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Where the world comes to study the Bible

11. Saul Luta Contra os Filisteus (I Samuel 14:15-52)

Mark Twain estava na cidade de São Francisco quando o terremoto de 1865 abalou a cidade; ele descreveu seu primeiro terremoto com as seguintes palavras:

“Foi logo depois do almoço, num dia ensolarado de outubro. Eu descia a Rua Três. As únicas coisas em movimento naquele denso e povoado quarteirão eram um homem numa carruagem atrás de mim e um bonde terminando lentamente a travessia da rua. Fora isso, era um sábado calmo e tranqüilo.

Conforme virei a esquina, próximo a uma casa apainelada, havia um grande tumulto e gritaria, e ocorreu-me que ali havia assunto para uma matéria! Sem dúvida havia uma briga naquela casa. Antes que eu pudesse me virar e procurar pela porta, ocorreu um tremendo choque; debaixo de mim o chão parecia ondular suspenso por um violento sacolejo, e havia um barulho ensurdecedor como o de casas em atrito. Caí de encontro à casa e machuquei meu cotovelo. Agora eu sabia o que era... aconteceu um terceiro choque ainda mais forte e, enquanto eu cambaleava na calçada tentando manter o equilíbrio, vi uma coisa espantosa. Toda a frente de um alto edifício de tijolos da Rua Três abriu-se como uma porta e caiu, desmoronando no meio da rua e levantando uma grande nuvem de poeira!

E aí veio a carruagem - o homem foi lançado prá fora e, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, o veículo desmanchou-se em mil pedaços ao longo de 300 jardas de rua... O bonde tinha parado, os cavalos estavam empinando e refugando, e os passageiros jorrando de todos os lados... Cada porta de cada casa, tão longe quanto a vista pudesse alcançar, vomitavam uma torrente de seres humanos; e antes mesmo que alguém pudesse piscar, havia uma enorme multidão enfileirando-se numa procissão infindável que descia pelas ruas até onde eu estava. Nunca um lugar tão deserto ficou tão fervilhante de vida com tanta rapidez.

Terremotos são experiências assombrosas. Lembro-me muito bem do terremoto que ocorreu quando eu lecionava para os alunos da 6ª série no Estado de Washington. Duvido que os sobreviventes filisteus da época de Saul tenham se esquecido do terremoto ocasionado por Deus, que os levou à derrota às mãos de Deus e de Seu povo, Israel. A vitória de Israel foi grande, mas não foi o que poderia ter sido. Nosso texto faz o contraste entre a fé e a coragem de Jônatas e a loucura de seu pai, Saul. Vamos prestar bastante atenção à nossa passagem para ver o que é que distingue este filho de seu pai.

O Contexto

Apesar de sua designação como rei de Israel e de sua vitória decisiva sobre os amonitas, Saul parece determinado a não “criar caso” com os filisteus que ocupam Israel. O domínio dos filisteus sobre o povo de Deus é claro em vários aspectos. Suas guarnições estão acampadas em território israelita (ver I Sam. 10:5; 13:3) e os israelitas são rigorosamente limitados na posse e na utilização do ferro. Eles podem ser ferreiros, mas não podem ter armas de ferro (espadas, por exemplo), e pagam caro pelo uso das ferramentas agrícolas (I Sam. 13:19-23). Apesar da opressão dos filisteus, de sua designação como rei e de sua capacitação divina (ver cap. 9 e 10), Saul prefere mandar prá casa os 330.000 soldados que convoca para livrar os cidadãos de Jabes-Gileade. Ele fica apenas com um exército básico de 3.000 homens. Parece que isto é para manter seu status junto aos filisteus.

Jônatas não está disposto a deixar a situação como está. Com seus 1.000 homens ele ataca a guarnição dos filisteus em Geba (13:3), provocando um poderoso contra-ataque filisteu (13:5 e ss). Saul não tem outra escolha, a não ser convocar os israelitas para a guerra, embora apenas um pequeno número se apresente, e muitos desertem quando percebem a situação desesperadora de Israel (humanamente falando). Alguns abandonam Saul para encontrar um lugar onde se esconder dos filisteus, enquanto outros desertam e se juntam a eles (13:6; 14:21-22). Saul reúne as tropas em Gilgal, aparentemente segundo as instruções de Samuel (10:8). Mas, quando parece que Samuel não chegará no prazo determinado, Saul vai em frente e oferece o holocausto. Samuel chega assim que a oferta é feita e repreende Saul por sua desobediência, mostrando que isto lhe custará um reino duradouro (13:11-14).

A guerra entre israelitas e filisteus não vai nada bem. Além dos filisteus sobrepujarem os israelitas em homens e em armas, os poucos soldados israelitas que restam estão apavorados, e Saul parece paralisado. Ao mesmo tempo, os filisteus acampados em Micmás despacham grupos de saqueadores que causam destruição e devastação por onde passam (o que parece ser em qualquer lugar que queiram - ver 13:15-18).

Se Saul não está disposto a tomar a iniciativa de lutar contra os filisteus, Jônatas está. Ele e seu escudeiro se preparam secretamente para lutar com os filisteus. Eles descem um íngreme penhasco e escalam o outro lado, quando a reação dos filisteus à sua presença mostra que Deus dará a vitória a Israel. Quando os dois bravos israelitas alcançam o topo, eles travam batalha com seus inimigos, matando 20 deles num espaço de meio acre (14:1-4). Nesse ponto da batalha, Deus intervém divinamente com um assombroso terremoto, o qual enfraquece e dispersa os filisteus. Voltamos à nossa lição no começo desse terremoto.

