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9. Saul Sacrifica Seu Reino (I Samuel 13:1-14)

Introdução

Um grande amigo meu e sua esposa decidiram que era hora de vender seu carro antigo e comprar uma minivan nova. Embora o carro antigo lhes servisse muito bem, precisava cada vez mais de reparos. Craig e Grace conversaram muito sobre as vantagens e desvantagens de comprar um novo carro em vez de um usado, decidindo, finalmente, que um carro novo seria melhor. Mesmo concordando que isto aumentaria um pouco seu orçamento, eles cuidariam bem do carro e ele duraria muito tempo. Com menos de 10.000 milhas, a correia de transmissão da minivan quebrou - aquela por onde passa praticamente tudo, da direção hidráulica ao alternador e à bomba d’água. O carro superaqueceu e, mesmo depois que a correia foi trocada, Craig e Grace ainda passaram maus bocados. Depois, quando estavam caminho de casa após um picnic da igreja, desabou um súbito temporal, atingindo o carro com pedras de granizo. Mais incrível ainda, a caminho do centro da cidade, alguém bateu na traseira do carro. Depois destes desastres, Craig confessou, meio irônico: “Nem mesmo lavamos o carro.”

Algumas coisas começam muito bem - e então, de repente, terminam em desastre. Com certeza, foi o que aconteceu a meu amigo, Craig. Durante algum tempo aquela minivan brilhante, reluzente e mecanicamente perfeita foi muito legal, até que graves problemas começaram a surgir. Quando vejo nosso texto, o reinado de Saul me faz lembrar daquela experiência com o carro novo. Seu reinado começa muito bem, vitorioso. Após sua escolha e indicação, ele lidera os israelitas numa impressionante vitória sobre os amonitas (I Sam. 11). Então, no auge da euforia, o povo é trazido de volta à realidade pela dolorosa reprimenda de Samuel no capítulo 12, ratificada pelo próprio Deus, que provoca uma tempestade devastadora no exato momento em que o trigo está pronto para a colheita. Agora, ainda no capítulo 13 de I Samuel, chegamos a um incidente que custa à descendência de Saul a esperança de governar para sempre em lugar de seu pai.

Se formos realmente honestos conosco e com nosso texto, precisamos admitir que a atitude de Saul não parece tão ruim assim. Aparentemente, parece que Samuel está atrasado e que a sobrevivência de Saul e da nação é incerta, a menos que alguém faça alguma coisa bem depressa, e que Saul, com certeza, parece ser o homem para tal. O que há de tão errado com a atitude de Saul, dada a demora de Samuel e a ameaça dos filisteus? Deus, no entanto, leva as ações e atitudes de Saul muito a sério, e nós também devemos levar. Ao estudarmos este texto, procuraremos entender porque isto é tão ruim aos olhos de Deus e averiguar o que aconteceu com Saul. Vamos ainda procurar aprender e aplicar os princípios e as lições que nosso texto traz aos cristãos, pois o pecado de Saul é importante o suficiente para lhe custar o reino, e a seus descendentes, para sempre.

Um Problema Numérico

Os estudiosos da Bíblia apontam vários problemas em relação aos números de nosso texto. Os dois primeiros são encontrados no verso um que, literalmente, diz:

Saul {é} filho de um ano em seu reinado, sim, dois anos ele reinou sobre Israel (Tradução Literal de Young).

Retirando as palavras em itálico (adicionais) da versão NASB, o verso diz:

Saul tinha ... anos quando começou a reinar, e reinou ... dois anos sobre Israel.

Obviamente, temos aqui um problema. Creio que a melhor solução é tirar o máximo sentido das palavras que temos, em vez tentar decidir quais delas aplicar para dar sentido ao texto. A nova versão King James parece fazer isto da melhor forma possível:

Saul reinou um ano, e quando reinara dois anos sobre Israel, Saul escolheu para si 3.000 homens de Israel... (13:1-2a).

