somente 600 homens com ele, pois o restante desertou. Muitos que ficaram também estão pensando em como escapar. Saul deve estar dizendo a si mesmo “estou perdido”. Deus usa a coragem e a fé de Jônatas para iniciar um ataque aos filisteus e depois manda um terremoto, que resulta na vitória israelita sobre os filisteus (I Samuel 13 e 14).

(10) Os filisteus vêm novamente travar batalha com Israel. Golias insulta os israelitas e seu Deus. Saul e seus homens estão mortos de medo, e ninguém quer enfrentar Golias. Os israelitas, uma vez mais, pensam “estamos mortos!” Deus lhes manda um jovem pastor, que confia em Deus e não tem medo de enfrentar Golias; por meio de Davi Deus dá nova vida a Israel (I Samuel 17).

(11) Davi e seus homens caem numa cilada preparada por Saul numa montanha do deserto de Maon. Saul e seus homens estão prontos para lançar a armadilha. Ao lermos esta narrativa não podemos deixar de pensar “estão todos mortos”. De repente, um mensageiro chega informando a Saul que os filisteus atacaram Israel e ele tem que partir. Davi e seus homens ganham nova vida (I Samuel 23).

(12) Em nosso texto, Davi e seus homens fogem para Aquis em território filisteu, procurando refúgio de Saul. Davi quase vai para a guerra contra Israel, junto com os filisteus; ou ele faz isto ou terá que se voltar contra Aquis. Parece não haver saída; então, quando Davi e seus homens são mandados de volta para Ziclague, damos um suspiro de alívio, só até sabermos que Ziclague foi invadida pelos amalequitas e que todas as famílias e seus bens tinham desaparecido. “Estão todos mortos”, dizemos a nós mesmos, “já eram”. Mas Deus dá fé, coragem e direção a Davi, e coloca um escravo semimorto em seu caminho. No fim deste capítulo aparentemente sem esperanças, Deus transforma a morte em vida.

(13) Quando Elias se escondia de Acabe, rei de Israel, ele foi sustentado por uma viúva que vivia com seu filho. Este filho ficou doente e morreu, mas, por meio de Elias, Deus trouxe a criança de volta à vida (I Reis 17:17-24). Uma ressurreição muito parecida com esta aconteceu pelas mãos de Eliseu, conforme descrito em II Reis 4.

(14) O profeta Jonas não quer obedecer a Deus e pregar o evangelho aos ninivitas; assim, ele foge de Israel e embarca num navio em direção oposta, para Nínive. Uma tormenta violenta ameaça o navio onde Jonas está, junto com a carga e a tripulação. Jonas diz à tripulação o motivo da tormenta e os convence a lançá-lo no mar. Ele afunda nas ondas pela última vez e nós, junto com ele, dizemos, “morreu”. Mas, de repente, um grande peixe aparece, traga Jonas, e depois o vomita em terra seca. Isto, como o Próprio Senhor notou, é um tipo de Sua ressurreição (ver Jonas, Mateus 12:38-40).

(15) Daniel e seus três amigos são hebreus cativos vivendo na Babilônia. Eles estão determinados a servir a Deus, mesmo que isso signifique desobedecer o rei mais poderoso de sua época. O rei coloca os três amigos de Daniel numa fornalha ardente e lança Daniel numa cova de leões: “Estão mortos”, dizemos a nós mesmos. Mas Deus dá aos três homens uma companhia na fornalha e impede que sejam machucados pelas chamas e pelo calor. Ele fecha a boca dos leões, que normalmente teriam devorado Daniel. Deus ama dar vida àqueles que estão praticamente mortos. No Antigo Testamento vemos que é assim que Ele tem feito desde o princípio da história do homem.

A mesma coisa acontece no Novo Testamento. Deus está constantemente trazendo vida da morte:

(1) Isabel e seu marido estão velhos e não podem ter filhos. Deus lhes dá um filho, a quem Zacarias chama de João. Deus traz vida da morte.

(2) Uma jovem virgem chamada Maria está comprometida com um homem chamado José, mas ainda não é casada com ele. Ela jamais teve relações sexuais com um homem. Pelo poder do Espírito Santo, Deus faz com que fique grávida do Messias prometido. Deus traz vida de uma morte virtual.

(3) Uma viúva da cidade de Naim tem apenas um filho, que morre e está sendo levado para o enterro. Ele está morto, literalmente. Para os que estão à espera, não há esperanças. Tudo acabou para o rapaz. E, no entanto, Jesus pára o funeral e ordena ao jovem que se levante, o que, com toda a certeza, ele faz. Jesus dá vida ao morto (Lucas 7:11-15).

(4) Lázaro é irmão de Maria e Marta, todos são amigos de Jesus. Lázaro fica gravemente doente, e Jesus deliberadamente se atrasa. Quando Jesus e seus discípulos chegam, Lázaro não está apenas morto, está no túmulo há 3 dias. Está realmente morto. Mas Jesus o chama para fora do túmulo, e ele volta à vida (João 11).

Estas e tantas outras experiências “da morte para vida” descritas no Antigo e no Novo Testamento, nada mais são do que um prelúdio da “maior” de todas, a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus de Nazaré vem ao mundo e proclama ser o Filho de Deus. Ele vive uma vida perfeita e interpreta as Escrituras do Antigo Testamento como Deus queria que fossem entendidas e praticadas. Os líderes religiosos judaicos, com a ajuda dos oficiais romanos, conspiram contra Jesus e O crucificam na cruz do Calvário. Ele é declarado morto e sepultado numa tumba. “Jesus está morto”, admitem tristemente os discípulos. Está acabado. E então, ao terceiro dia, eles encontram a tumba vazia e vêem nosso Senhor ressuscitado dos mortos. Eles jamais serão os mesmos novamente. Deus ressuscitou Jesus dos mortos.

Encontrar assuntos relacionados à ressurreição na Bíblia (Deus trazendo vida da morte) é quase como encontrar Cristo nas cartas de Paulo. A ressurreição é parte integrante da fé e das Escrituras. O que importa é: “Você já teve uma experiência pessoal da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo?” Já foi trazido da morte para a vida, ao confiar em Jesus para perdão dos seus pecados e para o presente da vida eterna? A Bíblia nos diz que todos nós estamos “mortos em nossos delitos e pecados” (Efésios 2:1), a não ser pela fé em Jesus Cristo. Nós sequer podemos agradar a Deus guardando Seus mandamentos. Precisamos reconhecer nossos pecados e o fato de que merecemos a ira eterna de Deus como justa punição para eles. Pela simples aceitação do presente da salvação por meio da vida, morte e ressurreição de nosso Senhor, nascemos de novo, experimentamos pessoalmente a ressurreição de Jesus Cristo. Daí por diante, nós vivemos; temos a vida eterna. Você já recebeu este presente de vida? É isso que é a Páscoa. O negócio de Deus é fazer homens mortos viverem pelos séculos e, com certeza, Ele pode fazer isto por você.

“Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.” (Efésios 2:1-10)

É de vital importância que você e eu, em vida, venhamos a ter fé em Jesus Cristo, morrendo para o pecado e ressuscitando em novidade de vida, em Cristo. Mas isto não é o fim. A ressurreição é muito mais do que uma experiência de vida. Não basta celebrar a ressurreição de nosso Senhor uma vez por ano. Ela deve ser celebrada na igreja a cada semana (ver I Coríntios 11:26; Lucas 22:19; Atos 20:7). E ainda mais, a ressurreição é um meio de vida. A ressurreição deve ser vivida e experimentada todos os dias pelo cristão:

“Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que abunde a graça? De modo nenhum. Nós, que já morremos para o pecado, como viveremos ainda nele? Ou, porventura, ignorais que todos quantos fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele pelo batismo na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se temos sido unidos a ele na semelhança da sua morte, certamente também o seremos na semelhança da sua ressurreição; sabendo isto, que o nosso homem velho foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado fosse desfeito, a fim de não servirmos mais ao pecado. Pois quem está morto está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, sabendo que, tendo Cristo ressurgido dentre os mortos, já não morre mais; a morte não mais tem domínio sobre ele. Pois quanto a ter morrido, de uma vez por todas morreu para o pecado, mas quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus.” (Romanos 6:1-11)

“Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele. Se, porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito é vida, por causa da justiça. Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita.” (Romanos 8:9-11)

Em nosso texto há mais um assunto relacionado à Páscoa que não podemos negligenciar. Ele deve ficar claro à luz das palavras de Paulo em Efésios 4:

“E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo. Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens. Ora, que quer dizer subiu, senão que também havia descido até às regiões inferiores da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para encher todas as coisas. E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.” (Efésios 4:7-16)

Paulo está falando sobre dons espirituais, os quais Deus dá a cada um e a todos os crentes em Jesus Cristo. Ele está dizendo que estes dons - que são a capacitação divina para o ministério no corpo e para o corpo de Cristo - são o resultado e a expressão da vitória de Cristo sobre Satanás e o pecado, através de Sua morte e, especialmente, de Sua ressurreição dos mortos. Quando Jesus derrotou Satanás e o pecado, Ele deu dons àqueles que são Seus, como manifestação de Sua vitória.

Paulo chama nossa atenção para a prática militar resultante da vitória sobre os inimigos. Ele compara os dons espirituais dados por nosso Senhor à Sua igreja aos prêmios dados pelos líderes militares a seus homens em caso de vitória. Eu lhe pergunto, onde, em toda a Bíblia, isto é expresso com maior clareza do que bem aqui neste texto? Quando Davi distribui os despojos de sua vitória sobre os amalequitas, ele está prefigurando o Rei dos reis, que deu “dons espirituais” a Sua igreja como indicação da magnitude de sua vitória.

Nosso Deus é um Deus salvador, um Deus doador da vida. E Ele dá vida àqueles que estão mortos. Não é de admirar que Ele nos salve quando ainda estamos “mortos em nossos delitos e pecados”. Não é de admirar que devamos nos considerar mortos, a fim de que Sua vida seja manifestada em nós e por meio de nós. A Deus seja a glória. Somente Ele dá vida aos mortos.

“Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer.” (João 5:21)

“Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos;” (II Coríntios 1:8-9)

28. O Desejo de Morte de Saul (I Samuel 31)

Introdução

Nos livros de I e II Samuel, o autor conta a história de modo semelhante ao modo que as principais redes de televisão utilizam na cobertura das Olimpíadas. Uma vez que muitas competições diferentes são realizadas ao mesmo tempo, a rede não tem condições de fazer a cobertura simultânea de todas elas. Mas as maravilhas da comunicação moderna providenciaram uma solução: enquanto uma competição é transmitida ao vivo, as demais são gravadas. Depois elas são cuidadosamente intercaladas, para que a cobertura completa não pareça incoerente. Se não soubéssemos que algumas competições são videoteipe, poderíamos muito bem achar que elas acontecem na seqüência em que aparecem.

O autor de I Samuel faz algo parecido. Ele rastreia simultaneamente a vida de dois homens - Saul e Davi - os quais, na maior parte das vezes, estão em lugares diferentes. Seu interesse principal não é dispor os acontecimentos em ordem cronológica, na seqüência exata em que ocorrem, mas contar a história de forma que mostre o contraste entre Saul e Davi. É por isso que nos capítulos finais de I Samuel, vamos e voltamos entre eles e, nesse processo, a seqüência exata dos acontecimentos se perde, pois o autor não a considera importante para sua história.

Com um pouco de esforço, nestes últimos capítulos podemos perceber, em determinados momentos, a seqüência dos acontecimentos; em outros, é impossível. De qualquer forma, devemos seguir o entendimento do autor de que isto não é a chave para a compreensão do texto. Se pudermos ligar os acontecimentos da vida de Davi aos de Saul, muito bem; senão, isto não deve nos incomodar.

O que devemos nos esforçar para perceber em nosso texto é a ligação entre a história da morte de Saul e suas implicações para nós hoje. Com certeza há uma ligação muito clara entre a sua morte e a vida de alguém que lê esta narrativa escrita há tanto tempo atrás. Além disto, nosso texto levanta uma das questões morais e legais mais discutidas de nossa época. Fique comigo, portanto, enquanto tentamos compreender o significado e a mensagem desta passagem para nossa vida.

O Cenário
(31:1-3)

“Entretanto, os filisteus pelejaram contra Israel, e, tendo os homens de Israel fugido de diante dos filisteus, caíram feridos no monte Gilboa. Os filisteus apertaram com Saul e seus filhos e mataram Jônatas, Abinadabe e Malquisua, filhos de Saul. Agravou-se a peleja contra Saul; os flecheiros o avistaram, e ele muito os temeu.”

Quando Davi e seus homens se separam de Aquis e dos filisteus, estes se dirigem para norte, para Jezreel, enquanto Davi e seus homens voltam para o sul, em direção a Ziclague. Imagino que eles tenham alcançado seu destino mais ou menos ao mesmo tempo. Isto significa que Saul e o exército israelita estão lutando contra os filisteus quase na mesma hora em que Davi e seus homens estão perseguindo o bando amalequita. Pelo menos é isto que ficamos sabendo, uma vez que está escrito que Davi sabe da morte de Saul três dias após terem chegado a Ziclague, após a vitória sobre os amalequitas (II Samuel 1:1-2). Providencialmente, Deus tira Davi deste conflito, desviando sua atenção bem mais para o sul. Portanto, não é permitido que Davi lute com ou contra os filisteus. A vontade de Deus é que, nesta batalha entre Israel e os filisteus, os filisteus vençam e Saul e seus filhos pereçam.

Muitos detalhes trágicos desta batalha são omitidos. Os homens de Israel fogem ao ataque filisteu. Muitos soldados israelitas caem mortos no Monte Gilboa; agora cai por terra qualquer esquema defensivo que tenham providenciado para Saul (lembre-se de 26:5). Os filisteus começam a apertar o ataque contra Saul e seus filhos. Saul deve ter se refugiado no ponto mais alto e mais protegido do Monte Gilboa, observando com terror enquanto seus filhos tentam fazer a última linha de defesa para seu pai. A tentativa falha e os três filhos de Saul jazem mortos, enquanto os arqueiros localizam Saul e começam a usá-lo para a prática do tiro ao alvo. Nenhum dos ferimentos de Saul é fatal, embora ele não possa mais atacar, muito menos se defender. É só uma questão de tempo e Saul sabe disso.

O Último Pedido de Saul
(31:4-6)

“Então, disse Saul ao seu escudeiro: Arranca a tua espada e atravessa-me com ela, para que, porventura, não venham estes incircuncisos, e me traspassem, e escarneçam de mim. Porém o seu escudeiro não o quis, porque temia muito; então, Saul tomou da espada e se lançou sobre ela. Vendo, pois, o seu escudeiro que Saul já era morto, também ele se lançou sobre a sua espada e morreu com ele. Morreu, pois, Saul, e seus três filhos, e o seu escudeiro, e também todos os seus homens foram mortos naquele dia com ele.”

O “pedido” de Saul, na verdade, é uma exigência. Ele ordena que seu escudeiro desembainhe a espada e o atravesse com ela. Talvez este não seja um pedido tão incomum, tanto naquela época quanto agora. No capítulo nove do livro de Juízes, Abimeleque faz o mesmo pedido. Abimeleque é um dos muitos filhos de Gideão, embora sua mãe seja uma concubina. Ele convence seus parentes em Siquém a torná-lo seu líder, e depois mata seus 70 irmãos sobre uma pedra (versos 1-5). O relacionamento entre os líderes de Siquém e Abimeleque fica hostil, o que acaba em conflito. Abimeleque derrota os homens de Siquém e encurrala os líderes na torre da cidade. Ele está prestes a incendiá-la, quando uma mulher joga uma pedra de moinho de cima da torre e o golpeia na cabeça. Ele é mortalmente ferido e sabe que está morrendo. Para evitar o estigma de ter sido morto por uma mulher, ele ordena a seu escudeiro que desembainhe sua espada e o mate. O jovem faz o serviço para Abimeleque, e ele morre. A morte de Abimeleque está muito longe de ser nobre e não é um precedente ao qual alguém quisesse recorrer.

Saul está numa situação parecida. Uma porção de flechas dos filisteus acerta o alvo e ele fica gravemente ferido. De um jeito ou de outro, ele sabe que sua morte está próxima, e assim ordena a seu escudeiro que acabe com ele. Ele dá ao escudeiro duas razões, as quais ele parece achar que sejam incontestáveis: (1) ele não quer morrer pelas mãos de algum pagão “incircunciso”; (2) ele não quer que seus inimigos escarneçam dele (verso 4). No entanto, suas razões não são incontestáveis o bastante para seu escudeiro. Alguns poderiam esperar uma resposta do escudeiro que mencionasse o fato de Saul ser o “ungido do Senhor” (compare com II Samuel 1:14, 16). Por isso, não podemos ter certeza de que ele se recuse a agir por causa de seus princípios. No entanto, é dito que ele deixa de agir por medo. Aliás, é dito que ele tem muito medo (verso 4).

Saul está desesperado. Ele não tem forças para lutar contra os filisteus e menos ainda para se matar. Mas há uma coisa que ele pode fazer: cair sobre sua própria espada; e é o que ele faz. Quando preguei esta mensagem e cheguei a este ponto, tenho certeza de que algumas pessoas da congregação pensaram que eu tinha perdido completamente o juízo, pois joguei a cabeça para trás e comecei a rir. Vendo os olhares confusos, expliquei que não pude evitar, pois até isto Saul não consegue fazer direito. Ele errou o alvo! Você consegue imaginar a cena? Ele não erra apenas quando tenta acertar Davi com sua lança (no mínimo duas vezes), e Jônatas; agora, nem quando mira a si mesmo ele consegue acertar o alvo.

Digo isto não pelo que lemos no capítulo 31, mas pelo que lemos em II Samuel 1. Sabemos pelas palavras de um amalequita, que Saul não consegue terminar o serviço. Este jovem encontra Saul apoiado sobre sua lança (II Samuel 1:6). Saul tenta se matar e, simplesmente, não consegue fazer o serviço direito. Se Deus não permitiu que Saul tirasse a vida de Davi, Seu ungido, tampouco permitirá que ele tire sua própria vida, pois ele também é Seu ungido. Aquilo que o escudeiro não fez a Saul, ele faz a si mesmo. O escudeiro morre, deixando Saul sozinho, pelo menos por alguns instantes.

Os Efeitos da Derrota
(31:7-10)

“Vendo os homens de Israel que estavam deste lado do vale e daquém do Jordão que os homens de Israel fugiram e que Saul e seus filhos estavam mortos, desampararam as cidades e fugiram; e vieram os filisteus e habitaram nelas. Sucedeu, pois, que, vindo os filisteus ao outro dia a despojar os mortos, acharam Saul e seus três filhos caídos no monte Gilboa. Cortaram a cabeça a Saul e o despojaram das suas armas; enviaram mensageiros pela terra dos filisteus, em redor, a levar as boas-novas à casa dos seus ídolos e entre o povo. Puseram as armas de Saul no templo de Astarote e o seu corpo afixaram no muro de Bete-Seã.”

O autor de nosso texto usa uma técnica muito popular entre os escritores de filmes para televisão. Você se lembra dos filmes onde o herói está num lugar perigoso e, de repente, acontece alguma coisa horrível e deixam que o telespectador presuma o pior... durante os comerciais? No entanto, de alguma maneira, depois do intervalo comercial, descobrimos que o herói realmente não morreu conforme fomos levados a pensar. É isto que o autor faz em nosso texto. Ele deixa que pensemos que Saul deu fim a si mesmo, seguido por seu escudeiro. E então, de repente, no capítulo 1 de II Samuel, descobrimos que ele não estava realmente morto.

Um jovem amalequita vai a Davi com a coroa e o bracelete de Saul, e a história de como, afinal, ele morre. Ele vai a Ziclague informar Davi sobre a derrota de Israel para os filisteus e lhe diz que havia escapado do arraial israelita. Ele diz que encontrou Saul por acaso, e que o rei estava apoiado sobre sua espada próximo da morte, mas ainda com vida. Saul lhe pediu que se aproximasse e o matasse, e o jovem sentiu-se obrigado a fazê-lo. Ele vai, então, a Davi, achando que poderia ser recompensado. Com toda certeza Davi ficará encantado ao ouvir que seu inimigo está morto. Este é o segundo erro do dia deste jovem, e ambos lhe custam a vida.

A morte de Saul e seus filhos é uma recordação da morte de Eli e seus filhos no capítulo 4. Em ambas as ocasiões, a morte e a derrota vêm pelas mãos dos filisteus. Em ambos os casos, pai e filhos morrem no mesmo dia. Em ambas as derrotas, não morrem somente os líderes, mas também muitos israelitas. A vitória dos filisteus é uma catástrofe individual (para Saul e Eli, e para seus filhos), não uma catástrofe nacional (para Israel).

O autor de nosso texto decide claramente enfocar mais Saul do que seus filhos ou a nação de Israel. Por exemplo, não é dito como Jônatas morre, embora queiramos muito saber e embora esperemos que ele morra como o grande guerreiro que foi, lutando até o último suspiro. Antes de vermos como Saul morre, vamos fazer uma pausa para relembrar que, quando ele é morto, muitos israelitas também morrem, e muitos outros batem em retirada, conforme lemos no verso 7. Os que estão do outro do vale e daquém do Jordão (que não estão no foco do ataque filisteu) vêem a derrota de Israel e a morte de Saul e seus filhos, e sabem que não há esperanças de derrotarem os filisteus. Eles fogem, abandonando as cidades, que depois são ocupadas pelos filisteus. Esta grande derrota não reduz só o tamanho do exército de Israel, reduz o tamanho de Israel.

É importante observar que Israel, bem como Saul, estão sendo divinamente disciplinados. Você deve se lembrar que Saul foi o rei exigido pelos israelitas no capítulo 8, e que esta exigência era uma evidência de que eles tinham rejeitado a Deus como seu rei (I Samuel 8:7-8). Não é só por causa dos pecados de Saul que Israel é derrotado e muitos perecem; é também pelos pecados de Israel. Em I Samuel 12, Samuel faz uma ligação muito clara entre a conduta de Israel e seu rei e seu destino:

“Agora, pois, eis aí o rei que elegestes e que pedistes; e eis que o SENHOR vos deu um rei. Se temerdes ao SENHOR, e o servirdes, e lhe atenderdes à voz, e não lhe fordes rebeldes ao mandado, e seguirdes o SENHOR, vosso Deus, tanto vós como o vosso rei que governa sobre vós, bem será. Se, porém, não derdes ouvidos à voz do SENHOR, mas, antes, fordes rebeldes ao seu mandado, a mão do SENHOR será contra vós outros, como o foi contra vossos pais. Ponde-vos também, agora, aqui e vede esta grande coisa que o SENHOR fará diante dos vossos olhos. Não é, agora, o tempo da sega do trigo? Clamarei, pois, ao SENHOR, e dará trovões e chuva; e sabereis e vereis que é grande a vossa maldade, que tendes praticado perante o SENHOR, pedindo para vós outros um rei. Então, invocou Samuel ao SENHOR, e o SENHOR deu trovões e chuva naquele dia; pelo que todo o povo temeu em grande maneira ao SENHOR e a Samuel. Todo o povo disse a Samuel: Roga pelos teus servos ao SENHOR, teu Deus, para que não venhamos a morrer; porque a todos os nossos pecados acrescentamos o mal de pedir para nós um rei. Então, disse Samuel ao povo: Não temais; tendes cometido todo este mal; no entanto, não vos desvieis de seguir o SENHOR, mas servi ao SENHOR de todo o vosso coração. Não vos desvieis; pois seguiríeis coisas vãs, que nada aproveitam e tampouco vos podem livrar, porque vaidade são. Pois o SENHOR, por causa do seu grande nome, não desamparará o seu povo, porque aprouve ao SENHOR fazer-vos o seu povo. Quanto a mim, longe de mim que eu peque contra o SENHOR, deixando de orar por vós; antes, vos ensinarei o caminho bom e direito. Tão-somente, pois, temei ao SENHOR e servi-o fielmente de todo o vosso coração; pois vede quão grandiosas coisas vos fez. Se, porém, perseverardes em fazer o mal, perecereis, tanto vós como o vosso rei.” (I Samuel 12:13-25, ênfase minha).

Nos versos 8 a 10, vemos que Saul não consegue o que quer. Seu escudeiro não atende seu duplo desejo:

(1) Não ser morto por um incircunciso.

(2) Que ninguém escarneça dele (talvez como os filisteus fizeram com Sansão - Juízes 16:23-25).

O pedido de Saul não é concedido. Primeiro, ele é morto por um incircunciso. Ele não é morto por sua espada, nem pela espada de seu escudeiro. São as flechas dos filisteus (31:3) e a espada de um amalequita (II Sam. 1:9-10) que o matam. Saul realmente é morto por mãos incircuncisas. É exatamente como Deus queria que fosse e como disse que seria:

“Porque o SENHOR fez para contigo como, por meu intermédio, ele te dissera; tirou o reino da tua mão e o deu ao teu companheiro Davi. Como tu não deste ouvidos à voz do SENHOR e não executaste o que ele, no furor da sua ira, ordenou contra Amaleque, por isso, o SENHOR te fez, hoje, isto. O SENHOR entregará também a Israel contigo nas mãos dos filisteus, e, amanhã, tu e teus filhos estareis comigo; e o acampamento de Israel o SENHOR entregará nas mãos dos filisteus.” (I Sam. 28:17-19)

Não é por mera coincidência que ele é morto pelas mãos dos filisteus (28:19) e pela mão de um amalequita (28:18). Temos aqui uma espécie de justiça poética. Saul está colhendo o que ele mesmo plantou. Ele é morto por mãos de incircuncisos porque Deus disse que seria assim que ele morreria. Não importa o quanto Saul tente mudar seu destino, ele não consegue ser bem sucedido em frustrar a vontade de Deus ou Sua palavra. Será que sua morte não é mais uma tentativa de desobedecer a Deus, um ato final de rebelião?

Tal qual o primeiro, o segundo desejo de Saul - que seus inimigos não escarneçam dele -também é negado. Primeiro, ele é atingido por uma porção de flechas dos filisteus, as quais, literalmente, drenam sua vida. Sua morte lenta e agonizante não é uma bela visão. Saul não chega ao fim com bom aspecto. Depois que ele morre, sua armadura é retirada e sua cabeça é cortada fora. Os filisteus devem realmente gostar disto. Eles, então, pegam sua armadura e sua cabeça e desfilam por suas cidades, levando-as ao templo de seu deus. Todas estas coisas zombam não só de Saul, mas de seu Deus. A afronta final a Saul é que seu corpo, junto com o de seus filhos, é fixado no muro de Bete-Seã. As afrontas sofridas por Saul em sua morte não poderiam ser piores.

Um Raio de Luz - Um Ato de Heroísmo
(31:11-13)

“Então, ouvindo isto os moradores de Jabes-Gileade, o que os filisteus fizeram a Saul, todos os homens valentes se levantaram, e caminharam toda a noite, e tiraram o corpo de Saul e os corpos de seus filhos do muro de Bete-Seã, e, vindo a Jabes, os queimaram. Tomaram-lhes os ossos, e os sepultaram debaixo de um arvoredo, em Jabes, e jejuaram sete dias.”

Esta não é uma bela visão, nem um conto de fadas com final “felizes para sempre”. Mas é como tudo termina para Saul. Para que o leitor não fique muito pesaroso pelas afrontas sofridas por Saul e pela derrota e morte que sobrevêm a Israel, o autor relata um ato muito corajoso da parte dos homens de Jabes-Gileade. Quando ouvem que Saul e seus filhos foram mortos e seus corpos foram publicamente expostos no muro de Bete-Seã, estes homens sabem o que devem fazer. Eles marcham noite adentro para Bete-Seã e depois retornam a Jabes-Gileade. É provável que a viagem de ida e volta seja de mais de 20 milhas. Eles descem os corpos do muro e os carregam todo o caminho de volta para Jabes. Lá, eles queimam os corpos e depois enterram os ossos sob um arvoredo.

O que leva os homens desta cidade a fazer aquilo que ninguém mais pensa fazer? O povo desta cidade guarda boas recordações de Saul e de seu auxílio. O episódio está descrito em I Samuel 11. Naás, o comandante dos amonitas, e seu exército sitiam Jabes-Gileade e exigem sua rendição. No entanto, Naás exige bem mais do que uma simples “rendição incondicional”. Ele insiste em vazar o olho direito de cada israelita da cidade. Os anciãos de Jabes pedem tempo para pensar e apelam para o auxílio de seus irmãos. A notícia se espalha por Israel e chega aos ouvidos de Saul, que, embora tenha sido designado rei de Israel, ainda está trabalhando em sua casa. Saul fica furioso no Espírito e dilacera uma junta de bois, enviando os pedaços a cada tribo de Israel. Ele avisa que, aquele que não aparecer para defender Jabes-Gileade também encontrará seus bois estraçalhados. 330.000 israelitas aparecem para a batalha e a cidade de Jabes é salva.

Os homens de Jabes não se esqueceram do que Saul fez por eles. Na hora da necessidade, Saul chegou com o auxílio que os salvou. Agora, na hora da necessidade de Saul, eles encontram um jeito de ajudá-lo. Os corpos de Saul e seus filhos, suspensos no muro da cidade de Bete-Seã, estão lá para serem ridicularizados. Os homens de Jabes marcham noite adentro, descem o corpo do rei e de seus filhos, e os levam de volta a Jabes, onde são enterrados - um magnífico gesto de consideração e respeito. Como a coragem de Saul frente aos amonitas em Jabes é o seu melhor momento (pelo menos em I Samuel), este é o melhor momento dos homens de Jabes.

Conclusão

Vamos agora destacar algumas lições que este texto nos reserva, tal como reservou para os antigos israelitas.

Primeiro, devemos aprender com a morte de Saul, que é o foco principal de nossa passagem. Saul morreu, tal como Deus disse que morreria. Sua morte foi exatamente no tempo previsto. Ele morre da maneira que Deus disse que seria. Ele morre nas mãos dos filisteus e de um amalequita. Saul morre de maneira totalmente coerente com a maneira que viveu. Mesmo no fim de sua vida, ele não morre como um homem de coragem. Ele não quer sofrer e pede que outros tirem sua vida e até tenta tirá-la ele mesmo.

A palavra de Deus é absolutamente fiel. Deus cumpre o que promete. Ele tratará o pecado e a rebelião com juízo; Ele tratará a confiança e a obediência com bênção. Saul é removido do trono e da vida; Davi é preservado das conspirações de Saul e logo será empossado como rei de Judá (e depois de Israel). Antes que o primeiro homem pecasse, Deus disse que a pena do pecado era a morte (Gênesis 2:16-17). Daí em diante, Deus falou claramente aos homens a respeito do pecado. Sua palavra não só define o que é pecado, ela explica nos mínimos detalhes a conseqüência do pecado - a morte (Romanos 3:23; 6:23). Deus deu a Saul tempo para se arrepender, mas ele não o fez. E, assim, sua morte ocorreu exatamente como Deus dissera. Se você ainda não confia em Cristo para a salvação, Deus está lhe dando neste momento oportunidade para arrependimento. Você pode, como Saul, escolher usar este tempo para aumentar seus pecados. Mas, esteja certo de uma coisa, seus pecados o encontrarão. O salário do pecado é a morte. Se você se arrepender, reconhecendo seu pecado e confiando em Jesus para a salvação, terá a vida eterna. Tenha certeza de que as promessas de Deus - tanto de juízo quanto de salvação - são certas. Saul nos relembra desta verdade.

Segundo, entendemos melhor nosso texto quando levamos em consideração o texto paralelo de I Crônicas 10:

“Assim, morreu Saul por causa da sua transgressão cometida contra o SENHOR, por causa da palavra do SENHOR, que ele não guardara; e também porque interrogara e consultara uma necromante e não ao SENHOR, que, por isso, o matou e transferiu o reino a Davi, filho de Jessé.” (I Cr. 10:13-14)

Os doze primeiros versos de I Crônicas 10 são praticamente idênticos ao texto de I Samuel 31. Mas os versos 13 e 14 (acima), não. Estes versos deixam absolutamente claras muitas questões que estão implícitas em I Samuel. Numa análise final, não foram os homens que mataram Saul (quer filisteus, israelitas ou amalequitas), foi Deus. Estes versos também informam que Saul foi morto por Deus por causa de seu pecado, de seu persistente pecado. Finalmente, é dito que Saul foi morto por Deus não apenas para cumprir Suas advertências a ele, mas também para cumprir Suas promessas a Davi.

Por que o autor de I Samuel não inclui esta informação? Acho que ele crê que devamos concluir por nós mesmos. Como não chegaremos a esta conclusão, se temos como base tudo o que foi dito e feito antes deste capítulo? Mas, para os que não chegam a esta conclusão, ela é claramente afirmada num relato paralelo, para que ninguém deixe de compreendê-la.

Esta passagem enfoca diretamente um problema muito em evidência nos nossos dias e na nossa época. Deixe-me mencionar apenas um nome e o assunto ficará claro: Dr. Jack Kervorkian. O assunto é o suicídio assistido. Nas cortes e órgãos legislativos da América, Canadá e outras partes do mundo, os homens estão debatendo o suicídio assistido.

