MENU

Where the world comes to study the Bible

22. Querida Abi (I Samuel 25:1-44)

Introdução

Às vezes, não como muita freqüência, sinto ter feito alguma coisa certa. O pior é que parece que, logo em seguida, faço algo estúpido e pecaminoso. Meu único consolo (não desculpa, veja bem) é que muita gente me faz companhia nesse estado de espírito. A primeira pessoa em que penso é Pedro (quem não pensa?), o primeiro discípulo a dar a resposta certa à pergunta de nosso Senhor “quem dizeis que eu sou?” (Mateus 16:13-20). Nosso Senhor o elogiou por isto, e no entanto, momentos depois, Ele o repreendeu com estas palavras “Arreda, Satanás” (verso 23), por Pedro tentar convencê-lO a não morrer na cruz do Calvário. Mais tarde, Pedro garante ao Senhor que, mesmo que todos os outros apóstolos O neguem, ele Lhe será fiel (Lucas 22:3134). Apenas alguns versos e poucas horas depois Pedro nega o Senhor, não uma, mas três vezes (Lucas 22:54-62).

No Velho Testamento, vemos a mesma inconstância de fé e obediência, mesmo num homem tão querido (hoje) como Davi. O capítulo 24 de I Samuel certamente é um dos mais marcantes em relação à sua fé. O rei Saul decide parar numa caverna para utilizá-la como banheiro e, inconscientemente, coloca sua vida nas mãos de Davi e de seus homens, escondidos no interior da caverna. Davi se recusa a levantar a mão contra o rei e proíbe seus homens de fazer mal a ele. Ele mesmo lamenta sua atitude de cortar um pedaço do manto de Saul. Finalmente, ele se coloca em grande risco ao se revelar ao rei para lhe mostrar que é um servo fiel, e não um criminoso à espera do momento certo para tirar sua vida.

Um capítulo depois, Davi perde a cabeça por ser insultado por um tolo. Davi está disposto a matar não apenas este ricaço doido, mas também a todos os homens de sua casa. Uma sábia mulher, por sua conta e risco, é quem age de forma a poupar a vida de seu marido e impedir Davi de agir como louco. Creio que o autor de I Samuel quer que vejamos Abigail, a esposa de Nabal, não apenas como uma mulher sábia e bonita, mas como um exemplo de submissão cristã. Uma vez que sua submissão tem uma forma incomum, precisamos prestar bastante atenção ao texto que vamos estudar.

Davi Sofre uma Grande Perda
(25:1)

“Faleceu Samuel; todos os filhos de Israel se ajuntaram, e o prantearam, e o sepultaram na sua casa, em Ramá. Davi se levantou e desceu ao deserto de Parã.”

Samuel foi um dos principais personagens do I livro de Samuel, que tem esse nome por sua causa. Foi ele quem designou e ungiu Saul como o primeiro rei de Israel (capítulos 9 e 10). Foi ele também o profeta que comunicou a Saul que seu reinado seria retirado dele (capítulos 13 e 15). Samuel foi o profeta que ungiu Davi como substituto de Saul (capítulo 16). Samuel foi um homem para quem Davi poderia fugir quando estivesse sendo perseguido por Saul (19:18-24). E agora, Samuel está morto. Que grande perda para Davi. Samuel está morto, ele se encontrou com seu querido amigo Jônatas pela última vez (capítulo 23), e sua esposa, Mical, que também é filha de Saul, foi dada por esposa a outro homem (25:44). Além de tudo isto, os pais de Davi estão sob os cuidados do rei de Moabe (22:3). É verdade que Davi tem 600 homens com ele, mas nenhum deles parece partilhar de suas convicções a respeito de sua submissão ao rei Saul. Como Davi deve estar solitário.

Davi, junto com muitos outros israelitas, vai à casa de Samuel em Ramá, onde pranteia por este grande homem de Deus. Terminado o tempo de luto, Davi uma vez mais se refugia no deserto de Parã. Este é o deserto onde Agar e seu filho Ismael viveram depois que foram mandados embora por Abraão e Sara (Gênesis 21:21). Também é o lugar onde os israelitas acamparam depois de deixar o Monte Sinai, e de onde os doze espias foram enviados para espiar a terra de Canaã (Números 10:12; 13:13). Agora, é o lugar do refúgio de Davi.