Alguns alegam haver um problema numérico no verso 5, onde lemos que 30.000 carros filisteus são despachados para Israel para pelejar contra os israelitas, junto com 6.000 cavaleiros e um exército de soldados a pé como as areias à beira-mar. Eles acham que 30.000 seja um número grande demais, indicando que o termo para 30.000 é muito parecido com o termo para 3.000, sugerindo que 3.000 talvez seja um número mais razoável. Eles também apontam que, tendo em vista haver muito mais carros do que “condutores”, o número deve estar errado. Gosto da maneira como a versão NASB trabalha com isto. Os 6.000 não são “condutores”, mas “cavaleiros”. Embora 30.000 seja um número bastante grande, não é um número impossível, e devemos aceitar o texto como ele se apresenta. O autor está tentando impressionar o leitor com a impossibilidade da situação do ponto de vista dos israelitas. Os números fornecidos são coerentes com o sentido de desesperança que o autor descreve.

Outro Problema:
A Presença dos Filisteus

Devo confessar que enquanto leio I Samuel fica difícil entender exatamente o que está acontecendo. Os filisteus estão por toda parte em Israel. Sabemos por I Samuel 4:9 que os israelitas são, em certo sentido, escravos dos filisteus. No capítulo 4, os filisteus prevalecem sobre eles na guerra, mesmo os israelitas levando consigo a Arca de Deus. No capítulo 10, quando Saul é informado por Samuel que ele é o escolhido de Deus como rei de Israel, ele profetiza numa cidade israelita - que é também um posto avançado dos filisteus (10:5). Apesar disto, o capítulo 11 fala sobre o ataque dos amonitas e a grande vitória israelita. Como os israelitas podem se reunir para a guerra quando seu território está ocupado pelas tropas filistéias? E como Saul mantém um exército permanente de 3.000 homens sem nenhum protesto dos filisteus?

Creio que estou começando a entender um pouco melhor a situação. Em primeiro lugar, devemos nos lembrar que a nação de Israel é cercada de terra por todos os lados, e que esta terra está dividida entre diversos reinos:

“Tendo Saul assumido o reinado de Israel, pelejou contra todos os seus inimigos em redor: contra Moabe, os filhos de Amom e Edom; contra os reis de Zobá e os filisteus; e, para onde quer que se voltava, era vitorioso. Houve-se varonilmente, e feriu os amalequitas, e libertou a Israel das mãos dos que o saqueavam.” (I Sam. 14:47-48)

Os filisteus habitam na Filistia, que fica na costa do Mediterrâneo, ao sul e a oeste de Israel. A batalha que eles travam no capítulo 4 é na fronteira ocidental de Israel, como seria de se esperar. A arca é levada para a Filistia e depois devolvida para a cidade de Bete-Semes, que fica junto à fronteira israelita-filistéia. No entanto, os amonitas estão localizados do outro lado do rio Jordão, a leste de Israel. O ataque à cidade de Jabes-Gileade é a noroeste de Israel, a aproximadamente 20 milhas da fronteira de Amom, e longe da Filistia, que fica do lado oposto de Israel.

Não creio que os filisteus pretendam ou desejem destruir totalmente os israelitas, mas apenas mantê-los sob jugo. Afinal, os israelitas estão prestes a comerciar sua tecnologia, especialmente nas coisas feitas de ferro (ver 13:19-23). Israel também pode servir como escudo entre os filisteus e outras nações mais agressivas. Quando os israelitas se juntam para lutar contra os amonitas, parece que isto é de grande interesse para os filisteus. Se os israelitas forem enfraquecidos pela guerra não serão ameaça para eles. E, se eles vencerem os amonitas, os filisteus terão um domínio ainda maior, pois os israelitas ainda estão sob seu domínio. O fato de Saul manter uma pequena força de homens como exército permanente também não é nenhuma ameaça aos filisteus. O que um mísero exército de 3.000 homens pode fazer a uma nação cujas forças podem ser contadas como as areias à beira-mar? Sendo assim, Israel pode iniciar uma guerra contra os amonitas enquanto continua sob o domínio dos filisteus.