Seria muito útil à nossa reflexão se fôssemos claros na definição de suicídio assistido. Encontrei esta definição na Internet, fazendo uma pequena busca: Suicídio assistido é o ato de uma pessoa se matar intencionalmente com a assistência de outra pessoa que lhe forneça os meios ou o conhecimento para tal, ou ambos.

Suicídio assistido não é o mesmo que eutanásia. Eutanásia é tirar a vida de outra pessoa, sem que ela peça ou consinta com isto. O suicídio assistido é iniciado e solicitado por alguém que deseja morrer. Suicídio assistido não é permitir que a morte siga seu curso natural, recusando medidas especiais. Suicídio assistido é causar a morte de outra pessoa, tomando medidas especiais.

Saul pede o suicídio assistido. Nosso texto deixa claro que ele está errado. Ele está errado porque está tentando minimizar o sofrimento causado pelo julgamento divino. Está errado porque está tentando alterar os meios do julgamento divino. Ele quer morrer de maneira diferente daquela predita por Deus. Ele está errado porque está tentando matar o ungido do Senhor. Tal como era errado para qualquer outro fazer mal ao rei (como Davi ou o jovem amalequita), também é errado para o próprio rei. E, do mesmo modo, é errado para o escudeiro ou para o jovem amalequita. O amalequita pagou por seu pecado com a própria vida. Nosso texto não sanciona o suicídio assistido. Tanto em Juízes 9 quanto aqui, esta não é maneira de lidar com o sofrimento, mesmo que nos dois casos a morte seja iminente.

É importante reconhecer que a hipocrisia de Saul é evidente nas duas vezes em que pede para ser morto, primeiro ao escudeiro e depois ao amalequita. Vamos colocá-las lado a lado e compará-las:

Então, disse Saul ao seu escudeiro: Arranca a tua espada e atravessa-me com ela, para que, porventura, não venham estes incircuncisos, e me traspassem, e escarneçam de mim. Porém o seu escudeiro não o quis, porque temia muito; então, Saul tomou da espada e se lançou sobre ela. (I Sam. 31:4)

Então, me disse: Arremete sobre mim e mata-me, pois me sinto vencido de cãibra, mas o tino se acha ainda todo em mim. (II Sam. 1:9)

O segundo pedido de Saul revela a hipocrisia do primeiro. O primeiro é feito ao escudeiro, que, com toda certeza, é israelita. Ele não quer ser morto por um incircunciso. No entanto, ele pede a um amalequita (um gentil incircunciso) que o mate. A verdadeira razão para Saul querer ser assistido em seu suicídio é dada no segundo pedido: ele não quer sofrer. Ele quer morrer para por fim à dor, para acabar com seu sofrimento. Indo direto ao assunto, ele está mais interessado em evitar o sofrimento do que em obedecer a Deus (não fazer mal a Seu ungido). Da mesma forma que Saul estava disposto a matar Davi por causa da dor que este lhe causava, agora ele está disposto a se matar por causa da dor que está sofrendo.

Para os cristãos, é errado cometer suicídio, quer assistido ou não. Para os cristãos, é errado ajudar alguém a se suicidar. Quando homens e mulheres chegam a ponto de preferir morrer a viver, precisamos nos esforçar para lhes mostrar Cristo, para a vida eterna. Quando os cristãos chegam ao ponto onde a morte parece próxima e onde a dor é intensa, devemos ansiar por estar com o Senhor, mas não por nossas próprias mãos. Não precisamos permitir que a tecnologia médica prolongue a dor e o processo da morte, mas não devemos procurar por fim à vida que Deus dá, e que só Ele pode tirar (Jó 1:21). Todas as vezes que os homens da Bíblia desejaram morrer, isto não é elogiado; é claramente visto como falta de fé.

Sem dúvida, há alguns lendo esta mensagem que já consideraram (ou estão considerando) pegar a saída mais fácil. Este texto deve falar claramente a vocês. Mas gostaria de lembrar que muitas outras pessoas agem de maneira bastante parecida e pecaminosa, e não reconhecem sua atitude como suicida. No fundo, o pecado de Saul é tentar escapar da situação, da dor, que ele mesmo criou e que Deus decretou como disciplina. Saul quer “evitar a dor” de maneira pecaminosa, e muitos de nós também. Alguns procuram evitar a dor de forma espiritual. Paulo crê e pratica a cura sobrenatural. Ele pede a Deus que remova seu espinho na carne, mas seu pedido é negado (II Co. 12:7-10). Deus tem um propósito mais sublime para o sofrimento de Paulo, e este propósito é humilhá-lo e proporcionar-lhe manifestações ainda maiores de Seu poder e graça. Por que alguns crentes não podem aceitar que Deus não acalme a dor, não remova o sofrimento, porque tem um propósito ao usá-los para o nosso próprio bem e para a Sua glória? Por que buscamos espiritualizar nosso pecado, agindo como se nossa resistência ao sofrimento divinamente enviado fosse um ato de fé? Vamos procurar não fugir daquilo que Deus nos dá para enfrentar.

Há outros meios de “fuga” que são muitos comuns hoje em dia, mesmo entre os cristãos. Alguns tentam fugir do sofrimento emocional divorciando-se ou separando-se. Outros, desejando manter as aparências de um casamento, simplesmente colocam um muro entre eles e seu companheiro (e talvez sua família), para “evitar o sofrimento”. Quero lembrar que isto é apenas outra forma de suicídio. Relações sexuais ilícitas, drogas, álcool e outras formas de vício são, na realidade, tentativas ímpias e não bíblicas de fugir do sofrimento. Seja o entusiasmo passageiro e o prazer de uma experiência sexual ilícita ou o êxtase das drogas e do álcool, tudo é fuga momentânea. No entanto, a Bíblia diz que estas coisas são realmente desastrosas, pois levam a um passo da morte (ver Pv. 7).

Jamais gostei do termo “facilitador”, pois procura descrever pecar em termos seculares, não bíblicos. Pergunto-me, no entanto, se o que algumas pessoas chamam de facilitador não seja a mesma coisa que Saul queira de seu escudeiro, e o que o amalequita virá a ser - alguém que auxilia no suicídio. Ver um irmão em pecado e não agir de forma que ele o deixe é ajudá-lo em sua busca da morte. Vamos pensar seriamente se estamos facilitando o pecado e a morte dos outros ou se estamos incentivando-os a buscar o caminho da vida, Cristo.

Finalmente, vejo em Saul um contraste gritante com a pessoa e a obra de Jesus Cristo. O pecado de Saul, e seu desejo de morrer, é egoísta, egocêntrico. Seu pecado causa não apenas a sua própria morte, mas também a morte de seus filhos e de muitos israelitas, e o sofrimento de muitas outras pessoas. Sua liderança não é uma bênção, mas uma maldição para Israel. Como foi diferente da morte de nosso Senhor. Nosso Senhor não tinha desejo de morrer, humanamente falando. Ele não foi um suicida. Ele orou no Jardim do Getsêmani para que o “cálice” fosse retirado Dele (Mateus 26:39). Ele morreu em obediência à vontade do Pai, não em desobediência (Mateus 26:39; João 6:38; Filipenses 2:3-8). Ele não morreu para Se livrar do sofrimento; Ele morreu para suportar todo o sofrimento que estava reservado a nós por causa de nossos pecados (Isaías 53; II Co. 5:21; Hb. 2:17-18). Foi por isso que ele não quis beber o vinho com fel (Mateus 27:33-34). Ele não queria tomar nenhum “medicamento” que entorpecesse a dor que Ele devia suportar em nosso lugar. Sua morte não é um trágico fracasso de sua parte que tentamos esquecer (como um suicídio), mas um magnífico sacrifício por nós, o qual celebramos a cada Santa Ceia. Sua morte não foi egoísta, mas sacrificial. Foi uma morte que Ele sofreu por causa dos nossos pecados e para a nossa salvação. E tudo o que temos a fazer é aceitá-la como meio de Deus para perdoar os nossos pecados e nos dar a vida eterna.

Muitas vezes há um ponto crítico para onde Deus leva o pecador, um ponto onde o suicídio pode ser considerado como saída. As pessoas vêem o pecado que cometeram e se sentem desesperadamente dominadas pela culpa e pelas conseqüências desse pecado. Talvez elas pensem que a morte (por suicídio) seja a única saída. Não é a saída, pois a morte encerra a oportunidade de nos arrependermos e sermos salvos:

“E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo.” (Hb. 9:27)

A solução para o seu problema não é morrer em pecado; é morrer para o pecado. A única maneira de você fazer isto é pela fé em Jesus Cristo - quando reconhecer seu pecado e sua culpa e confiar Naquele que morreu em seu lugar, que sofreu a dor eterna de nossos pecados. É em Cristo que você morre para o pecado, e entra para a vida eterna. Se você ainda não o fez, eu o incentivo a fazê-lo já. Tal como a promessa da salvação de Deus é certa, assim a Sua promessa de juízo e morte eterna. Vamos aprender com a morte de Saul.

1 Samuel (Portuguese)

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1. Introdução a II Samuel

O livro de I Samuel termina tragicamente com o rei Saul literalmente louco. Ele se volta contra seu amigo e servo leal, Davi. Em sua paranoia, Saul procura matá-lo como se Davi fosse um traidor. Saul desobedece a Palavra de Deus e, por isso, ocasiona sua própria queda e destituição. Ele chega ao ponto de consultar uma médium. O capítulo final de I Samuel relata sua morte pelas mãos dos filisteus e por suas próprias mãos. Por mais triste que isso possa parecer, soltamos um suspiro de alívio, pois agora os dias de Davi como fugitivo de Saul se acabaram. Agora, Davi reinará no lugar de Saul.

No entanto, as coisas não acontecem com tanta rapidez, ou com tanta facilidade. Graças às intrigas de homens como Abner e Joabe, Israel temporariamente se torna uma nação dividida - um prenúncio dos tempos vindouros. Finalmente Davi se torna o rei de todo Israel. No início do seu reinado, ele parece fazer tudo certo, tendo a bênção de Deus claramente sobre si.

Não obstante, ele ainda é um homem com “pés de barro”. Seu pecado contra Bate-Seba e seu marido, Urias, estabelece um curso inteiramente novo para os acontecimentos. Dias negros estão por vir; bem mais negros do que ele jamais vira.

Seu filho recém-nascido morre; um de seus filhos violenta sua meia-irmã e outro mata seu meio-irmão. Para completar, seu filho Absalão se rebela contra ele e tenta matá-lo. Por meio de todas essas coisas, Deus conduz Davi ao arrependimento e, por fim, à restauração. De forma alguma Deus faz vista grossa para os pecados de Davi, pois o restante de II Samuel descreve as consequências do seu pecado com Bate-Seba.

Em II Samuel podemos avaliar a magnitude da majestade de Davi, e também compreender suas fraquezas. Se deve haver um rei que ocupará para sempre o seu trono (II Samuel 7:12-14), esse rei tem de ser maior do que ele. Se Davi é o melhor de todos os reis de Israel, então Deus terá de providenciar, Ele mesmo, um Rei ainda melhor. E assim Ele fará. II Samuel é um grande livro, merecedor de um estudo sério da nossa parte. Vejamos como Deus trabalha em nossa vida por meio desse estudo.

Tradução: Mariza Regina de Souza

 

2. O Que Um Amalequita Está Morrendo De Vontade De Contar A Davi (II Samuel 1:1-27)

Introdução

O texto do primeiro capítulo de II Samuel me faz lembrar da história de um jovem piloto americano muito desastrado. Tudo o que ele fazia parecia sempre dar errado. Durante a II Guerra Mundial, ele servia a bordo de um porta-aviões e todos achavam que ele não conseguiria levantar vôo, pois não se sabia o que poderia acontecer. Certo dia, ele recebeu uma missão e tudo parecia correr bem. Ele localizou e afundou um navio de guerra japonês; depois, derrubou uma porção de Zeros (aviões japoneses de combate). Sem munição e quase sem combustível, ele tentou voltar à base no porta-aviões, mas não conseguia localizá-lo. De repente, as nuvens se abriram e lá estava, bem abaixo dele, o porta-aviões. Por incrível que pareça, seu pouso foi perfeito. Com o avião em segurança, ele pulou para fora e correu até o oficial de comando, ansioso para contar os detalhes de sua missão bem-sucedida. Ele disse que tinha afundado um navio de guerra japonês e abatido muitos inimigos — ao que o comandante respondeu: “Ha So!”. Sua missão bem-sucedida e seu pouso impecável terminaram num porta-aviões japonês!

Esse piloto de combate me faz lembrar do mensageiro amalequita de II Samuel 1, que se aproxima de Davi esperando receber um elogio, ou até mesmo uma recompensa em dinheiro, como expressão de gratidão. Ele chega trazendo a trágica notícia da derrota de Israel, esperando que Davi considere as mortes de Saul e Jônatas como um tremendo golpe de sorte, uma bênção inesperada, que o livra de seu inimigo (Saul) e de seu concorrente (Jônatas), e abre caminho para ele se tornar o rei de Israel. Ninguém jamais teria esperado a reação de Davi. Extremamente comovido com a notícia da morte de Saul e de seu filho, Jônatas, Davi não dá um suspiro de alívio, agradecido porque Saul, seu inimigo, está morto, e satisfeito por poder assumir o trono em seu lugar; ele lamenta profundamente e, quando fica sabendo que foi o jovem amalequita que matou Saul, ele manda executá-lo.

O autor do texto habilmente usa a comparação para despertar a nossa curiosidade e comunicar uma mensagem muito importante. A primeira metade do capítulo descreve como o amalequita trata Saul. A segunda, como Davi trata Saul. Com base nessa comparação, o autor explica porque Davi trata o amalequita da maneira como o faz. A primeira parte do texto chama a atenção para este jovem, o qual chega com as roupas rasgadas e sinais de pesar, trazendo a notícia da morte de Saul, junto com os seus símbolos de poder (a coroa e o bracelete). Ele tem informações sobre a derrota de Israel, sobre a morte de muitos israelitas e, em especial, sobre a morte de Saul e seu filho, Jônatas. Sua narrativa, primeiramente, causa profundo pesar em Davi e seus homens e, depois, a sua própria morte, por ter tirado a vida de Saul. A última parte do capítulo contém um salmo de lamentação de Davi, o qual ele escreve para ser ensinado aos filhos de Judá. A ênfase principal do capítulo parece recair sobre o contraste entre Davi e o amalequita, e também sobre a importância da lição transmitida ao leitor. Daremos especial atenção a esse contraste, enquanto procuramos entender o significado e a mensagem do texto.

Lendo esse trecho, mal sentimos a mudança de um livro para outro, de I para II Samuel. A transição parece literalmente ininterrupta, o que, na realidade, é como está no texto original. Nele, não temos dois livros, I e II Samuel; apenas um, englobando os dois. Este único livro do texto hebraico, mais tarde, foi dividido pelos tradutores da Septuaginta. Desde então, todas as Bíblias subsequentes seguiram o mesmo procedimento, chamando aos dois livros de I e II Samuel. Por isso é tão natural passarmos de um livro para outro sem perceber.

Notícias Preocupantes
(1:1-10)

“Depois da morte de Saul, voltando Davi da derrota dos amalequitas e estando já dois dias em Ziclague, sucedeu, ao terceiro dia, aparecer do arraial de Saul um homem com as vestes rotas e terra sobre a cabeça; em chegando ele a Davi, inclinou-se, lançando-se em terra. Perguntou-lhe Davi: Donde vens? Ele respondeu: Fugi do arraial de Israel. Disse-lhe Davi: Como foi lá isso? Conta-mo. Ele lhe respondeu: O povo fugiu da batalha, e muitos caíram e morreram, bem como Saul e Jônatas, seu filho. Disse Davi ao moço que lhe dava as novas: Como sabes tu que Saul e Jônatas, seu filho, são mortos? Então, disse o moço portador das notícias: Cheguei, por acaso, à montanha de Gilboa, e eis que Saul estava apoiado sobre a sua lança, e os carros e a cavalaria apertavam com ele. Olhando ele para trás, viu-me e chamou-me. Eu disse: Eis-me aqui. Ele me perguntou: Quem és tu? Eu respondi: Sou amalequita. Então, me disse: Arremete sobre mim e mata-me, pois me sinto vencido de cãibra, mas o tino se acha ainda todo em mim. Arremessei-me, pois, sobre ele e o matei, porque bem sabia eu que ele não viveria depois de ter caído. Tomei-lhe a coroa que trazia na cabeça e o bracelete e os trouxe aqui ao meu senhor.”

Davi e seus homens certamente são gratos pela vitória sobre os amalequitas e pela recuperação de suas famílias e bens. No entanto, esta vitória deve ser suplantada pela preocupação com as coisas que estão ocorrendo em Israel. Quando ele deixou Aquis para retornar a Ziclague, os filisteus tinham reunido um enorme contingente de soldados para atacar Israel. Davi sabe muito bem o quanto aquela manobra militar foi impressionante, pois ele e seus homens já tinham desfilado à retaguarda daquele exército. Desde que se separou dos filisteus, Davi deve andar muito preocupado com Saul e seu querido amigo Jônatas, sem falar no resto de seus compatriotas. Durante sua perseguição aos saqueadores amalequitas, e na batalha subsequente, ele teve pouco tempo para pensar no que estava ocorrendo em Israel. Agora, há três dias em Ziclague, ele e seus homens devem estar pensando em como vai a guerra, ou talvez, em como foi.

É o terceiro dia em Ziclague quando irrompe no acampamento de Davi um jovem completamente sem fôlego, pois há dias que está correndo. Ele deve ter percorrido aproximadamente 160 km para chegar até lá. Sua aparência diz quase tudo, pois suas roupas estão rasgadas e há terra em sua cabeça. Isso é sinal de pesar. A notícia não vai ser boa. Quando se aproxima de Davi, o jovem se lança em terra diante dele, prostrando-se como diante de um nobre, como se estivesse na presença de um rei.

Na mesma hora, Davi começa a interrogar o jovem, querendo saber, antes de mais nada, de onde ele vem. É provável que ele já tenha presumido o pior, mas, mesmo assim, faz perguntas para saber se o homem tem, ou não, notícias de Saul. O jovem responde que veio do arraial de Saul. Na verdade, suas palavras são bem mais sombrias, pois ele diz a Davi que escapou do arraial de Saul. Isso não soa nada bem. Davi, então, pergunta como foram as coisas na batalha. O jovem, agora, revela aquilo que Davi já devia ter presumido. Israel sofreu uma derrota - terrível. Muitos soldados foram mortos e o restante fugiu. Entre os mortos na batalha estão Saul e seu filho Jônatas.

Davi se recusa a aceitar a história do homem sem verificá-la. Será que o mensageiro tem certeza absoluta de que Saul e Jônatas foram mortos? O jovem explica o que aconteceu. Não estou bem certo se ele realmente pretendia dizer a Davi tudo o que revelou. Pelos detalhes fornecidos, creio que ele esteve mesmo com Saul, e que o matou nos últimos momentos de vida. Quando combinamos esta história com os fatos narrados no capítulo anterior (I Samuel 31), podemos ter um quadro bastante aproximado do que ocorreu.

Quando encontra Saul no monte Gilboa, o jovem está ali por acaso. Ele não conta exatamente porque estava lá. Se tivesse que dar um palpite, eu diria que não foi para defender Saul dos filisteus, mas para saquear o acampamento antes da chegada deles. É óbvio que ele não está defendendo Saul. Quando eles se cruzam, Saul ainda está vivo. Ele está no chão, ou como diz o texto, “caído” (1:10). Sua espada está encravada em seu corpo, crivado de flechas filistéias. Apesar de tudo, ele ainda não está morto. Parece que ele se apoia em sua lança, o que, provavelmente, alivia a dor e a pressão das flechas e da espada.

Olhando à sua volta, Saul vê o jovem se aproximar e avaliar a situação. Ele o chama, e este responde: “Eis-me aqui”. Saul, então, pergunta-lhe quem é ele. Seria muito estranho se o rapaz fosse filisteu, pois estes estão apertando o ataque e logo estarão sobre Saul (verso 6). O rapaz informa que é amalequita. Saul, então, suplica que ele acabe com seu sofrimento.

Estou em débito com meu amigo e colega de conselho, Hugh Blevins, por sua compreensão deste trecho. Hugh mostra que o autor dá muita importância ao fato do rapaz ser amalequita. Isso parece encorajar Saul. Afinal, ele acabara de pedir a mesma coisa a seu escudeiro e este se recusara a fazê-lo. Um amalequita não terá tais escrúpulos para matar o rei de Israel. Na verdade, quando Saul ordenou aos seus servos que matassem Abimeleque e os outros sacerdotes, eles se recusaram, por isso, ele pediu a Doegue, o edomita, que de bom grado cumpriu suas ordens (ver I Samuel 22:16-19). Portanto, mesmo que um israelita se recuse a matar Saul, o rei tem quase certeza de que um amalequita não se recusará.

Saul pede que o jovem se aproxime, “fique sobre” ele e o mate (“arremete sobre mim”, ARA). A interpretação dada pela versão NASB é mais genérica: “Por favor, fique ao meu lado e mate-me” (verso 9). A versão King James é mais rigorosa em sua interpretação destas palavras: Fique, peço-te, sobre mim e mate-me... O jovem, então, responde: Por isso, fiquei sobre ele e o matei (verso 10, KJV) (“Arremessei-me, pois, sobre ele e o matei”, ARA). O que gostaria de enfatizar com estas palavras é que o jovem deve ter “estado lá e feito aquilo”, para ser tão preciso na descrição dos últimos momentos e da morte de Saul. Saul está no chão, parcialmente escorado por sua lança (não pela espada). Ele suplica que o jovem se aproxime e fique sobre ele porque ele está no chão, e o jovem precisaria fazer isso para matá-lo. O jovem amalequita favorece Saul, matando-o. Nada é dito sobre a arma usada por ele ou como ele a usa para matar Saul. A ironia é que, de qualquer forma, Saul estaria morto em poucos minutos. Esse “assassinato” (recontado como se fosse um ato de misericórdia) priva Saul somente de mais alguns minutos de vida. Ainda assim, é assassinato.

O amalequita confessa ter matado Saul e depois, no verso 10, tenta justificar sua atitude. Ele arremeteu sobre Saul e o matou, mas foi porque sabia que, tendo caído, Saul não se levantaria novamente. De qualquer forma, ele teria morrido bem ali, naquele lugar. Além do mais, ele fez exatamente o que Saul implorou que ele fizesse. Saul queria ficar livre de sua agonia e o jovem prestou-lhe um favor. Será que isso não foi ato de misericórdia? Ele acha que talvez receba uma recompensa por isso, mas acaba recebendo muito mais do que esperava. Ele fez o que Saul queria e o que, supostamente, achou que Davi quisesse. Ele pensou que não seria culpado por fazer o que Saul e Davi desejavam. Ele retirou a coroa e o bracelete do corpo de Saul e correu para levá-los a Davi, seu “senhor” (verso 10). Será que já não é tempo de Davi assumir seu posto como rei?

Antes de voltarmos nossa atenção para a reação de Davi ao relato do amalequita, talvez seja útil resumir os elementos-chave deste incidente:

  1. 1) O mensageiro parece ansioso para viajar e encontrar-se com Davi, para lhe contar sobre as mortes de Saul e Jônatas. Da mesma forma que Aimaás em II Samuel 18:19-23, ele parece querer levar a notícia por esperar que Davi fique satisfeito com ela (ver II Samuel 4:9-10). Também como Aimaás, o amalequita não compreende que isso causará em Davi profunda dor e tristeza;
  2. 2) Parece que ele espera ser recompensado por Davi;
  3. 3) Ele sabe exatamente onde encontrar Davi;
  4. 4) Davi interroga minuciosamente o amalequita e parece descobrir muito mais do que o mensageiro pretendia dizer. Longe de mentir sobre a morte de Saul e seu papel no que aconteceu, o mensageiro lhe conta tudo;
  5. 5) Por alguma razão, o mensageiro faz questão de falar sobre a morte de Jônatas, mas não menciona que os outros filhos de Saul também foram mortos na batalha;
  6. 6) O mensageiro parece presumir que Saul e Jônatas são inimigos de Davi, obstáculos à sua ascensão ao trono. Ele parece crer que, matando Saul, estará tirando-o do caminho de Davi e, portanto, prestando-lhe um favor (novamente ver II Samuel 4:9-10);
  7. 7) O texto ressalta que o mensageiro é amalequita e que isso não é nenhuma coincidência. Saul tinha que matar os amalequitas (I Samuel 15). Os saqueadores que atacaram Ziclague e raptaram as famílias de Davi e seus homens eram amalequitas. Só faz três dias que Davi voltou a Ziclague, depois de tê-los perseguido e morto;
  8. 8) O mensageiro sabe que Davi foi (ou esperava que fosse) designado para ser o próximo rei de Israel. Ele traz a coroa e o bracelete que tirou do corpo de Saul e os dá a Davi, como rei;
  9. 9) O homem admite, quase com orgulho, ter matado Saul, o ungido de Deus.

A Reação De Davi
(1:11-16)

Então, apanhou Davi as suas próprias vestes e as rasgou, e assim fizeram todos os homens que estavam com ele. Prantearam, choraram e jejuaram até à tarde por Saul, e por Jônatas, seu filho, e pelo povo do SENHOR, e pela casa de Israel, porque tinham caído à espada. Então, perguntou Davi ao moço portador das notícias: Donde és tu? Ele respondeu: Sou filho de um homem estrangeiro, amalequita. Davi lhe disse: Como não temeste estender a mão para matares o ungido do SENHOR? Então, chamou Davi a um dos moços e lhe disse: Vem, lança-te sobre esse homem. Ele o feriu, de sorte que morreu. Disse-lhe Davi: O teu sangue seja sobre a tua cabeça, porque a tua própria boca testificou contra ti, dizendo: Matei o ungido do SENHOR.”

Enquanto leio este capítulo de II Samuel, lembro-me daquela antiga piada sobre as “boas e as más notícias”. Vou dar um exemplo. Acho que o mensageiro está pensando em termos de “boas e más notícias”, quando fala com Davi. Acho que ele esperava abordar Davi desta forma: “Davi, tenho boas e más notícias. As más são que Israel foi derrotado pelos filisteus. Muitos homens foram mortos e muitos mais fugiram da batalha, e até de suas cidades e do país. As boas são que Saul está morto, e que seu herdeiro, Jônatas, também. Isso significa que agora você pode colocar esta coroa na cabeça e governar Israel.”

Para Davi, todas as notícias são ruins. Ele fica triste pela derrota de Israel e pela morte de Saul; mas fica arrasado pela morte de seu melhor amigo, Jônatas. Qualquer pensamento de vantagem pessoal às custas dos outros é descartado.

Como lemos no livro de Eclesiastes, “ tempo de prantear” (Eclesiastes 3:4b). Davi dá o tom da lamentação que se inicia em resposta às palavras do mensageiro. Seus homens prontamente o seguem. Isto nos faz lembrar da época em que eles queriam ver Saul morto. Tudo bem, nem por isso, Davi ou eles puderam fazê-lo. Contudo, alguém o fez, e isto poderia ser visto como razão para algum tipo de contentamento; mas não enquanto Davi estiver por perto! Davi rasga suas vestes, e todos fazem o mesmo. Eles pranteiam, choram e jejuam até o anoitecer. Eles lamentam pela casa de Israel, pelo rei Saul e por Jônatas.

Ora, ainda há outro assunto a ser resolvido, mas que pode esperar enquanto Davi e seus homens expressam seu pesar pela derrota de Israel e pelas mortes de Saul, Jônatas e muitos outros israelitas. O mensageiro confessou ter matado Saul. Isto pode não parecer errado para ele, mas é um ultraje para Davi. Quantas vezes Davi se recusou a matar Saul, mesmo que ele pudesse ter alegado defesa própria? No entanto, este amalequita não teve reservas em dar cabo de Saul.

O mensageiro amalequita não tem a mínima ideia da encrenca em que se meteu. Lembro-me de uma história que minha filha mais velha gostava de contar quando era pequena, sobre a rã boca-aberta. Dona Rã andava por aí perguntando para as outras mães com o que elas alimentavam seus filhotes. Ela ia de animal em animal fazendo perguntas. Até que um dia encontrou uma cobra e lhe disse: — Dona Cobra, com o que a senhora alimenta seus filhotes? (Era desse ponto da história que minha filha Beth mais gostava, pois ela abria bem a boca, numa expressão exagerada). Dona Cobra respondeu: — Alimento meus filhotes com rãs boca-aberta. — Aí, com os lábios franzidos e bem apertados, Beth prosseguia, imitando a Dona Rã: — Ah, é assim?

Dona Rã não percebeu que havia armando uma cilada para si mesma; nem o mensageiro amalequita. Ele diz abertamente que é amalequita, sem se dar conta do que está falando. Ele quase se gaba de ter matado Saul, sem qualquer hesitação ou senso de perigo iminente. Ele também fala com displicência da morte de Jônatas, o melhor amigo de Davi. Esse rapaz coloca a corda no próprio pescoço e só percebe quando já é tarde demais.

O amalequita diz tudo o que Davi precisava saber. Praticamente ele é um homem morto. Ainda assim, Davi lhe pergunta, pela segunda vez, de onde ele vem. Devo admitir estar um tanto confuso com a razão pela qual Davi faz, literalmente, duas vezes a mesma pergunta. Acho que estou começando a entender sua intenção. Com frequência, perguntamos duas vezes a mesma coisa não porque não ouvimos a resposta, mas porque ela nos pega de surpresa e nos confunde. Quando Davi pergunta pela primeira vez, o jovem responde que veio do arraial de Saul (verso 3). Depois, quando o mensageiro fala sobre o que aconteceu no monte Gilboa, ele inclui ter dito a Saul que é amalequita (verso 8). Durante o período de lamentação, talvez Davi tenha dito a si mesmo: “Como é que um amalequita poderia estar no arraial de um rei israelita, justamente quando os amalequitas são inimigos de Israel?” Talvez o mensageiro esteja começando a compreender a pergunta de Davi; por isso, ele tenta esclarecer, respondendo que é filho de um estrangeiro, que é amalequita.

Porém, sua resposta é fraca demais e tardia demais para lhe proporcionar algum bem. Não importa qual seja sua explicação, ele “estendeu a mão para matar o ungido do Senhor”, e se gabou disso. Ele não tem desculpa, é condenado por suas próprias palavras. Davi ordena que seja executado. O Bible Knowledge Commentary traz uma nota bastante perspicaz sobre este trecho:

“É irônico que Saul tenha perdido seu reino por não ter aniquilado totalmente os amalequitas e, agora, alguém, que se diz amalequita, morre por ter afirmado que destruiu Saul.”

A questão é muito simples e clara para Davi e não é como o jovem parece vê-la. O rapaz vê Saul como inimigo de Davi, um obstáculo à sua ascensão ao trono. Ele acha que a notícia de sua morte é boa para Davi. Ele acha que matar Saul é “por fim ao seu sofrimento”, da mesma forma que atirar num cavalo que está com a perna quebrada. Davi vê as coisas de modo muito mais simples: o jovem matou o ungido do Senhor. Não importa que, de qualquer forma, Saul teria morrido; não importa que ele tenha tornado a vida de Davi um inferno. Não importa que Saul estivesse sofrendo. Não importa que ele quisesse morrer ou só tivesse mais alguns instantes de vida. Não importa que os filisteus logo estariam sobre ele. O amalequita matou o ungido do Senhor. Agora, Davi ordena que seja morto.

Como Caíram Os Valentes
(1:17-27)

Pranteou Davi a Saul e a Jônatas, seu filho, com esta lamentação, determinando que fosse ensinado aos filhos de Judá o Hino ao Arco, o qual está escrito no Livro dos Justos. A tua glória, ó Israel, foi morta sobre os teus altos! Como caíram os valentes! Não o noticieis em Gate, nem o publiqueis nas ruas de Asquelom, para que não se alegrem as filhas dos filisteus, nem saltem de contentamento as filhas dos incircuncisos. Montes de Gilboa, não caia sobre vós nem orvalho, nem chuva, nem haja aí campos que produzam ofertas, pois neles foi profanado o escudo dos valentes, o escudo de Saul, que jamais será ungido com óleo. Sem sangue dos feridos, sem gordura dos valentes, nunca se recolheu o arco de Jônatas, nem voltou vazia a espada de Saul. Saul e Jônatas, queridos e amáveis, tanto na vida como na morte não se separaram! Eram mais ligeiros do que as águias, mais fortes do que os leões. Vós, filhas de Israel, chorai por Saul, que vos vestia de rica escarlata, que vos punha sobre os vestidos adornos de ouro. Como caíram os valentes no meio da peleja! Jônatas sobre os montes foi morto! Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; tu eras amabilíssimo para comigo! Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres. Como caíram os valentes, e pereceram as armas de guerra!

Vamos ser honestos, é difícil saber o que dizer ou não dizer num funeral, especialmente se você é o pregador que está ministrando o ofício fúnebre. Já ouvi uma porção de mentiras em funerais, muitas ditas por pregadores. Ouvi mentiras a respeito de Deus (por exemplo, “Que não foi culpa de Deus. Que Ele não sabia ou não tinha poder sobre o que aconteceu.”) e mentiras a respeito daquele que morreu. Geralmente, as mentiras a respeito de quem partiu tendem a exagerar suas virtudes e minimizar seus defeitos. Lembro-me de ter ouvido a história de um pregador que, durante o funeral de um patife, foi muito franco a seu respeito. No meio do serviço fúnebre, ele fitou os olhos da viúva e disse: Millie, você sabe que Ralph era um cafajeste. Se você se casar de novo, veja se arranja um cara melhor. — Isso é que é honestidade.