Sacudindo o Inimigo
(14:15-23)

“Houve grande espanto no arraial, no campo e em todo o povo; também a mesma guarnição e os saqueadores tremeram, e até a terra se estremeceu; e tudo passou a ser um terror de Deus. Olharam as sentinelas de Saul, em Gibeá de Benjamim, e eis que a multidão se dissolvia, correndo uns para cá, outros para lá. Então, disse Saul ao povo que estava com ele: Ora, contai e vede quem é que saiu dentre nós. Contaram, e eis que nem Jônatas nem o seu escudeiro estavam ali. Saul disse a Aías: Traze aqui a arca de Deus (porque, naquele dia, ela estava com os filhos de Israel). Enquanto Saul falava ao sacerdote, o alvoroço que havia no arraial dos filisteus crescia mais e mais, pelo que disse Saul ao sacerdote: Desiste de trazer a arca. Então, Saul e todo o povo que estava com ele se ajuntaram e vieram à peleja; e a espada de um era contra o outro, e houve mui grande tumulto. Também com os filisteus dantes havia hebreus, que subiram com eles ao arraial; e também estes se ajuntaram com os israelitas que estavam com Saul e Jônatas. Ouvindo, pois, todos os homens de Israel que se esconderam pela região montanhosa de Efraim que os filisteus fugiram, eles também os perseguiram de perto na peleja. Assim, livrou o SENHOR a Israel naquele dia; e a batalha passou além de Bete-Áven.”

Lembro-me muito bem do dia em que fiz algo errado na aula de ginástica e meu professor da 6ª série, Sr. Johnstone, me pegou e me sacudiu contra a parede. Entendi a mensagem alta e clara. Os filisteus também entendem a mensagem, bem mais alto e bem mais claro. Mesmo um terremoto “normal” (se é que existe tal coisa) teria abalado os filisteus, mas este parece extraordinário. O momento é perfeito, vindo logo após a rápida vitória de Jônatas e seu servo. O terremoto parece restrito aos lugares onde estão os filisteus. Nosso texto não dá nenhuma indicação de que os israelitas sintam ou sejam aterrorizados pelo abalo. Na verdade, por essa narrativa, é possível que os israelitas nem mesmo saibam qual a razão para tal pânico entre os filisteus. É um terremoto de Deus, e seu impacto é assustador.

Desde que nunca sentimos um terremoto como este em Dallas, Texas, talvez seja útil lermos alguns relatos de pessoas que foram aterrorizadas pelos efeitos de um terremoto.

“Na última sexta-feira, 9 de janeiro, a cidade de Santa Bárbara foi acometida por uma sucessão de abalos sísmicos, um dos quais foi o mais forte que sentimos deste lado da costa em muitos anos...

Nesta cidade, a manhã de um dia movimentado foi precedida por um sol ameno; o ar estava tranqüilo e nenhum fenômeno atmosférico incomum indicava a aproximação de qualquer perigo... Por volta das 8h30min, ou às 8h22min, de acordo com aqueles que afirmam ter a “hora exata”, começou o abalo mais forte, que durou de 40 a 60 segundos. Ele foi sentido em toda a cidade e suas vibrações foram tão violentas que todos os habitantes fugiram de suas casas, a maioria dos quais, de joelhos e com os corações palpitantes de terror, fazia preces fervorosas para que o perigo iminente e ameaçador fosse providencialmente afastado.”

Um patrulheiro da Califórnia assim descreve sua experiência:

“Era como se eu estivesse dentro de um misturador de tinta. Sem nenhum aviso, a casa começou a chacoalhar violentamente de um lado para outro. Eu descansava na sala de estar lendo o jornal de domingo quando o terremoto nos atingiu. Meu primeiro pensamento foi que um carro tivesse colidido com a casa ou que um avião tivesse caído. Mas aí continuou e eu soube o que era.

Meu aparelho de som caiu da estante, enquanto eu tentava ficar em pé para sair da casa. Eu só queria sair dali. Mas, quando tentei descer para outro andar, não consegui. Após alguns segundos, os abalos acalmaram um pouco e fui capaz de me levantar e levar minha esposa para fora, para o terreno em frente...”

Um jogador, a caminho do campo de golfe na manhã do terremoto de Santa Bárbara de 1925, o descreve desta forma:

“Fiquei hipnotizado por um rugido, algo que jamais ouvi antes, que possa explicar racionalmente, ou que espere ouvir novamente, aí fui levantado e sacudido violentamente como se algum monstro me tivesse pegado pelos ombros com a única intenção de arrancar minha cabeça. Tudo o que consegui fazer foi ficar em pé. As colinas pareciam subir e descer - não, eu estava perfeitamente bem, sem visões - a ondulação da paisagem sendo claramente visível por todos os lados. Não eram só aquelas sacudidelas sentidas de vez em quando em algumas partes do Estado, mas um balanço longo e prolongado que, creio, poria muitas das nossas montanhas-russas de praia num chinelo.

Dois ou três segundos antes do verdadeiro abalo, o rugido que o precedeu parecia vir de muito longe, mas veio com a rapidez de uma bala.”

O medo paralisante produzido por um terremoto é demonstrado nesta narrativa feita pelo encarregado de uma casa de máquinas no terremoto de Santa Bárbara de 1925:

“Não é preciso dizer que muitos escaparam por um triz de sofrer lesões pessoais e darei aqui apenas dois exemplos dos estranhos efeitos surtidos em dois homens geralmente normais. Um deles é um operador de caldeira que estava na extremidade leste da casa de máquinas. Os tijolos estavam caindo da parede leste, enormes pedaços de pedra eram lançados a uma distância de 12 pés; a parte do teto acima dele desabou e foi parar na locomotiva. Este homem tem uma natureza ousada e destemida, no entanto, ficou tão assustado que suas pernas ficaram bambas; depois de um forte ataque de náuseas ele conseguiu rastejar para fora ileso e sem auxílio...”

Imagine como deve ter sido para um soldado filisteu. O tremor pode ter sido precedido por um estrondo, que alguns descrevem como sendo mais forte que o estrondo de 1.000 canhões. A terra começa a sacudir para cima e para baixo. Num único tremor calcula-se que o solo se mova verticalmente até 2 polegadas, e até 240 vezes por minuto. O solo se encrespa como as ondas do mar, fazendo com que os soldados rodopiem e caiam. E, então, o pior de todos os talvezes, o solo se move horizontalmente, sendo este movimento mais abrangente e devastador.