O Terror no Coração dos Israelitas e de seu Rei
(13:1-7)

“Um ano reinara Saul em Israel. No segundo ano de seu reinado sobre o povo, escolheu para si três mil homens de Israel; estavam com Saul dois mil em Micmás e na região montanhosa de Betel, e mil estavam com Jônatas em Gibeá de Benjamim; e despediu o resto do povo, cada um para sua casa. Jônatas derrotou a guarnição dos filisteus que estava em Gibeá, o que os filisteus ouviram; pelo que Saul fez tocar a trombeta por toda a terra, dizendo: Ouçam isso os hebreus. Todo o Israel ouviu dizer: Saul derrotou a guarnição dos filisteus, e também Israel se fez odioso aos filisteus. Então, o povo foi convocado para junto de Saul, em Gilgal. Reuniram-se os filisteus para pelejar contra Israel: trinta mil carros, e seis mil cavaleiros, e povo em multidão como a areia que está à beira-mar; e subiram e se acamparam em Micmás, ao oriente de Bete-Áven. Vendo, pois, os homens de Israel que estavam em apuros (porque o povo estava apertado), esconderam-se pelas cavernas, e pelos buracos, e pelos penhascos, e pelos túmulos, e pelas cisternas. Também alguns dos hebreus passaram o Jordão para a terra de Gade e Gileade; e o povo que permaneceu com Saul, estando este ainda em Gilgal, se encheu de temor.”

O reinado de Saul em Israel começa com grande alarde. Sob sua liderança, Deus livra muitos israelitas da rendição humilhante a Naás, líder do exército amonita, que ameaçava os habitantes da cidade de Jabes-Gileade. Para tanto, um exército voluntário de 330.000 israelitas é convocado (11:8). Após a vitória, os voluntários retornam às suas casas e Saul fica com um pequeno exército permanente de 3.000 homens.

Por que Saul mantém um exército tão pequeno? O texto não nos diz, mas parece que podemos deduzir que um exército de 3.000 homens seria tolerado pelos filisteus, enquanto um exército maior, não. Saul mantém estes homens porque é o tanto que ele pode manter sem precipitar a ira e a reação dos filisteus. Saul também não parece disposto a “tumultuar as águas” mantendo muitos soldados na ativa ou tomando qualquer atitude a respeito da guarnição(ões?) dos filisteus acampada em Israel.

Jônatas muda tudo, sem o consentimento ou permissão de seu pai. Saul dividiu suas tropas. Ele mantém 2.000 homens com ele em Micmás e na região montanhosa da Judéia; os 1.000 restantes são colocados sob o comando de Jônatas em Gibeá. Desconhecemos as razões para Jônatas atacar a guarnição dos filisteus; só é dito que ele o faz. Pelo que já conhecemos de Jônatas, parece que suas ações são movidas pela fé. Afinal, Deus deu esta terra aos israelitas e os instruiu a expulsar os povos que habitam nela. A sujeição às nações estrangeiras é descrita em Levítico 26 e Deuteronômio 28 a 32, como castigo divino para a incredulidade e desobediência de Israel. O rei não deve facilitar a sujeição dos israelitas às nações circunvizinhas, mas deve ser usado por Deus para livrá-los de suas algemas (ver 14:47-48). Isto não ocorrerá a menos que os israelitas tomem uma atitude para remover aqueles que ocupam sua terra. Saul parece relutante e indisposto a “mexer no vespeiro”.

Jônatas não parece disposto a aceitar as coisas como estão, por isso lidera seus homens num ataque à guarnição dos filisteus em Geba, situada aproximadamente 6 milhas (?) ao norte de Jerusalém, a meio caminho entre Gibeá ao sul e Micmás ao norte. Esta cidade pode muito bem ser a mesma diante da qual Saul profetiza junto com outros profetas (ver 10:5, 10:13).

A reação dos filisteus a este ataque é previsível, fazendo com que nos perguntemos se Jônatas queria e esperava por isso. Deixe-me tentar descrever a reação dos filisteus em termos atuais. Há alguns anos atrás os Estados Unidos (junto com alguns aliados) atacou e derrotou as forças do Iraque que ocupavam o Kwait. Suponhamos que após esta vitória os Estados Unidos colocassem várias companhias de nossas tropas dentro da fronteira do Iraque, para garantir que não houvesse mais ataques ofensivos. Suponhamos então que Saddam Hussein lançasse um ataque com armas químicas a uma destas companhias americanas dentro do Iraque. Chegam à América notícias sobre centenas, talvez milhares, de mortos, e de muitos outros gravemente feridos. Como americanos, nos sentiríamos justificados em empregar uma ação militar maciça contra o Iraque.