Embora já tenha feito muitos ofícios fúnebres (e alguns deles bem complicados), acho que um dos mais difíceis seria o de Saul. Suponha, por exemplo, que você tivesse que agir de acordo com o ditado “Se não tem nada de bom a dizer sobre alguém, não diga nada.” O que faria, tendo 45 minutos de silêncio em memória de Saul? Em nosso texto, Davi é quem conduz o funeral de Saul, ou, pelo menos, uma cerimônia equivalente. Obviamente, essa cerimônia não é aquilo que eu esperava. Creio poder dizer também que não é o que jovem amalequita esperava. Como não temos tempo suficiente, nem espaço, para expor em detalhes a elegia (ou lamentação) de Davi, vamos nos concentrar apenas em algumas características gerais.

Esta eulogia, ou lamento, é um salmo de Davi, um trabalho especial feito com amor. Meu pai é professor escolar aposentado e, há muitos anos, compõe poemas. Ele os compôs para os seus amigos quando se aposentaram. Ele compõem para todos os filhos no dia de seus aniversários e, quando ainda não tinha muitos netos, para cada um deles também. Sei muito bem o que o pessoal da Hallmark (site de cartões eletrônicos) diria sobre os cartões de meu pai, mas um poema dele significa muito mais do que um simples e-card. É um trabalho feito com amor. Sabemos que ele leva muito tempo pensando na pessoa para quem está compondo o poema. Sabemos que esse é o seu jeito de nos dizer o quanto nos ama. É isso também o que a eulogia de Davi está dizendo. Nela, ele exprime seu amor por Saul e por Jônatas, da maneira mais maravilhosa que existe.

A eulogia de Davi é um salmo de pesar pelas mortes de Saul e Jônatas. Davi chora pela derrota de Israel e pela perda de muitos israelitas, mas este não é o foco principal do salmo. O salmo exprime sua tristeza pelas mortes de Saul e Jônatas. O mensageiro amalequita acha que a notícia dessas mortes será boa para Davi. Ele está errado. O salmo nos diz que Davi tem um profundo sentimento de perda e de tristeza por suas mortes. A notícia lhe causa um sofrimento genuíno.

A eulogia de Davi não diz nada negativo sobre Saul. Quando Davi lamenta a morte de Saul, não há a menor alusão a qualquer mal ou coisa ruim que Saul tenha feito a ele ou a outras pessoas. Como teria sido fácil incluir alguns detalhes de suas ações, ter reivindicado algum tipo de justiça divina; mas Davi não o faz.

O salmo de Davi enaltece tanto Saul quanto Jônatas como heróis. Davi não só se abstém de falar mal de Saul, como também o enaltece, e a Jônatas, como heróis de guerra, dignos de honra e respeito.

O salmo de Davi inicia com o foco Saul e termina com o foco em Jônatas. Mesmo que tenha coisas boas a dizer sobre seu rei, é evidente, neste salmo, que Davi tem profundo sentimento por Jônatas e firme compromisso com ele. O que talvez fosse um assunto particular enquanto Jônatas estava vivo, agora torna-se público. Eis algo que o amalequita desconhecia completamente. Parece que ele pensava que Jônatas era inimigo de Davi, não seu melhor amigo.

O salmo de Davi parece ser expressão e consequência da aliança existente entre ele e Jônatas. Vimos que a aliança feita entre eles (I Samuel 18) foi colocada em prática (capítulo 19:1-7) e, depois, ampliada e reafirmada (capítulos 20 e 23). Em sua eulogia, Davi já está abençoando Jônatas e seus descendentes quando o enaltece como herói, cuja memória deve ser preservada.

O salmo de Davi é escrito para um público infinitamente maior do que apenas seus 600 homens. O salmo é escrito e registrado no “Livro dos Justos”. Vemos que há referência a esse “livro” no livro de Josué:

“Então, Josué falou ao SENHOR, no dia em que o SENHOR entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel; e disse na presença dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeão, e tu, lua, no vale de Aijalom. E o sol se deteve, e a lua parou até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no Livro dos Justos? O sol, pois, se deteve no meio do céu e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro. Não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, tendo o SENHOR, assim, atendido à voz de um homem; porque o SENHOR pelejava por Israel.” (Josué 10:12-14)

No texto de Josué, lemos a respeito da vitória dada por Deus a Israel sobre os amorreus, com o auxílio do sol que se deteve no céu. Aquele episódio foi tão impressionante e tão incrível que foi registrado para que as gerações posteriores o lessem e ficassem impressionadas. Davi não deseja apenas enaltecer Saul e Jônatas, ele quer que todos os “filhos de Judá se unam a ele” (II Samuel 1:18), por isso, dá instruções para que a canção lhes seja ensinada. Creio que isto significa que, não somente aquela geração, mas todas as futuras gerações devem aprendê-la, para enaltecer Saul e Jônatas.

Não estou bem certo se podemos entender a importância do que Davi está fazendo. Aqueles que ascendem ao topo do poder em uma nação, em geral, tomam todos os tipos de precaução para impedir que qualquer rival derrube sua administração e assuma o poder em seu lugar. Com frequência, isso significa a execução de toda a família da dinastia que está sendo removida do poder. Pode significar a re-escrita da história, para que a família caia em desgraça e desprezo. Davi faz justamente o oposto. Ele honra Saul e Jônatas e se assegura de que as futuras gerações os considerem como heróis nacionais. Ele exalta Saul e Jônatas entre os “filhos de Judá”. Os “filhos de Judá” não são parentes de Saul; são parentes de Davi, o mesmo grupo que ele espera que o apoie como rei. Davi faz uma coisa realmente extraordinária, escrevendo e preservando esta eulogia.

Conclusão

A reação de Davi à morte de Saul é simplesmente notável, mas será que é sincera? Será que ele não está só tentando dourar a pílula? Será que ele não está tentando varrer todas as maldades de Saul para debaixo do tapete? Será que não é hipocrisia de sua parte? Creio que podemos concluir que ele é absolutamente sincero. Não há nenhuma hipocrisia neste salmo. Acho que tudo o que ele diz é verdade.

Isto leva a um princípio muito importante, que muitas vezes é desrespeitado em nossos dias: para ser honesto e sincero não é preciso dizer tudo o que poderia ser dito, ou tudo o que sabemos ser verdade. Davi é honesto e sincero, e temente a Deus, ainda que não diga tudo o que sabe a respeito de Saul. Um dos princípios da psicologia popular sustenta que devemos “por tudo para fora”, todas as frustrações devem ser descarregadas, todas as injustiças manifestadas e todos os pensamentos externados. A Bíblia simplesmente não ensina nada disso. O livro de Provérbios, em particular, ensina que o homem sábio escolhe cuidadosamente suas palavras e como e quando as dirá. Algumas coisas não devem ser ditas de forma alguma. O Novo Testamento contém um princípio muito importante, que deveria governar aquilo que dizemos, ou não: “Devemos falar apenas aquilo que edifica (constrói ou beneficia) o(s) ouvinte(s)” (ver I Coríntios 14:4-5, 17, 26). O capítulo 14 de I Coríntios nos ensina que a igreja é edificada tanto pelo nosso silêncio, quanto pelas nossas palavras. Não é pecado deixar de dizer aquilo que não venha a ser útil, mesmo que seja verdade. Davi não diz nada que não seja verdade a respeito de Saul. Ele só diz o que é verdade. Ele não mente. Mesmo assim ele não diz tudo. É assim que deve ser.

Devo dizer também que, quando Saul pecou e Davi teve que falar com ele, Davi o confrontou com seu pecado (ver I Samuel 24 e 26). Existe um tempo certo para falar com o pecador sobre o seu pecado. Porém, agora, Saul está morto. Davi não fará bem algum a ele, expondo seus pecados. Falando “mal do morto”, Davi estaria apenas magoando e prejudicando os descendentes de Saul, aos quais prometeu abençoar.

Assim, vemos que Davi é justo e prudente não mencionando os pecados de Saul neste momento. O povo sabia muito bem quem era Saul e quais eram os seus pecados. Davi quer que Saul seja lembrado e honrado pela contribuição positiva que trouxe aos israelitas a quem governou. Porém, isto gera uma questão importante: “Como Davi faz isso? Como ele consegue falar tão bem de Saul, depois de todo sofrimento que este lhe causou?”

Há muitas respostas para esta pergunta. Primeiro, Davi confia no Deus a quem serve. Davi sabe que seu Deus é um Deus poderoso. Seu Deus está no controle de todas as coisas. Por isso, Ele permitiu que Saul perseguisse e atormentasse Davi. Davi também sabe que Deus permitiu seu sofrimento às mãos de Saul para o instruir no caminho da retidão. Saul foi usado por Deus como instrumento no preparo de Davi para o papel de liderança que ele em breve iria assumir. O sofrimento de Davi não foi em vão; assim, ele não precisa se sentir mal por causa de Saul. Da mesma forma que José conseguiu ser agradecido pela providência de Deus em meio ao seu sofrimento (ver Gênesis 50:20), Davi também pode fazer o mesmo.

Segundo, parece que Davi não sente mágoa pelos pecados que Saul cometeu contra ele, pois o perdoou. Parece ter sido por esse motivo que José tratou com bondade a seus irmãos, a despeito de todo o mal que fizeram contra ele. Creio que Davi já perdoou Saul, e é por isso que não guarda, nem demonstra amargura. É muito triste guardar rancor, pois se a pessoa já está morta, é um pouco tarde para perdoá-la. Davi não precisa desenterrar o passado, pois tem pouca coisa para prestar contas.

Terceiro, de acordo com o que li, tenho que admitir que Davi tem muito mais consideração por Saul do que eu. Preciso confessar que não gosto muito de Saul. Não gosto de pensar bem dele, por isso, minha tendência é sempre pensar o pior e não o melhor a seu respeito. Acho que nosso autor pensa como Davi, tendo melhor consideração por Saul do que eu. Parece que ele deixa isso claro quando resume o governo de Saul no capítulo 14:

“Tendo Saul assumido o reinado de Israel, pelejou contra todos os seus inimigos em redor: contra Moabe, os filhos de Amom e Edom; contra os reis de Zobá e os filisteus; e, para onde quer que se voltava, era vitorioso. Houve-se varonilmente, e feriu os amalequitas, e libertou a Israel das mãos dos que o saqueavam.” (I Samuel 14:47-48)

Estes versos até parecem fora de lugar. Eles são uma espécie de eulogia, ou bênção, enunciada antes da besteira irreparável cometida por Saul no capítulo 15, e antes do registro de sua morte no capítulo 31. Acho que o autor quer indicar que esse é o fim para Saul, muito antes do fim de sua vida. Entretanto, onde quer que a avaliação de seu governo fosse colocada, devo admitir que as palavras ditas a seu respeito são muito mais positivas do que eu esperava. Creio que o autor de I Samuel faz afirmações relativamente boas sobre ele porque é necessário que as tenhamos em mente quando analisarmos somente uma parte de sua vida neste livro. Mostrando as falhas de Saul, o autor pretende ensinar ao leitor algumas lições muito importantes. Acho que seus erros são cometidos da mesma maneira que os de Israel. Indo um pouco mais além, nós, hoje, também erramos desse mesmo jeito. Portanto, o foco de I Samuel está nas falhas de Saul, as quais ocasionaram o fim de seu reinado. Ainda assim, ele fez muitas coisas boas. E é sobre elas que Davi fala em sua eulogia.

Quarto, Davi mostra obediência a um mandamento muito importante, expresso claramente na carta de Paulo aos filipenses:

“Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.” (Filipenses 4:8)

A verdade nada mais é do que o primeiro teste para aquilo que deve ocupar nosso coração e nossa mente, e sair da nossa boca. Esse é o ponto de partida, mas há muitos outros critérios, como vemos no texto. Davi escreve um salmo para ajudar os israelitas de sua época e das gerações futuras a lembrarem-se de Saul e Jônatas e honrá-los. Se eles se lembrarem de Saul da forma como Davi o retrata na última parte de nosso texto, com certeza eles “ocuparão suas mentes com tudo o que é respeitável, justo, puro, amável e de boa fama”. Davi não quer que nos detenhamos muito tempo nos pecados de Saul. Tampouco quer que os ignoremos. O autor de I Samuel registrou-os para que aprendamos com eles.

Hoje em dia há muita ênfase nas injustiças que os outros, especialmente nossos pais, cometem contra nós. Nós achamos que é preciso desenterrar todos os traumas, destrinchá-los e, então, discuti-los. Creio que Davi agiria de modo diferente de nós nessa questão. Se ainda não perdoamos nossos pais pelas injustiças que cometeram contra nós, precisamos fazê-lo e depois esquecê-las. Se ainda não os confrontamos com os pecados que praticam, talvez seja necessário fazê-lo de forma bíblica. No entanto, não há nenhuma virtude em ficar remoendo as injustiças sofridas. Não devemos ocupar nossa mente com tais coisas.

Quinto, o respeito de Davi por Saul tem como base a posição que ele ocupa. Respeito é um dos assuntos mencionados em Filipenses 4:8: “... tudo que é respeitável...” Contudo, o mesmo princípio é ensinado também em outros contextos.

“Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá.” (Êxodo 20:12; ver Mateus 15:4, etc).

“Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.” (Romanos 13:7)

“Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei.”

Nestes versículos, Deus nos diz para “honrarmos” aos outros por causa da posição que ocupam. Na maioria dos casos, essa honra é devida àqueles que estão em posição de autoridade sobre nós (pais, reis, etc.). Como cristãos, devemos honrar a todos os homens, não só porque Deus os criou, mas porque devemos colocar seus interesses acima dos nossos (Filipenses 2:1-8). Davi nos dá um exemplo excelente de como devemos honrar aos outros.

Precisamos também entender que honrar o rei de Israel tinha um significado especial. O rei tinha uma posição de honra muito particular. Ele era chamado de “filho” de Deus (ver II Samuel 7:14; Salmo 2:7-9). Nosso Senhor Jesus Cristo foi o “Filho” de Deus nesse sentido, em parte porque era o Rei designado por Deus. O rei era o “ungido de Deus”. Esta expressão é empregada em I Samuel primeiramente com relação a Saul, depois com relação a Davi. Ela também se refere a futuros reis, em especial ao Messias. A palavra hebraica interpretada como “ungido” é o termo “Messias” transliterado para a língua inglesa. Davi honra Saul como o “ungido de Deus”, e desta forma, “O Ungido” que haveria de vir. À medida que a revelação do Antigo Testamento progride, isto se torna cada vez mais claro.

Em sua eulogia, Davi fala de Saul como o formoso de Israel (“glória” na versão ARA). A mesma palavra, traduzida como “formoso” em nosso texto, é empregada por Isaías referindo-se ao futuro Messias, que é o formoso e a glória de Israel:

“Naquele dia, o Renovo do SENHOR será de beleza e de glória; e o fruto da terra, orgulho e adorno para os de Israel que forem salvos.” (Isaías 4:2)

“Naquele dia, o SENHOR dos Exércitos será a coroa de glória e o formoso diadema para os restantes de seu povo;” (Isaías 28:5)

Quando Davi honra Saul como o formoso de Israel, ele o faz na esperança e expectativa de ver o rei perfeito de Israel, o Messias.

Para encerrar, há ainda outra lição em nosso texto que não posso deixar de ressaltar. É uma palavra de alerta para aqueles que confiam em sua própria justiça para a salvação eterna, e esperam que Deus os receba de braços abertos, mesmo que tenham rejeitado Sua condição para salvação na pessoa de Jesus Cristo.

O jovem amalequita tira a vida de Saul pensando que está prestando um favor a Saul, a Davi e a si mesmo. Ele acha que está poupando Saul de seu sofrimento, que o está tirando do caminho de Davi e que pode alcançar a gratidão e o favor de Davi, talvez em forma de recompensa. Em vez de ser recompensado, ele provoca a ira de Davi e é executado. Somos tentados a ficar mais chocados por Davi ter mandado executá-lo do que pelo rapaz ter matado Saul. Davi está certo em tê-lo condenado à morte, em mais de um sentido. Primeiro, ele podia e devia matá-lo, simplesmente porque o rapaz era amalequita (ver I Samuel 15:31). Segundo, Davi tinha obrigação de executá-lo, porque o jovem matou o ungido de Deus. Davi agiu certo quando irou-se com o tratamento dispensado pelo amalequita a Saul, e agiu certo quando condenou-o à morte.

Muitas pessoas sabem que Jesus afirmou ser o Deus encarnado, o Filho de Deus. Sabem que Ele morreu na cruz do Calvário e que ressuscitou da morte. Sabem que Ele afirmou ter morrido por seus pecados e que só Ele é o caminho para a vida eterna. No entanto, ainda assim, rejeitam-nO como seu Salvador. Elas acham que há outros meios de salvação, além do sangue de Jesus derramado na cruz. Pensam que quando estiverem diante de Deus, Ele as aceitará por causa de suas boas obras, ou de sua fé em outros meios de salvação. Esperam que Deus receba-as calorosamente em Seu reino e recompense-as com a vida eterna. Elas estão redondamente enganadas.

Se Davi agiu certo quando irou-se porque um homem matou Saul, o ungido de Deus, como você pensa que Deus agirá contra aqueles que rejeitam a Jesus Cristo, o Seu ungido? Se houvesse mais de um meio de Deus salvar os homens, você acha que Ele teria enviado Jesus Cristo para ter uma morte agonizante na cruz do Calvário, como uma dentre várias opções? Aqueles que confiam em qualquer outro meio de salvação, rejeitam Jesus como O ungido de Deus. E aqueles que O rejeitam como ungido de Deus são tão culpados de mandá-lO para a morte como o foram aqueles que estavam diante de Pilatos, séculos atrás, gritando “Crucifica-o! Crucifica-o!” Que loucura é esperar a aprovação e aceitação de Deus, quando alguém rejeita Seu único meio de salvação. Da mesma forma que Davi tratou rudemente o amalequita que assassinou Saul, Deus também tratará aqueles que rejeitam Seu Filho, Jesus Cristo. O caminho para receber o perdão dos pecados e o dom da eterna salvação é confiar no ungido de Deus, Jesus Cristo. Ele é o rei de Deus, que reinará para todo o sempre. Ele também é o Cordeiro de Deus, que morreu pelos pecados dos homens. Todos aqueles que confiam nEle serão salvos. Todos aqueles que não aguardam a ira eterna de Deus. Se você ainda não reconhece seu pecado e não confia na morte, sepultamento e ressurreição de Jesus Cristo em seu favor, por que não faz isso hoje?

Tradução: Mariza Regina de Souza

3. Dois Carecas Brigando Pelo Mesmo Pente (II Samuel 2:1-3:39)

Introdução

Anos atrás, participei de uma conferência para líderes cristãos em Dalas em que Luis Palau, evangelista e professor muito abençoado, foi o orador. A conferência ocorreu não muito depois da Guerra das Malvinas entre Inglaterra e Argentina. Luis havia liderado campanhas evangelísticas naqueles dois países pouco antes da guerra estourar; por isso, provavelmente, deve ter falado do evangelho tanto para soldados argentinos, quanto para soldados ingleses. Aquela guerra intrigava o Sr. Palau. Em certa ocasião, quando teve uma oportunidade de se encontrar com um membro do Parlamento britânico, o Sr. Palau perguntou a ele qual a razão daquele conflito, tendo recebido uma resposta curta e breve: “Dois carecas brigando pelo mesmo pente”. Ao ler os dois primeiros capítulos de II Samuel, o diagnóstico daquele parlamentar parece se ajustar perfeitamente à guerra entre o exército de Davi, parcialmente liderado por Joabe, e o exército de Isbosete, liderado por Abner. Veremos que, muito embora a origem desse conflito possa ter sido banal, suas consequências vão muito além da banalidade. Os acontecimentos de nosso texto não são nem de longe “coisa de um passado remoto e distante”, como poderíamos pensar; na verdade, discutiremos nesta mensagem que eles são muito relevantes para os cristãos e para a igreja de nossos dias.

Você (e eu também) talvez esteja ansioso para ver Davi no trono de Israel, mas ainda é cedo. Isso só acontecerá no capítulo cinco. Até lá, devemos voltar nossa atenção para o texto e suas lições. Estes capítulos têm muito a nos dizer sobre Davi, mas iremos considerar sua dimensão na próxima lição. Por enquanto, é preciso observar que eles se concentram, principalmente, em dois homens: Abner e Joabe. Esses dois militares têm grande impacto sobre a vida de Davi, seu reino e a história de Israel. Suas vidas se cruzam nos capítulos dois e três. Nosso texto mostra em detalhes o final da vida de Abner e o início da liderança de Joabe sob o governo de Davi.

Nesta lição, tentaremos retroceder um pouco na história de ambos para ver os acontecimentos desta passagem a partir de um contexto mais abrangente de suas vidas. Os dois homens têm algo a nos ensinar. A vida pessoal de cada um, seu relacionamento um com o outro e com os reis de Israel também têm muito a nos dizer; assim, vamos começar com um esboço biográfico dos dois, Abner e Joabe.

Abner Está Em Toda Parte: Breve Esboço Biográfico

Quando as jumentas de Quis se extraviam, ele envia seu filho Saul para encontrá-las e levá-las de volta, com o auxílio de um servo (I Sm. 9:3 e ss). Durante sua busca pelas jumentas, Saul e o servo encontram Samuel, o qual unge secretamente Saul, designando-o como o primeiro rei de Israel. Quando retornam para casa, um tio não-identificado de Saul vai ao seu encontro, sondando-o com algumas perguntas:

“Perguntou o tio de Saul, a ele e ao seu moço: Aonde fostes? Respondeu ele: A buscar as jumentas e, vendo que não apareciam, fomos a Samuel. Então, disse o tio de Saul: Conta-me, peço-te, que é o que vos disse Samuel? Respondeu Saul a seu tio: Informou-nos de que as jumentas foram encontradas. Porém, com respeito ao reino, de que Samuel falara, não lho declarou.” (I Samuel 10:14-16)

Há uma boa chance desse “tio” ser Ner, irmão de Quis, pai de Saul. É facil perceber porque talvez ele esteja interessado no encontro de Saul com Samuel. Israel exigiu um rei como o das demais nações e Deus atendeu seu pedido por intermédio de Samuel (I Samuel 8). Samuel é também aquele que irá designar esse rei e isso ainda não aconteceu. Ner não deixaria esse encontro passar despercebido. O êxito de Saul (como rei) provavelmente significará o êxito de toda a “família”. É bastante razoável que Abner, filho de Ner e primo de Saul, seja o futuro comandante das forças armadas de Israel.

Abner não aparece na história até o encontro de Davi com Golias, conforme registrado no capítulo 17 de I Samuel. Se esperamos que Saul enfrente Golias, o que ele não faz, certamente o próximo da fila para encarar o gigante é o comandante de seu exército. No entanto, Abner está sentado a seu lado, aparentemente assistindo a batalha de uma distância segura:

“Quando Saul viu sair Davi a encontrar-se com o filisteu, disse a Abner, o comandante do exército: De quem é filho este jovem, Abner? Respondeu Abner: Tão certo como tu vives, ó rei, não o sei. Disse o rei: Pergunta, pois, de quem é filho este jovem. Voltando Davi de haver ferido o filisteu, Abner o tomou e o levou à presença de Saul, trazendo ele na mão a cabeça do filisteu.” (I Samuel 17:55-57)

Embora isso possa parecer demasiadamente cruel, entendo que o texto está dizendo que o primo Abner, comandante militar de Israel, está tão apavorado com Golias quanto o resto de seus homens, e Saul:

“Ouvindo Saul e todo o Israel estas palavras do filisteu, espantaram-se e temeram muito.” (I Samuel 17:11)

“Todos os israelitas, vendo aquele homem, fugiam de diante dele, e temiam grandemente.” (I Samuel 17:24)

Covardia nas fileiras sugere covardia também nos altos escalões.

Davi e Abner devem se conhecer razoavelmente bem. Abner é o comandante do exército israelita e Davi um herói de guerra designado como comandante de mil (I Samuel 18:13) que ganha o respeito de seus homens em razão de suas vitórias militares (18:30). Além disso, Abner (como Davi) é convidado regular à mesa de Saul (20:25).

A princípio, certamente Abner não conhece Davi tão bem; mas tudo muda rapidamente depois da vitória de Davi sobre Golias. Ele é promovido a comandante de mil (I Samuel 18:13), o que não deve escapar à observação de Abner. Quando Saul se volta contra Davi, Abner apoia seu primo e rei. E, tendo em vista que Saul emprega seu exército para buscar e matar Davi, seu comandante deve estar envolvido nisso (ver I Samuel 26:3-5, 13-16). Talvez o envolvimento de Abner na vida de Davi seja muito maior do que gostaríamos de saber:

“Acampou-se Saul no outeiro de Haquila, defronte de Jesimom, junto ao caminho; porém Davi ficou no deserto, e, sabendo que Saul vinha para ali à sua procura, enviou espias, e soube que Saul tinha vindo. Davi se levantou, e veio ao lugar onde Saul acampara, e viu o lugar onde se deitaram Saul e Abner, filho de Ner, comandante do seu exército. Saul estava deitado no acampamento, e o povo, ao redor dele. ...Tendo Davi passado ao outro lado, pôs-se no cimo do monte ao longe, de maneira que entre eles havia grande distância. Bradou ao povo e a Abner, filho de Ner, dizendo: Não respondes, Abner? Então, Abner acudiu e disse: Quem és tu, que bradas ao rei? Então, disse Davi a Abner: Porventura, não és homem? E quem há em Israel como tu? Por que, pois, não guardaste o rei, teu senhor? Porque veio um do povo para destruir o rei, teu senhor. Não é bom isso que fizeste; tão certo como vive o SENHOR, deveis morrer, vós que não guardastes a vosso senhor, o ungido do SENHOR; vede, agora, onde está a lança do rei e a bilha da água, que tinha à sua cabeceira. Então, reconheceu Saul a voz de Davi e disse: Não é a tua voz, meu filho Davi? Respondeu Davi: Sim, a minha, ó rei, meu senhor. Disse mais: Por que persegue o meu senhor assim seu servo? Pois que fiz eu? E que maldade se acha nas minhas mãos? Ouve, pois, agora, te rogo, ó rei, meu senhor, as palavras de teu servo: se é o SENHOR que te incita contra mim, aceite ele a oferta de manjares; porém, se são os filhos dos homens, malditos sejam perante o SENHOR; pois eles me expulsaram hoje, para que eu não tenha parte na herança do SENHOR, como que dizendo: Vai, serve a outros deuses. Agora, pois, não se derrame o meu sangue longe desta terra do SENHOR; pois saiu o rei de Israel em busca de uma pulga, como quem persegue uma perdiz nos montes.” (I Samuel 26:3-5; 13-20)

Abner não é só o comandante do exército de Saul, ele é também o chefe de sua segurança. Quando estava em perseguição a Davi, Saul dormiu cercado por suas tropas, com Abner ao seu lado. Se qualquer pessoa tentasse fazer algum mal a Saul, teria de passar primeiro pelos soldados espalhados ao seu redor e depois por seu primo. Sabemos que, nessa ocasião, eles são divinamente anestesiados (26:12). Por isso, depois de pegar a lança e o jarro d’água de Saul, Davi se dirige especificamente a Abner, acusando-o de abandono do dever, sendo assim digno de morte (26:14-16). As palavras de Davi, com certeza, devem tê-lo humilhado publicamente.

A acusação vai muito além do desempenho de Abner em serviço. Afinal, a culpa realmente não é dele. Se Deus fez todo o exército adormecer, como ele poderia ter permanecido acordado? O que, então, Davi tem contra ele em especial? O que Abner, de modo pessoal e particular, fez de errado? A resposta é sugerida no verso 9, onde Davi pergunta a Saul por que ele o persegue. Foi Deus quem o mandou fazer isso ou foi alguém próximo a ele, alguém que lhe tinha acesso e também um ouvido atento? A seguir, Davi amaldiçoa quem estiver enganando o rei, fazendo-o pensar injustamente que ele é uma ameaça ao seu trono. Isso é coerente com suas palavras anteriores no capítulo 24:

“Depois, também Davi se levantou e, saindo da caverna, gritou a Saul, dizendo: Ó rei, meu senhor! Olhando Saul para trás, inclinou-se Davi e fez-lhe reverência, com o rosto em terra. Disse Davi a Saul: Por que dás tu ouvidos às palavras dos homens que dizem: Davi procura fazer-te mal? Os teus próprios olhos viram, hoje, que o SENHOR te pôs em minhas mãos nesta caverna, e alguns disseram que eu te matasse; porém a minha mão te poupou; porque disse: Não estenderei a mão contra o meu senhor, pois é o ungido de Deus.” (I Samuel 24:8-10)

Quando juntamos todos estes elementos, percebemos que Abner é realmente culpado por não ter protegido seu rei, sendo, por isso, digno de morte. Embora de origem divina (por Deus ter feito todos dormir), a falha de Abner tornou Saul vulnerável a Abisai, o qual estava determinado a matá-lo caso não fosse impedido por Davi. Davi prova que é um protetor da vida Saul bem mais eficaz do que Abner. A seguir, ele amaldiçoa quem estiver jogando Saul contra ele. Quem parece ser o maior culpado? É ou não é Abner?

Davi diz que alguém está envenenando a cabeça de Saul contra ele, retratando-o como um inimigo determinado a prejudicar o rei. Quem tem mais a perder? Se Davi é o melhor guerreiro e líder militar de Israel, quem deveria estar no comando das forças de Saul? Quem tem mais intimidade com o rei e maior acesso a ele do que Abner? Abner é o comandante do exército, mas, muito mais do que isso, ele é também primo de Saul. Da mesma forma que ele tinha muito a ganhar com a designação de Saul como rei, ele tem muito a perder com sua destituição. Abner sabe que Davi é aquele que foi ungido por Samuel para substituir Saul. Quando Saul morre, é Abner quem levanta maior oposição à nomeação de Davi como rei. Não seria nenhuma surpresa saber que ele está alimentando Saul com falsas informações, informações que fazem Davi parecer um adversário que precisa ser caçado e morto. Abner não é amigo de Davi; nem mesmo um bom amigo de seu primo Saul.

É estranho que Abner não seja mencionado desde o capítulo 26 de I Samuel até o capítulo 2 de II Samuel, uma vez que, afinal de contas, ele é o comandante das forças de Israel. Onde está Abner nos capítulos intermediários, quando os israelitas lutam contra os filisteus? Onde está Abner quando Israel sofre grande derrota e muita gente foge para se salvar (31:7)? Onde está Abner, o homem sempre à direita de Saul, quando os filhos do rei são assassinados e Saul e seu escudeiro se suicidam? Dá até para perguntar: Onde está Abner quando as coisas se complicam? (Este parece ser o lema de Abner: “Quando as coisas se complicam, é hora de eu me mandar... para o outro lado”). Quando a poeira assenta, Abner ainda está vivo, bem como Isbosete, um dos filhos de Saul. Nosso texto recomeça aqui, logo após o lamento de Davi pelas mortes de Saul e Jônatas. Daremos primeiro uma olhada na vida de Joabe e depois nas consequências de seu confronto com Abner.

Joabe

Joabe é mencionado pela primeira vez em I Samuel 26:6. Na verdade, a passagem se refere a seu irmão mais velho, Abisai, o qual vai com Davi ao acampamento de Saul (enquanto Abner está dormindo ao lado dele para protegê-lo). Abisai se oferece para acompanhar Davi no que parece ser uma missão suicida: dois homens tentando chegar ao rei passando por 3.000 soldados de suas tropas especiais (26:2). A intenção de Abisai é matar Saul de um só golpe (26:8). Tudo indica que ele o fará se não for impedido por Davi e, provavelmente, ainda matará Abner de lambuja! A questão, porém, é que aqui Abisai, o irmão mais velho (ao que parece - ver I Crônicas 2:16), é referido como “o irmão de Joabe” (I Samuel 26:6). Isso parece sugerir que Joabe seja o mais conhecido dos dois.

Joabe não entra em cena até aparecer novamente em nosso texto (II Samuel 2:13 e ss), o que não quer dizer que este seja seu primeiro encontro com Davi. Eles são parentes. A mãe de Joabe, Zeruia, é irmã de Davi, e Abigail é outra irmã, a qual, por sua vez, é mãe de Amasa (I Crônicas 2:12-17). Amasa aparece na história um pouco depois (II Samuel 19-20). Sabemos que Asael é sepultado no túmulo de seu pai, em Belém (II Samuel 2:32). Abisai, Joabe e Asael estão com Davi desde que se juntaram a ele na caverna de Adulão:

“Davi retirou-se dali e se refugiou na caverna de Adulão; quando ouviram isso seus irmãos e toda a casa de seu pai, desceram ali para ter com ele. Ajuntaram-se a ele todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele se fez chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens.” (I Samuel 22:1-2)

Creio que, quando os sentimentos de Saul com relação a Davi (e a qualquer um que o apoie - ver 22:6-19) se tornam conhecidos, Abisai, Joabe e Asael fogem de Belém, junto com os outros membros da família de Davi, sabendo (ou, pelo menos, temendo) que Saul pode despejar sua raiva sobre eles. A estes familiares juntam-se muitas outras pessoas que também haviam caído no desfavor de Saul. Boa parte desse grupo vai formar o bando de guerreiros de Davi, onde Abisai e Joabe se sobressaem como soldados e líderes militares devido à sua coragem e habilidade.