Pense no que pode ter acontecido nesse dia. Chega aos ouvidos do acampamento principal a notícia de que alguém (Jônatas e seu escudeiro) atacou o posto da guarda e causou muitas baixas. Os “saqueadores”, ou destruidores, enviados para matar e destruir, estão aterrorizados. Eles são as “forças especiais” do dia. O acampamento principal está em alerta total e as tropas são convocadas para formação de batalha. Com suas temíveis espadas desembainhadas e apontadas para frente (algo como baionetas), o exército se dirige para frente de batalha. Naquele instante, o rugido do terremoto assusta as tropas. À medida que avançam, o chão treme e se encrespa debaixo deles. Os homens começam a cair. E então, quando o chão se move horizontalmente, as espadas daqueles que estão atrás traspassam as costas desprotegidas dos homens que estão à sua frente. Os homens à frente, em pânico e talvez pensando que o inimigo esteja atrás, se voltam e atacam as pessoas atrás deles - de modo que muitos jazem mortos, todos pelos “golpes de suas próprias tropas”.

Posso não ter todos os detalhes precisos, mas as conseqüências são parecidas. Os filisteus ficam incapacitados e aterrorizados pelo terremoto. Em pânico absoluto, eles se voltam uns contra os outros e se matam uns aos outros com suas espadas. Todas as baixas são conseqüência de uma luta entre os próprios filisteus, antes que os israelitas entrem em combate com eles. Sem dúvida, isto é um “terror de Deus” (I Sam. 14:15). Deveríamos temer diante desta poderosa intervenção de Deus a favor de Israel. Seus sentinelas observam como Deus traz o caos e a derrota ao poderoso exército filisteu. Eles podem não saber que isto é causado por um terremoto, mas podem ver os soldados se movendo prá lá e prá cá, em ondas. É por causa do movimento do solo? É porque o solo está se abrindo? Nós não sabemos, e duvido que os sentinelas israelitas soubessem. Mas, pelo que vêem e ouvem, sabem que algo extraordinário está acontecendo.

O leitor deve estranhar a reação de Saul. A primeira coisa que ele faz é contar suas tropas, não para se preparar para a batalha, mas para saber quem está faltando. Discordo da maneira que os tradutores da Nova Versão King James interpretam o versículo 17:

“Então, disse Saul ao povo que estava com ele: Ora, contai e vede quem é que saiu dentre nós. E quando eles contaram, surpreendentemente, Jônatas e o seu escudeiro não estavam ali.” (I Sam. 14:17 NVKJ)

A palavra “observar” da Nova Versão Padrão Americana é, de longe, a maneira mais comum para traduzir esta expressão hebraica. O termo pode ser uma expressão de surpresa, que é a maneira como a NVKJ traduz. Vejo-a de modo totalmente contrário. Apesar de ser muito reticente em oferecer minha própria tradução, penso que o contexto geral e o termo hebraico em si confirmem esta tradução:

17 E então Saul disse àqueles que estavam com ele: “Por favor, contem as tropas para que possamos ver quem saiu de entre nós.” E eles contaram e como previsto Jônatas e seu escudeiro saíram. (minha tradução/paráfrase de I Sam. 14:17)

Saul não está surpreso. Quando as tropas são contadas, o resultado é exatamente aquilo que ele teme. Pense nisso. Tudo vai relativamente bem com os filisteus (pelos padrões de Saul), até que Jônatas bagunça tudo atacando sua guarnição em Geba (I Sam. 13:3). Este completo desastre (como Saul o vê), com o levantamento em massa dos filisteus em Micmás, é culpa de Jônatas. Ele não pode deixar isso prá lá. Agora, quando os dois exércitos estão acampados e em guerra um contra o outro, Saul maneja as coisas para evitar mais ação (aí ele se senta sob a romãzeira - 14:2) e, de repente, há a maior confusão entre os filisteus. Alguma coisa tem que causar este tumulto. Saul não pensa primeiro em Deus, mas em seu filho desordeiro, Jônatas. Ao contar as tropas, ele é capaz de descobrir quem não está entre eles, e então deduzir quem causou todo este problema - de novo.

Finalmente, Saul decide consultar a Deus - agora que está “num beco sem saída”, como se diz. Naquela época havia várias maneiras de se discernir a vontade de Deus. Um profeta, obviamente, poderia falar diretamente da parte de Deus, mas Samuel deixou Saul em Gilgal devido à sua desobediência (ver 13:8-14). Há a estola sacerdotal, vestida e usada pelo sacerdote, que está ali com Aías, o sacerdote (14:3), mas Saul não requer seu uso. Em vez disto, ele manda buscar a arca da aliança. De certa maneira, isso envolve a intervenção do sacerdote Aías para que a vontade de Deus seja conhecida. Parece que este processo leva algum tempo. Se este fosse um aparelho elétrico (de válvula, é claro), ele estaria “aquecendo”. Todos sabemos que Saul não é muito paciente (ver cap. 13). O tumulto no acampamento filisteu fica tão grande que até Saul conclui que um ataque contra eles signifique vitória certa para Israel. Assim, ele instrui o sacerdote a reter a mão, para “desligar o aparelho da vontade de Deus”. Saul e seus homens vão então atrás dos apavorados e feridos filisteus, que estão se matando uns aos outros. Conforme os soldados israelitas se aproximam, podem ver com mais clareza a vitória operada por Deus.

Hesitantes, os guerreiros vão para a batalha contra os filisteus. Jônatas e seu escudeiro lideram a investida; Saul segue um tanto relutante, bem depois de a vitória estar assegurada. Junto com Saul e seus 600 homens estão aqueles que desertaram das fileiras de seu exército e venderam seus serviços aos filisteus (14:21). Quando aqueles que fugiram de Saul e se esconderam nas colinas vêem a derrota e retirada dos filisteus, eles também se juntam a Saul, a fim de multiplicar suas forças.