Esta reação é muita parecida com a reação dos filisteus ao ataque de Jônatas contra a guarnição em Geba. Os filisteus derrotaram os israelitas tempos atrás e lhes deram considerável liberdade (até mesmo para iniciar uma guerra contra os amonitas). No entanto, eles ainda têm tropas em Israel, para prevenir qualquer tentativa de libertação da opressão de seu cativeiro. Quando Jônatas ataca esta guarnição, tal ação é vista como um ataque contra a Filistia, e como um terrível insulto. Conforme é dito em nosso texto: “e também Israel se fez odioso aos filisteus” (verso 4). Os filisteus estão vindo e estão doidos! Eles vão fazer Israel pagar por isso - eles pretendem fazer um estrago enorme em Israel. Eles vêm com 30.000 carros, 6.000 cavaleiros, e tantos soldados a pé quanto as areias à beira-mar. Eles se levantam contra Israel, acampando em Micmás, onde Saul recentemente acampara com seus soldados.

Parece que a reação de Saul ao ataque de Jônatas e à chegada dos filisteus é induzida pela necessidade. Em resumo, Saul parece não ter outra opção, a não ser tentar se defender do ataque dos filisteus. Tentando dar a melhor aparência possível à situação, ele faz soar a trombeta que reúne toda a nação uma vez mais para a batalha. A “chamada” de Saul poderia ser: “Saul ataca a guarnição dos filisteus”. De uma perspectiva administrativa, é claro, Jônatas está sob a autoridade de Saul; no entanto, parece que Saul não quer admitir sua passividade, enquanto Jônatas assume o controle da situação.

No capítulo 13, a situação parece ser totalmente diferente daquela descrita no capítulo 11. No capítulo 11, Saul está capacitado pelo Espírito Santo quando fica furioso e conclama energicamente todo o Israel para lutar contra os amonitas. Aqui não é dito que ele esteja capacitado pelo Espírito e, com certeza, não é nenhum pouco enérgico quando conclama a nação para a guerra. Os israelitas são convocados, mas parece que são bem menos que os 330.000 reunidos anteriormente. E aqueles que se apresentam estão hesitantes. Quando o tamanho do exército filisteu é conhecido, os israelitas ficam apavorados. O povo começa a desertar, escondendo-se em cavernas e moitas, penhascos, buracos e cisternas. Tal situação já ocorrera antes (ver Juízes 6:1-6), o que não torna esta situação mais tolerável.

Quando Saul procura juntar seu exército, ele convoca o povo para se reunir em Gilgal, segundo as instruções que Samuel lhe dera quando disse que ele seria rei de Israel.

“Tu, porém, descerás adiante de mim a Gilgal, e eis que eu descerei a ti, para sacrificar holocausto e para apresentar ofertas pacíficas; sete dias esperarás, até que eu venha ter contigo e te declare o que hás de fazer.” (I Sam. 10:8)

As instruções de Samuel são muito específicas: Saul deve ir a Gilgal e esperar que ele chegue. Até lá serão 7 dias. Samuel oferecerá o holocausto e as ofertas pacíficas. Aí, então, dirá a Saul o que ele deve fazer.

Durante este período de espera, Saul, em agonia, observa seu exército se encolhendo, quando os soldados vão se evaporando de medo. Todos os dias, à medida que a situação fica cada vez mais perigosa, os soldados fogem, procurando se salvar. Alguns procuram se salvar atravessando o rio Jordão (verso 7). Outros, aparentemente, estão dispostos a se juntar aos filisteus (ver 14:21). Aqueles que ficam com Saul estão tremendo de medo.