Inicialmente Davi é o comandante de seu pequeno bando. Isso ocorre durante os anos em que ele foge de Saul até a época em que deixa Ziclague e volta para Hebrom (I Samuel 30:8, 10, 17-25). Antes de Davi se tornar rei, Joabe é um de seus comandantes. Só depois que Davi começa a governar sobre Israel e Judá é que Joabe se torna o comandante do exército de Israel. Ele ganha esse posto por aceitar o desafio de subir contra Jebus (Jerusalém) e atacá-la (I Crônicas 11:6).

Deixaremos por alguns instantes os fatos ocorridos em II Samuel 2 e 3 para dar uma olhada nos acontecimentos posteriores da vida de Joabe. De maneira geral, podemos dizer que ele é um líder militar forte e corajoso. Isso pode ser visto na batalha travada contra os amonitas, sírios e outros povos em II Samuel 10 (observe especialmente os versos 9-14). Além de grande guerreiro e líder militar, ele é também um homem de qualidades notáveis. Quando a cidade real amonita de Rabá está praticamente derrotada, em vez de tomar para si o crédito pela vitória, ele inisiste para que Davi vá até lá e receba a glória ele mesmo (II Samuel 12:26-31). Quando Davi imprudentemente ordena que ele faça o censo de Israel, Joabe protesta veementemente, mas sem sucesso (II Samuel 24:2-4).

Joabe demonstra também grande discernimento e força de caráter em suas relações com Davi e Absalão. Ele é quem serve de mediador entre os dois. Ele percebe que Davi quer se reencontrar com o filho exilado, Absalão (13:39), e arranja uma mulher sábia de Tekoa para encernar uma história para Davi (14:2 e ss). Quando Davi julga a causa da mulher, ela o aconselha a lidar com Absalão da mesma forma. Ele entende o recado e também percebe que Joabe deve estar por trás da trama (14:19); contudo, o plano de Joabe não parece ser interesseiro. O que ele pretende é reconciliar Davi com o filho. Ele tenta fazer com que Davi lide com Absalão da mesma forma com que faria com qualquer outra pessoa. Joabe parece genuinamente gratificado e satisfeito com a reação de Davi (14:22). Depois que Absalão se rebela contra o próprio pai e tenta usurpar seu trono, Joabe o trata com muito mais severidade, enquanto Davi parece ter um coração mais mole e complacente. Davi ordena que seus soldados tratem Absalão sem muito rigor, o que é uma grande tolice. Quando surge uma oportunidade, Joabe pessoalmente dá cabo de Absalão, auxiliado por alguns de seus homens (II Samuel 18:14-15). Quando Davi envergonha o povo com sua conduta pela morte de Absalão, Joabe o repreende severamente (19:5 e ss) e Davi acata sua admoestação (19:8).

Apesar de todos esses pontos favoráveis, Joabe é também um homem violento, cujas ações, muitas vezes, são impensadas e totalmente condenáveis. Quando Davi comete adultério com Bate-Seba e tenta se livrar do marido dela, Urias - o Hitita, ele encontra em Joabe um cúmplice pronto a executar suas ordens (ver II Samuel 11:6). Joabe parece não levantar nenhuma objeção ao pedido de Davi; ele simplesmente o obedece. Quando Absalão temporariamente se apossa do trono de Davi, ele substitui Joabe por Amasa. Mais tarde, Absalão é derrotado e Davi recupera o trono, designando Amasa como comandante do exército em lugar de Joabe (II Samuel 19:13). Quando Seba, outro benjamita (como Saul, Jônatas e Isbosete) se rebela contra Davi, Davi ordena que Amasa faça o censo das tropas de Judá. Quando Amasa não aparece no tempo determinado, Davi manda Abisai (irmão mais velho de Joabe) sair e capturar Seba (II Samuel 20:4-7). Abisai sai junto com Joabe e seus homens. Ao encontrar Amasa, Joabe o mata quase da mesma maneira como matou Abner (II Samuel 20:8-10). Joabe e Abisai, então, saem em perseguição de Seba (20:10). Depois que a cabeça de Seba é jogada por cima do muro para ele, Joabe desiste da perseguição e volta a ser o comandate de todo o exército (20:23).

Quando Davi envelhece e não consegue mais governar eficazmente, ele demora em designar e empossar Salomão como seu sucessor. Adonias procura tirar vantagem da situação, dando início a um plano para usurpar o trono de Salomão e proclamar-se rei (I Reis 1:5 e ss). Adonias é um rapaz muito bonito, nascido depois da morte de Absalão (1:6). Aparentemente, ele nunca recebeu um “não” de Davi (1:6). Joabe e Abiatar, o sacerdote, juntam-se a ele em sua conspiração. Davi, por fim, é persuadido por Bate-Seba e Natã, o profeta, a ungir publicamente Salomão como seu sucessor. Ao assumir o trono de seu pai, Salomão permite que Adonias continue vivo (durante algum tempo); no entanto, Adonias acaba finalmente sendo executado quanto tenta uma vez mais depor Salomão e assumir o governo de Israel (pedindo para si Abisague, concubina de Davi). Joabe, igualmente, é executado, não só por ter tomado parte na conspiração contra Salomão, mas também por ter assassinado Abner e Amasa (ver I Reis 2:5-6, 28-35).

“Meus Três Filhos... E Abner”
(2-3)

Esta mensagem não é, de forma alguma, uma ampla exposição destes dois capítulos. Tenho mais um sermão no qual tento juntar todas as partes desta passagem. Aqui, meu objetivo é mostrar algumas ocasiões em que Abner e Joabe se confrontam. Tentarei me concentrar nos acontecimentos que levaram à guerra entre os homens de Judá e os de Israel e nas consequências desse conflito.

Davi busca orientação divina e é dirigido por Deus à cidade de Hebrom. Logo depois, chegam ali suas esposas e o restante de seus seguidores com suas famílias; os homens de Judá ungem Davi como rei - rei de Judá (2:1-4a). A bondade de Davi para com os homens de Jabes-Gileade (2:4b-7) dá ao povo de Israel excelente oportunidade para também fazê-lo seu rei. Pelas palavras de Abner em 3:17-19, parece que os homens de Israel não apenas sabem que Davi foi designado como substituto de Saul, mas também o querem como rei. O problema está em Abner. Ele se opõe ao reinado de Davi em lugar de Saul, seu primo, e orquestra as coisas para que Isbosete, o filho sobrevivente de Saul, reine em Israel. Isso adia o reinado de Davi sobre todo Israel por vários anos (2:8-11).

Hoje em dia, as gangues são um dos principais problemas das grandes cidades. Elas oferecem senso de identidade e inclusão, um certo tipo de camaradagem e uma sensação distorcida, embora falsa, de segurança. Os atentados são cada vez mais frequentes e, quando ocorrem, uma das primeiras coisas em que pensamos é que deve ser coisa de gangue. Quando um membro de determinada gangue é morto por um membro de outra, com certeza mais sangue será derramado em retaliação. Uma gangue matará um membro de outra só para elevar seu “status” (“a gente é tão durão que pode matar quem quiser, na hora que quiser!”). As gangues não fazem nenhum sentido para nós, mas fazem para quem pensa como membro delas; tudo parece muito lógico, prá não dizer correto.

Nós achamos que as gangues são um fenômeno da nossa época. Ao lermos sobre essa “competição” entre os 12 servos de Isbosete e os 12 servos de Davi, achamos também que seja algum tipo de disputa tribal antiga, sem nenhuma relação com os tempos atuais. Gostaria de dizer que há bem poucas diferenças entre as guerras de gangues de nossos dias e a “competição” descrita em II Samuel 2:12-17. Rivalidade entre gangues e rivalidade entre tribos é quase a mesma coisa.

Pense por alguns instantes nessa competição em termos de século vinte. As gangues são os Judes e os Benjies. Os líderes são Abner (benjamitas/israelitas) e Joabe (judeus). Corre a notícia de que haverá uma briga entre as gangues rivais. Lugar e hora são marcados. Os Benjies tomam posição e os Judes também, uma gangue de frente para a outra. Abner e Joabe começam a exibir seus músculos e a desmoralizar seu adversário. Finalmente, ambos concordam que deveria haver uma competição para mostrar qual gangue é a melhor. Cada lado seleciona doze lutadores. O vencedor tem a melhor gangue. O problema é que cada lutador está determinado a matar seu oponente e, quando a luta começa, eles se agarram pelos cabelos, enfiando a lâmina da espada um no peito do outro. Todos os 24 morrem, o que leva todo mundo a entrar na briga no mesmo instante, resultando em muitas outras mortes.

O combate é inútil e desnecessário, nada mais fazendo do que intensificar o já existente senso de rivalidade e competição entre a tribo de Judá e as demais tribos de Israel, especialmente a de Benjamim (a tribo de Abner, Saul e Isbosete). Enquanto Joabe rapidamente aceita o desafio, Abner parece orquestrar o malfadado evento (será que é esse mesmo o seu propósito?). Caso um dos lados tivesse vencido, o outro só teria ficado mais ansioso por lutar novamente para tentar lavar sua honra. O resultado dessa competição é a vitória momentânea dos servos de Davi e a derrota inicial dos servos de Isbosete. Estes, no entanto, conseguem se reagrupar e continuar lutando (ver 2:25; 3:1, 6).

A coisa fica preta e Joabe sofre as maiores consequências pessoais. No confronto inicial, seus homens prevalecem sobre os servos de Abner e Isbosete. Abner bate em retirada junto com seus soldados e Asael inicia intensa perseguição contra ele. Parece que Asael é o caçula dos três irmãos e está determinado a alcançar Abner. Ele está bem atrás dele, o que confirma que Asael realmente tem asas nos pés. Será esta a oportunidade para ele provar a si mesmo que é um homem, um guerreiro de valor, como seus irmãos mais velhos? Pode ser que sim. Abner sabe que é Asael ou ele. Ele insiste para que Asael desista da perseguição e vá atrás de algum outro israelita, se quiser. Parece que Abner também sabe que o único jeito de parar Asael é matando-o, o que ele é mais do que capaz de fazer. No entanto, ele não está muito disposto a isso, pois sabe que depois terá de enfrentar Joabe, o irmão mais velho de Asael (sem falar em Abisai). Quando Asael se recusa a desistir da perseguição, Abner o atravessa com sua lança, não com a ponta, mas com o cabo. Isso deve demandar grande força e habilidade, o que Abner parece ter de sobra e saber muito bem disso.

Joabe e seu irmão mais velho, Abisai, não vão deixar a morte de seu irmão passar em branco, sem aquilo que consideram uma resposta apropriada: matar Abner, o qual matou Asael. Se eles matarem Abner em tempo de guerra, isso não será visto como assassinato, mas como instância de guerra (ver 3:28-34; I Reis 3:30-33). O problema parece ser que, embora a primeira vitória tenha sido dos homens de Judá, servos de Davi, Abner e seus homens conseguem tomar posição no cume de um outeiro, de onde podem se defender e observar o território inimigo (II Samuel 2:25). Quando Abner apela para Joabe ordenar um cessar-fogo, este concorda, afirmando que isso é realmente inevitável (2:26-28).

Ainda há estado de guerra entre os homens de Judá e os de Israel (3:1). Se Joabe ou Abisai conseguirem por as mãos em Abner, eles poderão matá-lo de forma legítima. O que Joabe não percebe é que sua oportunidade para tal está prestes a passar. Abner está tirando proveito do estado de guerra (3:6). Dá para perceber o que ele está fazendo. Ao longo da história de Israel, muitas guerras foram iniciadas ou prolongadas por causa daqueles que se beneficiaram delas. No capítulo três acontecem duas coisas que fazem Abner mudar não só de ideia, mas também de lado.

Primeiro, embora a posição de Abner esteja se fortalecendo em Israel, a casa de Saul está perdendo terreno para a casa de Davi. Abner está com a maior fatia do bolo, mas o bolo mesmo está diminuindo. Segundo, ele está mais ousado, tomando para si Rispa, uma das concubinas de Saul. Esse não é um ato meramente passional ou afetivo, nem mesmo uma tentativa de casamento; é um ato simbólico, que declara publicamente seu direito de governar em lugar de Saul (ver II Samuel 16:20-23; I Reis 2:19-25). Ele pessoalmente instalou Isbosete como rei, mas agora parece ter intenção de deixar de lado o fingimento e tornar-se o rei. Isbosete fica aborrecido com a atitude de Abner e lhe pede explicações. Abner fica furioso. Como é que Isbosete, um rei-fantoche, ousa questioná-lo? Abner relembra-o de que o fez rei e o protegeu de Davi. Como, então, Isbosete ousa contestar qualquer atitude sua? Isbosete fica em silêncio, pois sabe o suficiente de Abner para temê-lo. Para todos os fins, quem agora está no comando de Israel é Abner.

O que antes era uma verdade não afirmada, agora é uma realidade cristalina: Abner está no comando, não Isbosete. A renúncia de Isbosete é justamente o que Abner está esperando. Agora ele pode negociar um acordo com Davi, algo que permita que ele tenha uma fatia melhor de um bolo cada vez maior. Ele está prestes a mudar de lado. Ele sabe que é da vontade de Deus que Davi reine sobre Israel. Sabe que isso é inevitável. No entanto, ele é quem será o articulador, e isso está para acontecer. Por isso, ele vai até Davi e se oferece para fazê-lo rei sobre sobre todo Israel. Davi aceita sua oferta com uma condição (3:13): Abner terá de ir aos líderes de ambos os lados para negociar um acordo. Parece que, finalmente, Davi irá governar sobre Israel inteiro.

Preciso parar e sorrir diante da oferta de Abner, pois ela me faz lembrar de algo que me aconteceu alguns meses atrás. Eu tentava consertar o escapamento do carro da minha filha e resolvi que o melhor a fazer seria soldar o silencioso no cano do escapamento. O problema é que eu não tinha o tipo certo de liga para a solda. Eu conhecia um soldador das imediações que provavelmente saberia do que eu precisava e poderia me vender um pedaço de liga. No entanto, naquele dia, sua oficina estava fechada. A caminho de casa, passei por uma loja de escapamentos que estava aberta. Além de colocarem escapamentos, eles também faziam reparos em transmissões. Entrei na recepção, onde vários clientes aguardavam para serem atendidos. Não vi nenhum funcionário. Fui ao saguão de vendas e um rapaz me disse que eu estava na seção de “reparo de transmissões” e teria de ir à seção de “reparo de escapamentos”, no outro lado do prédio. Fui até lá, mas não encontrei ninguém que pudesse me ajudar. Finalmente, veio um homem dos fundos da loja, o qual vestia uma roupa que me levou a crer que trabalhasse lá. Fui até ele e lhe disse que estava fazendo um pequeno reparo e precisava de um pedaço de liga para solda para usar no cano do escapamento. Abaixando-se, ele pegou uma pedacinho de liga que estava no chão. “É disso que o senhor precisa?”, disse ele. “Sim”, respondi, “quanto lhe devo?” “Não sei”, respondeu ele, “por que não o leva? De qualquer forma, não trabalho mesmo aqui.”

Enfim, acabei indo ao escritório do gerente, onde paguei a quantia de US$ 1,00 e fui embora, com a consciência em paz. Antes de mais nada, o que gostaria de enfatizar com essa história é que o homem me ofereceu uma coisa que realmente não era dele. Em nosso texto, Abner “dá” o reino de Israel a Isbosete, um dos filhos sobreviventes de Saul. Ele dá o que não é dele, pois é Davi quem deve ser o rei, não Isbosete. Em seguida, para tornar as coisas ainda piores, quando há uma desavença entre ele e Isbosete, Abner “oferece” o reino a Davi. Novamente ele oferece aquilo que não é dele. Abner me lembra um pouco Satanás, que tenta “dar” ao Senhor o Seu próprio reino (ver Mateus 4:1-11; Lucas 4:1-12).

Imagine a surpresa e a angústia de Joabe ao voltar de uma investida e ficar sabendo que Davi acabou de receber Abner e sua delegação, e que os deixou ir em paz (3:22-23). Enquanto Joabe está fora fazendo a guerra, Davi está em casa fazendo a paz. Entendo que a expressão “em paz”, duplamente usada, é empregada para indicar que a guerra já acabou.

Estas não são boas notícias para Joabe ou para seu irmão Abisai. A guerra não estará terminada para eles enquanto Abner não estiver morto. Joabe repreende duramente Davi por ter deixado Abner ir embora, insistindo que as intenções dele não podiam ser nobres (3:24-25). Aparentemente, as palavras de Joabe não encontram em Davi um bom ouvinte, pois este deseja que sua decisão prevaleça. Joabe perde as esperanças de fazer Davi mudar de ideia. Assim, em vez de acatar sua decisão, Abner secretamente ordena a alguns mensageiros de confiança que, sob pretexto, tragam Abner de volta a Hebrom. Em seguida, quando consegue ficar a sós com ele, Joabe o mata (3:27). Uma vez que, oficialmente, é tempo de paz, não de guerra, a morte de Abner se torna assassinato. Davi se apressa a dizer que não tomou parte na conspiração e desaprova o que aconteceu (3:28 e ss).

O Que Podemos Aprender Com Abner E Joabe?

1) Podemos aprender algumas coisas sobre homens. Sempre fui uma pessoa do tipo “chapéu branco, chapéu preto”. Isso começou na minha infância, quando costumava assistir aos filmes de cowboy (faroeste). Era muito fácil distinguir os mocinhos dos bandidos: os mocinhos sempre usavam chapéu branco e os bandidos, chapéu preto (pelo menos é assim que eu me lembro). Normalmente vejo as pessoas dessa forma: com chapéu branco ou preto. Só não acho que isso aconteça muito na Bíblia. Davi usa “chapéu branco” a maior parte do tempo, mas há também uma porção de vezes em que usa “chapéu preto”. O mesmo pode ser dito de quase todos os nossos heróis bíblicos.

Quando vejo um personagem como Joabe percebo que o meu padrão “chapéu branco, chapéu preto” vai por água abaixo. Joabe é um homem extremamente violento. Ele mata dois homens a sangue frio e temos boas razões para crer que ele tenha matado muitos outros na guerra. Sabemos, por exemplo, que seu irmão Abisai matou 300 homens numa única batalha, sem nenhuma ajuda (II Samuel 23:18), e que estava determinado a matar Saul (I Samuel 26:6-12). No entanto, apesar dessas mortes, a Bíblia também fala que Joabe tem atitudes e qualidades louváveis. O que importa é que homens como Joabe não são do tipo “chapéu branco” ou “chapéu preto”; ele é um pouco de cada coisa.

Quando paro para pensar, vejo que isso também se aplica à maioria de nós. O fato puro e simples é que só há uma pessoa do tipo “chapéu branco” que viveu sem pecado - nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é único que não teve pecado e damos graças a Deus por isso, pois é isso o que torna a Sua morte na cruz eficaz para nós. Sua morte não foi pelos Seus pecados, mas pelos nossos. Ele suportou o castigo pelos nossos pecados na cruz do Calvário. Ele nos dá a Sua justiça em lugar da nossa injustiça. E isso se torna possível pelo simples reconhecimento de que somos pecadores e precisamos de salvação, confiando na obra da cruz feita por Ele em nosso favor.

Se de fato apenas um homem do tipo “chapéu branco” já viveu, então temos de reconhecer que Deus normalmente realiza Seus propósitos por meio de pessoas que, de forma alguma, são perfeitas. Deus não Se limita a usar aqueles que podem ser usados. Ele pode nos usar para alcançar Seus fins mesmo quando somos rebeldes e estamos em pecado, como fez com os irmãos de José (Gênesis 50:20) ou com o próprio Faraó (Romanos 9:17-18), ou como Ele fará com cada incrédulo (Romanos 9:19-24). Que pensamento encorajador. Nada que façamos poderá prejudicar os planos e propósitos soberanos de Deus. Ele pode usar nossa rebelião e desobediência para atingir Seus propósitos com a mesma facilidade com que pode usar nossa obediência. Seremos usados por Deus para a Sua glória e até mesmo para o nosso próprio bem, de uma maneira ou de outra. Soberania significa que Deus pode e vai usar pessoas imperfeitas para alcançar Seus propósitos e cumprir Suas promessas. Graças a Ele por isso.

Entretanto, precisamos tomar cuidado para não dizer que, se não vivermos à altura de determinado padrão, se não tivermos uma vida espiritual plena, Deus não poderá e não nos usará. Ele nos usará sim, de uma maneira ou de outra. Contudo, isso não deve ser desculpa para uma vida negligente e pecaminosa; muito pelo contrário, deve ser motivo de nos entregarmos de todo coração ao Seu serviço, sabendo que, mesmo quando deixamos de ser ou de fazer o que deveríamos, os propósitos e as promessas de Deus serão cumpridos.

Vamos tomar cuidado também para não idolatrar pessoas, como se algumas delas realmente pudessem ter uma vida maravilhosa, impecável. Talvez elas queiram que pensemos que estão um pouco acima do padrão, que são mais piedosas, mais espirituais e, portanto, mais bem sucedidas. Quanto mais eu vivo, e mais líderes cristãos eu conheço, mais percebo que Deus usa vasos quebrados, instrumentos imperfeitos, para realizar Seus propósitos. É preciso muito cuidado para não idolatrar outras pessoas, confiando demasiadamente nelas e dependendo delas. Homens sempre falham. Deus nunca falha. Devemos manter nossos olhos fixos Nele, não nos homens. Dessa forma, quando os homens falharem, não ficaremos desiludidos, como se o próprio Deus, de alguma maneira, tivesse falhado. Só Deus é infalível.

2) Em nosso texto aprendemos algumas coisas sobre assassinato. A lei do Antigo Testamento fazia clara distinção entre aquilo que podemos chamar de morte na guerra, homicídio e assassinato. Em nosso texto, Abner não é considerado culpado por matar Asael, nem Asael teria sido assim considerado se tivesse matado Abner. Joabe também não seria culpado se tivesse matado Abner na guerra. No entanto, a morte de Abner em tempo de paz, bem como a morte traiçoeira de Amasa tempos depois, são consideradas claramente como assassinato. O assassinato é muito bem definido e, por isso, inequívoco, como fica claro para Davi e Israel quando Joabe mata Abner.

Se para um homem como Joabe matar Abner é assassinato, mesmo que este tenha matado o irmão dele, com toda a certeza também deve ser errado para uma mãe matar o próprio filho ainda eu seu ventre. Essa criança (com raras exceções) não ameaça a vida da mãe (caso em que o aborto poderia ser justificado), só sua liberdade. Se Deus levou tão a sério o assassinato de Abner (um homem violento e interesseiro), quanto mais levará a morte de uma criança indefesa, que espera que sua mãe a proteja, não que acabe com sua vida?

Anos atrás, num debate para eleição presidencial, perguntaram a George Bush (pai) se ele achava que aborto era crime. Sua resposta foi fraca e inconclusiva. Creio que a pergunta deveria ter sido respondida desta maneira: “Aborto é tirar uma vida humana. Nem sempre tirar a vida de outra pessoa é assassinato. Às vezes é um acidente. Às vezes é em defesa própria. No entanto, quando a vida de outra pessoa é tirada por motivos egoístas, às custas de um feto, então é assassinato.” Quando passarmos a ver o aborto como a retirada de uma vida humana, o debate terá terminado antes mesmo de ter começado. A Bíblia justifica a retirada de uma vida humana em raras e específicas circunstâncias, e a condena em outras, tais como no assassinato. Vamos dar nome aos bois: o feto é uma pessoa, uma vida humana. “Interromper” a gravidez é tirar uma vida humana; e aborto, pelos motivos mais frequentes com que é praticado em nossos dias, é assassinato. Se a indignação de Davi com a morte de Abner é justa, muito maior deve ser a nossa com a matança de crianças inocentes ainda no ventre de suas mães.

3) Os leitores contemporâneos, da mesma forma que os leitores israelitas da época de Samuel, devem aprender com texto como acontecem as divisões. O que Deus queria que os primeiros leitores deste texto aprendessem? Qual foi a mensagem para eles? Não sabemos ao certo quem foi o autor humano do texto, nem a data exata em que foi escrito. É possível que I e II Samuel tenham sido escritos logo após o Reino Unido (de Israel, sob os governos de Saul, Davi e Salomão)ter sido dividido por Reoboão e Jeroboão (ver I Reis 12).

Aqueles primeiros leitores devem ter se perguntado: “Como é que já fomos uma única nação e agora somos duas?” Embora a história da divisão ocorrida sob o reinado de Reoboão deva ter sido um fato bem conhecido, as raízes dessa divisão estão no passado. Na verdade, elas retrocedem à época de Davi e ao próprio texto que estamos estudando em II Samuel. Involuntariamente, Abner abre caminho para um reino dividido quando instala Isbosete como rei de Israel em lugar de Saul. Tanto ele quanto Joabe facilitam a futura divisão do reino quando consentem com a disputa entre os dois lados. E, quando essa disputa se transforma numa guerra prolongada, a dissensão entre eles se torna ainda maior. Poderíamos dizer que nosso texto descreve a origem da “rachadura” no alicerce da nação de Israel, e que essa rachadura aumentará com o tempo até transformar-se num abismo quase instransponível.

A facilidade com que o reino rapidamente se divide demonstra que as linhas divisórias já estavam traçadas, a rachadura no alicerce já estava lá. Não demora muito para que essa rachadura se transforme em abismo. Contudo, o que a causou? Nosso texto nos diz. Foram dois homens liderando exércitos oponentes. Tanto Abner quanto Joabe têm suas próprias agendas e nenhuma delas é digna de elogios. É como se ambos estivessem tentando provar que são homens de verdade. O cenário é tal que cada lado se sente na obrigação de se por à prova, e a idéia de uma disputa parece providenciar a oportunidade ideal; mas não prova nada. Só faz surgir uma tremenda guerra, a qual custará vidas preciosas, culminando em assassinato e demora para Davi assumir o governo de Israel.

Creio que essa disputa, bem como o conflito e a divisão subsequentes, é uma espécie de paradigma de muitas rixas e dissensões que vemos atualmente nos lares, no mundo e na igreja. Antes de refletirmos sobre isso, vamos dar uma olhada na igreja de Corinto. Será que não vemos um paralelo entre nosso texto e as rixas e dissensões daquela igreja? Não são os coríntios seguidores de homens, em vez de Cristo, justamente como os homens de nosso texto são seguidores de Abner e de Joabe? Há rivalidade e discórdia com base no grupo a que cada um pertence; e os líderes das facções são homens que buscam construir seus próprios impérios às custas dos outros. Como resultado, a liderança instituída por Deus é rejeitada por muitos. Não quero me estender nessa analogia, mas gostaria que percebessem que, na verdade, “não nada de novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1:9).

Hoje em dia acontece a mesma coisa. Ocorrem separações nos casamentos porque homens e mulheres estão mais preocupados com seu próprio ego do que em satisfazer seus parceiros. Pequenos “desentendimentos” crescem ao ponto de se tornar uma verdadeira guerra. Homens e mulheres vão à igreja determinados a promover seus próprios interesses, construir seus próprios impérios e ganhar (e impressionar) seus próprios seguidores. Isso parece forçar as pessoas a tomar partido e se engajar nas batalhas que resultam disso.

Essas separações e os conflitos quase sempre começam com coisas pequenas, que parecem uma competição amistosa (o que, todos sabemos, é admitido e incentivado em nossos dias, mesmo dentro da igreja). Nem sempre as pessoas têm intenção de causar grandes problemas ou de magoar outras pessoas. É só uma “brincadeirinha inocente”, dizemos a nós mesmos. E assim é que, dois adolescentes, cada qual com seu carrão envenenado, param no farol vermelho e cruzam seus olhares. Os dois aceleram suas máquinas, um tentando impressionar o outro (e talvez alguma garota a seu lado). Quando o farol fica verde, ambos “se mandam”. Nenhum deles tem intenção de causar algum dano. É só uma brincadeira inocente. No entanto, nenhum dos dois quer dirigir dentro dos limites de velocidade, nem dar passagem ao outro e passar por bobo. Por isso, correm cada vez mais até chegarem a outro farol vermelho; mas nenhum deles quer, ou consegue, parar. E então, uma jovem mãe, com três crianças no banco traseiro, atravessa o farol verde, para ela... Ninguém queria que alguém se machucasse; só que, quando o nosso ego fala mais alto e a disputa começa, os problemas não ficam muito longe.

Quantos relacionamentos não são destruídos por causa do ego e da competição? Quantos casamentos arruinados? Quantas igrejas divididas? Talvez achemos que, porque é tudo uma brincadeira, com boa intenção, está tudo bem. A grande maioria dos pecados começa com coisas aparentemente inofensivas, até mesmo inocentes. É assim que o pecado começa: um pouquinho de ego, uma competiçãozinha, uma brincadeirinha... Alguns provérbios fazem referência a isso:

“Apanhai-me as raposas, as raposinhas, que devastam os vinhedos, porque as nossas vinhas estão em flor.” (Cantares de Salomão 2:15)

“assim é o homem que engana a seu próximo e diz: Fiz isso por brincadeira.” (Provérbios 26:19)

Dizem que as “raposinhas” devastam os vinhedos. Esse provérbio é muito comum hoje em dia. Não são as grandes coisas que nos destroem, mas as pequenas, que se tornam grandes. Dar uma mordida numa fruta parecia algo bem insignificante; desobecer uma ordem direta de Deus era outro assunto. Que mal pode haver numa “pequena disputa”? Nós sabemos, não sabemos?

Tenho observado que muitas vezes brincamos com coisas que seriam inadequadas em outro contexto. Sei que há piadas limpas, mas acho que contamos piadas sujas porque, de alguma forma, as palavras ditas soam diferentes - mais aceitáveis. Creio que homens e mulheres brincam um com o outro no trabalho porque esta é uma maneira de falar de coisas proibidas que são aceitáveis. Muitas vezes, brincamos com alguma coisa como uma espécie de teste, para ver qual será a reação das pessoas. Se a reção for negativa, podemos dizer: “Foi brincadeirinha...” Mas, se for positiva, insistimos no assunto com mais determinação. Sejamos cautelosos com as “coisinhas pequenas” que levam a grandes pecados.

Só mais uma palavrinha sobre “coisinhas pequenas”. Com bastante frequência, essas coisinhas também são a causa do romprimento do nosso relacionamento com Deus. Nossa preocupação com os perdidos e nosso zelo pela sua salvação começam a diminuir. Parece uma coisinha de nada, tão pequena que nem mesmo percebemos. Nossa vida de oração vai minguando imperceptivelmente. O tempo que dedicamos à Palavra de Deus, ou o quanto lemos dela, vai diminuindo. É só uma coisinha de nada. De repente, a rachadura está lá. Pode não aparecer durante meses, ou até mesmo anos. Entretanto, quando a crise chega, a rachadura se abre transformando-se em total separação. Tomemos cuidado com as rachaduras que aparecem devido a nossa fraqueza e negligência.

Dirijo-me principalmente aos cristãos, os quais, pela fé em Jesus Cristo, têm um relacionamento pactual com Deus. As rachaduras podem aparecer e elas enfraquecem esse relacionamento. Elas não enfraquecem a realidade da salvação dos pecados ou a segurança dos santos em Cristo, mas podem enfraquecer a comunhão e a intimidade desse relacionamento. Contudo, é possível também que você não seja cristão. Pode ainda não ter reconhecido seu pecado e a necessidade de perdão. Talvez não saiba com certeza que seus pecados são perdoados e que você está destinado a viver por toda a eternidade na presença de Deus. Se é assim, seu problema não é uma pequena rachadura, mas um abismo enorme - um abismo que seus pecados criaram entre você e Deus. Jesus Cristo veio ao mundo como o inculpável filho de Deus - totalmente Deus, totalmente homem - para revelar o Pai aos homens e morrer na cruz do Calvário, suportando o castigo pelos nossos pecados. Ele veio remover a separação existente entre Deus e os homens. Tudo o que você precisa é reconhecer seu pecado, sua necessidade de perdão e então confiar na morte sacrificial de Jesus Cristo na cruz do Calvário em seu favor. É na vida, morte e ressurreição de Jesus que Deus torna possível a você a salvação. E é pela fé em Jesus que você recebe essa salvação. Se você ainda não confia Nele, oro para que o faça agora.

Tradução: Mariza Regina de Souza

4. Esperando No Senhor (II Samuel 2:1-5:5)

Introdução

O período mais longo e mais difícil de minha vida foi enquanto esperava para poder dirigir... legalmente. O problema era que comecei a dirigir muito cedo, mais ou menos aos 12 anos. Antes que os garotos dessa idade fiquem muito animados, preciso dizer que cresci num lugar onde podia dirigir muito, ainda que não fosse por ruas ou estradas. Mesmo sabendo dirigir, eu não podia sentir aquela emoção de cruzar as ruas de Shelton, uma cidadezinha de aproximadamente 6.000 habitantes. Eu achava a espera por esse grande momento a mais difícil de minha vida. Quando pregadores falavam sobre o arrebatamento e a “volta iminente de nosso Senhor”, eu ficava apavorado - não porque fosse um pecador perdido - mas porque, como crente, eu poderia ser arrebatado antes de poder dirigir legalmente.