O Conjuramento Insano de Saul
(14:24-30)

“Estavam os homens de Israel angustiados naquele dia, porquanto Saul conjurara o povo, dizendo: Maldito o homem que comer pão antes de anoitecer, para que me vingue de meus inimigos. Pelo que todo o povo se absteve de provar pão. Todo o povo chegou a um bosque onde havia mel no chão. Chegando o povo ao bosque, eis que corria mel; porém ninguém chegou a mão à boca, porque o povo temia a conjuração. Jônatas, porém, não tinha ouvido quando seu pai conjurara o povo, e estendeu a ponta da vara que tinha na mão, e a molhou no favo de mel; e, levando a mão à boca, tornaram a brilhar os seus olhos. Então, respondeu um do povo: Teu pai conjurou solenemente o povo e disse: Maldito o homem que, hoje, comer pão; estava exausto o povo. Então, disse Jônatas: Meu pai turbou a terra; ora, vede como brilham os meus olhos por ter eu provado um pouco deste mel. Quanto mais se o povo, hoje, tivesse comido livremente do que encontrou do despojo de seus inimigos; porém desta vez não foi tão grande a derrota dos filisteus.” (I Sam. 14:24-30)

É uma derrota dos filisteus e uma vitória de Deus, mas não é a vitória que poderia ter sido; poderia ser muito mais categórica. Nos versos 24 a 30 o autor explica por que a vitória não é aquilo que poderia e deveria ter sido. Em resumo, os soldados israelitas estão “angustiados” nesse dia, de modo que não conseguem perseguir e destruir mais filisteus. O único responsável pela aflição de Israel é nenhum outro senão seu rei, Saul. É seu conjuramento insano que atrapalha os soldados israelitas.

Parece que a imagem de Saul entrou em decadência desde a sua impressionante vitória sobre os amonitas em Jabes-Gileade no capítulo 11. Saul é humilhado pelos filisteus, não só pela ocupação de Israel, mas também pela maneira como tiram proveito da tecnologia do ferro (13:19-23). A maior parte das dificuldades de Saul é conseqüência direta do ataque de Jônatas aos filisteus. Agora, quando vê que os filisteus estão sendo derrotados pelos israelitas, ele resolve fazê-los pagar por sua humilhação. Sua luta contra eles vira uma questão pessoal. Não é uma batalha de Deus, ou mesmo de Israel; é sua batalha e sua vitória. Por isso, Saul coloca seus homens sob juramento: ninguém deve comer até o anoitecer. Os homens devem lutar com o estômago vazio. Saul parece raciocinar que isto evitará uma valiosa perda de tempo (e luz do dia?), parando para preparar e comer a refeição. (Uma vez que Saul não planejou esta batalha, nem ele nem seus homens estão realmente preparados para os acontecimentos do dia). Na pressa, não há rações prontas para os homens comerem, ou assim parece a Saul. Por isso, ele proíbe seus homens de comerem durante o dia, e eles lutam o dia inteiro sem comida.

Saul está errado em duas coisas. Primeiro, está errado em pensar que sua ordem produzirá uma vitória maior dos israelitas sobre os filisteus. Saul parece achar que suas ordens resultarão em mais tempo de perseguição à preciosa luz do dia e, assim, mais filisteus serão mortos. Não funciona desse jeito. À medida que os filisteus procuram fugir para seu país, a batalha se alastra para leste, primeiro para Bete-Áven (14:23) e depois para Aijalom (14:31). Os israelitas os perseguem por mais de 20 milhas de território montanhoso, e isto sem comer. Eles ficam exaustos e debilitados pela fome, e não conseguem perseguir seus inimigos com tanta eficácia quanto se estivessem bem alimentados.

Saul está errado ainda numa segunda coisa. Está errado em supor que a única maneira de alimentar seus guerreiros é com “comida caseira”, o que levará muito tempo. Afinal, não é dia de “comida pronta” e Saul acha que não existe nenhuma chance de conseguir uma rápida fonte de energia. Ele está errado. Deus tem uma comida “mais do que pronta” disponível. Ele colocou estrategicamente um favo de mel na floresta, e comê-lo não demora absolutamente nada. Os soldados, da mesma maneira que Jônatas, só precisam enfiar a ponta da vara no mel, tirá-la e levá-la à boca. Não existe comida mais rápida, ou melhor, nos arredores. Este é o alimento mais perfeito e mais natural que alguém poderia esperar. Faz “Gatorade” parecer patético.

Jônatas não ouve a ordem de Saul até que seja muito tarde. Ele está ocupado demais atacando e lutando com os filisteus para se sentar no acampamento esperando que Saul passe um decreto. E assim, enquanto persegue os filisteus, as forças de Saul se juntam a ele. Quando Jônatas se alimenta com o mel, um dos homens o informa sobre a ordem ridícula de Saul. Jônatas diz aquilo que a maioria de nós deve estar pensando neste momento: “Meu pai turbou a terra; ora, vede como brilham os meus olhos por eu ter provado um pouco deste mel.” (14:29) Seu pai deve ser louco e egoísta para não deixar seus homens se alimentarem. Se os israelitas pudessem fazer o mesmo que ele, a vitória seria muito maior. Saul não é a fonte dos sucessos militares de Israel, mas um empecilho a eles. As vitórias de Israel são mais a despeito de seu rei do que conseqüências de sua liderança. Todos os soldados israelitas devem pensar isto, e Jônatas simplesmente tem coragem de dizê-lo.

Saul, uma Pedra de Tropeço para Israel
(14:31-35)

“Feriram, porém, aquele dia aos filisteus, desde Micmás até Aijalom. O povo se achava exausto em extremo; e, lançando-se ao despojo, tomaram ovelhas, bois e bezerros, e os mataram no chão, e os comeram com sangue. Disto informaram a Saul, dizendo: Eis que o povo peca contra o SENHOR, comendo com sangue. Disse ele: Procedestes aleivosamente; rolai para aqui, hoje, uma grande pedra. Disse mais Saul: Espalhai-vos entre o povo e dizei-lhe: Cada um me traga o seu boi, a sua ovelha, e matai-os aqui, e comei, e não pequeis contra o SENHOR, comendo com sangue. Então, todo o povo trouxe de noite, cada um o seu boi de que já lançara mão, e os mataram ali. Edificou Saul um altar ao SENHOR; este foi o primeiro altar que lhe edificou.