A Tolice de Saul e a Repreensão de Samuel
(13:8-15)

“Esperou Saul sete dias, segundo o prazo determinado por Samuel; não vindo, porém, Samuel a Gilgal, o povo se foi espalhando dali. Então, disse Saul: Trazei-me aqui o holocausto e ofertas pacíficas. E ofereceu o holocausto. Mal acabara ele de oferecer o holocausto, eis que chega Samuel; Saul lhe saiu ao encontro, para o saudar. Samuel perguntou: Que fizeste? Respondeu Saul: Vendo que o povo se ia espalhando daqui, e que tu não vinhas nos dias aprazados, e que os filisteus já se tinham ajuntado em Micmás, eu disse comigo: Agora, descerão os filisteus contra mim a Gilgal, e ainda não obtive a benevolência do SENHOR; e, forçado pelas circunstâncias, ofereci holocaustos. Então, disse Samuel a Saul: Procedeste nesciamente em não guardar o mandamento que o SENHOR, teu Deus, te ordenou; pois teria, agora, o SENHOR confirmado o teu reino sobre Israel para sempre. Já agora não subsistirá o teu reino. O SENHOR buscou para si um homem que lhe agrada e já lhe ordenou que seja príncipe sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o SENHOR te ordenou. Então, se levantou Samuel e subiu de Gilgal a Gibeá de Benjamim. Logo, Saul contou o povo que se achava com ele, cerca de seiscentos homens.” (I Sam. 13:8-15)

Saul consegue esperar durante seis dias e a maior parte do sétimo. Mas, quando o sétimo dia começa a chegar ao fim, ele está tão atormentado que não sabe o que fazer. Até posso imaginar o que se passa em sua cabeça. “Onde será que está esse homem, e o que será que está fazendo? Ele não sabe que estamos em perigo? Será que não compreende a urgência da situação e a necessidade de agir rapidamente? Vou dar a ele mais 30 minutos, depois vou ter que continuar sem ele.”

Como o povo continuasse a debandar, Saul começa a tratar do assunto pessoalmente. Pelo que parece é o próprio Saul quem oferece o holocausto. Ele dá ordens para que lhe sejam trazidos o holocausto e as ofertas pacíficas. Não há menção de algum sacerdote fazendo parte da cerimônia. Saul parece dar muita importância a esta oferta, e acho que sei porque. Em I Samuel 7, todo o Israel se reúne em Mispa para se arrepender e renovar sua aliança com Deus. Os filisteus interpretam mal este ajuntamento, presumindo que haja algum propósito militar por trás. Eles cercam os israelitas e estão prestes a atacar. Quando o ataque está para começar, Samuel está ocupado oferecendo o holocausto:

“Tomou, pois, Samuel um cordeiro que ainda mamava e o sacrificou em holocausto ao SENHOR; clamou Samuel ao SENHOR por Israel, e o SENHOR lhe respondeu. Enquanto Samuel oferecia o holocausto, os filisteus chegaram à peleja contra Israel; mas trovejou o SENHOR aquele dia com grande estampido sobre os filisteus e os aterrou de tal modo, que foram derrotados diante dos filhos de Israel.” (I Sam. 7:9-10)

Como seria fácil ver esta oferta como um meio de livrar Israel. Da mesma forma que os israelitas viram a Arca da Aliança como uma espécie de arma secreta, talvez agora Saul veja o holocausto como um meio para garantir a ação de Deus em favor de Israel. Se for assim, não é de se estranhar que Saul esteja tão ansioso para fazer com que o sacrifício seja oferecido, com ou sem Samuel.

No exato momento em que Saul termina o sacrifício do holocausto, Samuel chega. Parece claro que, se Saul tivesse esperado só mais alguns minutos, Samuel teria chegado na hora e ainda a tempo de oferecer tanto o holocausto quanto as ofertas pacíficas. Saul sai para cumprimentá-lo e sua saudação revela sua culpa. Não é Saul quem fica ali com as mãos na cintura, censurando Samuel por estar tão atrasado, mas é Samuel quem lhe pergunta o que foi que ele fez. A explicação de Saul não convence. Ele diz a Samuel que o povo estava desertando e que o profeta não veio dentro do prazo combinado. Ele mostra que os filisteus estão se reunindo para a guerra em Micmás e que sua atitude foi necessária para não ser atacado em Gilgal. Embora ele realmente não quisesse fazer o que fez, simplesmente tinha que fazê-lo e, assim, se viu forçado a oferecer o holocausto.