Devo confessar que não mudei muito no que se refere a esperar. Estou escrevendo este sermão num computador relativamente rápido (embora não tão rápido quanto eu gostaria - mal posso esperar por um melhor). Tendo em vista que o processador principal é muito rápido, os outros componentes demoram mais para rodar; assim, algumas coisas ficam em “estado de espera”. Esse “estado de espera” (em minha compreensão limitada do funcionamento de um computador) é como “passar a vez” num jogo de cartas quando você não tem nada para descartar. Quando eu comprar mais memória RAM (memória principal do computador), não vou querer uma de 70 bilionésimos de segundo; quero uma de 60. Se não, isso vai me causar um “estado de espera” que redundará numa demora de uma pequena fração de segundo.

Tendo admitido que não gosto de esperar, também posso dizer que ninguém mais gosta. Por que será que temos tantas redes de fast food? Por que comida de microondas é tão popular? É porque não gostamos de esperar. Anos atrás alguém teve a brilhante ideia de tentar melhorar o congestionamento da Via North Central. Instalaram um sistema computacional para monitorar o fluxo de veículos e colocaram registradores nos acessos da autoestrada. No início da rampa de acesso havia um pequeno semáforo que ficava verde quando a via estava livre. Isso não tinha nada a ver com a existência de espaço para entrar, só que o computador pensava que você poderia ficar preso no trânsito. Hoje, os semáforos não estão mais lá. Talvez haja outras razões, como obras na rodovia, mas creio que uma delas é que as pessoas simplesmente não queriam esperar. Se o caminho estivesse livre e o farol vermelho, as pessoas acabavam entrando na autoestrada do mesmo jeito. Prá que esperar? Temos de confessar que não somos um país que sabe esperar.

Ao estudar a vida de Davi, descubro que ele passou grande parte dela esperando. Ele teve que esperar mais ou menos quinze anos desde que foi ungido por Samuel até se tornar o rei de Judá (conforme está em nosso texto). E teve que esperar mais outros sete anos para ser ungido rei sobre todo Israel. Isso significa que ele esperou mais de vinte anos para ser rei. Como Davi lidou com mais de duas décadas de espera é o tema desta mensagem. Estudar a sua vida durante esse período pode nos ensinar muitas coisas sobre “esperar no Senhor”.

As duas primeiras mensagens em nosso texto enfocaram dois importantes líderes: 1) Abner, primo de Saul e comandante dos exércitos de Saul, de Isbosete, e portanto, de Israel; e 2) Joabe, sobrinho de Davi, irmão de Abisai e Asael e comandante do exército de Davi, o exército de Judá. Esta mensagem se concentrará em Davi, em seu longo, e muitas vezes conturbado, caminho para se tornar o rei de todo Israel. As lições anteriores cobriram os capítulos 2 e 3 de II Samuel. Esta mensagem cobre os mesmos capítulos, só que agora com ênfase em Davi. Acrescentei mais um trecho: o capítulo 4 e mais cinco versículos do capítulo 5, porque é neles que Davi realmente se torna o rei de todo Israel.  

Do Aprisco De Belém À Cidade De Hebrom: Breve Revisão De I Samuel 15:1 A II Samuel 1:27

Deus está de relações cortadas com Saul. Saul O desobedeceu pela última vez. Seu reinado está condenado. Por isso, Samuel é despachado por Deus para Belém para ungir o substituto de Saul. Quando Samuel chega, Davi nem está lá, pois ninguém nunca imaginou que ele pudesse ser candidato a rei. Davi está fazendo o que os jovenzinhos de sua idade faziam: guardando o pequeno rebanho de ovelhas de seu pai (I Samuel 16:11, 17:28). Quando Samuel convoca Davi à sua presença e o unge, Davi deve se perguntar quanto tempo ainda levará para se tornar rei. A resposta é que levará muito tempo mais do que ele imagina, e será muito mais difícil também.

Estamos ainda em I Samuel 16, quando lemos que Saul escolhe Davi como seu músico particular e escudeiro (16:14-23). Davi está no palácio do rei. Com certeza, agora não deve demorar muito para ele governar Israel. Ele ainda é muito novo para ir para a frente de batalha e lutar contra os filisteus (pelo menos é o que parece), por isso, ele continua cuidando das ovelhas de seu pai e também confortando o rei Saul com sua música. Quando os filisteus atacam Israel, Golias, o campeão filisteu, desafia qualquer um a lutar com ele. Ele promete que o vencedor deste combate corpo a corpo levará tudo. E é assim que Davi chega para enfrentar Golias e o mata. Isso faz de Davi herói nacional num piscar de olhos.  O povo o ama, e o rei também (16:21, 19:5). Se é a música de Davi que acalma o espírito atribulado de Saul, é outra música, sobre Davi, que tira Saul do sério. Depois da vitória de Davi sobre Golias, as mulheres entoam esta canção:

“Saul feriu os seus milhares, porém Davi, os seus dez milhares.” (I Samuel 18:7)

A princípio, Saul guarda seu furor ciumento só para si. Ele procura causar a morte de Davi de modo que pareça um acidente. Ele atira a lança em Davi, mas as pessoas provavelmente atribuem isso a uma “insanidade temporária”. Depois ele procura se livrar de Davi fazendo com que ele seja morto em batalha. Ele designa Davi como comandante de mil (18:13), achando que o mesmo zelo que levou Davi a enfrentar Golias também o levará a se engajar em manobras militares “além da sua capacidade”, ocasionando assim a sua morte (sem mencionar a de seus homens). Tudo que Saul faz para destruir Davi só serve para aumentar o poder e a popularidade deste. Saul também oferece a ele uma de suas filhas por um pequeno dote de 100 prepúcios de filisteus. Ao invés de ser morto, Davi mata 200 filisteus, ganha uma esposa que o ama (mais do que o pai dela) e mais respeito e admiração de todos, menos de Saul.

Depois, o ciúme de Saul se torna público. Ele ordena a Jônatas e a todos os seus servos que Davi seja morto (19:1). Jônatas apela para Saul e Davi ganha uma pequena trégua (19:2-7); no entanto, quando surge outro conflito com os filisteus e Davi alcança novamente grande êxito em batalha, Saul tenta encravá-lo na parede com sua lança (19:8-10). Depois, ele manda seus homens à casa de Davi para prendê-lo, mas seus esforços são frustrados, principalmente por sua própria filha (19:11-17). Daí em diante, Davi mantém distância de Saul, recorrendo primeiramente a Samuel (19:18-24) e depois a Jônatas (20:1-42).

Fica muito claro para Davi que ele não deve mais tentar ficar perto de Saul, vivendo e trabalhando ao seu lado. Ele deve fugir e viver como fugitivo até que Deus resolva o problema. Por isso, ele foge primeiro para Nobe, onde recebe auxílio de Aimeleque, o sacerdote (21:1-9). Esse gesto de bondade custa a Aimeleque a própria vida e também a dos demais sacerdotes de Nobe e de suas famílias (22:6-19). Em seguida, Davi foge para Gate e depois para a caverna de Adulão, onde sua família, seus amigos e outras pessoas que caíram no desfavor de Saul se juntam a ele (22:1-5). Por diversas vezes Davi se vê em apuros, mas Deus sempre o livra das mãos de Saul. Durante esse tempo, em duas ocasiões, ele se arrisca para tentar uma reconciliação com Saul. Apesar de temporariamente arrependido, Saul continua a persegui-lo como inimigo. Embora Saul não mantenha as promessas feitas a Davi, Davi assume um compromisso que irá cumprir:

“Tendo Davi acabado de falar a Saul todas estas palavras, disse Saul: É isto a tua voz, meu filho Davi? E chorou Saul em voz alta. Disse a Davi: Mais justo és do que eu; pois tu me recompensaste com bem, e eu te paguei com mal. Mostraste, hoje, que me fizeste bem; pois o SENHOR me havia posto em tuas mãos, e tu me não mataste. Porque quem há que, encontrando o inimigo, o deixa ir por bom caminho? O SENHOR, pois, te pague com bem, pelo que, hoje, me fizeste. Agora, pois, tenho certeza de que serás rei e de que o reino de Israel há de ser firme na tua mão. Portanto, jura-me pelo SENHOR que não eliminarás a minha descendência, nem desfarás o meu nome da casa de meu pai. Então, jurou Davi a Saul, e este se foi para sua casa; porém Davi e os seus homens subiram ao lugar seguro.”

Poderíamos pensar que enquanto fugia de Saul, Davi não poderia servir a seu povo, mas isso não é verdade. Ele livra o povo de Queila do ataque dos filisteus (23:1-5). Enquanto está em Ziclague, ele faz contínuas investidas contra os inimigos de Israel; e também reparte os despojos com o povo das cidades de Judá (27:1-12; 30:26-31). Não é de admirar que a tribo de Judá seja a primeira a aceitar Davi como rei.

Embora pareça que Davi vai acabar lutando a favor dos filisteus e contra o seu próprio povo, Deus o tira de cena no último minuto (29:1-11). Ele volta a Ziclague e descobre que a cidade foi assaltada por um bando de saqueadores, suas esposas e suas famílias foram sequestradas e seus bens foram roubados. Isso o leva em missão para o sul, onde derrota os amalequitas e recupera tudo o que havia sido perdido. Davi e seus homens estão bem ao sul, enquanto a guerra dos filisteus com Saul e o exército de Israel está ao norte. É nessa batalha que Israel é derrotado e Saul e seus três filhos são mortos (30:1-31:13).

Davi e seus homens estão em Ziclague há dois dias, quando um amalequita chega ofegante do acampamento de Israel, de onde conseguiu escapar dos filisteus. Ele conta a Davi as más notícias da derrota de Israel e da morte de Saul e Jônatas. Quando Davi o pressiona para saber mais detalhes, o jovem afirma ter sido ele mesmo quem “misericordiosamente” deu fim ao sofrimento de Saul. Ele dá a Davi a coroa e o bracelete do rei, esperando sua gratidão e generosidade. Depois que Davi e seus homens lamentam a derrota e a morte de seus compatriotas, Davi manda executar o jovem por ele ter levantado a mão contra o ungido do Senhor (II Samuel 1:1-16). Depois, ele compõe um salmo de lamento que celebra o heroísmo de Saul e Jônatas. A canção deve ser ensinada a todos os filhos de Judá, os quais devem cantá-la em honra de seu rei e de seu filho Jônatas.

A Reação De Davi Aos Acontecimentos De II Samuel 2:1 A 5:5

Assim é, que Davi é designado substituto de Saul — como futuro rei de Israel — aproximadamente 15 anos antes dos acontecimentos de nosso texto. De humilde pastorzinho, guardador das ovelhas de seu pai, Davi passa a membro estimado da família e da casa de Saul, um homem de grande coragem e feitos militares. Isso não ocasiona a imediata morte de Saul ou a nomeação de Davi como seu substituto. Davi cai no desfavor do rei simplesmente devido à sua confiança em Deus, a sua lealdade ao rei e ao seu sucesso. Ele deixa de ser a “estrela em ascensão” de Israel, com quem todos desejam se associar, e se torna um fugitivo, com quem a maioria dos israelitas tem medo de andar para não incorrer na ira do rei. Davi passa por muitas experiências diferentes, as quais farão dele um rei melhor por tê-las enfrentado. Agora, ele está bem mais preparado para reinar em Israel. No entanto, Deus ainda não está disposto a torná-lo rei. Nesse sentido, Davi é muito parecido com Jacó, que ficou feliz quando conseguiu sua esposa depois de trabalhar para Labão, mas ficou sabendo que ainda tinha outros sete anos de serviço antes de poder ter tudo pelo que tanto esperara. Mesmo depois de ser ungido rei de Judá, Davi ainda tem de esperar mais sete anos inteiros para ser ungido rei de todo Israel. Vamos meditar nos acontecimentos que levaram ao cumprimento da unção profética feita por Samuel muitos anos antes e ver como Davi aprendeu a “esperar no Senhor”.

Após quase 15 anos de espera, a maior parte deles fugindo de Saul, Davi fica sabendo da morte do rei e de seus três filhos. Depois de lamentar suas mortes, Davi consulta o Senhor, procurando saber o que deve fazer em relação à morte de Saul. Deus indica que ele e seus homens devem retornar à cidade de Hebrom, no território de Judá. É lá que os homens daquela tribo ungem Davi como rei de Judá (II Samuel 2:1-4a).

O primeiro ato de Davi como rei de Judá é descrito em 2:4b-7. Talvez ele esteja procurando mais informações sobre a batalha contra os filisteus e sobre a morte de Saul. De uma forma ou de outra, dizem a ele que os homens de Jabes-Gileade agiram corajosamente resgatando o corpo de Saul, dando-lhe um sepultamento adequado. Davi reage como um rei deve reagir. Ele executa o amalequita que, por sua própria admissão, levantou a mão contra o ungido do Senhor. Agora, ele elogia os homens de Jabes-Gileade por arriscarem a vida para honrar Saul. Os feitos valorosos desses valentes são recompensados com o equivalente à concessão de uma medalha presidencial de honra ao mérito.

Preciso ressaltar também que Davi inclui na mensagem aos homens de Jabes-Gileade que ele foi ungido como rei pelo povo de Judá (2:7). Pode ser que isso seja uma forma indireta de mostrar sua disponibilidade para ser ungido em Israel também. Duvido que esse pensamento seja ofensivo ao povo de Jabes, ou a qualquer pessoa em Israel (exceto Abner - ver 3:17-19). Contudo, Davi não tenta forçar a situação, e realmente nada acontece.

A razão de Davi não ser ungido rei sobre todo Israel é Abner, primo de Saul e comandande das forças armadas de Israel (2:8-11). As ações de Abner sequer têm uma justificativa. Ele sabe que Deus designou Davi como o próximo rei de Israel, e o povo também (3:8-10, 17-19). Por isso, ou ele está tentando evitar ou está tentando retardar o reinado de Davi em lugar de Saul (e dos descendentes deste). Abner instala Isbosete como rei. Poucas pessoas tentariam discutir a questão com ele, um homem pessoalmente intimidador, sem mencionar as forças armadas sob seu comando. Quem ousaria se opor a ele ou a Isbosete?

Davi também não se opõe, não porque esteja com medo, ou porque não seja capaz. Ele não se opõe porque não quer, por princípio. Isbosete é descendente de Saul. Parece que ele adota o princípio estabelecido séculos depois pelo apóstolo Paulo:

“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação.” (Romanos 13:1-2)

É difícil dizer que Isbosete tenha sido instalado como rei por exigência popular ou por razões e intenções piedosas de Abner. Parece que Abner está buscando seus próprios interesses com a nomeação de Isbosete. Davi, no entanto, admite que o filho de Saul seja de fato o rei e, por isso, que foi Deus, no final das contas, quem o colocou nessa posição de poder e autoridade. Davi não se oporá ao rei, nem mesmo para reinar em seu lugar. Além do mais, Davi fez uma promessa a Saul: a de não eliminar seus descendentes e não apagar seu nome da casa de seu pai. Ele não afastará Isbosete porque não poderá fazê-lo e continuar mantendo a palavra dada a Saul. Eis um homem de princípios, um homem que esperará mais sete anos só para manter sua palavra, só para esperar no Senhor.

Davi não aparece nenhuma vez dos versículos 2:12 a 3:11. Seu nome pode ser mencionado, mas ele não é um dos personagens principais. Os destaques são para Abner, comandante do exército de Israel, e Joabe, um dos homens de Davi e um dos comandantes das forças militares de Judá. Os dois concordam com um “embate” que leva não só 24 combatentes à morte, mas que também acarreta uma guerra declarada entre o povo de Judá e o povo de Israel. Ao que tudo indica, esse embate é totalmente despropositado, uma projeção egocêntrica da competitividade de Abner e Joabe. A guerra se arrasta, minando a unidade de Israel, causando morte e sofrimento desnecessários e culminando com o assassinato de Abner por Joabe.

Em muitos sentidos, esta é uma história bem sórdida. Os dois lados se encontram para um embate e muito sangue é derramado, levando à guerra declarada. Durante a batalha, Asael, irmão de Abisai e Joabe, está nos calcanhares de Abner. Abner não quer matá-lo, mas sabe que o jovem não vai desistir de sua perseguição. Finalmente, depois de não conseguir convencer Asael a deixar seu intento, Abner o mata. Isso não é considerado assassinato, pois é algo que ocorre durante a guerra. É quase um ato em defesa própria, mas Joabe jamais aceitará esse fato. Ele pretende se vingar.

O problema é que Davi e Abner põem fim à guerra. Abner está ficando cada vez mais ousado. Ele sempre foi o verdadeiro poder por trás dos bastidores, mas deixa todos os pretextos de lado quando toma para si a concubina de Saul. Este é um ato simbólico, virtualmente anunciando que ele está assumindo o lugar de Saul (ver I Reis 2:13-25; compare com Gênesis 35:22; 49:3-4). Isbosete considera essa atitude insuportável; por isso, reúne coragem para enfrentar Abner. Quando censurado por Isbosete, Abner explode. Ele acusa Isbosete de ingratidão e lhe diz que é ele, Abner, quem realmente está no comando. E aproveita a oportunidade para mudar de lado. A casa de Davi prevalece cada vez mais sobre a casa de Saul (3:1); na cabeça de Abner, já é tempo de mudar para o lado vencedor. Ele diz a Isbosete que agora vai dar seu apoio a Davi, para torná-lo rei. Abner, o articulador, fez Isbosete rei; agora, fará rei a Davi. Isbosete fica devidamente impressionado e amedrontado. Este é último protesto que fará contra Abner (3:6-11).

Abner, então, vai até Davi e se oferece para torná-lo rei. Ele afirma que está “no comando” e que, na verdade, o país é seu. Se Davi fizer aliança com ele, Abner fará o resto. Ele promete trazer todo Israel a Davi. Parece que, se tivesse vivido, Abner teria cumprido sua promessa. Antes de sua morte, ele se encontra com os líderes de ambos os lados. Em princípio, há um acordo. Tudo o que é preciso fazer é concluí-lo.

A morte “prematura” de Abner dá uma parada brusca nas coisas. Ele iria cumprir o que prometeu a Davi, e o que ele parece ter quase conseguido é subitamente interrompido por sua própria morte. Ele vai a Davi acompanhado de uma delegação. O acordo é feito. O cessar-fogo é declarado e a guerra entre Israel e Judá está formalmente encerrada. Por duas vezes em nosso texto é dito que Abner parte “em paz” (3:22, 23). Para mim, isso quer dizer que a guerra está terminada. Isso significa que Joabe não pode matar Abner de forma legítima; matá-lo agora será assassinato, pois não é mais tempo de guerra (ver I Reis 2:5).

Enquanto Davi está “fazendo a paz” com Abner, Joabe está fora “fazendo a guerra”. Ele conduz uma investida bem sucedida. Não está escrito contra quem é a ofensiva, mas é muito provável que seja contra os israelitas. Ao voltar, ele é informado de que Abner esteve lá, numa reunião com Davi, e que o deixaram ir embora em paz. Joabe fica furioso. Como Davi pode ser tão tolo a ponto de ser enganado por Abner? Será que ele não sabe que isso é um truque? Davi não dá ouvidos a Joabe e, depois de deixar Davi, Joabe manda seus soldados trazerem secretamente Abner à sua presença. Traiçoeiramente, ele dá um jeito de levar Abner a um lugar afastado e o mata.

Quando Davi fica sabendo do assassinato de Abner por Joabe, age com rapidez e determinação. Ele repudia publicamente a atitude de Joabe como algo execrável. Não há desculpas para o que ele fez. Davi condena o assassinato e invoca o juízo divino sobre Joabe e sua família (3:28-29). A seguir, ele lamenta a morte de Abner e cuida para que seu sepultamento seja honroso, mesmo que sua morte não tenha sido (sua morte foi como a de um perverso). Davi não só acompanha o féretro, chorando e entoando um cântico de lamento por Abner, mas também se recusa a comer durante o dia todo. Fica muito claro a todos que Davi não tem participação na morte de Abner. Todos sabem disso e aprovam sua atitude (3:31-39). O relacionamento entre Davi e o povo continua crescendo.

Creio que Deus providencialmente retira Abner de cena para que Davi não se torne rei graças a ele, um articulador, mas sim graças ao Rei Criador. As razões de Abner para trocar sua lealdade de Isbosete para Davi são questionáveis. Em alguns aspectos, parece que ele aborda Davi da mesma maneira que Satanás aborda nosso Senhor em Sua tentação (Mateus 4:1-11, Lucas 4:1-12). Como Satanás, Abner afirma que o reino que está oferecendo é realmente dele (compare II Samuel 3:12 com Lucas 4:5-7). Abner quer que Davi faça aliança com ele (II Samuel 3:12), mas quando Davi realmente se torna o rei de todo Israel, ele faz aliança com eles (o povo) “perante o Senhor” (II Samuel 5:3). De certo modo, vejo a oferta de Abner como um atalho, um caminho mais fácil para aquilo que Deus quer dar a Davi de outro jeito. Se é assim, a morte de Abner, e a consequente demora para Davi se tornar rei, faz sentido.

Quando Davi inicialmente aceita oferta de Abner, ele impõe uma condição: que Mical, sua esposa, lhe seja devolvida (II Samuel 3:13-15). A primeira esposa oferecida por Saul a Davi foi Merabe, mas Davi não aceitou a oferta. No entanto, a Mical ele aceitou. Ela lhe foi dada e, com certeza, o casamento foi consumado. Entretanto, depois que Davi cai em desgraça com o rei e foge para se salvar, Saul toma Mical e a dá por esposa a um homem chamado Palti (ver I Samuel 25:44).

Por que será que Davi quer tanto o retorno de sua esposa? Antes de mais nada, creio que seja por ela ser sua esposa. Davi não a leva junto com ele quando foge de Saul, mas ele se casou e viveu com ela como esposa. O fato de Saul a ter dado a outro homem não significa que ela deixa de ser esposa de Davi. Davi acredita na indissolução do casamento. Ela ainda é sua esposa e ele a quer de volta. Segundo, ele insiste para que Isbosete a devolva para ele. O pai de Isbosete, o rei Saul, tirou Mical de Davi; e já que Isbosete é quem governa em lugar de Saul, que concerte esse erro. Terceiro, se o embate entre os 12 homens de Abner e os 12 de Joabe dá início à guerra, a reunião de Davi e Mical unirá simbolicamente a casa de Davi e a casa de Saul. Davi quer Mical de volta porque ela ainda é sua esposa e ele a ama, e também porque isso é o melhor para seu próprio povo.

Com a morte de Abner, Isbosete perde totalmente a coragem. Se ele mal conseguia enfrentar Abner, enfrentar Davi, então, nem pensar. Agora, ele está por sua própria conta, sabedor de que Abner já instituiu Davi para reinar em seu lugar. Como informa nosso autor, Isbosete fica “tremendo na base” (como a gente costuma dizer) e Israel fica atônito. O que acontecerá agora?

Dois homens acham que são a solução para o problema. Ambos são da tribo de Benjamim e capitães de tropa de Israel (4:2). Seus nomes são Baaná e Recabe, filhos de Rimom. Para deixar as coisas bem claras: Isbosete é apenas um governante interino. Na verdade, ele não consegue governar sozinho, pois Abner era o cérebro e os músculos (soldados) de sua administração fantoche. No entanto, ei-lo aqui, um rei simbólico e fraco, governando uma nação cada vez mais enfraquecida. Davi já foi designado para reinar em todo Israel, e todos sabem disso, mas ninguém sabe como fazer para isso acontecer. E assim, os dois líderes chegam confiadamente à casa do rei em pleno meio-dia, fingindo estar à procura de trigo. O rei está tirando uma soneca quando eles entram no quarto e o matam. A seguir, eles cortam sua cabeça e viajam a noite toda até Hebrom para falar com Davi. Orgulhosamente, eles lhe mostram a cabeça do rei, filho de Saul, “inimigo de Davi”.

Eles não entendem nada. Não entendem a submissão de Davi a Deus e sua recusa em levantar a mão contra o ungido do Senhor (ou mesmo contra alguém feito rei de maneira não tão honrosa). Eles não entendem o amor de Davi por Saul ou seu compromisso de preservar a vida de seus descendentes e honrar seu nome (I Samuel 24:16-22). Eles não ouviram falar, pelas atitudes anteriores de Davi, que ele não está tão ansioso para se sentar trono a ponto tolerar a maldade daqueles que procuram matar o ungido de Deus.

“Porém Davi, respondendo a Recabe e a Baaná, seu irmão, filhos de Rimom, o beerotita, disse-lhes: Tão certo como vive o SENHOR, que remiu a minha alma de toda a angústia, se eu logo lancei mão daquele que me trouxe notícia, dizendo: Eis que Saul é morto, parecendo-lhe porém aos seus olhos que era como quem trazia boas-novas, e como recompensa o matei em Ziclague,  muito mais a perversos, que mataram a um homem justo em sua casa, no seu leito; agora, pois, não requereria eu o seu sangue de vossas mãos e não vos exterminaria da terra? Deu Davi ordem aos seus moços; eles, pois, os mataram e, tendo-lhes cortado as mãos e os pés, os penduraram junto ao açude em Hebrom; tomaram, porém, a cabeça de Isbosete, e a enterraram na sepultura de Abner, em Hebrom.” (II Samuel 4:9-12)

Novamente, Davi não é nenhum oportunista que irá usar de quaisquer meios para assentar-se no trono prometido por Deus. Nem fará vistas grossas quando outros intentarem o mal para facilitar sua ascendência ao trono. Davi é um homem que entende o que significa ser o rei de Deus:

“Nos lábios do rei se acham decisões autorizadas; no julgar não transgrida, pois, a sua boca.” (Provérbios 16:10)

“Assentando-se o rei no trono do juízo, com os seus olhos dissipa todo mal.” (Provérbios 20:8)

“O rei sábio joeira os perversos e faz passar sobre eles a roda.” (Provérbios 20:26)

“tira o perverso da presença do rei, e o seu trono se firmará na justiça” (Provérbios 25:5)

Nos primeiros cinco versículos de II Samuel 5, Davi é ungido rei de todo Israel. Finalmente! Finalmente mesmo! Tudo começou muitos anos antes, quando Davi ainda devia ser um adolescente. Para seu espanto, e para o de sua família, ele é ungido como o futuro rei de Israel. Quase 15 anos antes de ser ungido rei de Judá, e outros sete de todo Israel. No entanto, agora, finalmente, ele é rei. Na parte final desta mensagem, gostaria de deixar os detalhes de lado e dar uma olhada no cenário mais abrangente dado pelo autor desde I Samuel 16 até II Samuel 5.

Lições A Serem Aprendidas Com A Demora Do Reinado De Davi

1) Devemos começar observando que a promessa feita por Deus a Israel e a Davi (implícita na época em que Davi foi ungido por Samuel) levou muito tempo para ser cumprida. Davi se torna rei de Israel depois de uma considerável demora, e de muita adversidade. Esse é o tema de I Samuel 16:1 a II Samuel 5:5. Esse período da vida de Davi pode ser resumido em duas palavras: “tempo” e “problema”.

2) A demora para Davi se tornar rei de Israel não é incomum, mas é o jeito típico de Deus cumprir Suas promessas e Seus propósitos. Para ser mais sucinto: Deus não está com pressa. Deus tem todo o tempo do mundo. Na verdade, Deus é muito maior que o tempo e com certeza não é limitado por ele. Em toda a Bíblia vejo Deus prometendo coisas que os homens precisam esperar para receber:

·         Deus prometeu um filho a Abrão e Sarai, mas eles tiverem de esperar 25 anos para tê-lo.

·         Deus prometeu a Noé que haveria um dilúvio, mas isso demorou muito para acontecer.

·         Deus fez Jacó esperar durante 14 anos para ter a mulher que ele queria.

·         José teve de esperar um tempo considerável para ver seus irmãos e sua família, e não conseguiu voltar para sua terra senão depois de sua morte (seus ossos foram carregados para a terra prometida).

·         Os israelitas tiveram de esperar 430 anos no Egito, antes de voltarem para a terra prometida.

·         O escritor de Hebreus nos conta que todos os santos do Antigo Testamento tiveram de esperar por nós (os gentios?) antes de poderem ver o reino prometido (Hebreus 11:39-40).

·         Durante 2.000 anos os santos têm esperado a volta de nosso Senhor e a vinda do Seu reino.

Esperar é parte do desígnio divino. A espera não é um acidente, é um propósito.

3) Muitas pessoas fracassam na e obediência a Deus enquanto esperam: Esperar é uma forma de adversidade, um teste para nossa fé e perseverança.

“Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade.” (Hebreus 11:13-16)

“Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus.” (I Pedro 2:20)

Muitas das falhas que vemos na Bíblia estão relacionadas a espera. Tenho a impressão de que tudo começou bem no princípio, com Adão e Eva. Quanto mais penso na história da queda, mais concordo com a interpretação que vê a tentação e o pecado como tomar um atalho para alcançar uma coisa boa. O conhecimento do bem e do mal, em si mesmo, não é uma coisa ruim. Se Adão e Eva iriam se tornar “como Deus” conhecendo o bem e do mal, como, então, isso poderia ser ruim? É ruim ser como Deus? Não é isso o que Deus está fazendo conosco, conformando-nos a imagem de Cristo (Romanos 8:29)? Não seremos “como Ele” quando “O virmos como Ele é” (I João 3:2)? Davi não foi elogiado por “conhecer o bem e o mal” (II Samuel 14:17)? Salomão orou pedindo sabedoria para discernir entre “o bem e o mal” (I Reis 3:9). Os cristãos, pela obediência à Palavra de Deus, “têm a faculdade exercitada para discernir o bem e o mal” (Hebreus 5:14). Creio, no entanto, que Deus queria que Adão e Eva tivessem esse conhecimento, mas não pelo meio fácil e rápido de pegar às escondidas o fruto proibido. Não era errado conhecer o bem e o mal, mas sim conhecê-lo de uma forma que Deus havia proibido. Creio que Deus tinha um jeito melhor e mais lento para isso, mas eles preferiram o atalho. Eles não quiseram esperar no Senhor por esse conhecimento.

Abraão e Sara tinham de esperar pelo filho prometido e, pelo menos uma de suas falhas foi no campo da paciência, de esperar em Deus pelo cumprimento de Sua promessa. Não foi por isso que Abrão disse ser o damasceno Eliézer seu herdeiro (Gênesis 15:2)? Não foi por isso também que Abrão anuiu ao conselho de Sarai para ter o descendente prometido por meio de sua serva Agar (Gênesis 16:1-2)? Conforme descrito em Êxodo 32, os israelitas pecaram ao fazer o bezerro de ouro. Isto não ocorreu porque eles não quiseram esperar 40 dias pelo retorno de Moisés do Monte Sinai? Em I Samuel 13, o pecado de Saul não foi porque ele não quis esperar por Samuel? Não estavam os discípulos de nosso Senhor sempre perguntando pela vinda do Seu reino e tentando apressá-la? Não foi por não quererem esperar, que os onze apóstolos e outras pessoas se adiantaram e elegeram Matias em lugar de Judas, quando Jesus os tinha instruído a esperar “pela promessa do Pai” (Atos 1:4)?

A igreja de Corinto tinha muitos problemas. Um deles era no campo da espera. Eles não podiam esperar que Deus fizesse justiça, por isso, levavam uns aos outros ao tribunal (I Coríntios 6). Eles não podiam esperar pela chegada dos irmãos, por isso se adiantavam e se excediam na comida e na bebida durante as refeições, transformando a Ceia do Senhor numa farsa (I Coríntios 11). Eles não podiam esperar pelo cumprimento das promessas de Deus sobre uma espiritualidade plena, por isso admitiam professores e ensinamentos triunfalistas: você pode ter tudo hoje, não depois.

Não é de admirar que nosso Senhor tenha dedicado tanto tempo e atenção ensinando a Seus discípulos como se comportar enquanto esperassem Sua volta:

“Ficai também vós apercebidos, porque, à hora em que não cuidais, o Filho do Homem virá. Então, Pedro perguntou: Senhor, proferes esta parábola para nós ou também para todos? Disse o Senhor: Quem é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor confiará os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. Verdadeiramente, vos digo que lhe confiará todos os seus bens. Mas, se aquele servo disser consigo mesmo: Meu senhor tarda em vir, e passar a espancar os criados e as criadas, a comer, a beber e a embriagar-se, virá o senhor daquele servo, em dia em que não o espera e em hora que não sabe, e castigá-lo-á, lançando-lhe a sorte com os infiéis. Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão.” (Lucas 12:40-48)

4) Satanás muitas vezes ataca tentando tirar proveito da demora divina. Satanás tenta tranquilizar a mente do incrédulo mostrando que a demora divina é uma prova de que Deus não sabe, ou não se importa, quando pecamos:

“Amados, esta é, agora, a segunda epístola que vos escrevo; em ambas, procuro despertar com lembranças a vossa mente esclarecida, para que vos recordeis das palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos apóstolos, tendo em conta, antes de tudo, que, nos últimos dias, virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias paixões e dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação.” (II Pedro 3:1-4)

Satanás procura minar a fé e a obediência dos filhos de Deus enganando-os a respeito da bondade divina quando Deus demora em atendê-los. Creio que foi isso o que Satanás fez com Adão e Eva no jardim do Éden. Creio também que este seja o cerne da tentação de nosso Senhor no início de Seu ministério terreno. Satanás disse ao Senhor: “Ok, sei que você é o Rei de Deus. Contudo, em vez de negar a si mesmo (obedendo a Deus e ficando 40 dias e 40 noites sem comer), por que não se serve? Por que não come agora? Por que entrar no seu reino com tanto sofrimento? Por que não me adora e eu lhe dou o reino agora mesmo? Não é assim que Satanás pensa e age?