Já é ruim o suficiente quando as bobagens de Saul impedem uma grande vitória de Israel, mas é indesculpável quando sua ordem resulta em pecado. Obedientemente, os israelitas acatam a ordem insana de Saul para não comer até o anoitecer. E, devido à sua fadiga, menos filisteus são mortos. Mas, quando o dia chega ao fim, o povo faminto encontra o gado deixado por seus inimigos. É triste dizer que os soldados israelitas temem mais desobedecer as ordens de Saul do que temem desobedecer as leis de Deus. Os soldados famintos devoram o rebanho sem prepará-lo adequadamente, e por isso, acabam pecando (Lv. 17:10; 19:26).

Alguém diz a Saul que Israel está pecando desse jeito (14:33). Se alguém não lhe tivesse dito, seria de admirar que Saul tivesse percebido. Em vez de assumir a responsabilidade por ser uma “pedra de tropeço” a seus compatriotas, a justiça própria de Saul aponta seu dedo acusador para os homens famintos: “procedestes aleivosamente; rolai para aqui, hoje, uma grande pedra.” (14:33b) Esta é uma tentativa de minimizar os prejuízos causados pelo próprio Saul com sua ordem insana. Pelo menos ele está preocupado em impedir que seus homens cometam mais pecado.

Duas coisas parecem estranhamente irônicas quanto ao fato de Saul edificar um altar de pedra na noite em que os israelitas fazem suas “ofertas”. Primeiro, esta adoração mal pode ser chamada de sincera, tanto da parte dos israelitas, quanto da parte de Saul. Ela é simplesmente uma forma de santificar a satisfação do apetite dos soldados para que não pequem mais. E, quando é dito que este é o primeiro altar edificado por Saul, também não ficamos impressionados. Será que Saul precisa passar por esse tipo de crise para adorar a Deus? Será que ele só constrói altares em tempos de crise? Eu não chamaria este de um “momento santo” na história de Israel. Eles estão simplesmente cobrindo suas apostas, minimizando o dano causado pelo pecado, pecado este induzido por Saul e praticado por seus soldados.

Segundo, esta “refeição” é muito irônica. Saul proíbe seus soldados de comerem antes do anoitecer, embora a “comida pronta” providenciada por Deus não demore mais do que alguns minutos (como vemos pelo fato de Jônatas se satisfazer durante o combate). Saul acredita que comer será perda de tempo e um empecilho à capacidade de Israel de obter uma grande vitória. Mesmo assim os israelitas perseguem seus inimigos noite adentro; só que estão tão famintos e tentados pelos despojos de guerra, que pecam na maneira de comê-los. Para corrigir a situação, Saul tem que construir um altar e depois garantir que o sacrifício de cada homem seja feito e preparado de forma correta. Quanto tempo você acha que levou esta “refeição”? Isto é ineficiência!

Saul é Rápido para Matar - Seu Filho
(14:36-45)

“Disse mais Saul: Desçamos esta noite no encalço dos filisteus, e despojemo-los, até o raiar do dia, e não deixemos de resto um homem sequer deles. E disseram: Faze tudo o que bem te parecer. Disse, porém, o sacerdote: Cheguemo-nos aqui a Deus. Então, consultou Saul a Deus, dizendo: Descerei no encalço dos filisteus? Entregá-los-ás nas mãos de Israel? Porém aquele dia Deus não lhe respondeu. Então, disse Saul: Chegai-vos para aqui, todos os chefes do povo, e informai-vos, e vede qual o pecado que, hoje, se cometeu. Porque tão certo como vive o SENHOR, que salva a Israel, ainda que com meu filho Jônatas esteja a culpa, seja morto. Porém nenhum de todo o povo lhe respondeu. Disse mais a todo o Israel: Vós estareis de um lado, e eu e meu filho Jônatas, do outro. Então, disse o povo a Saul: Faze o que bem te parecer. Falou, pois, Saul ao SENHOR, Deus de Israel: Mostra a verdade. Então, Jônatas e Saul foram indicados por sorte, e o povo saiu livre. Disse Saul: Lançai a sorte entre mim e Jônatas, meu filho. E foi indicado Jônatas. Disse, então, Saul a Jônatas: Declara-me o que fizeste. E Jônatas lhe disse: Tão-somente provei um pouco de mel com a ponta da vara que tinha na mão. Eis-me aqui; estou pronto para morrer. Então, disse Saul: Deus me faça o que bem lhe aprouver; é certo que morrerás, Jônatas. Porém o povo disse a Saul: Morrerá Jônatas, que efetuou tamanha salvação em Israel? Tal não suceda. Tão certo como vive o SENHOR, não lhe há de cair no chão um só cabelo da cabeça! Pois foi com Deus que fez isso, hoje. Assim, o povo salvou a Jônatas, para que não morresse.”

Finalmente, depois de uma espera recorde pelo jantar, a refeição está terminada. Agora Saul está pronto para lutar - mas, e Deus? Saul ordena que seus homens voltem à batalha para causar mais danos ao exército filisteu e obter mais despojos. O povo consente com ele. Eles estão prontos para voltar à batalha. Mas o sacerdote não está tão certo disto. Ele insiste em primeiro buscar a vontade de Deus. Quando Saul consulta a Deus, ele espera um “sim” ou ”não” como resposta. “Descerei no encalço dos filisteus? Entrega-los-á nas mãos de Israel?”