Samuel não fica impressionado, como demonstram suas palavras duras e diretas. A atitude de Saul foi uma tolice - pois desobedeceu deliberadamente ordens claras e diretas de Samuel. Também foi tolice porque teve efeito exatamente oposto ao que ele pensou. Com toda certeza Saul deve ter pensado que esperar por Samuel (e por suas instruções) era uma tolice. Ele estava errado. Sua desobediência lhe custará sua dinastia. Mesmo que seu reinado não acabe imediatamente, seus filhos jamais se sentarão em seu trono. Se ao menos Saul tivesse obedecido a ordem de Deus, seu reinado teria durado para sempre. Agora, seu reinado morrerá com ele. Deus já buscou e escolheu um homem cujo coração se ajusta ao Seu para substituí-lo. Tudo isto é conseqüência direta de sua desobediência.

A partida de Samuel é completamente diferente daquela descrita em I Samuel 15:24-31. Aqui, parece que Saul não fica abalado com as palavras de Samuel e, com certeza, não está arrependido. Se Saul fosse um adolescente de nossos dias, sua resposta à bronca de Samuel seria “Qual é.” Saul se ocupa com a contagem de seu parco e desgrenhado exército, agora composto de cerca de 600 homens, e Samuel se levanta e parte para Gibeá.

Conclusão

Este incidente não é o “começo do fim” para Saul; é o fim. Seu reinado durará alguns anos, mas não sobreviverá à sua morte. Dois anos de reinado e a dinastia de Saul está selada. Ao lermos estes versos, a maioria de nós talvez admita que a atitude de Saul é quase compreensível e que a resposta de Deus parece muito dura. Por que todo este estardalhaço sobre este incidente, esta asneira? Vamos considerar primeiro a gravidade da atitude de Saul e depois algumas implicações e aplicações que nosso texto oferece.

Primeiro, precisamos entender esta passagem à luz daquilo que Deus declarou sobre os reis no livro de Deuteronômio:

“Quando entrares na terra que te dá o SENHOR, teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Estabelecerei sobre mim um rei, como todas as nações que se acham em redor de mim, estabelecerás, com efeito, sobre ti como rei aquele que o SENHOR, teu Deus, escolher; homem estranho, que não seja dentre os teus irmãos, não estabelecerás sobre ti, e sim um dentre eles. Porém este não multiplicará para si cavalos, nem fará voltar o povo ao Egito, para multiplicar cavalos; pois o SENHOR vos disse: Nunca mais voltareis por este caminho. Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie; nem multiplicará muito para si prata ou ouro. Também, quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei num livro, do que está diante dos levitas sacerdotes. E o terá consigo e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o SENHOR, seu Deus, a fim de guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para os cumprir. Isto fará para que o seu coração não se eleve sobre os seus irmãos e não se aparte do mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; de sorte que prolongue os dias no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel.” (Dt. 17:14-20)

Observe especialmente os versos 18 a 20. Quando o rei subir ao trono, deve escrever uma cópia da lei para si mesmo - deve fazer isto na presença dos levitas sacerdotes. Parece que isto implica numa “divisão de poderes” muito clara. O rei tem grande autoridade mas, com relação à lei, ele não apenas está sujeito a ela, como também deve ouvir os levitas sacerdotes quanto ao seu significado. Os livros da lei do Velho Testamento são o manual do rei, e os levitas sacerdotes seus professores ou tutores. Esta lei deve ser seu guia constante, a base de seu governo. Ele deve lê-la e relê-la todos os dias da sua vida. Isto não apenas dá ao rei sabedoria para governar e princípios para seu reino (a constituição do reino), mas também resguarda o rei de se ensoberbecer e se elevar acima de seus irmãos (verso 20). Esta leitura constante da lei prolongará os dias do rei, dele e de seus descendentes (verso 20).

Será que isto não explica a gravidade da resposta de Deus à desobediência de Saul? Saul não deu atenção a estas instruções registradas em Deuteronômio e, muito provavelmente, reiteradas e esclarecidas por Samuel:

“Então, disse Samuel a todo o povo: Vedes a quem o SENHOR escolheu? Pois em todo o povo não há nenhum semelhante a ele. Então, todo o povo rompeu em gritos, exclamando: Viva o rei! Declarou Samuel ao povo o direito do reino, escreveu-o num livro e o pôs perante o SENHOR. Então, despediu Samuel todo o povo, cada um para sua casa.” (I Sam. 10:24-25)

Além destas instruções gerais para Saul como rei de Israel, há ainda as instruções específicas (“a ordem”) de I Samuel 10:8. Saul não tem nenhuma desculpa; seu sacrifício é um ato deliberado de desobediência, pelo qual ele perde seu reinado.