Enquanto esperamos, Satanás quer nos fazer acreditar que as promessas de Deus jamais serão cumpridas. Ele procura nos levar a agir independentemente de Deus, conseguindo as coisas por nós mesmos, em vez de esperar que Deus as dê para nós. Satanás procura levantar dúvidas quanto a bondade de Deus, como se Deus estivesse retendo algo bom de nós por pura mesquinharia. Satanás age promovendo a desconfiança em Deus, especialmente em Sua Palavra. Ele nos leva a desobedecer a Deus e a seguir nosso próprio julgamento. Ele nos incita a aproveitar as ocasiões, usar meios questionáveis e usar os outros como meios de obter aquilo que desejamos.

5) Tempo de espera no Senhor é tempo de ter a é levada ao limite e a intimidade com Deus reforçada. Já perceberam como muitos Salmos foram escritos em tempos de espera? A pergunta “Até quando...”? é encontrada diversas vezes nos salmos, ou seja, “espera no Senhor”. Davi, muitas vezes, é o autor desses salmos de “espera”. Esperar no Senhor é bom para nós. Esperar nos ajuda a desenvolver a paciência e a tolerância. Faz com que exercitemos nossa fé nas promessas de Deus e ajamos com base na Sua Palavra, não em nossa vista. Esperar aumenta nosso apetite pelas coisas boas que Deus tem reservado para nós. Esperar requer negar os desejos carnais e deixar de lado o desejo de gratificação imediata pelo meio mais fácil. Esperar no Senhor é uma das maneiras de “tomarmos nossa cruz e segui-lO”.

6) Esperar no Senhor também consiste em pureza sexual. Hoje em dia há muita conversa sobre “sexo seguro” e bem pouca sobre abstinência. Isso acontece porque esperar pelos prazeres do sexo conjugal é um tabu. A virgindade é desdenhada como se fosse uma maldição, não um presente que um cônjuge oferece ao outro. Esperar no Senhor pelas alegrias e pelos prazeres do sexo conjugal aumenta a alegria e o prazer desta dádiva, se e quando Deus a der. O que desejo frisar é que a pureza sexual requer espera e a espera é uma boa parte daquilo que a vida cristã requer. Não devemos considerar este assunto como algo que Deus cruelmente retém de nós, mas como um presente muito bom, o qual estamos dispostos a esperar no Senhor para podermos desfrutar plenamente e sem culpa.

7) Alguns tipos de espera não são cristãs. Muitas vezes temos tendência a esperar quando deveríamos trabalhar e trabalhar quando deveríamos esperar. Esperar para fazer aquilo que sabemos que é certo, aquilo que Deus nos ordena a fazer, não é uma atitude cristã, é pecado (Tiago 4:17). Esperar para aceitar a salvação e o perdão dos pecados em Jesus é a pior coisa que existe (Hebreus 3:12-15). A espera que agrada a Deus consiste naquela em que Ele fez uma promessa que nós mesmos não podemos cumprir sem agir com incredulidade e desobediência à Sua Palavra.

8) Esperar não é, necessariamente, uma época de passividade. Já reparou no que as pessoas fazem enquanto estão esperando? Algumas não fazem absolutamente nada. Entretanto, noto que outras (não exatamente homens) fazem crochê ou bordam. Há coisas construtivas que se pode fazer enquanto se espera. Davi esperou mais de 20 anos para reinar sobre todo Israel, mas essa foi uma época bastante ocupada de sua vida. Ele fez muito mais do que simplesmente fugir para se salvar. Ele libertou o povo de Queila (I Samuel 23:1-5) e fez boas coisas para o povo de Judá (I Samuel 30:26-31). Uma das coisas que podemos fazer enquanto esperamos é louvar a Deus e orar, como Davi e outras pessoas fizeram nos salmos. Embora não possamos fazer aquilo que mais desejamos, podemos fazer aquilo que Deus nos oportunidade de fazer, enquanto esperamos nEle pelo cumprimento de Suas promessas e de Seus propósitos.

9) Esperar é uma parte significativa da vida de cada um de nós. Quando eu era jovem,  mal podia esperar pelo meu 16º aniversário para poder dirigir legamente. Mal podia esperar para crescer e ter todos os privilégios e liberdades de um adulto. Quando estava namorando, mal podia esperar pelo dia do casamento. Cada um de nós espera uma porção de coisas neste exato momento. Permitam-me citar apenas algumas:

·         Nossos jovens esperam para crescer e desfrutar dos direitos, privilégios e responsabilidades da vida adulta. Rebeliões na adolescência e sexo antes do casamento são tentativas de tomar um caminho mais curto que muitas vezes acaba causando um curto-circuito;

·         Alguns casais esperam ter filhos. A maioria dos pais tem de esperar pelo menos nove meses para ter um filho, e muitos deles têm de esperar muito mais;

·         Muitas pessoas esperam reconhecimento e recompensa por seu trabalho, enquanto outras tomam atalhos para serem promovidas;

·         Quase todos os cristãos passam por algum tipo de dor ou sofrimento em que têm de esperar por libertação;

·         Todos os cristãos esperam pela salvação de entes queridos, amigos ou parentes;

·         Todos nós nos encontramos esperando que Deus mude alguém a quem amamos ou que é próximo a nós;

·         Todos esperamos a vinda de nosso Senhor e de Seu reino;

·         Por mais estranho que pareça, uma porção de cristãos esperam pela morte. Há aqueles que não conseguirão esperar pelo tempo de Deus e escolherão o suicídio como meio de aliviar sua dor. Outros não conseguem suportar o sofrimento de seus entes queridos e escolhem a eutanásia. Todos conhecemos situações em que desejamos que o Senhor “os leve” ou “nos leve”, mas Deus nos diz para esperar.

10) Finalmente, tenha a certeza de que vale a pena esperar no Senhor. Se você quer uma refeição rápida, pode ir a um drive-through do McDonald’s e comprar um “Mc Lanche Feliz”. No entanto, se quer uma lauta refeição, sabe que terá de esperar um pouco. Grandes refeições não são preparadas de uma hora para outra, não importa o que digam os comerciais de TV. Nunca vi alguém colocando comida no micro-ondas porque achasse que ela ficaria mais saborosa do que se preparada no forno ou numa panela de barro. Usamos o micro-ondas quando queremos comer logo. Usamos o forno quando queremos comer bem. Os planos e as promessas de Deus não são comida de micro-ondas. Deus prepara lentamente Seus planos e Seu povo extraindo deles o que é melhor. Quase sempre você pode esperar que Deus o fará aguardar porque Ele tem o que é melhor para você. Ele nunca se atrasa, mas dificilmente se apressa. Contudo, posso lhe garantir: Quando o plano de Deus é que você espere, Ele vai fazer a espera valer a pena.

Aprendamos com Davi que esperar é uma parte normal da vida cristã. Seremos tentados a encurtar esta espera, mas ceder seria pecado. Muitas vezes, outras pessoas querem nos ajudar a tomar um atalho. Contudo, precisamos decidir de coração a ser como Davi e esperar no Senhor pelo cumprimento de Seus propósitos e de Suas promessas, no Seu tempo. Tenhamos certeza de que, enquanto esperamos, Deus está operando em nós, preparando-nos para as coisas boas que estão à nossa frente. Não duvidemos de que as veremos. E dediquemo-nos a fazer o bem que conhecemos e que somos capazes de fazer enquanto esperamos.

Tradução: Mariza Regina de Souza

5. Um Lugar Só Seu (II Samuel 5:1-25)

Introdução

Há muitos anos li um livro excelente intitulado Shantung Compound, escrito por Langdon Gilkey. Um dos capítulos do livro é denominado “Um lugar só seu”. Gilkey ficou confinado num campo de detenção junto com um grupo diversificado de pessoas, os quais tinham uma coisa em comum: todos eram ocidentais. Quando invadiram a China durante a II Guerra Mundial, os japoneses não sabiam o que fazer com aquelas pessoas, por isso, mantiveram-nas detidas em diversos acampamentos. Shantung Compound era um antigo acampamento presbiteriano que foi convertido para esse fim. Gilkey recebeu a tarefa de designar os quartos das pessoas confinadas naquele local, o que acarretou algumas situações muito interessantes, como ele bem descreve em seu livro.

No capítulo “Um lugar só seu”, Gilkey fala sobre o desejo das pessoas terem um lugar que possam chamar de seu. Em um dos exemplos, uma senhora muito fina e educada manifestou essa ânsia de ter o seu próprio “canto”. Uma mulher, cuja cama ficava ao lado direito da dela começou a sentir que a cama estava se movendo. A cada dia, quando ela olhava pela janela, a vista estava ligeiramente diferente. Ela percebeu que a cama estava sendo movida. A adorável senhora ao lado estava empurrando sua própria cama, e a da sua colega de quarto, uns poucos milímetros por dia, para ter um pouco mais de espaço às custas de sua companheira. Todos nós queremos “um cantinho só nosso”, não é?

Chegamos a II Samuel 5, onde Davi se torna o rei de todo Israel e, ao mesmo tempo, dono de um lugar finalmente seu. Até aqui o lugar é conhecido como Jebus e seus habitantes, como jebuzeus. Entretanto, de nosso texto em diante, Jebus se torna Jerusalém, Sião, a “cidade de Davi”. No capítulo seguinte, Jerusalém se tornará o lugar da morada de Deus, quando a Arca da Aliança for trazida para a cidade, onde Salomão mais tarde construirá o templo. O momento é glorioso para Davi e muito instrutivo para nós. Vamos pedir a assistência do Espírito Santo para aprender o que Ele tem a nos ensinar sobre Davi encontrar “um lugar só dele”.

A Estrutura Do Texto

Como resultado do estudo de II Samuel, vejo agora que o capítulo 5 está divido em quatro seções principais, as quais resumo abaixo:

·         5:1-5: Israel se submete a Davi como o “Rei de Deus”

·         5:6-10: Davi toma Jebus e faz dela Jerusalém, a “cidade de Davi

·         5:11-16: A construção da casa de Davi (o lugar físico, dele e de sua família)

·         5:17-25: Davi derrota os filisteus

Israel Submete-Se A Davi Como O Rei De Deus
(5:1-5)

“Então, todas as tribos de Israel vieram a Davi, a Hebrom, e falaram, dizendo: Somos do mesmo povo de que tu és. Outrora, sendo Saul ainda rei sobre nós, eras tu que fazias entradas e saídas militares com Israel; também o SENHOR te disse: Tu apascentarás o meu povo de Israel e serás chefe sobre Israel. Assim, pois, todos os anciãos de Israel vieram ter com o rei, em Hebrom; e o rei Davi fez com eles aliança em Hebrom, perante o SENHOR. Ungiram Davi rei sobre Israel. Da idade de trinta anos era Davi quando começou a reinar; e reinou quarenta anos. Em Hebrom, reinou sobre Judá sete anos e seis meses; em Jerusalém, reinou trinta e três anos sobre todo o Israel e Judá.”

Os israelitas estão em foco nos versos 1 a 3. São eles que vão a Hebrom e reconhecem Davi como rei e o ungem. Tendo admitido que a iniciativa foi do povo, precisamos nos lembrar de que foram eles também que tomaram a iniciativa na época de Saul. Não é possível compreender totalmente o significado da submissão dos israelitas a Davi sem fazer a comparação e o contraste deste acontecimento com o de I Samuel 8 a 12, quando o povo exige um rei e recebe Saul como o primeiro rei de Israel.

Vocês devem se lembrar de que em I Samuel 8 Samuel já está avançado em idade e seus filhos não são seus melhores substitutos (8:1-3). Eles são desonestos e abusam de sua autoridade como juízes em Berseba. Por isso, no verso 4 do capítulo 8, os anciãos de Israel exigem que Samuel lhes dê um rei “para governá-los, como todas as nações” (8:5). Samuel fica muito chateado com a exigência do povo e Deus também fica muito desgostoso. O povo não está só rejeitando Samuel como juiz, eles estão rejeitando a Deus como rei (8:7-8). Apesar disso, Deus manda Samuel alertá-los sobre os altos custos de um rei e dizer-lhes que eles realmente terão o querem. Nos capítulos 9 e 10, Saul é designado e ungido como o primeiro rei de Israel. No capítulo 11, ele lidera os israelitas na guerra contra Naás e os amonitas, os quais sitiam Jabes Gileade e ameaçam humilhar seus habitantes vazando o olho direito de cada cidadão (11:1-2). Deus dá a Saul e Israel uma grande vitória sobre os amonitas e o povo exulta de alegria. Eles querem por as mãos em cima dos homens que desprezaram Saul e matá-los (11:12-13).

No capítulo 12 Samuel coloca a questão na perspectiva correta. A exigência de Israel é pecado, por isso, Deus manda uma tempestade que destrói a sega do trigo (12:12-18). Em certo sentido, esta geração de israelitas é exatamente como seus antepassados. A oposição de nações estrangeiras é um castigo divino pelo desrespeito de Israel às leis de Deus. No entanto, por outro lado, o pecado de exigir um rei é ainda maior do que o de seus antepassados. No passado, Deus enviava um libertador quando a nação se arrependia e clamava por libertação. Neste caso, não há arrependimento algum. Eles não imploram por libertação; mas exigem um rei. Creio que Israel quer um libertador sem ter de se arrepender, e também quer um rei que lhes assegure futuras libertações. Eles querem um rei para não terem de confiar em Deus e obedecê-lO. Quando Samuel aponta o pecado e o enfatiza com uma tempestade, o povo se arrepende.

A seguir, Samuel faz uma promessa ao povo:

“Agora, pois, eis aí o rei que elegestes e que pedistes; e eis que o SENHOR vos deu um rei. Se temerdes ao SENHOR, e o servirdes, e lhe atenderdes à voz, e não lhe fordes rebeldes ao mandado, e seguirdes o SENHOR, vosso Deus, tanto vós como o vosso rei que governa sobre vós, bem será. Se, porém, não derdes ouvidos à voz do SENHOR, mas, antes, fordes rebeldes ao seu mandado, a mão do SENHOR será contra vós outros, como o foi contra vossos pais.” (I Samuel 12:13-15)

“Tão-somente, pois, temei ao SENHOR e servi-o fielmente de todo o vosso coração; pois vede quão grandiosas coisas vos fez. Se, porém, perseverardes em fazer o mal, perecereis, tanto vós como o vosso rei.” (I Samuel 12: 24-25)

O que desejo assinalar aqui é a ligação que Samuel faz entre o povo e seu rei. Tanto um quanto outro precisam confiar em Deus e obedecê-lO. Se não o fizerem, Deus os castigará. Caso contrário, Deus os abençoará. Acredito que Samuel esteja indicando para nós que o povo vai ter o rei que deseja e que merece. Deus lhes dá o rei Saul, pois ele é exatamente como eles. Ele se rebela contra a Palavra de Deus, da mesma forma que o povo. Ele é incapaz de obedecer a Deus plenamente, da mesma forma que eles. No caso de I Samuel 8 a 12, o povo exige um rei por razões totalmente erradas. Agora, vejo que os pecados dos filhos de Samuel eram somente um pretexto para exigirem um rei e que seus motivos eram bem menos nobres do que “justiça”. Em I Samuel 12:12, Samuel diz ao povo que o verdadeiro motivo é o medo que sentem de Naás, que avança contra Israel. Eles querem um rei que os lidere na guerra e lhes dê a vitória sobre seus inimigos. Eles querem um libertador como Sansão, não como Samuel. Samuel expõe toda hipocrisia e fingimento para revelar o pecado de Israel, o qual torna o povo digno de um rei como Saul.

No entanto, quando chegamos a II Samuel 5, vemos uma mudança radical. Não é apenas a mudança de um rei patético como Saul para um líder patriótico como Davi. O povo também muda. Preciso fazer uma confissão. Até aqui tenho sido insensível para com os israelitas. Tenho ficado do lado de cá da história com as mãos na cintura, batento o pé com impaciência. Quando leio os versos 1 a 5 do capítulo 5, encontro-me pensando: “Já não era sem tempo!” Entretanto, mudei de ideia. Agora, vejo a demora dos israelitas de modo diferente. Permitam-me tentar explicar.

Vocês irão reparar que aqui não há nenhuma crise, nenhum perigo iminente que force os líderes israelitas a agir. Saul está morto, bem como seus filhos, incluindo Isbosete. Não há nenhum ataque filisteu, nehuma ameaça amonita. Os filisteus só atacam quando ficam sabendo que Davi foi ungido rei sobre todo Israel (II Samuel 5:17). Os anciãos israelitas vão a Davi quando ele está em Hebrom, submetendo-se a ele como o rei de Deus. Em I Samuel 8, eles se rebelaram contra Deus como seu Rei, mas não aqui. Aqui, eles agem em obediência a Deus, não em rebelião. O rei que eles recebem, Davi, é, de certa forma, o rei que merecem. Quando vão a Davi, os israelitas reconhecem muitas verdades de vital importância que são a base de seu reinado e, portanto, da submissão deles a ele como rei.

1) Os líderes israelitas reconhecem seus laços naturais com Davi: Somos do mesmo povo de que tu és... Esta confissão por parte dos israelitas é muito importante. Eles reconhecem que há uma união essencial, com raízes num antepassado comum, Jacó (a quem Deus chamou Israel). Eles não dizem a Davi: “você é um de nós”, e sim “nós somos um com você”. Desde o princípio existe um problema de unidade entre os filhos de Jacó, como se vê no ódio demonstrado para com José. Saul é da tribo de Benjamim e Davi da tribo de Judá. Abner, com certeza, agravou o desentendimento entre as duas tribos e ouriçou as demais. Agora os israelitas estão dispostos a se ver como uma nação, não como duas. Esta é a chave para a liderança de Davi em toda a nação. Só precisamos nos lembrar das palavras dos israelitas quando ocorre a divisão do reino para ver o quanto esta união é importante:

“Vendo, pois, todo o Israel que o rei não lhe dava ouvidos, reagiu, dizendo: Que parte temos nós com Davi? Não há para nós herança no filho de Jessé! Às vossas tendas, ó Israel! Cuida, agora, da tua casa, ó Davi! Então, Israel se foi às suas tendas.” (I Reis 12:16)

2) Os israelitas reconhecem a liderança de Davi mesmo quando Saul ainda era rei. Quando o povo exige um rei, eles querem alguém que “vá adiante deles e lute suas batalhas” (ver I Samuel 8:19-20). No fundo, Saul se esquivava de suas responsabilidades e era Davi quem fazia o que o povo queria. Não foi Saul quem subiu contra Golias, foi Davi. Não foi Saul quem liderou Israel nas batalhas, foi Davi (pelo menos ele foi um dos comandantes). Os anciãos israelitas reconhecem a liderança de Davi por ele ter agido como rei. Na verdade, os anciãos reconhecem que, mesmo quando Saul era o rei, Davi agia mais como rei do que ele. Eles não estão optando por um produto desconhecido (como fizeram com Saul), mas por alguém que já provou ser “um forte e valente, homem de guerra” (I Samuel 16:18)

3) Os anciãos de Israel se submetem à Palavra de Deus à medida que reconhecem ser Davi o rei escolhido de Deus. Davi foi ungido publicamente como o futuro rei de Israel (I Samuel 16:1-13). Saul sabia que Davi seria o próximo rei (I Samuel 24:20), bem como Abigail (I Samuel 25:30) e os filisteus (I Samuel 21:11). Todos em Israel deviam saber que ele tinha sido designado por Deus para reinar em lugar de Saul (II Samuel 3:9-10, 18). Os israelitas não ficam surpresos quando sabem que ele será o próximo rei, embora sejam um pouco tardios em agir de acordo com essa revelação. Quando vão até el, os anciãos estão obedecendo à vontade revelada de Deus. Isso é muito melhor do que quando se rebeleram contra Ele em I Samuel 8, exigindo um rei.

A unção de Davi (pela terceira vez) pelos anciãos de Israel não é nenhuma surpresa, pois está dentro do contexto da aliança feita por Deus com Davi anteriormente (II Samuel 5:3). Esse é um ato de obediência e fé. Isso está bem longe do confronto que vemos entre eles e Samuel no capítulo 8. O reinado de Davi é um reinado de justiça devido, em parte, ao arrependimento e à obediência de Israel e seus líderes.

Davi Captura Jebus, Que Vem A Se Tornar Jerusalém, A “Cidade De Davi”
(5:6-10)

“Partiu o rei com os seus homens para Jerusalém, contra os jebuseus que habitavam naquela terra e que disseram a Davi: Não entrarás aqui, porque os cegos e os coxos te repelirão, como quem diz: Davi não entrará neste lugar. Porém Davi tomou a fortaleza de Sião; esta é a Cidade de Davi. Davi, naquele dia, mandou dizer: Todo o que está disposto a ferir os jebuseus suba pelo canal subterrâneo e fira os cegos e os coxos, a quem a alma de Davi aborrece. (Por isso, se diz: Nem cego nem coxo entrará na casa.) Assim, habitou Davi na fortaleza e lhe chamou a Cidade de Davi; foi edificando em redor, desde Milo e para dentro. Ia Davi crescendo em poder cada vez mais, porque o SENHOR, Deus dos Exércitos, era com ele.”

Existem muitas histórias longas. Quando pergunto às pessoas como elas se tornaram cristãs, em geral, elas sorriem e dizem: “Bem, é uma longa história”. A história da cidade de Jerusalém também é longa. Jerusalém é, até a época em que Davi a captura, conhecida como Jebus, e seus habitantes, como jebuseus. Os jebuseus são mencionados pela primeira vez em Gênesis 10:15-16, onde está escrito que eles são cananeus genuínos, descendentes de Canaã, terceiro filho de Cam (Gênesis 10:6). Foi esse Cam que viu a nudez de Noé (Gênesis 9:22) e trouxe maldição sobre si mesmo e seus descendentes (Gênesis 9:25). Abraão ofereceu seu filho Isaque no monte Moriá (Gênesis). Esse monte é o mesmo onde Salomão construiu o templo (II Crônicas 3:1).

Deus repetidamente prometera aos israelitas que os levaria para a terra prometida. Essa terra era possuída pelos cananeus (incluindo os jebuseus), e Deus também havia prometido expulsá-los de lá (Gênesis 15:18-21; Êxodo 3:8, 17, 13:5, 23:23, 33:2, 34,11). Quando os espias foram enviados para observá-la, entre os habitantes do lugar eles citaram os jebuseus (Números 13:29). Deus não havia só prometido expulsar os cananeus (Josué 3:10), Ele também ordenara que os israelitas o fizessem (Deuteronômio 7:1 e ss, 20:17). Quando eles cruzaram o Jordão, os jebuseus estavam entre os que uniram forças para se opor à sua entrada na terra (Josué 9-11, 24:11).

No livro de Josué, Jebus inicialmente é descrita como uma das cidades cujos habitantes os filhos de Judá não conseguiram expulsar (Josué 15:63). Em Josué 18:28, parece que ela é uma cidade benjamita, os quais também não conseguiram expulsar os jebuseus (Juízes 1:21). Isso conduz a uma espécie de convivência que leva os israelitas a adotar os pecados dos jebuseus (Juízes 3:1-7 e ss). Em decorrência disso, Israel sofre a opressão de seus vizinhos como castigo divino (Juízes 3:8 e ss). Em Juízes 19:10-12, a cidade ainda é retratada como não israelita. Pode ter havido momentos em que a cidade esteve sob o domínio de Israel (cf. I Samuel 17:54), mas a vitória estava longe de ser completa. Somente nos dias de Davi (e de nosso texto - ver também I Crônicas 21:15) é que ela é tomada pelos israelitas de uma vez por todas. Há ainda muitas coisas a dizer sobre Jebus, agora Jerusalém, mas vamos esperar a próxima lição, no capítulo seis, para fazê-lo.

Creio que a tomada de Jebus nos versos 6 a 10 deva ser entendida em relação aos versos 17 a 25, quando Davi vence os filisteus por duas vezes. Não é difícil compreender porque ele lutou contra eles neste capítulo, pois era uma questão de autodefesa. Eles atacaram os israelitas, e especialmente Davi. Posso até imaginar como eles se sentiram, sabendo que haviam dado asilo a Davi (ou pelo menos Aquis, rei de Gate). Eles tinham até permitido que ele fizesse parte de seu exército. Havia muito pouco que Davi não soubesse sobre eles - seus métodos, suas rotas, seus recursos. Davi seria um inimigo formidável. Seria melhor resolver logo o assunto, antes que ele ficasse muito forte. Quando os filisteus subiram contra ele, Davi não teve muita escolha, a não ser lutar contra eles. No entanto, os jebuseus não estavam em guerra contra os israelitas. Eles tinham chegado a uma espécie de convivência pacífica. Não havia nenhuma “necessidade” aparente para essa luta. Por que, então, Davi levou Israel inteiro a subir contra a cidade, a qual os israelitas nunca tinham sido capazes de vencer totalmente?

Creio que há muitas razões para isso. Antes de mais nada, Jebus era uma cidade que Deus prometera dar aos israelitas e cujo povo Ele ordenara fosse destruído. A presença deles entre os israelitas estava corrompendo o povo de Deus (Juízes 3:5-6). Saul relutava em combater decisivamente os ataques externos dos inimigos de Israel. Ele estava até disposto a conviver com o inimigo dentro da nação. Até onde podemos ver, os jebuseus tinham sido deixados em paz. Não havia resistência nem à guarnição dos filisteus, até que Jônatas, não tolerando mais sua presença, praticamente os obrigasse, bem como a seu pai, a agir (I Samuel 13:33). Davi percebeu que nenhum reino poderia ser visto com temor (ou mesmo respeito) se não conseguisse expulsar os inimigos de seu meio. Os jebuseus eram um problema que precisava ser resolvido e Davi sabia disso. Já era tempo desses inimigos de Deus serem derrotados. A derrota dos jebuseus e a tomada da cidade seriam o primeiro passo na conquista de Israel sobre seus inimigos, uma conquista que fora parcial na época de Josué e dos juízes. Esta vitória ofuscaria a vitória de Saul e os israelitas sobre os amonitas (I Samuel 11). Que maneira melhor de começar a reinar?

Em segundo lugar, Davi precisava de uma capital. Quando ele era apenas o rei de Judá, Hebrom servia muito bem a esse propósito. No entanto, agora ele era o rei de todo Israel. Ele precisava de uma capital mais ao norte. Ele precisava de uma capital mais centralizada, que unificasse a nação. Jebus era a cidade perfeita. A vitória de Israel sobre os jebuseus unificaria a nação, e a posse da cidade como a nova capital de Davi também. Jebus ficava praticamente na fronteira entre Judá e Benjamim. Era uma cidade que nem os filhos de Judá, nem os filhos de Benjamim tinham sido capazes de capturar. Portanto, tomá-la como capital não favoreceria nenhuma das duas tribos. Além do mais, sua localização natural tornava difícil sua conquista (razão pela qual os israelitas não o fizeram antes). Ela ficava numa região montanhosa, no topo de mais de uma montanha, cercada por vales. Com um pouco de trabalho, era uma verdadeira fortaleza (5:9).

Há uma referência tripla aos “cegos e coxos” nos versos 6 a 10. Quase todos concordam que isso deve ser importante, mas há pouco consenso quanto ao seu significado. Prefiro tomar esses versos ao pé da letra e interpretá-los à luz de todo o contexto. Não creio que o povo de Jebus tenha em mente alguém especial quando diz: “Não entrarás aqui, porque os cegos e os coxos te repelirão” (verso 6). Sabemos que eles dizem isso porque pensam não haver jeito de Davi entrar na cidade e tomá-la.

Você já levou uma corrida de um cão bravo e depois descobriu que ele estava preso a uma corrente que o parou a apenas alguns centímetros de você? Se ele estivesse solto, ou você fugiria ou falaria mansamente com ele, tentando convencê-lo a não lhe morder. Com certeza, você não o irritaria ou provocaria se pensasse que ele estava solto. Entretanto, quando você vê que o cachorro está preso a uma longa corrente, ou atrás de uma cerca, subitamente você cria coragem para gritar com ele ou até mesmo para provocá-lo. Quando presumimos que estamos a salvo, falamos com muito mais ousadia.

Ora, quando os jebuseus viram Davi e os soldados israelitas subindo contra sua cidade, eles não ficaram assustados, pois isso não era nenhuma novidade. Esse tipo de ataque era frequente na história de Jebus, mas nunca com sucesso. Por isso, a salvo atrás dos muros da cidade, eles zombaram de Davi e seus homens. A ameaça era mais ou menos como a de um valentão arrogante: “Dou um jeito em você com um pé nas costas”. Será que eles ficaram intimidados com o exército de Davi? Não mesmo! Por isso, zombaram deles, alardeando que estavam tão securos que podiam até se defender com cegos e coxos.

Davi ficou furioso, exatamente como ficou com a arrogante ostentação de Golias. Ele usou as mesmas palavras dos jebuseus na ordem que deu a seus homens: “Que os homens vão e lutem com os ‘cegos e coxos’, entrando na cidade pelo canal subterrâneo”. Eles entraram e derrotaram os jebuseus. Desse dia em diante passou a existir um provérbio entre os seguidores de Davi: ‘Nem cego nem coxo entrará na casa’. Isso parece uma desculpa, um pretexto, para quem não tem compaixão dos deficientes ou para quem aproveita a ocasião para justificar sua falta de misericórdia. Creio que estas palavras foram registradas em função de II Samuel 4:4 e 9:1-3. Os servos de Isbosete não o mataram em sua própria cama? Os israelitas realmente não proibiam os deficientes físicos de entrar em suas casas? Davi, pois, iria buscar o deficiente físico Mefibosete e fazê-lo assentar-se à sua própria mesa, demonstrando assim o seu amor por Jônatas.

Não foi a atitude de Davi uma prefiguração daquilo que o Rei supremo de Israel faria quando viesse à terra? Os fanáticos religiosos se desviavam e atravessavam a rua para evitar o contato com um homem ferido (ver Lucas 10:25-37). Eles se admiravam quando Jesus se associava com pecadores e era tocado por pessoas impuras. As mesmas pessoas que eles evitavam, Jesus buscava. Davi foi um tipo dAquele que viria depois dele, que buscaria os enfermos e ministraria a eles (ver Lucas 4:16-21; 5:39-32; 7:18-23). E, da mesma forma que Davi representava o Messias, os arrogantes e jactanciosos jebuseus representavam os fanáticos religiosos, que escarneceriam de Jesus mas, no final, sofreriam a derrota em Suas mãos. Os inimigos de Davi foram derrotados, ao passo que ele se tornou cada vez maior. Ele não podia ser parado, pois Deus estava com ele.

Davi Edifica Sua Casa Em Jerusalém
(5:11-16)

“Hirão, rei de Tiro, enviou mensageiros a Davi, e madeira de cedro, e carpinteiros, e pedreiros, que edificaram uma casa a Davi. Reconheceu Davi que o SENHOR o confirmara rei sobre Israel e que exaltara o seu reino por amor do seu povo. Tomou Davi mais concubinas e mulheres de Jerusalém, depois que viera de Hebrom, e nasceram-lhe mais filhos e filhas. São estes os nomes dos que lhe nasceram em Jerusalém: Samua, Sobabe, Natã, Salomão, Ibar, Elisua, Nefegue, Jafia, Elisama, Eliada e Elifelete.”

Essencialmente, havia somente duas reações a ascensão de Davi ao trono de Israel: 1) aceitá-lo como amigo e aliado ou 2) resistir a ele e atacá-lo como inimigo. Hirão, rei de Tiro, escolheu a primeira, enquanto os filisteus optaram pela segunda. Embora muitas traduções sugiram que os versos 11 a 16 sejam dois parágrafos, prefiro vê-los como uma só unidade, ou seja, a edificação da casa de Davi. Hirão literalmente ajuda Davi a edificar sua casa, um palácio, em Jerusalém. No entanto, mesmo morando em Jerusalém, Davi continua edificando sua “casa”, ou seja, sua família. Edificando ambas as casas ele está fortalecendo sua posição como rei de Israel.

Hirão, rei de Tiro, é apresentado nos versos 11 e 12. Eis um homem que poderia facilmente ter visto Davi como inimigo, mas que preferiu tê-lo como aliado. Quando Deus fez a assim chamada aliança abraâmica (Gênesis 12:1-3), Ele prometeu a Abraão que, quem o amaldiçasse, seria amaldiçoado, e quem o abençoasse, seria abençoado. Os jebuseus e os filisteus amaldiçoaram Davi, Hirão o abençoou. Ele deu a Davi os materiais necessários à construção do palácio, para que este o edificasse na cidade que acabara de derrotar e teria de fortalecer e fortificar. Hirão ofereceu o material e os operários para a construção de um grande palácio e Davi, agradecido, aceitou. Hirão e Davi se tornaram amigos.