Saul tira uma porção de conclusões precipitadas. Primeiro ele conclui que, uma vez que não obteve resposta, deve ser porque alguém pecou. Parece não lhe ocorrer que o pecado seja dele mesmo ou de seus soldados por comerem carne sem drenar adequadamente o sangue. Ele presume que haja pecado, e que este pecado seja uma violação à sua ordem insana (não da lei de Deus). Além disso, ele presume que é bem possível que tenha sido Jônatas o culpado por este pecado. E finalmente ele conclui que este “pecado” seja digno de morte. Não creio que seja por coincidência que ele diga: “Porque tão certo como vive o SENHOR, que salva a Israel, ainda que com meu filho Jônatas esteja a culpa, seja morto.” (v. 39) Por que, dentre os milhares de homens que estão com ele, Saul se concentra em Jônatas, seu filho? Receio saber o porquê, e não gosto disto em absoluto. Creio que o filho de Saul, Jônatas, é um homem muito parecido com Davi. Na guerra, Saul conclui que Jônatas seja, na melhor das hipóteses, uma amolação, e, com certeza, um obstáculo. Creio que ele esteja procurando uma desculpa para dar cabo de Jônatas, e esta situação parece perfeita para a ocasião. Antes que a sorte seja lançada, Saul deixa claro que, se Jônatas for indicado, ele morrerá. Creio que ele saiba que Jônatas será indicado.

Até onde vai o registro bíblico, Saul decide a questão com muita rapidez e arbitrariedade. Ele e seu filho ficam frente a frente com o restante dos soldados. Sem nenhuma surpresa, ele e Jônatas são indicados. Então Saul lança a sorte entre ele e Jônatas, e Jônatas é indicado. O povo consente com este processo, pelo menos por enquanto (v. verso 40). Quem irá se opor a Saul nesse estado de espírito? Quando Jônatas é isolado pelo lançamento de sortes, seu pai lhe pergunta o que ele fez (não é interessante que Saul já tenha estabelecido a punição antes mesmo que o crime seja revelado?). Jônatas “confessa” que realmente provou um pouco de mel com a ponta da vara. Uma pequena lambida no mel, dada sem nenhum conhecimento da ordem de seu pai e nenhuma perda de tempo, é o crime abominável que Saul supõe seja a razão de Israel não ter conseguido concluir a batalha iniciada por Jônatas. Saul parece sentir que é melhor matar seu filho do que admitir seu próprio pecado e idiotice.

Mesmo aqui Jônatas é um filho exemplar. Ele não dá nenhuma desculpa, nem faz qualquer acusação contra seu pai, ainda que ele seja louco. Jônatas coloca sua vida nas mãos de seu pai, o rei. Ele está disposto a morrer se essa for a vontade de seu pai, se essa for a vontade de Deus. Com grande pompa, Saul uma vez mais assevera a morte de Jônatas. É como se Saul não pudesse fazer nada mais justo.

Finalmente, o povo que calmamente suportara todas as cenas do rei, teve o suficiente. Eles estão dispostos a deixar que Saul submeta a si mesmo e a Jônatas à prova (v. 40), mas não a permitir que Saul mate seu filho. Eles percebem o quanto as atitudes de Saul são insanas. Jônatas, não Saul, lhes deu grande libertação (verso 45). Será que ele deve ser morto por causa disto? Ele agiu com Deus, não contra Ele, e por isso não será morto como pecador. Muito pelo contrário! Nenhum fio de cabelo de sua cabeça cairá no chão. E assim é que Jônatas, trabalhando com Deus, salva Israel, e Israel, enfrentando Saul, salva Jônatas. Saul, que não salva ninguém, não tem permissão para destruir seu próprio filho. Com este incidente, tem fim a batalha com os filisteus, mais depressa e menos decisiva do que deveria, tudo devido à insensatez de Saul, o “libertador” de Israel.

Encerrando com o “Sucesso” de Saul e Seus Sucessores
(14:46-52)

“E Saul deixou de perseguir os filisteus; e estes se foram para a sua terra. Tendo Saul assumido o reinado de Israel, pelejou contra todos os seus inimigos em redor: contra Moabe, os filhos de Amom e Edom; contra os reis de Zobá e os filisteus; e, para onde quer que se voltava, era vitorioso. Houve-se varonilmente, e feriu os amalequitas, e libertou a Israel das mãos dos que o saqueavam. Os filhos de Saul eram Jônatas, Isvi e Malquisua; os nomes de suas duas filhas eram: o da mais velha, Merabe; o da mais nova, Mical. A mulher de Saul chamava-se Ainoã, filha de Aimaás. O nome do general do seu exército, Abner, filho de Ner, tio de Saul. Quis era pai de Saul; e Ner, pai de Abner, era filho de Abiel. Por todos os dias de Saul, houve forte guerra contra os filisteus; pelo que Saul, a todos os homens fortes e valentes que via, os agregava a si.”

Há um sentido no qual este capítulo é uma espécie de bênção com relação à vida e reinado de Saul como rei de Israel. Há um sumário de seus aparentes sucessos, uma clara alusão a seus fracassos e uma lista de seus descendentes. O capítulo 15 descreve o pecado que significa o fim do reinado de Saul (o pecado anterior significava o fim da dinastia de Saul - o reinado de seus descendentes). Os capítulos posteriores apresentam Davi como seu substituto e mostram o ciúme de Saul e sua oposição a Davi. O último capítulo de I Samuel descreve a morte de Saul e seu filho. No entanto, este capítulo parece ser a bênção sobre Saul e seu reinado.

A batalha acabou, mas não a guerra. Os filisteus sofrem uma grande perda, mas não uma derrota total. Cada exército - israelita e filisteu - segue seu próprio caminho. As duas nações continuam em guerra uma contra a outra pelo resto da vida de Saul. Isto é particularmente acentuado no verso 52:

“Por todos os dias de Saul, houve forte guerra contra os filisteus; pelo que Saul, a todos os homens fortes e valentes que via, os agregava a si.”

Pelo resto da vida de Saul haverá conflito, e sua consideração pelos filisteus pode ser vista no fato de ele procurar agregar a seu exército qualquer “homem forte e valente”. As conseqüências de sua loucura vão segui-lo todos os dias de seu reinado. Como veremos no capítulo 31, Saul e seu filho Jônatas morrem às mãos dos filisteus. Que lamentável que a vitória sobre os filisteus não tenha sido completa nesta batalha iniciada por Jônatas.