Vamos passar de Saul e sua desobediência às lições que este texto tem para cada um de nós hoje. Resumiremos as lições importantes na forma de princípios:

(1) Como Saul, quando não temos noção da nossa vocação, somos conduzidos pelos problemas. O povo quer um rei para governá-los e, em última instância, isto significa que querem um rei para libertá-los do cativeiro das nações ao seu redor. Samuel faz esforços consideráveis para transmitir a Saul o que Deus lhe designou para fazer, mas não parece ir muito longe antes do sentido de vocação de Saul ficar confuso. Em nosso texto parece faltar a Saul um profundo senso daquilo a que foi chamado a fazer, ou falta o compromisso para fazê-lo - ou talvez ambos. Quando considero os escritos do apóstolo Paulo, vejo um homem com um profundo senso de sua vocação e um grande compromisso para realizá-la (ver Rm. 1:1, I Co. 1:1, Gl. 1:15, II Tm. 4:7-8). Paulo também fala bastante a respeito de nosso chamado, e nos desafia a viver de acordo com ele - tanto com relação ao chamado comum (a que todo cristão é chamado - ver Rm. 1:6-7, 8:28/30, I Co. 1:2/9, Gl. 5:13, Ef. 4:1, I Ts. 4:7, II Ts. 1:11), quanto com relação ao chamado individual (I Co. 7:17). Saul parece não ter muita noção daquilo para o que Deus o chamou. Grande parte de suas escorregadelas vistas nos capítulos de I Samuel parece ser conseqüência de seu fracasso em compreender exatamente aquilo a que foi chamado a fazer.

Todos os cristãos foram “chamados”, e cada um de nós tem um “chamado” específico. Não estou falando de um ”chamado” especial para um “ministério em tempo integral” ou para “o trabalho missionário”. Estou falando de chamado no sentido individual, de acordo com o qual o cristão tem uma noção geral do porque Deus o(a) salvou, e uma noção mais específica de seu trabalho e contribuição no corpo de Cristo. Há cristãos demais que parecem ter perdido a noção de sua vocação e, como Saul, parecem estar se “escondendo na bagagem” da igreja e seu ministério, em vez de fazer sua parte.

2) As ordenanças de Deus servem como testes para nossa fé e obediência. Saul recebeu instruções específicas para ir a Gilgal e esperar por Samuel. Este é o seu teste de fé e obediência. As ordenanças da Bíblia são dadas por boas razões. Uma delas é que são testes específicos para nossa fé. Ouço muitos cristãos reagindo a qualquer tipo de ênfase nas ordens divinas e na nossa necessidade de obediência. “Isso é legalismo”, ouço alguns dizerem. Algumas pessoas podem obedecer a Deus de modo legalista, e esse é o problema. Mas, longe dos crentes julgarem as ordens de Deus tão levianamente. Jesus instruiu Seus discípulos a “ensiná-los a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt. 28:20). Quantas ordens de Cristo você leva à sério hoje?

3) Os privilégios cristãos também são um teste para nossa fé e amor a Deus. No capítulo 10, verso 7, Samuel instrui Saul:

“Quando estes sinais te sucederem, faze o que a ocasião te pedir, porque Deus é contigo.” (I Sam. 10:7)

O que, então, impede Saul de enfrentar os filisteus que ocupam Israel e oprimem o povo de Deus? Por que ele não faz o que obviamente precisa ser feito, confiando que, ao fazê-lo, Deus estará com ele? Não só a maioria de nós não consegue obedecer às ordens de Deus, também não conseguimos exercer nossos direitos como deveríamos. Direitos, como a lei, são testes onde muitas vezes somos reprovamos.

4) As emergências não são desculpas para desobedecer às ordens de Deus, mas um teste para nossa fé e obediência. Deus muitas vezes nos testa levando-nos ao limite. É desse jeito que testamos os produtos que fabricamos. A Ford não testa seus carros andando vagarosamente em volta de obstáculos. Eles são colocados na pista de teste, que golpeia a suspensão ininterruptamente e gira e pressiona o motor com superaquecimento, frio intenso, e longas distâncias. Deus também nos testa levando-nos ao limite, levando-nos ao ponto de exaustão.