O texto nos diz que só depois da construção do palácio é que Davi compreende plenamente que é, de fato, o rei de Israel. Antes disso, tudo parecia um sonho demorado, mas agora ele sabe que a promessa de Deus fora cumprida. O que havia com a construção dessa casa que lhe dava essa sensação? Creio que a razão esteja relacionada com o provérbio: “Cuida dos teus negócios lá fora, apronta a lavoura no campo e, depois, edifica a tua casa.” (Provérbios 24:27)

Israel era uma nação agrícola. Não seria sábio construir uma casa antes de preparar o terreno. Quando o terrreno estava preparado, o agricultor se dedicava à construção da casa, pois a plantação precisava de tempo para se desenvolver. Era simplesmente uma questão de prioridade. Seria algo como alguém se mudar de São Paulo para o Paraná, comprando e mobiliando uma casa em Curitiba, para depois descobrir que o único emprego disponível era em Guarapuava. Teria sido bem melhor procurar emprego primeiro e depois procurar uma casa para comprar. Agora que Davi tinha sua casa, o seu palácio, ficava claro que o seu “emprego” como rei de Israel era coisa certa e garantida. A realidade de que Deus cumprira plenamente a promessa de que ele reinaria sobre Seu povo finalmente entrou na cabeça de Davi. O que ele havia esperado durante mais de 20 anos agora era seu. A construção do palácio em Jerusalém o convenceu de que tudo era real.

Havia ainda a segunda parte da construção da casa de Davi, que era a edificação de sua família. Embora ele já tivesse esposas e filhos antes de se mudar para Jerusalém (II Samuel 2:2; 3:2-5), foi lá que ele acrescentou muitas outras esposas, as quais lhe deram muitos outros filhos. Na cabeça das pessoas do antigo oriente, muitas esposas e muitos filhos era sinônimo de prosperidade. De acordo com essa avaliação, Davi realmente prosperou em Jerusalém! O problema era que, ao acrescentar mais esposas, Davi chegou muito perto da multiplicação de esposas, desprezando a advertência dada aos reis de Israel:

“Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie; nem multiplicará muito para si prata ou ouro.” (Deuteronômio 17:17)

Davi Derrota Os Filisteus
(5:17-25)

“Ouvindo, pois, os filisteus que Davi fora ungido rei sobre Israel, subiram todos para prender a Davi; ouvindo-o, desceu Davi à fortaleza. Mas vieram os filisteus e se estenderam pelo vale dos Refains. Davi consultou ao SENHOR, dizendo: Subirei contra os filisteus? Entregar-mos-ás nas mãos? Respondeu-lhe o SENHOR: Sobe, porque, certamente, entregarei os filisteus nas tuas mãos. Então, veio Davi a Baal-Perazim e os derrotou ali; e disse: Rompeu o SENHOR as fileiras inimigas diante de mim, como quem rompe águas. Por isso, chamou o nome daquele lugar Baal-Perazim. Os filisteus deixaram lá os seus ídolos; e Davi e os seus homens os levaram. Os filisteus tornaram a subir e se estenderam pelo vale dos Refains. Davi consultou ao SENHOR, e este lhe respondeu: Não subirás; rodeia por detrás deles e ataca-os por defronte das amoreiras. E há de ser que, ouvindo tu um estrondo de marcha pelas copas das amoreiras, então, te apressarás: é o SENHOR que saiu diante de ti, a ferir o arraial dos filisteus. Fez Davi como o SENHOR lhe ordenara; e feriu os filisteus desde Geba até chegar a Gezer.”

Só podemos imaginar a conversa que deve ter ocorrido entre os cinco reis filisteus quando recebem a notícia de que Davi tinha se tornado o rei de Israel. Aquis deve ter recebido uma porção de críticas por ter-lhe oferecido asilo (I Samuel 21:10-15; 27:1 - 28:2; 29:1-11). Durante algum tempo, Davi realmente fez parte do exército filisteu, e isso deve ter lhe dado um conhecimento que agora poderia ser usado contra eles. Por isso, eles resolvem partir para o ataque, na esperança de quebrar a resistência do exército de Davi e se livrar de um inimigo formidável.

Do ponto de vista estritamente militar, talvez tenha sido uma boa decisão. Quanto mais esperassem, mais Davi consolidaria seu reino e mais forte se tornaria o seu poderio militar. Contudo, Davi era o rei de Deus, que governava o povo de Deus, por isso, ele não seria derrotado. Quando ficou sabendo do ataque dos filisteus, Davi desceu, como está escrito, para a fortaleza (verso 17). De acordo com I Crônicas 11:15, parece que ele e seus homens fugiram para a caverna de Adulão. Foi enquanto ele e seus homens estavam lá que os filisteus tomaram Belém e montaram acampamento (I Crônicas 11:16 e ss). Será que eles esperavam encontrar Davi em Belém? De qualquer forma, foi na fortaleza que Davi manifestou o desejo de beber uma taça de água de seu poço predileto em Belém e três de seus valentes romperam as linhas filistéias para consegui-la (I Crônicas 11:16-9).

Se Davi realmente estava na caverna de Adulão no início da batalha com os filisteus, acho que isso é muito interessante e encorajador. Deus não desperdiça Seu tempo. Foi nessa caverna que a família de Davi e muitos de seus guerreiros se juntaram a ele (Só agora percebo porque sua família foi para lá. A caverna não devia ser muito longe de sua casa em Belém, e assim eles puderam escapar sem ser apanhados pelos homens de Saul.) Enquanto fugia de Saul, Davi deve ter encontrado uma porção dessas “fortalezas”, as quais lhe serviram muito bem, anos depois, quando lutava com povos como os filisteus.

No primeiro confronto com os filisteus, era atrás de Davi que eles estavam, e o novo rei pediu orientação divina. Davi perguntou ao Senhor se deveria subir contra eles. Deus lhe disse que sim, garantindo-lhe que Ele os entregaria em suas mãos (verso 19). Davi encontrou os inimigos em Baal-Perazim e os derrotou, chamando assim àquele lugar, como um lembrete de que o Senhor lhe dera uma vitória “de arromba” sobre o inimigo. Também está escrito que foi ali que os filisteus abandonaram seus ídolos, que foram recolhidos por Davi e seus homens (versp 21). De acordo com I Crônicas 14:12, eles os ajuntaram para que fossem queimados.

Li no jornal de hoje que Mike Tyson está ansioso pela revanche da luta contra Evander Holyfield, para quem perdeu em novembro passado. Ele não está disposto a amargar a derrota. Ele acha que não levou seu adversário muito a sério daquela vez. Os filisteus devem ter sentido a mesma coisa com relação a Davi e os israelitas. Eles não iriam desistir tão facilmente, pois não estavam dispostos a amargar a derrota. Eles queriam uma revanche. Por isso, fizeram novo ataque a Davi. E, uma vez mais, eles se espalharam pelo vale de Refaim (É quase como se quisessem recriar a primeira batalha, não é?). Davi fez mais ou menos as mesmas perguntas. Será que ele deveria subir contra os filisteus, exatamente como havia feito? A resposta de Deus foi que ele deveria lutar contra eles, mas não da mesma maneira. Desta vez, em vez de atacá-los pela frente, Davi foi instruído a rodeá-los e atacá-los por trás. Os israelitas não deveriam atacar até ouvir o “estrondo de marcha pelas copas das amoreiras” (verso 24).

Algumas pessoas parecem pensar que foi apenas o barulho do vento nas árvores que dissimulou os sons da aproximação de Davi. Acho que foi muito mais do que isso. Deus é infinito e parece Se deleitar em dar a Seu povo vitórias militares mediante uma infindável variedadede de meios. Ele usou um temporal, com chuva, raios e trovões, que prejudicou totalmente os inimigos que usavam armas de ferro emultimídia cujos carros também não funcionaram devido a lama causada pelas chuvas (ver I Samuel 7:10). Depois, Ele utilizou um terremoto para sacudir o inimigo (I Samuel 14:15). Tempos antes, Ele havia dado a vitória a Israel sobre os amonitas, atacando-os com uma chuva de granizo (Josué 10:11). Em II Reis, capítulo 7, Ele afugentou o exército sírio fazendo-os ouvir os sons de um exército enorme, mesmo não havendo nenhum (versos 6 e 7). Por isso, sou inclinado a tomar as palavras de nosso texto (II Samuel 5:24) como o registro de outra “apresentação multimídia” de Deus, que serviu para enervar o inimigo e preparar o caminho para sua derrota às mãos de Davi. A derrota foi tão grande que Davi perseguiu-os até o seu próprio território (Gezer fica literalmente na fronteira do território filisteu). Essa derrota foi definitiva. Embora fosse de Saul a tarefa de libertar Israel do poder dos filisteus (I Samuel 9:16), ele foi morto e Israel derrotado por eles (I Samuel 31). Foi o rei Davi quem livrou Israel dos filisteus (II Samuel 19:9).

Conclusão

Chegar a este ponto na vida de Davi, sem dúvida nos dá uma enorme sensação de alívio e de alegria. Muitos anos se passaram desde que Samuel o ungiu como rei de Israel. Davi passou por muitas experiências dolorosas até chegar a este ponto. Houve bons tempos, tais como quando ele servia na casa de Saul como músico e quando ele e Jônatas, filho do rei, se tornaram grandes amigos. Houve ainda a derrota de Golias e as promoções dadas por Saul. Houve a bênção do casamento com uma das filhas do rei, o que o tornou membro da família real. No entanto, houve também muitos tempos ruins. Houve os anos de espera, escondendo-se de Saul. Houve tempos em que Davi teve de procurar refúgio entre os inimigos do povo de Deus. Agora tudo isso culmina no seu reinado sobre todo Israel. Realmente, esse é o melhor de todos os momentos, é tempo de celebração.

Davi me impressiona, principalmente quando o comparo com Saul. Ao contrário deste, Davi está sempre buscando a vontade de Deus e se esforçando para obedecer Seus mandamentos. Quando erra, ele se arrepende e procura fazer o que é certo. Embora Saul não tenha dado a Israel a vitória sobre os filisteus, Davi a dá. Embora Saul não tenha exercido uma liderança moral sobre a nação, Davi exerce. Repetidas vezes, Davi determina o padrão moral e espiritual para Judá e as outras tribos. Ele reaje corretamente à notícia da morte de Saul e à maldade daqueles que levantaram a mão contra o ungido do Senhor.

Ao contrário de Saul, Davi não é um rei que nada sabe além de administrar as crises, disposto apenas a “apagar o fogo”. Saul só resolvia problemas que não conseguia evitar. Davi resolve os problemas que seus antecessores evitaram, e com sucesso. A tomada de Jebus é um exemplo da iniciativa e liderança de Davi. Creio que ele entendeu a promessa de Deus de que Ele daria a Israel Jebus e aquela terra. Creio também que ele procurou obedecer a ordem de Deus, mesmo tendo sido dada muitos anos antes, ao derrotar os jebuseus e expulsá-los da terra. E creio ainda que ele viu Jebus como uma capital ideal, uma cidade que serviria para unificar as tribos de Israel sob seu comando. Ele poderia ter escolhido uma “coexistência pacífica” com os jebuseus, como outros fizeram antes dele; no entanto, em vez disso, ele tomou o caminho mais difícil e prevaleceu sobre seus inimigos. E a vitória foi tal que deu a Israel (e a seu rei) status e respeito (e até temor) entre as nações.

Se eu fosse fazer um resumo de todo o capítulo 5 de II Samuel, creio que poderia resumir essa unidade num único tema central: a reação dos homens ao rei de Deus. Embora Saul, Abner e muitos outros tenham resistido à ascensão de Davi ao trono, isso foi da vontade de Deus. Após a morte de Abner, o povo de Israel reconhece que Davi deve ser o rei e são seus líderes que vão até ele expressando o desejo de tê-lo como rei. Resumindo, as tribos de Israel se submetem a Davi como o rei de Deus (5:1-5). Os jebuseus se opõem a isso e Deus dá a Davi - o Seu rei, a vitória sobre eles (5:6-10). Eles são destruídos pelo rei de Deus porque se opuseram a ele. Hirão, rei de Tiro, parece ter reconhecido, de uma forma ou de outra, que Davi é o rei de Deus e, quando se oferece para ajudá-lo na construção do palácio, ele demonstra sua sumissão ao rei de Deus (5:11-12). Tomando para si mais mulheres e tendo mais filhos, Davi prospera como o rei de Deus (5:13-16). Os filisteus, entretanto, não se submetem a Davi como o rei de Deus. Eles o atacam, procurando eliminá-lo, para afastar a ameaça imposta por ele e a nação unida de Israel (5:17-25). Não apenas uma, mas duas vezes, eles atacam Davi e o exército de Israel. E duas vezes Deus dá a Davi a vitória sobre seus inimigos. Os que aceitaram Davi como o rei de Deus foram abençoados; os que o rejeitaram foram esmagados.

Com toda a certeza, Davi é um tipo do “Filho de Davi” que está por vir; o Rei de Deus que virá à terra para derrotar Seus inimigos e reinar sobre Seu povo.

“Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas. Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles. Na sua ira, a seu tempo, lhes há de falar e no seu furor os confundirá. Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião. Proclamarei o decreto do SENHOR: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão. Com vara de ferro as regerás e as despedaçarás como um vaso de oleiro. Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos advertir, juízes da terra. Servi ao SENHOR com temor e alegrai-vos nele com tremor. Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam.”  (Salmo 2:1-12)

Este salmo fala profeticamente do dia em que Deus investirá o Seu Rei, o Senhor Jesus Cristo, em Seu trono. Os inimigos de Deus e do bem tentarão se unir para resistir a Ele e destruir o Seu reino. É óbvio que essa resistência é tola e desastrosa. Quando Deus estabelecer o Seu Rei em Seu trono, ninguém será capaz de se opor a Ele ou destruí-lO. Aqueles que tentarem serão esmagados. Só existe uma resposta sábia à vinda do Rei de Deus: submeter-se humildemente a Ele - pois nisso há grande bênção (versos 10-12)

Davi serve como um protótipo de nosso Senhor Jesus Cristo como o Rei de Deus, sobre o Qual nos fala o Salmo 2. Aqueles que se opuseram a Davi foram finalmente esmagados. Aqueles que se submeteram a ele foram abençoados. Quando nosso Senhor veio à terra há 2.000 anos, Deus deixou claro que Ele era, de fato, o Seu Filho, o Seu Rei:

“Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. Então, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas; uma será tua, outra para Moisés, outra para Elias. Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu; e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi. Ouvindo-a os discípulos, caíram de bruços, tomados de grande medo.” (Mateus 17:1-6)

“Naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da Galiléia e por João foi batizado no rio Jordão. Logo ao sair da água, viu os céus rasgarem-se e o Espírito descendo como pomba sobre ele. Então, foi ouvida uma voz dos céus: Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo.” (Marcos 1:9-11)

“Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim. (Lucas 1:30-33)

“Jesus viu Natanael aproximar-se e disse a seu respeito: Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo! Perguntou-lhe Natanael: Donde me conheces? Respondeu-lhe Jesus: Antes de Filipe te chamar, eu te vi, quando estavas debaixo da figueira. Então, exclamou Natanael: Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!” (João 1:47-49, ver também Mateus 2:1-6)

A despeito de todas as evidências, muitos religiosos preferiram rejeitar Jesus como o Messias de Deus. Eles se agarraram a pequenas coisas para provar a si mesmos e aos outros que ele não poderia ser o Rei de Deus. No entanto, todas as suas tentativas falharam. Quando O cruficicaram e O mataram, eles pensaram ter triunfado mas, quando Deus o ressuscitou de entre os mortos, ficou claro que foi Ele quem trinfou.

Jesus Cristo é o Rei de Deus. Quando nosso Senhor veio à terra pela primeira vez, Ele acrescentou à Sua deidade uma humanidade imaculada. Embora tenha sido apresentado como o Rei de Deus, Ele foi rejeitado e crucificado pelos homens pecadores. O propósito de Sua primeira vinda não foi estabelecer o Seu reino destituindo o governo de Roma, mas sim morrer pelo pecado dos homens, a fim de que eles pudessem entrar em Seu reino. Aqueles que confiam nEle para serem perdoados de seus pecados e para receberem o dom da vida eterna, aguardam Sua segunda vinda. Será no futuro que Ele derrotará Seus inimigos e estabelecerá Seu governo sobre a terra. Aqueles que o rejeitarem como o Rei de Deus serão derrotados, tal como os inimigos de Davi. Não há assunto mais importante para você resolver do que o seu relacionamento com Jesus Cristo, o Rei de Deus. Os que forem Seus amigos reinarão com Ele. Os que forem Seus inimigos serão destruídos. Que você seja como Hirão, rei de Tiro, não como os filisteus, que se colocaram contra Davi e contra Deus.

“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.” (Filipenses 2:5-11)

Tradução: Mariza Regina de Souza

 

 

6. Quando Deus Dá Um Banho De Água Fria No Entusiasmo De Davi (II Samuel 6:1:23)

Introdução

Recentemente, minha esposa e eu tivemos o privilégio de participar do casamento de nossa filha Jenny. À medida que a data do casamento se aproximava e as coisas ficavam mais agitadas, alguém deu um livro à minha esposa, sugerindo que lêssemos um determinado capítulo. Não me recordo do título do livro, só do capítulo, o qual foi escrito por um ministro que falava sobre a cerimônia de casamento mais memorável que já havia realizado.

A futura noiva era uma jovem cuja mãe, para dizer o mínimo, era neurótica. Ela queria que o casamento simplesmente fosse perfeito; por isso, organizou tudo sozinha. Ela planejou a cerimônia até o último detalhe e depois examinou e reexaminou tudo para ter certeza de que nada fora esquecido. Obviamente, tinha de haver uma orquestra. O vestido era de tirar o fôlego. A igreja era uma maravilha arquitetônica. As flores, a cerimônia, o bolo, as bebidas, tudo fora arranjado sob o olhar atento da mãe da noiva. A mulher, literalmente, atormentou todo mundo que tomou parte da organização do casamento. O ensaio foi impecável, garantindo à mãe que tudo estava sob controle — seu controle.

Assim, o dia fatídico chegou, e a dita cerimônia... com acontecimentos inesperados. Enquanto aguardava para entrar na igreja, a noiva, toda nervosa, esperava com o pai no salão de festas. Caminhando por entre as mesas, ela pegava uma noz aqui, um pouco de ponche ali (enriquecido com champagne), um petisco acolá... Quando chegou o momento de entrar na igreja ao lado do pai, ela já havia passado por todas as mesas e experimentado tudo o que havia, diversas vezes. Ela nem pensava no que estava fazendo, nem o pai. E, assim, começou a processional. Todos os padrinhos estavam em seus lugares. O noivo estava em frente ao púlpito, ao lado do ministro, esperando a noiva. As damas de honra graciosamente desfilaram pela nave e tomaram seus lugares. Agora, era o momento culminante da noiva.

Enquanto ela e o pai atravessavam a nave em direção ao púlpito, ninguém parecia notar o rosto vermelho dela, quase contrastando com a cor do vestido. Assim que chegou à frente, enquanto sua mãe assistia do assento à sua esquerda, toda a comida que ela havia ingerido resolveu sair... e ela vomitou. Não me refiro a uma ânsia discreta, mal percebida quando se leva o lenço à boca. Refiro-me a um jato completo de tudo o que estava dentro do seu estômago. A noiva esguichou em todos e em tudo que estava por perto na frente do púlpito. Sua mãe foi a primeira a ser batizada, seguida pelo noivo e pelas damas de honra mais próximas. Na mesma hora levantou-se um fedor insuportável. É óbvio que a reação em cadeia era iminente. A mãe da noiva ficou horrorizada. A noiva desmaiou, mas foi amparada gentilmente pelo noivo. O pai conseguiu evitar a linha de fogo e sair do caminho, com um leve sorriso no rosto, ligeiramente divertido com o humor — e a ironia — da situação.

Rapidamente o pastor anunciou um breve recesso. A noiva foi limpa, assim como a bagunça na frente do púlpito. Os que haviam sido esguichados por ela recuperaram um pouco da sua compostura e dignidade. Em pouco tempo o casamento recomeçou e a cerimônia foi realizada... sem a pompa e a formalidade que a mãe tinha planejado. Dez anos mais tarde, todos riam enquanto assistiam à repetição dos acontecimentos, gravados mais do que adequadamente pelas três câmeras de vídeo que a mãe tinha cuidadosamente disposto, cada uma capturando, de um ângulo ligeiramente diferente, os detalhes implacáveis da cena.

Algumas vezes, não importa o quanto planejemos e orquestremos os acontecimentos, as coisas simplesmente saem erradas. Foi isso o que aconteceu com o rei Davi. Depois de capturar Jebus, ele resolveu em seu coração reaver a arca da aliança (aqui chamada de a “arca de Deus”), a qual era guardada pessoalmente na casa de Abinadabe, em Quiriate-Jearim. Davi consultou cuidadosamente os líderes da nação, a fim de que essa fosse uma decisão tomada por todos:

“Consultou Davi os capitães de mil, e os de cem, e todos os príncipes; e disse a toda a congregação de Israel: Se bem vos parece, e se vem isso do SENHOR, nosso Deus, enviemos depressa mensageiros a todos os nossos outros irmãos em todas as terras de Israel, e aos sacerdotes, e aos levitas com eles nas cidades e nos seus arredores, para que se reúnam conosco; tornemos a trazer para nós a arca do nosso Deus; porque nos dias de Saul não nos valemos dela. Então, toda a congregação concordou em que assim se fizesse; porque isso pareceu justo aos olhos de todo o povo. Reuniu, pois, Davi a todo o Israel, desde Sior do Egito até à entrada de Hamate, para trazer a arca de Deus de Quiriate-Jearim.” (I Crônicas 13:1-5)

Tal como na história do casamento, todos os detalhes para levar a arca para Jerusalém foram cuidadosamente pensados e todas as providências necessárias foram tomadas. Um carro novo foi adquirido para o transporte de pouco mais de 11 km da região sudeste para Jerusalém. A viagem envolvia algumas mudanças de terreno, uma vez que Quiriate-Jearim ficava nas montanhas, da mesma forma que Jerusalém, mas entre elas havia áreas mais baixas, o que significava algumas manobras morro acima e morro abaixo. Havia grande regozijo enquanto Davi e os israelitas levavam a arca. Ele e todos os que estavam com ele celebravam com todas as suas forças (I Crônicas 13:8; compare com II Samuel 6:5). Cantores com toda sorte de instrumentos musicais participavam da celebração e, pelo contexto, podemos inferir também que dançavam com entusiasmo.

De repente, algo saiu errado e um dos bois quase virou o carro. Não está escrito exatamente o que aconteceu. Talvez os bois tenham tropeçado, ou talvez tenham se assustado com o gesto entusiástico de alguém que porventura tenha chegado perto demais. De alguma forma, os bois perderam o controle por alguns momentos, o que abalou o carro, fazendo com que a arca fosse sacudida de forma a parecer que iria cair para fora. O pensamento da arca se espatifando no chão foi demais para Uzá, que caminhava ao lado do carro, perto da arca. Instintivamente ele estendeu a mão e segurou-a para não deixá-la cair. Quando ele o fez, Deus o feriu de morte. A celebração parou bruscamente. A alegria se transformou em espanto e perplexidade. A alegria de Davi se transformou em raiva, pois Deus havia dado “um banho de água fria em seu entusiasmo”. Tudo havia sido feito para honrar a Deus. Será que Ele não entendia? Por que Ele feriria de morte alguém que durante anos ajudara a cuidar da arca? Por que Ele arruinaria uma ocasião tão maravilhosa?

Davi queria a arca de Deus lá em Jerusalém, junto com ele. Agora que Uzá fora ferido de morte, Davi não queria continuar, receoso de levar a arca para perto dele. Ele decidiu, então, que seria melhor mantê-la a uma distância segura, pelo menos até que pudesse descobrir o que havia saído errado. Qual teria sido o problema? O que saiu errado? E qual seria a solução? Na verdade, o texto não nos diz. É quase como um enigma que devemos resolver sozinhos. A resposta está na Bíblia, como veremos, assim como sua aplicação para a nossa vida, tal como foi para a vida dos que viveram naquela época. Há ainda outra dimensão desta história que não mencionamos, que é a história de Mical, que também “deu um banho de água fria em Davi”. Disso também temos lições a aprender. Estejamos atentos, portanto, e aprendamos aquilo que o Espírito Santo tem para nos ensinar neste texto.

Deus Dá Um Banho De Água Fria No Entusiasmo De Davi
(6:1-11)

Tornou Davi a ajuntar todos os escolhidos de Israel, em número de trinta mil. Dispôs-se e, com todo o povo que tinha consigo, partiu para Baalá de Judá, para levarem de lá para cima a arca de Deus, sobre a qual se invoca o Nome, o nome do SENHOR dos Exércitos, que se assenta acima dos querubins. Puseram a arca de Deus num carro novo e a levaram da casa de Abinadabe, que estava no outeiro; e Uzá e Aiô, filhos de Abinadabe, guiavam o carro novo. Levaram-no com a arca de Deus, da casa de Abinadabe, que estava no outeiro; e Aiô ia adiante da arca. Davi e toda a casa de Israel alegravam-se perante o SENHOR, com toda sorte de instrumentos de pau de faia, com harpas, com saltérios, com tamboris, com pandeiros e com címbalos. Quando chegaram à eira de Nacom, estendeu Uzá a mão à arca de Deus e a segurou, porque os bois tropeçaram. Então, a ira do SENHOR se acendeu contra Uzá, e Deus o feriu ali por esta irreverência; e morreu ali junto à arca de Deus. Desgostou-se Davi, porque o SENHOR irrompera contra Uzá; e chamou aquele lugar Perez-Uzá, até ao dia de hoje. Temeu Davi ao SENHOR, naquele dia, e disse: Como virá a mim a arca do SENHOR? Não quis Davi retirar para junto de si a arca do SENHOR, para a Cidade de Davi; mas a fez levar à casa de Obede-Edom, o geteu. Ficou a arca do SENHOR em casa de Obede-Edom, o geteu, três meses; e o SENHOR o abençoou e a toda a sua casa.”

Descobrimos o que saiu errado aqui voltando na história de Israel, no tempo em que Deus lhes deu a lei, quando lhes deu também instruções a respeito da construção e transporte da arca. Estas são as palavras que Deus disse a Moisés a respeito do tabernáculo e da arca da aliança.

“E me farão um santuário, para que eu possa habitar no meio deles. Segundo tudo o que eu te mostrar para modelo do tabernáculo e para modelo de todos os seus móveis, assim mesmo o fareis. Também farão uma arca de madeira de acácia; de dois côvados e meio será o seu comprimento, de um côvado e meio, a largura, e de um côvado e meio, a altura. De ouro puro a cobrirás; por dentro e por fora a cobrirás e farás sobre ela uma bordadura de ouro ao redor. Fundirás para ela quatro argolas de ouro e as porás nos quatro cantos da arca: duas argolas num lado dela e duas argolas noutro lado. Farás também varais de madeira de acácia e os cobrirás de ouro; meterás os varais nas argolas aos lados da arca, para se levar por meio deles a arca. Os varais ficarão nas argolas da arca e não se tirarão dela. E porás na arca o Testemunho, que eu te darei. Farás também um propiciatório de ouro puro; de dois côvados e meio será o seu comprimento, e a largura, de um côvado e meio. Farás dois querubins de ouro; de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório; um querubim, na extremidade de uma parte, e o outro, na extremidade da outra parte; de uma só peça com o propiciatório fareis os querubins nas duas extremidades dele. Os querubins estenderão as asas por cima, cobrindo com elas o propiciatório; estarão eles de faces voltadas uma para a outra, olhando para o propiciatório. Porás o propiciatório em cima da arca; e dentro dela porás o Testemunho, que eu te darei. Ali, virei a ti e, de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do Testemunho, falarei contigo acerca de tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel.” (Êxodo 25:8-22)

Quando o tabernáculo foi levantando pela primeira vez, a presença do Senhor apareceu ali na tenda:

“Então, a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do SENHOR encheu o tabernáculo. Moisés não podia entrar na tenda da congregação, porque a nuvem permanecia sobre ela, e a glória do SENHOR enchia o tabernáculo.” (Êxodo 40:34-35)

Deus deu instruções bem claras a respeito da arca. Ele não deu só instruções específicas quanto a sua construção, Ele também indicou quem poderia carregá-la e como ela deveria ser transportada de um lugar para outro. Em Números 5, Deus diz exatamente como o tabernáculo deve ser desmontado e levado até a próxima parada. Repare especialmente nas palavras do verso 15:

“Havendo, pois, Arão e seus filhos, ao partir o arraial, acabado de cobrir o santuário e todos os móveis dele, então, os filhos de Coate virão para levá-lo; mas, nas coisas santas, não tocarão, para que não morram; são estas as coisas da tenda da congregação que os filhos de Coate devem levar.” (Números 4:15; ver também 7:9)

Precisamos nos lembrar de que, de acordo com Êxodo 25:14-15, a arca possuía argolas em que deveriam ser colocadas varas, e essas varas eram a forma pela qual os coatitas deveriam transportar a arca.

A arca acompanhou os israelitas em todos os lugares onde estiveram no deserto. Ela foi adiante deles quando atravessaram o Jordão (Josué 3:14-17). Com frequência vemos menção dela em I e II Samuel. Samuel dormia perto dela quando criança (I Samuel 3:3). Quando os israelitas estavam sendo derrotados pelos filisteus, eles insensatamente a levaram para o campo de batalha como se ela fosse um amuleto mágico. Eles não só perderam a batalha, como também a arca (I Samuel 4). Os capítulos seguintes (5 e 6) de I Samuel são o relato de como Deus mandou uma praga sobre os filisteus, para que finalmente decidissem que não a queriam entre eles. O mais interessante foi o método escolhido por eles para devolver a arca para território israelita. Os sacerdotes e adivinhos filisteus deram aos líderes instruções a respeito de como a arca deveria ser removida. Repare nessas instruções e no que aconteceu:

“Agora, pois, fazei um carro novo, tomai duas vacas com crias, sobre as quais não se pôs ainda jugo, e atai-as ao carro; seus bezerros, levá-los-eis para casa. Então, tomai a arca do SENHOR, e ponde-a sobre o carro, e metei num cofre, ao seu lado, as figuras de ouro que lhe haveis de entregar como oferta pela culpa; e deixai-a ir. Reparai: se subir pelo caminho rumo do seu território a Bete-Semes, foi ele que nos fez este grande mal; e, se não, saberemos que não foi a sua mão que nos feriu; foi casual o que nos sucedeu. Assim fizeram aqueles homens, e tomaram duas vacas com crias, e as ataram ao carro, e os seus bezerros encerraram em casa. Puseram a arca do SENHOR sobre o carro, como também o cofre com os ratos de ouro e com as imitações dos tumores. As vacas se encaminharam diretamente para Bete-Semes e, andando e berrando, seguiam sempre por esse mesmo caminho, sem se desviarem nem para a direita nem para a esquerda; os príncipes dos filisteus foram atrás delas, até ao território de Bete-Semes.” (I Samuel 6:7-12)

Não é de se estranhar que os filisteus tenham escolhido transportar a arca num carro novo conduzido por duas vacas. Primeiro, eles não tinham conhecimento da lei, por isso, certamente não sabiam o que Deus tinha dito sobre como a arca deveria ser transportada. Além disso, onde eles arranjariam coatitas para carregá-la? O mais importante para eles era que esse método de transporte seria uma espécie de teste, a fim de que pudessem determinar se todas as pragas tinham sido realmente enviadas pela mão de Deus ou se simplesmente era “má sorte”. O fato de duas vacas deixarem seus bezerros, sem ninguém conduzindo o carro, e entrarem em território israelita, era difícil demais para ser coincidência. Isso era coisa da mão de Deus.

O problema agora é que os israelitas imitaram os filisteus em vez de obedecer a Deus. Creio que as instruções dadas por Deus em Sua lei foram simplesmente esquecidas, não deliberadamente ignoradas ou desobedecidas. A arca ficou muitos anos sem ser transportada. Ela ficou fora de circulação, fora de uso, na casa de Abinadabe durante uns bons 20 anos, antes de ser usada novamente para qualquer coisa (ver I Samuel 7:2; 14:18-19). É fácil perceber porque ninguém deu importância particular às instruções dadas por Deus a Israel para o transporte no deserto.

Além de tudo, quem iria querer carregar a arca na mão, quando ela poderia simplesmente ser levada num carro de bois? Quando eu era jovem, bons anos atrás, meu pai decidiu mudar uma das construções que havia feito. O barracão, feito de troncos, era usado como uma espécie de garagem. Ele queria movê-lo uns trinta e poucos metros. Ele pretendia usar o que chamávamos de “puxador de tocos”, uma máquina pesada com um longo cabo preso a ela. Movendo-se uns 5 metros para frente e para trás, o cabo poderia avançar cerca de 3 cm. Isso funcionava muito bem com tocos. Lembro-me desse puxador suspenso por um cabo tão esticado que, literalmente, podia até cantar — uma coisa meio assustadora, devo dizer. Como eu era jovem e meio preguiçoso, estava ansioso para achar um meio mais rápido e mais fácil de mover aquele barracão, por isso, propus que enganchássemos uma corrente nele e o puxássemos com a picape. Eu dirigiria, é claro. Meu pai titubeou por alguns instantes, mas concordou em tentar. Enganchei a corrente na carroceria da picape e estava pronto para dar a partida quando ele caiu em si e mudou de ideia. Ele me disse para ir pegar o puxador de tocos, conforme tinha planejado. Pelo menos eu iria dirigir até o puxador. Entrei na picape e sai em disparada, esquecendo-me de desenganchar a corrente. Para horror do meu pai, quase coloquei o barracão abaixo.