Tenho me referido a Saul como louco e fracassado. Como podemos, então, explicar a avaliação de seu reinado nos versos 47 e 48, que parecem colocá-lo sob um ângulo favorável? A resposta tem pelo menos dois aspectos. Primeiro, parece correto dizer que um homem pode ser um fracasso moral e espiritual e, no entanto, ser um grande líder militar. Veja o homem usado por Deus no livro de Juízes para libertar Seu povo. Sansão não é nenhum gigante moral, mas é usado por Deus para libertar Israel das mãos de seus inimigos. O mesmo pode ser dito de muitos outros juízes levantados por Deus. Deus não se limita a usar somente pessoas piedosas para cumprir Suas promessas e Seus propósitos. Portanto, a vitória militar pode ser alcançada por meio de um homem como Saul, a despeito do tipo de homem que ele é. Quantos de nós atribuem nossos méritos e nossa bondade à graça e misericórdia de Deus para conosco?

Segundo, as coisas ditas nestes dois versos são realmente verdadeiras e representam a avaliação da liderança de Saul do ponto de vista de um historiador secular. Saul, como rei de Israel, realmente luta contra todas as nações em derredor e lhes impõe castigo. Com relação à batalha com os amalequitas, Saul age mesmo com valentia e livra Israel daqueles que os despojam.

Parece que a batalha entre Israel e os filisteus, descrita nos capítulos 13 e 14, é uma coisa típica da vida e do reinado de Saul em Israel. Ele luta com os filisteus e os israelitas vencem. A batalha é travada sob sua liderança. Mas a vitória não foi o que poderia ter sido devido à sua loucura. E a batalha não é resultante de sua fé e iniciativa, mas da fé e iniciativa de Jônatas. Apesar disto, como lemos em 13:4, é divulgada uma notícia de que Saul “derrotara a guarnição dos filisteus”. Do ponto de vista de um historiador secular, as vitórias de Israel sob os cuidados de Saul são suas vitórias. Sabemos que estas vitórias foram obtidas pela graça de Deus, muitas vezes devido à atitude de pessoas como Jônatas e, com freqüência, a despeito da inércia e loucura de Saul.

Apesar das “vitórias” de Saul e Israel, os filisteus jamais são destruídos, jamais são completamente derrotados, a fim de que Saul e Israel contendam com eles durante todo o seu reinado. Confiando no “braço da carne”, parece que Saul procura heróis que lutem por ele e por Israel. Com toda a certeza o terreno está sendo preparado para Davi e o papel que desempenhará na batalha com os filisteus e com Golias, seu campeão.

Conclusão

Primeiro, não é nada difícil perceber porque Jônatas e Davi se tornarão amigos dedicados. Na verdade, eles são almas gêmeas. Jônatas é um homem de fé e compreensão espiritual. Ele é um homem que age com ousadia devido à sua fé em Deus, enquanto seu pai espera que o mau tempo passe. Jônatas teria sido um grande rei, mas ele é benjamita e não descendente de Judá; e, assim, nenhum de seus descendentes poderia ser o Messias. Mas, quando Jônatas vê que a mão de Deus está sobre Davi, ele é um dos primeiros israelitas a recebê-lo como o próximo rei de Israel, sem ciúmes ou hesitação.

Segundo, este texto prepara o terreno para a introdução de Davi nos capítulos 16 e 17. O caráter de Saul é evidente. Sua loucura e seu ciúme contra Davi não chegam a nos surpreender, pois já haviam sido demonstrados no seu trato com seu próprio filho, Jônatas. Saul já havia tentado matá-lo; não será nenhuma surpresa vê-lo também tentando matar Davi, bem como outras pessoas. Assim como ele relutou em enfrentar os filisteus no princípio, ele também hesitará em enfrentá-los quando Golias for seu campeão. Nos próximos capítulos haverá poucas surpresas para nós sobre Saul, devido àquilo que já lemos nos primeiros capítulos de I Samuel.

Terceiro, vemos que a visão histórica de um homem pode ser muito diferente da visão de Deus. A avaliação feita por um semelhante com certeza não é perfeita. No que diz respeito a Deus, com certeza esta não é a verdadeira ”medida de um homem”, pois quando Deus julga o homem, Ele vê o coração. A história secular pode considerar Saul um sucesso, mas, em termos bíblicos e espirituais, ele é um miserável fracasso. Os índices seculares de sucesso não são indicadores da aprovação ou da bênção de Deus. O autor de I Samuel quer que vejamos Saul como um homem que é rejeitado por Deus. Como é triste ser valorizado pelo mundo e desprezado por Deus. Como é melhor, se necessário for, ser desprezado pelo mundo e valorizado por Deus (ver I Pe. 4).

Quarto, vemos neste texto que os cristãos podem e agem de maneira que aparentemente atrapalhe a realização plena da obra de Deus. Em última análise, os homens não podem impedir aquilo que Deus propôs e prometeu fazer. Deus usa a fé e a obediência dos homens para cumprir Seus propósitos, mas Ele não se limita a estes meios. A soberania de Deus também permite que Ele empregue a incredulidade e a desobediência para alcançar Seus propósitos (ver Gn. 50:20, Sl. 76:10). Ele usa até mesmo Satanás para atingi-los (v. II Co. 12:5-10). Contudo, reconhecendo a soberania de Deus sobre todas as coisas, também deve ser dito que Deus, às vezes, permite que a ação (ou a inércia) dos homens atrapalhem aquilo que poderia ter sido feito (v. II Re. 13:14-19). Deus é soberano na história mas, em Seu controle absoluto sobre todas as coisas, Ele estabeleceu que as ações têm conseqüências, e que a desobediência e a falta de fé podem resultar em algo menor do que poderia e deveria ter sido se tivéssemos agido de maneira santa. Com toda a certeza isto é ilustrado pela maneira como a loucura de Saul no capítulo 14 impede uma vitória cabal sobre os filisteus.