Quando chegamos ao “limite”, nossa fé em Deus se torna evidente. Quando chegamos ao fim de nossas forças, aí precisamos confiar em Deus. Deus leva Saul “ao limite” retardando a chegada de Samuel até o último minuto, mas Saul não consegue esperar. Ele está convencido de que sua situação é uma “emergência” e, como tal, as regras podem ser descartadas. Nessas horas - quando somos pressionados até o limite - nossa fé e obediência são testadas para ver se guardamos ou não as leis de Deus, se obedecemos ou não a Ele.

O livro de Provérbios fala duas vezes sobre o “leão no caminho” (ver Pv. 22:13, 26:13). Esta é razão que faz o preguiçoso evitar a tarefa que ele realmente não quer fazer. Afinal, quem sairia para cortar a grama se realmente houvesse um leão lá fora? Situações emergenciais, onde o desastre parece iminente e quebrar as regras parece ser a solução, podem ser nada mais do que leões no caminho. Pode ser que estejamos dispostos a fazer exceções às ordens de Deus, mas Deus não. Vamos ter cuidado em não permitir que a crise vire desculpa para nossa desobediência.

Duvido que a desobediência de Saul ao fazer o sacrifício do holocausto seja um acontecimento isolado. Antes, é mais provável que seja o clímax, o ápice, de uma longa história de desobediência. Como demonstramos anteriormente, Saul sabe que seu dever como rei de Israel é lutar contra os filisteus e com as nações circunvizinhas que oprimem o povo de Deus. Dia após dia, mês após mês, Saul parece fechar os olhos ao sofrimento de seu povo e à presença dos filisteus em Israel. A desobediência de Saul com relação aos sacrifícios em Gilgal não é um pecado fortuito - um completo imprevisto. É a conseqüência lógica, quase inevitável de uma vida de desobediência. Esta crise apenas mostra Saul como ele é (ou como não é). Conosco é da mesma forma.

Não posso deixar de notar que não há nenhuma evidência de espiritualidade em Saul antes dele se tornar rei, nem depois. No entanto, Davi é um jovem que aprendeu a confiar em Deus quando ainda jovem pastor, a sós com seu rebanho. Davi aprendeu a confiar em Deus e a adorá-Lo. Ele andava com Deus antes de se tornar rei, e continua andando depois. Saul não tem nenhuma disciplina religiosa em sua vida, e demonstra isto, especialmente em Gilgal, quando se depara com os testes da fé.

5) O julgamento de Deus pode ser pronunciado bem antes de suas conseqüências serem visíveis. Deus pode pronunciar um julgamento muito tempo antes de concretizá-lo. Deus rejeitou Saul como rei. Isto é, o reinado de Saul não continuará (ver 13:14). Depois que isto é dito, Saul ainda reina por muitos anos antes de sua morte. Podemos ter certeza de que o julgamento de Deus é certo, mesmo que seja em alguma época por vir. É assim com Saul e é assim com a ira vindoura de Deus. A condenação de Satanás já havia sido pronunciada e, no entanto, ainda o veremos se opondo ao nosso Senhor e à Sua igreja. Apesar disso, o julgamento de Deus é certo, mesmo que não seja imediato.

6) Deus trabalha por meio de pessoas imperfeitas e que não são ideais. Não me canso de ficar maravilhado diante do tipo de pessoas que Deus usa para realizar Seus propósitos e cumprir Suas promessas. Saul é uma dessas pessoas. A despeito de todas as suas fraquezas e pecados, Deus usa Saul para libertar Israel do cativeiro das nações circunvizinhas (ver 14:47-48). Ao longo da história, Deus escolhe usar as coisas “fracas e tolas” deste mundo, confundindo os sábios e trazendo glória a Si mesmo. Se Deus pode usar um homem como Saul, podemos ter certeza de que Ele pode nos usar também. Como deveríamos ser agradecidos por Deus não se limitar a usar somente pessoas perfeitas. Isto não desculpa nossas imperfeições ou nossos pecados, mas nos dá esperança de que Deus pode e usa pessoas fracas e pecaminosas para realizar Seus propósitos.

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