Se eu vivesse na época de Davi, também iria querer usar um carro de bois, principalmente se eu fosse um dos escolhidos para levar a arca nos ombros. Fazia sentido. Era mais fácil. No entanto, não era isso o que Deus havia prescrito. E o método prescrito por Deus não era uma regra sem sentido. Era uma regra que tinha suas razões. O fato de tocar na arca ser uma coisa tão séria é revelado para nós no verso dois de nosso texto:

“Dispôs-se e, com todo o povo que tinha consigo, partiu para Baalá de Judá, para levarem de lá para cima a arca de Deus, sobre a qual se invoca o Nome, o nome do SENHOR dos Exércitos, que se assenta acima dos querubins.”

Em Êxodo 25, Deus disse a Moisés que Se encontraria com ele e lhe falaria de cima da arca, do meio dos querubins (25:22). Deus escolheu manifestar Sua presença no tabernáculo, especificamente de sobre a arca. Quando a glória de Deus encheu o tabernáculo pela primeira vez, nem mesmo Moisés pôde entrar nele (Êxodo 40:34-35). Homens pecaminosos não podem se aproximar de um Deus santo.

Não é de admirar que Uzá tenha sido ferido de morte por ter colocado as mãos na arca. A arca era santa. Não podia ser tocada. Qualquer um que a tocasse morreria. Usando varas, os homens poderiam transportá-la sem tocar nela. E esses homens, andando em passo uns com os outros, davam estabilidade à arca. Colocá-la num carro de bois deixou-a suscetível aos movimentos do carro, com menos estabilidade, e portanto, com maior probabilidade de cair para fora. O único jeito de impedir que isso acontecesse era segurando-a, como Uzá segurou, e morrendo, como Uzá morreu.

Davi e todos os envolvidos no transporte da arca erraram de diversas maneiras. Primeiro, eles perderam o temor e a reverência que deveriam ter pela santidade de Deus. Segundo, eles se esqueceram das instruções claras de Deus, estabelecidas na lei, para o transporte da arca. E terceiro, eles se esqueceram da dura lição aprendida por Israel num passado não tão distante. Quando a arca retornou dos filisteus, a negligência por parte de alguns israelitas custou-lhes a vida:

“Feriu o SENHOR os homens de Bete-Semes, porque olharam para dentro da arca do SENHOR, sim, feriu deles setenta homens; então, o povo chorou, porquanto o SENHOR fizera tão grande morticínio entre eles. Então, disseram os homens de Bete-Semes: Quem poderia estar perante o SENHOR, este Deus santo? E para quem subirá desde nós? Enviaram, pois, mensageiros aos habitantes de Quiriate-Jearim, dizendo: Os filisteus devolveram a arca do SENHOR; descei, pois, e fazei-a subir para vós outros.” (I Samuel 6:19-21)

Como é irônico ver os israelitas imitando os filisteus. A irreverência destes fez com que suas cidades fossem atacadas por pragas. Eles acabaram temendo ao Senhor, especialmente Sua arca, e procuraram mandá-la para outro lugar. Agora, quando a arca está de volta aos israelitas, eles são irreverentes e são castigados por Deus, a fim de que também queiram enviá-la para outra pessoa. A lição de I Samuel 6 já foi esquecida em II Samuel 6, e devo lembrar-lhes que no texto original esses dois livros eram apenas um. Uns poucos anos, ou poucos capítulos, e as lições aprendidas de um modo difícil foram rapidamente esquecidas. Por que será que achamos mais fácil reviver a história do que aprender com ela?

Em Casa Afinal!
(6:12-19)

“Então, avisaram a Davi, dizendo: O SENHOR abençoou a casa de Obede-Edom e tudo quanto tem, por amor da arca de Deus; foi, pois, Davi e, com alegria, fez subir a arca de Deus da casa de Obede-Edom, à Cidade de Davi. Sucedeu que, quando os que levavam a arca do SENHOR tinham dado seis passos, sacrificava ele bois e carneiros cevados. Davi dançava com todas as suas forças diante do SENHOR; e estava cingido de uma estola sacerdotal de linho. Assim, Davi, com todo o Israel, fez subir a arca do SENHOR, com júbilo e ao som de trombetas. Ao entrar a arca do SENHOR na Cidade de Davi, Mical, filha de Saul, estava olhando pela janela e, vendo ao rei Davi, que ia saltando e dançando diante do SENHOR, o desprezou no seu coração. Introduziram a arca do SENHOR e puseram-na no seu lugar, na tenda que lhe armara Davi; e este trouxe holocaustos e ofertas pacíficas perante o SENHOR. Tendo Davi trazido holocaustos e ofertas pacíficas, abençoou o povo em nome do SENHOR dos Exércitos. E repartiu a todo o povo e a toda a multidão de Israel, tanto homens como mulheres, a cada um, um bolo de pão, um bom pedaço de carne e passas. Então, se retirou todo o povo, cada um para sua casa.”

Devia haver um ar de tristeza em Jerusalém enquanto a arca esteve na casa de Obede-Edom. Entretanto, foram grandes dias para ele e sua família. Não sabemos quais foram as bênçãos que receberam, mas sabemos que ele e sua família foram abençoados por Deus durante o tempo em que arca permaneceu em sua casa. O povo soube disso e a notícia chegou a Davi. Era um sinal de sorte. Será que Davi tinha concluído que a arca trazia algum tipo de maldição para quem estivesse perto dela? Se era isso, certamente ele não iria querer que ela ficasse com ele em Jerusalém. Foi por isso que ele quis mantê-la a uma distância segura na casa de Obede-Edom. No entanto, agora ficava claro que a arca era realmente uma fonte de bênçãos. O que teria saído errado para provocar a morte de Uzá? Como isso poderia ser corrigido, a fim de que a arca e suas bênçãos pudessem chegar a Jerusalém? Essas perguntas devem ter atormentado a cabeça de Davi, e dos outros israelitas também.

Creio que deveríamos saber a resposta, por isso o autor não nos dá maiores detalhes. O autor de Crônicas já não presume tanto da parte de seus leitores, pois diz claramente:

“Fez também Davi casas para si mesmo, na Cidade de Davi; e preparou um lugar para a arca de Deus e lhe armou uma tenda. Então, disse Davi: Ninguém pode levar a arca de Deus, senão os levitas; porque o SENHOR os elegeu, para levarem a arca de Deus e o servirem para sempre. Davi reuniu a todo o Israel em Jerusalém, para fazerem subir a arca do SENHOR ao seu lugar, que lhe tinha preparado. Reuniu Davi os filhos de Arão e os levitas: dos filhos de Coate: Uriel, o chefe, e seus irmãos, cento e vinte; dos filhos de Merari: Asaías, o chefe, e seus irmãos, duzentos e vinte; dos filhos de Gérson: Joel, o chefe, e seus irmãos, cento e trinta; dos filhos de Elisafã: Semaías, o chefe, e seus irmãos, duzentos; dos filhos de Hebrom: Eliel, o chefe, e seus irmãos, oitenta; dos filhos de Uziel: Aminadabe, o chefe, e seus irmãos, cento e doze. Chamou Davi os sacerdotes Zadoque e Abiatar e os levitas Uriel, Asaías, Joel, Semaías, Eliel e Aminadabe e lhes disse: Vós sois os cabeças das famílias dos levitas; santificai-vos, vós e vossos irmãos, para que façais subir a arca do SENHOR, Deus de Israel, ao lugar que lhe preparei. Pois, visto que não a levastes na primeira vez, o SENHOR, nosso Deus, irrompeu contra nós, porque, então, não o buscamos, segundo nos fora ordenado. Santificaram-se, pois, os sacerdotes e levitas, para fazerem subir a arca do SENHOR, Deus de Israel. Os filhos dos levitas trouxeram a arca de Deus aos ombros pelas varas que nela estavam, como Moisés tinha ordenado, segundo a palavra do SENHOR.” (I Crônicas 15:1-15)

Primeiro Davi ficou com raiva pela morte de Uzá, depois rapidamente sua raiva se transformou em temor. Seu temor era saudável e bem fundado, no entanto, Deus queria estar perto do Seu povo para abençoá-los. A única maneira disso acontecer era os homens se aproximarem Dele do jeito que Ele havia prescrito. A presença de Deus estava associada à arca. Os homens podiam se aproximar, mas não muito. Eles não podiam tocar na arca, para que não morressem. Isso significava que a única maneira de transportar a arca era como Deus havia dito, pelos coatitas, que deveriam carregá-la pelas varas colocadas nas argolas.

Agora Davi tinha certeza de que a proximidade da arca era uma bênção, mas também que ela deveria ser levada para Jerusalém de acordo com as instruções dadas por Deus. Por isso, ele reuniu os israelitas e comissionou os filhos de Coate para carregá-la, instruindo-os cuidadosamente quanto a maneira de desempenhar seus deveres. O autor nos informa que, depois que eles deram seis passos carregando a arca, foi oferecido um sacrifício. Esses passos, sem dúvida, foram os mais tensos de toda a jornada. Depois da morte de Uzá, os que ficavam mais perto da arca (os coatitas) com certeza ficaram bastante nervosos por estarem tão próximos do baú sagrado, ou seja, da presença do próprio Deus. À medida que a jornada prosseguia, a coragem e a alegria dos homens devia ir aumentado. Logo havia grande celebração enquanto caminhavam para a cidade santa.

O texto de II Samuel nos informa que houve grande celebração quando a arca foi levada para Jerusalém. O relato paralelo de I Crônicas é ainda mais detalhado. Não foi apenas um pequeno grupo de israelitas, “mas toda a casa de Israel” (II Samuel 6:15). Da primeira vez, naquela malfadada jornada, músicos acompanharam a arca (II Samuel 6:5). Na segunda, na jornada bem sucedida, havia uma verdadeira multidão deles (II Crônicas 15:16-24). Este foi um dos grandes momentos da história de Israel:

“Assim, todo o Israel fez subir com júbilo a arca da Aliança do SENHOR, ao som de clarins, de trombetas e de címbalos, fazendo ressoar alaúdes e harpas.” (I Crônicas 15:28)

Foi um momento de celebração, de oferecimento de sacrifícios e de banquetes:

“Introduziram a arca do SENHOR e puseram-na no seu lugar, na tenda que lhe armara Davi; e este trouxe holocaustos e ofertas pacíficas perante o SENHOR. Tendo Davi trazido holocaustos e ofertas pacíficas, abençoou o povo em nome do SENHOR dos Exércitos. E repartiu a todo o povo e a toda a multidão de Israel, tanto homens como mulheres, a cada um, um bolo de pão, um bom pedaço de carne e passas. Então, se retirou todo o povo, cada um para sua casa.” (II Samuel 6:17-19)

Uvas Azedas
(6:16, 20-23)

“Ao entrar a arca do SENHOR na Cidade de Davi, Mical, filha de Saul, estava olhando pela janela e, vendo ao rei Davi, que ia saltando e dançando diante do SENHOR, o desprezou no seu coração... Voltando Davi para abençoar a sua casa, Mical, filha de Saul, saiu a encontrar-se com ele e lhe disse: Que bela figura fez o rei de Israel, descobrindo-se, hoje, aos olhos das servas de seus servos, como, sem pejo, se descobre um vadio qualquer! Disse, porém, Davi a Mical: Perante o SENHOR, que me escolheu a mim antes do que a teu pai e a toda a sua casa, mandando-me que fosse chefe sobre o povo do SENHOR, sobre Israel, perante o SENHOR me tenho alegrado. Ainda mais desprezível me farei e me humilharei aos meus olhos; quanto às servas, de quem falaste, delas serei honrado. Mical, filha de Saul, não teve filhos, até ao dia da sua morte.”

Parece que havia apenas uma única pessoa em todo Israel que não queria, que não iria, participar do espírito alegre e comemorativo, e essa pessoa era Mical, esposa de Davi. O autor de Crônicas não dá muita importância ao fato, dedicando apenas um verso ao assunto e informando que, quando Mical olhou para Davi, ela o desprezou em seu coração pela figura que ele fez durante a celebração (I Crônicas 15:29). O autor de I e II Samuel tem um verso parecido (II Samuel 6:16), mas depois ele reforça o texto com a descrição do confronto que se seguiu entre Davi e Mical, informando também sua consequência.

Consideremos primeiro o que parece ser a visão de Mical de tudo o que estava acontecendo. Ela não fazia parte da festa; era apenas uma espectadora, não uma participante. Ela estava olhando da janela do palácio, observando a arca entrar na cidade (verso 16). Todo o restante da nação estava nas ruas. Na verdade, toda a nação estivera com a arca desde que ela deixara a casa de Obede-Edom. Mical não estava na caravana que acompanhou a arca. Parece que ela não queria estar lá. Mesmo que ela não estivesse particularmente entusiasmada com os acontecimentos, achamos que ela poderia, pelo menos, aparecer ao lado do marido, mas isso não aconteceu.

A festa, enfim, acabou, e Davi foi para casa para abençoar seus familiares. Mical não tinha nenhuma intenção de fazer parte disso, por isso, deu um “banho” no louvor e nas bênçãos de Davi. Ela devia estar na porta quando ele chegou, de cara feira e com as mãos na cintura. Antes mesmo que Davi pudesse abrir a boca, ela parece ter despejado toda a sua raiva sobre ele. O que será que ela viu, ou pensou ter visto, que a deixou tão zangada? De acordo com suas próprias palavras, ela viu um rei, um homem de posição e poder, agindo como um tolo. Ela viu um homem indecentemente vestido - não nu, permitam-me dizer, mas vestido de uma forma que estava muito aquém de sua posição - e ficou lívida de raiva. Davi agira como um tolo; ele envergonhou a si mesmo e, com certeza, a ela também.

Antes de passarmos para a visão de Davi da mesma situação, vamos primeiro dar uma olhada no que o autor nos diz. Como ele vê Davi neste texto? Será que sua avaliação da situação desculpa a atitude de Mical? Em primeiro lugar, devemos notar que o autor não sugere que Davi estava nu ou inadequadamente vestido. Ele diz que Davi dançava com todas as suas forças, e que vestia uma estola sacerdotal de linho (6:14). Também nos diz que quando Mical, esposa de Davi, viu isso, ela o desprezou em seu coração (6:16).

O autor de Crônicas nos dá mais detalhes sobre o que Davi fez:

“Foram Davi, e os anciãos de Israel, e os capitães de milhares, para fazerem subir, com alegria, a arca da Aliança do SENHOR, da casa de Obede-Edom. Tendo Deus ajudado os levitas que levavam a arca da Aliança do SENHOR, ofereceram em sacrifício sete novilhos e sete carneiros. Davi ia vestido de um manto de linho fino, como também todos os levitas que levavam a arca, e os cantores, e Quenanias, chefe dos que levavam a arca e dos cantores; Davi vestia também uma estola sacerdotal de linho. Assim, todo o Israel fez subir com júbilo a arca da Aliança do SENHOR, ao som de clarins, de trombetas e de címbalos, fazendo ressoar alaúdes e harpas.” (I Crônicas 15:25-28)

A primeira coisa que gostaria de ressaltar é que Davi não estava sozinho. Ele festejava junto com todo Israel. Se ele estava dançando, todos estavam, e todos incluía os principais líderes da nação. Davi estava alegre e exultante? Todos também estavam; bem, quase todos; exceto Mical, é claro. Davi vestia uma estola sacerdotal de linho? Era isso também o que Samuel costumava usar quando ministrava diante do Senhor (I Samuel 2:18). Era assim que os sacerdotes se vestiam (I Crônicas 15:27).

Mical não estava zangada por Davi ter feito algo errado, por ter se sobressaído ao resto do povo. Ela estava zangada por ele ter se comportado como o povo, como a plebe, e por ter se vestido como um reles sacerdote. Ela estava zangada por ele não ter agido como um rei que adorava a Deus. Ele tinha se humilhado. Tinha se diminuído. Tinha se rebaixado. E Mical não o perdoaria por isso. Se, da primeira vez, Deus havia dado um banho de água fria no entusiasmo de Davi com a morte de Uzá, agora Mical dá outro banho, desprezando-o e criticando-o por não agir como rei.

As palavras de Davi à sua esposa são duras e podem até parecer grosseiras, mas é porque refletem a maldade do coração de Mical. Um homem justo não poderia simplesmente aceitar a repreensão dela. Ele tinha muitas coisas a dizer para sua esposa:

1) A conduta dele, que Mical achou tão repulsiva, tinha sido diante do Senhor (6:21). As ações de Davi podem ter sido vistas por sua esposa, mas não foram para lisonjeá-la, foram para honrar ao Senhor. Ele não estava dançando para ela. Nem mesmo para a multidão. Ele estava dançando para o Senhor. A adoração dele não tinha a intenção de agradá-la. Isso me faz recordar das palavras do apóstolo Paulo:

“Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo.” (Gálatas 12:10)

“Pois a nossa exortação não procede de engano, nem de impureza, nem se baseia em dolo; pelo contrário, visto que fomos aprovados por Deus, a ponto de nos confiar ele o evangelho, assim falamos, não para que agrademos a homens, e sim a Deus, que prova o nosso coração. A verdade é que nunca usamos de linguagem de bajulação, como sabeis, nem de intuitos gananciosos. Deus disto é testemunha. Também jamais andamos buscando glória de homens, nem de vós, nem de outros.” (I Tessalonicenses 2:3-6)

Receio que, atualmente, o culto a Deus tenha se transformado em um espetáculo; um espetáculo para o público, não para Deus. As palavras de Davi para sua esposa poderiam muito bem se aplicar a nós. O culto deve ser “diante de Deus”, realizado para o Seu prazer e para a Sua aprovação, não para o prazer e aprovação dos homens. Distante demais do que deveria ser, o culto de nossos dias talvez seja apenas para o agrado dos homens.

2) Davi não deixará de celebrar, principalmente porque aquele a quem ele quer agradar é também Aquele que o escolheu (6:21). Acho que Mical ficou zangada porque Davi estava celebrando, pois estava muito feliz. Ela era como muitos cristãos atuais que parecem dizer: “Tire esse sorriso do rosto. Você não sabe que está na igreja?” Davi estava celebrando porque tinha muito o que celebrar. Ele celebrava o seu reinado, e o seu reinado lhe fora dado por Deus. Como, então, isso poderia ser errado? Errado seria não se regozijar naquilo que dava prazer a Deus.

Fico me perguntando quanto tempo faz desde a última vez que fizemos algo com alegria, exultação e entusiasmo. Não há nenhuma virtude em ser carrancudo. Não há desculpas para ficar de cara fechada quando o próprio Deus Se regozija, quando Ele Se satisfaz. Deveríamos nos regozijar não só com aqueles (nossos semelhantes) que se regozijam (Romanos 12:15), mas também com aqueles em quem Deus Se regozija. Receio que sejamos mais parecidos com Mical do que com Davi, quando se trata de celebrar com júbilo ao nosso Deus e às Suas obras.

3) Terceiro, Davi relembra à sua esposa que ela está agindo como o pai dela, e que ele, seu marido, foi escolhido por Deus para reinar em lugar dele. Deus exaltou Davi sobre Saul, pai de Mical. Ele instituiu Davi em lugar de Saul. Ele rejeitou a casa de Saul e começou tudo de novo com Davi e sua casa. E eis Mical tomando o lugar de seu pai. Como ela podia ter tanto orgulho, orgulho do status de filha do rei (Saul)? Por que ela sentia tanto desprezo por Davi, mesmo sendo ele o escolhido de Deus para reinar em Israel? A razão era simplesmente porque ela era filha de seu pai. Será que a incomodava o fato de Davi ter conquistado o coração do povo e ter se negado a ficar longe daqueles a quem governava? Ao invés de ficar ao lado de Davi, como fez Jônatas, ela se colocou contra ele. E, nesse ponto, ela era exatamente como o pai dela. Contudo, que ela seja relembrada de que Deus rejeitou seu pai. E, por isso, Davi também a rejeita. Se Davi não teve mais relações íntimas com ela ou se Deus simplesmente fechou o seu ventre, o fato é que Mical morreu sem filhos. De acordo com o primeiro capítulo de I Samuel, sabemos que isso era fonte de grande tristeza, vergonha e dor. O julgamento de Deus estava sobre ela.

4) Quarto, Davi governava seu povo como um servo humilde, não como um tirano. Mical desprezou e criticou Davi por ele não ter agido como rei. A resposta de Davi parece ter sido que, uma vez que Deus o fez rei, ele seria o tipo de rei que Deus queria. Ele não seria um rei como Saul, pai de Mical, pois Deus o destituiu, rejeitando-o como rei. Deus levantou Davi para ser um rei diferente, um rei-servo. Se esse era o tipo de rei que Mical não gostava, que fosse; Davi seria o tipo que Deus o designou para ser. Ele se identificava com o povo em vez de se diferenciar dele. Mais ainda, ele vestiu-se e adorou a Deus “como sacerdote” (6:14-19, I Crônicas 15:25-27). Deus não chamara Israel para ser “reino de sacerdotes”? (Êxodo 19:6) Quando vestiu a estola sacerdotal, Davi exerceu uma forma legítima de sacerdócio.

Saul errou quando tomou o lugar de Samuel como profeta e sacerdote (I Samuel 13:8-9). Ele errou porque desobedeceu uma ordem explícita de Deus. Davi exerceu seu sacerdócio de maneira agradável a Deus. No entanto, na cabeça de Mical, essa posição humilde estava aquém da dignidade de um rei; e assim ela desprezou o marido porque ele se humilhou diante do povo.

Conclusão

Este texto está repleto de lições para nós. Primeiro, podemos aprender com Uzá. Não sabemos muita coisa a respeito dele. Também não temos certeza sobre o seu relacionamento com Deus. Não sabemos quais foram seus motivos para estender a mão e tocar na arca. De um modo geral, sou propenso a lhe dar o benefício da dúvida. Acho que ele estava realmente preocupado com a possibilidade da arca cair no chão, e tocar nela não lhe pareceu uma coisa tão séria, caso estivesse tentando salvá-la.

Sabemos que ele cresceu tendo a arca em sua casa (I Samuel 7:1-2; II Samuel 6:2-4). Será que ele estava acostumado demais às coisas sagradas? Com certeza, essa é uma possibilidade. O mesmo perigo existe para nós. Todas as semanas somos lembrados da obra expiatória de nosso Senhor na cruz do Calvário quando celebramos a Santa Ceia. Os santos de Corinto começaram a ver isso como um ritual, e sua conduta à mesa do Senhor não estava agradando a Deus. Paulo lhes disse que eles tinham deixado de “discernir o corpo” (I Cotíntios 11:29). Por isso, uma porção de irmãos estava ficando doente, e alguns até morreram (11:30). Vamos estar mais atentos à santidade de Deus e ser mais reverentes em nossa adoração. Deus leva muito a sério nossa insensibilidade para com a Sua santidade.

Ananias e Safira estavam mais preocupados com o que o povo pensava deles do que como Deus os via. Por isso, mentiram ao Espírito Santo, dizendo que haviam dado todo o dinheiro da venda de sua propriedade, em vez de somente uma parte (Atos 5:1-11). Deus é um Deus santo que chama Seu povo à santidade (ver I Pedro 1:14-16). Ele leva nosso pecado muito a sério. Quando Herodes não Lhe deu glória e aceitou ser glorificado pelo povo como um deus, Deus o feriu de morte (Atos 12:20-23). Desrespeito à santidade de Deus pode ser mortal.

Uzá é um lembrete para nós de que a santidade de Deus é tamanha que homens pecaminosos não podem se aproximar Dele a menos que Ele providencie um meio para isso. Depois da queda, Deus teve que expulsar Adão e Eva do jardim do Éden. Ele providenciou-lhes uma cobertura, mas essa foi só uma solução parcial. Quando Deus libertou Israel do cativeiro egípcio, Ele lhes deu Sua lei no monte Sinai. Sua glória e majestade foram reveladas aos israelitas:

“Ao amanhecer do terceiro dia, houve trovões, e relâmpagos, e uma espessa nuvem sobre o monte, e mui forte clangor de trombeta, de maneira que todo o povo que estava no arraial se estremeceu. E Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. Todo o monte Sinai fumegava, porque o SENHOR descera sobre ele em fogo; a sua fumaça subiu como fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia grandemente. E o clangor da trombeta ia aumentando cada vez mais; Moisés falava, e Deus lhe respondia no trovão. Descendo o SENHOR para o cimo do monte Sinai, chamou o SENHOR a Moisés para o cimo do monte. Moisés subiu,” (Êxodo 19:16-20)

Mais de uma vez, Deus estabeleceu limites além dos quais nem homem nem animal poderia passar. Ele fez Moisés advertir o povo a respeito do perigo de se aproximar demais Dele:

“Marcarás em redor limites ao povo, dizendo: Guardai-vos de subir ao monte, nem toqueis o seu limite; todo aquele que tocar o monte será morto. Mão nenhuma tocará neste, mas será apedrejado ou flechado; quer seja animal, quer seja homem, não viverá. Quando soar longamente a buzina, então, subirão ao monte.” (Êxodo 19:12-13)

“Descendo o SENHOR para o cimo do monte Sinai, chamou o SENHOR a Moisés para o cimo do monte. Moisés subiu, e o SENHOR disse a Moisés: Desce, adverte ao povo que não traspasse o limite até ao SENHOR para vê-lo, a fim de muitos deles não perecerem. Também os sacerdotes, que se chegam ao SENHOR, se hão de consagrar, para que o SENHOR não os fira. Então, disse Moisés ao SENHOR: O povo não poderá subir ao monte Sinai, porque tu nos advertiste, dizendo: Marca limites ao redor do monte e consagra-o. Replicou-lhe o SENHOR: Vai, desce; depois, subirás tu, e Arão contigo; os sacerdotes, porém, e o povo não traspassem o limite para subir ao SENHOR, para que não os fira. Desceu, pois, Moisés ao povo e lhe disse tudo isso.” (Êxodo 19:20-25)

Lembro-me das palavras que Moisés disse aos israelitas antes de entrarem na terra prometida:

“O SENHOR, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás, segundo tudo o que pediste ao SENHOR, teu Deus, em Horebe, quando reunido o povo: Não ouvirei mais a voz do SENHOR, meu Deus, nem mais verei este grande fogo, para que não morra. Então, o SENHOR me disse: Falaram bem aquilo que disseram. Suscitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. De todo aquele que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome, disso lhe pedirei contas.” (Deuteronômio 18:15-19)

Lá, no monte Sinai, os israelitas começaram a entender a santidade e a glória de Deus. Acertadamente eles perceberam que chegar perto demais de Deus seria fatal. Eles decidiram que precisavam de um mediador para interceder junto a Deus em favor deles. Eles pediram a Moisés para realizar esse papel e ele concordou, elogiando sua decisão. Eles não foram covardes (ou, pelo menos, não totalmente covardes), foram sábios. Pecadores precisam de um mediador para se aproximar de um Deus santo.

O tabernáculo, a arca, os sacerdotes e os sacrifícios foram uma solução temporária; havia ainda a necessidade de uma solução definitiva para o problema do homem pecador se aproximar de um Deus santo. E foi Deus quem resolveu esse problema, na pessoa de Jesus Cristo. Na Sua encarnação (Seu nascimento como uma criancinha em Belém), Deus assumiu a forma humana. Ele Se identificou com os homens pecadores para solucionar o problema eterno do nosso pecado, e o perigo de se aproximar Dele.

Devemos ter profunda reverência pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo em Sua encarnação (Seu nascimento, vindo à terra como o inculpável Deus-Homem). Com admiração, lemos as palavras do apóstolo João:

“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (João 1:14)

“O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.” (I João 1:1-3)

É por meio Dele que temos o perdão de Deus e a ousadia de entrar na Sua presença:

“Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho que se deve prestar em tempos oportunos.” (I Timóteo 2:5-6)

“Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel.” (Hebreus 10:19-23)

O convite do evangelho do Novo Testamento é para que os pecadores se acheguem a Deus por intermédio do sangue derramado de Jesus Cristo:

“Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna.” (Hebreus 4:16)

“Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.” (Hebreus 7:25)

“Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração.” (Tiago 4:8)

A Bíblia nos adverte de que o Senhor Jesus Cristo chegará para julgar todos aqueles que se recusaram a se achegar a Ele pela fé:

“Chegar-me-ei a vós outros para juízo; serei testemunha veloz contra os feiticeiros, e contra os adúlteros, e contra os que juram falsamente, e contra os que defraudam o salário do jornaleiro, e oprimem a viúva e o órfão, e torcem o direito do estrangeiro, e não me temem, diz o SENHOR dos Exércitos.” (Malaquias 3:5)

Você já se achegou a Deus pela fé em Jesus Cristo, o único meio dos homens entrarem em comunhão com Ele? Se ainda não, eu lhe digo para fazer isso neste exato momento. Deus nos deixará ir para o inferno do jeito que quisermos, mas se quisermos ir para o céu, deve ser do jeito que Ele mesmo providenciou - o sangue derramado de nosso Senhor Jesus Cristo.

Podemos aprender com Mical. Mical serve como uma espécie de tipo dos escribas e fariseus fanáticos da época de nosso Senhor. Da mesma forma que ela usufruía da posição de filha do rei, os escribas também usufruíam da posição privilegiada de líderes religiosos de Israel. Eles temiam perder seu poder e seu status. Eles desafiavam Jesus sobre Sua autoridade. Eles olhavam com desdém para o Senhor porque ele se associava com pessoas humildes. E, da mesma forma que Mical não produziu nenhum fruto (isto é, filhos), os escribas e fariseus também não. Aqueles que adoram a Deus, devem se achegar a Ele com humildade, não com orgulho. No que diz respeito à nossa história, Mical foi a única pessoa que não adorou a Deus com alegria. O que não é de admirar, uma vez que ela estava mais preocupada consigo mesma.

Podemos aprender com Davi também. Davi serve como um tipo de Cristo, não só em nosso texto, como em outros também. Ele foi rei e sacerdote (quando usou a estola sacerdotal de linho). Ele deixou de lado suas vestes reais e se humilhou, da mesma forma que nosso Senhor (Filipenses 2:5-8; ver também João 13:1 e ss). Davi não permitiu qualquer tipo de discriminação social durante a adoração. A verdadeira adoração não pode tolerar a divisão de classes sociais. O evangelho iguala todos os homens. Todos nós somos pecadores, condenados ao tormento eterno de Deus. E todos somos salvos independentemente de nossas obras, unicamente com base na obra expiatória de Cristo na cruz do Calvário. Como, então, Davi poderia fazer qualquer outra coisa, senão humilhar-se em adoração a Deus, mesmo que sua esposa o desprezasse por isso?

Finalmente, este capítulo tem muito a dizer sobre a controvérsia carismática tão predominante na igreja atual. Existem dois extremos, dois opostos, e estamos sempre predispostos a pender para um ou para outro lado (e, às vezes, para um, depois para o outro). O primeiro é a completa negligência. Davi e o restante do povo estavam tão obcecados com a adoração que parecem ter se esquecido de quem adoravam - um Deus santo. Podemos ficar tão arrebatados pelo elemento emocional da adoração que acabamos perdendo o autocontrole. No entusiasmo do momento, as coisas claramente proibidas por Deus nos parecem um tanto permissíveis, até mesmo necessárias (como segurar a arca). Uzá foi “arrebatado” pelo entusiasmo de levar a arca de volta, mas se esqueceu de dar atenção suficiente a Deus e a Sua Palavra. Uzá morreu por causa da sua irreverência. Jamais nos esqueçamos disso. O entusiasmo nunca deve ser desculpa para desobedecer a Palavra de Deus.

Para muitos de nós, o perigo que mencionei nem parece perigo. Corremos o risco de não nos deixarmos arrebatar em nossa adoração. Nossos cultos são tão formais, ou tão organizados, que nada inesperado poderia acontecer. Ouçam bem: não estou me opondo à organização, e há muito o que dizer para uma avaliação da majestade de Deus em nossa adoração. No entanto, alguns de nós não levantam as mãos ou erguem a voz simplesmente porque são orgulhosos demais para isso. Como Mical, estamos mais preocupados com nossa sobriedade do que com Deus. Vamos tomar cuidado para não deixar o entusiasmo de lado enquanto adoramos, por achar que isso está aquém de nós.

Os dois extremos são claros em nosso texto e ambos são errados. Adoração entusiástica, que subestima a santidade de Deus e viola Sua Palavra, é errada; e, não importa o quanto estejamos entusiasmados, ainda será errado se Deus não for visto da maneira correta e se não nos aproximarmos Dele do jeito certo. Adoração imponente, que deixa a emoção e o entusiasmo de lado, simplesmente porque somos orgulhosos demais para nos humilharmos diante de Deus, também é errada. Esta gera esterilidade; aquela, a morte. Vamos procurar adorar a Deus como Davi e Israel finalmente fizeram, de acordo com a Sua Palavra, com humildade, com o coração cheio de alegria e gratidão, e com entusiasmo.

Tradução: Mariza Regina de Souza

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