Quinto, o governo de Saul é fonte de grandes problemas para Israel, mas também é meio para a sua própria destituição. Sabemos pelo capítulo 14 que a ordem insana de Saul impede Israel de obter uma vitória esmagadora sobre os filisteus. Conseqüentemente, pelo resto de seus dias, ele e a nação são atormentados pelos filisteus (v. 52). O ataque do capítulo 17 lança a ascensão e projeção de Davi em Israel e o início do fim para Saul. A batalha de Israel com os filisteus no capítulo 31 resulta na morte de Saul e de Jônatas. Como lemos em Cantares de Salomão, são as “raposinhas que devastam os vinhedos” (2:15). Este momento aparentemente insignificante de insensatez tem graves conseqüências para Israel e seu rei.

Finalmente, vemos em nosso texto uma excelente ilustração de legalismo. Zelar pelo conhecimento e obediência aos mandamentos de Deus não é legalismo, é discipulado. Com muita freqüência ouço algumas pessoas se referirem aos sermões baseados nos mandamentos de Deus (do Novo ou do Velho Testamento) como sendo “legalistas”. Embora algumas pessoas sejam legalistas na maneira como buscam obedecer aos mandamentos de Deus, o zelo pelo conhecimento e obediência a eles não é legalismo. O Salmo 119 é um excelente exemplo de um crente que zela pelo conhecimento e obediência aos mandamentos de Deus. O amor à lei do Senhor não é legalismo.

Legalismo é um descontentamento com os mandamentos de Deus da forma como eles são. O legalismo supõe que os mandamentos e as proibições de Deus não sejam suficientes. O legalismo procura consertar este “problema” adicionando mais regras e regulamentos. Estes acréscimos são mantidos de forma tão intensa quanto os mandamentos das Escrituras (às vezes, até mais). Aqueles que deixam de obedecê-los são severamente julgados por aqueles que os adotam.

Deixe-me ilustrar o legalismo do Novo Testamento. A lei de Moisés requeria que os homens guardassem o sábado, e isto significava que o sábado deveria ser um dia de descanso. Não significava que fosse pecado os discípulos de Jesus colherem alguns grãos e comê-los. Não significava que fosse pecado nosso Senhor curar um doente no sábado. Os escribas e fariseus não podiam acusar nosso Senhor de violar qualquer lei de Deus; eles apenas podiam acusá-lo de violar as leis do Antigo Testamento como eles as interpretavam e aplicavam, e como eles as aperfeiçoavam com suas tradições. Procurar “incrementar” as leis de Deus, acrescentando alguma coisa a elas, era colocar-se acima da Lei como juiz:

“Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Aquele que fala mal do irmão ou julga a seu irmão fala mal da lei e julga a lei; ora, se julgas a lei, não és observador da lei, mas juiz. Um só é Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e fazer perecer; tu, porém, quem és, que julgas o próximo?” (Tg. 4:11-12)

Pelo que entendo deste texto de Tiago, aqueles que “julgam” injustamente seus irmãos, geralmente o fazem com base em suas próprias regras legalistas, e não de acordo com a Palavra de Deus. Tiago diz que, aqueles que julgam os outros por suas próprias regras, julgam também a Lei de Deus como inadequada.

O rei Saul é um legalista. Como rei de Israel, ele deveria conhecer bem a lei de Deus, e ter cuidado em obedecê-la e cuidar que fosse obedecida em seu reino (Dt. 17:18-20). Parece até que ele não teria percebido a violação da lei de Deus, caso alguém mais não lhe tivesse mostrado (v. I Sam. 14:33). Saul facilmente justifica sua negligência em cumprir os mandamentos de Deus e, no entanto, está pronto - quase ansioso, para condenar seu próprio filho à morte por violar uma de suas regras idiotas. Como todos os legalistas, Saul acha fácil coar o mosquito e engolir o camelo (Mt. 23:23-24). Ele distila sua indignação quando os outros transgridem suas regras, mas é mais do que tolerante com suas flagrantes transgressões aos mandamentos de Deus.

Ao contrário do que os legalistas pensam, o legalismo não impede o pecado; ele o favorece. As proibições que os legalistas amontoam sobre si e sobre os outros não são a cura para as concupiscências da carne (Cl. 2:20-23). Havia nos tempos do Novo Testamento aqueles que proibiam o casamento e comer certos alimentos (I Tm. 4:3), mas estes eram enganadores e mentirosos que procuravam desviar o povo de Deus da verdade. Embora Paulo fosse solteiro, ele instruiu os maridos e as esposas a não se absterem de sexo, a menos que fosse por uma razão importante, e apenas por algum tempo. O legalismo faz os homens caírem, como a ordem legalista de Saul fez os israelitas pecarem ao comer carne sem o devido preparo. Vamos tomar cuidado com o legalismo, em todas as suas formas mais piedosas.

Uma palavra final. O contraste entre Saul e Jônatas em nosso texto é difícil de ser ignorado. Jônatas é aquilo que Saul não é. Não vamos nos esquecer de que Jônatas é filho de Saul. Não são os bons “cuidados paternais” de Saul que fazem de Jônatas o que ele é. Sua devoção é a despeito de Saul, não por causa dele. Que todos aqueles que gostariam de levar o crédito pelo modo como seus filhos se saem observem isto. E observemos também que muitos pais crentes dão à luz filhos descrentes. Lembro-me, por exemplo, de Sansão e seus pais (v. Jz. 13:1-23, especialmente o verso 8).

Até agora eu estava disposto a ver Saul como uma anomalia, uma espécie de caso excepcional. Seus pecados são mais notórios, mais visíveis, e talvez mais dramáticos do que os nossos, mas, em última análise, suas tentações e fracassos, na verdade, são “comuns aos homens” (v. I Co. 10:13; Tg. 5:17). Suas falhas não estão registradas a fim de que gostemos de odiar este homem. Creio que estão registradas como advertência, para que não precisemos repetir os pecados que ele tão obviamente comete. Gostaria de pensar que minha vida se espelha mais em Jônatas do que em seu pai, mas este nem sempre é o caso. Vamos prestar atenção e aprender destes dois homens tão diferentes, Saul e Jônatas. E vamos nos esforçar para servir a Deus fielmente, obedecendo Seus mandamentos, para que não nos tornemos exemplos negativos de desatino para as futuras gerações.

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