Tempo de Tosquia é Tempo de Dividir
(25:2-8)

Havia um homem, em Maom, que tinha as suas possessões no Carmelo; homem abastado, tinha três mil ovelhas e mil cabras e estava tosquiando as suas ovelhas no Carmelo. Nabal era o nome deste homem, e Abigail, o de sua mulher; esta era sensata e formosa, porém o homem era duro e maligno em todo o seu trato. Era ele da casa de Calebe. Ouvindo Davi, no deserto, que Nabal tosquiava as suas ovelhas, enviou dez moços e lhes disse: Subi ao Carmelo, ide a Nabal, perguntai-lhe, em meu nome, como está. Direis àquele próspero: Paz seja contigo, e tenha paz a tua casa, e tudo o que possuis tenha paz! Tenho ouvido que tens tosquiadores. Os teus pastores estiveram conosco; nenhum agravo lhes fizemos, e de nenhuma coisa sentiram falta todos os dias que estiveram no Carmelo. Pergunta aos teus moços, e eles to dirão; achem mercê, pois, os meus moços na tua presença, porque viemos em boa hora; dá, pois, a teus servos e a Davi, teu filho, qualquer coisa que tiveres à mão.

Aqui somos apresentados a dois personagens muito importantes de nossa história, um homem chamado Nabal, e sua esposa, Abigail. Nabal é um homem muito abastado (pelos padrões de antigamente). Sua casa fica em Maon, e seu gado é mantido no monte Carmelo, a algumas milhas dali. É aqui, próximo ao Carmelo, que Davi e seus homens se escondem durante algum tempo. O nome Nabal significa tolo, e é o que ele é. Está escrito que ele é rude e maligno em seu trato (verso 3). Sua esposa é um contraste animador. Abigail é uma bela mistura de boa aparência e boa cabeça.

Davi fica sabendo que Nabal está tosquiando suas ovelhas. Quando a tosquia é feita, há um período de comemoração para todos os trabalhadores, e para qualquer um nas proximidades que não seja tão afortunado. Foi nesta época que Judá subiu a Timna e ali engravidou sua nora, Tamar (Gênesis 38:12-16). Foi durante esta comemoração que Absalão persuadiu Davi a deixar seus filhos virem à sua casa, possibilitando que ele se vingasse de Amnom e o matasse (II Samuel 13:23-29). Sabemos que em tais ocasiões a lei de Moisés instruía os israelitas a serem generosos com aqueles que não fossem tão afortunados (ver Dt. 14:28-29; 26:10-13; Nm. 8:10-12). Assim sendo, Davi pedir um presente a Nabal, não é nenhum pouco incomum. E, uma vez que os homens de Davi contribuíram para o bem-estar e prosperidade de Nabal, o pedido é ainda mais razoável.

Davi envia dez de seus rapazes a Nabal, os quais o cumprimentam em seu nome e pronunciam uma bênção sobre ele e sua casa. Eles chamam a atenção de Nabal para o fato de ser época de tosquia, lembrando-lhe que a presença deles não lhe foi prejudicial, mas que lhe prestaram um grande serviço. Os homens de Davi não fizeram nenhum mal aos servos de Nabal. Pelo contrário, Davi e seus homens protegeram o rebanho de Nabal e seus pastores. Nabal é encorajado a perguntar a seus servos e verificar a veracidade destas palavras. E assim é que, com muita educação, eles solicitam uma oferta a Nabal, esperando paciente e ansiosamente por sua resposta.

Nabal paga o bem com o mal
(25:9-13)

“Chegando, pois, os moços de Davi e tendo falado a Nabal todas essas palavras em nome de Davi, aguardaram. Respondeu Nabal aos moços de Davi e disse: Quem é Davi, e quem é o filho de Jessé? Muitos são, hoje em dia, os servos que fogem ao seu senhor. Tomaria eu, pois, o meu pão, e a minha água, e a carne das minhas reses que degolei para os meus tosquiadores e o daria a homens que eu não sei donde vêm? Então, os moços de Davi puseram-se a caminho, voltaram e, tendo chegado, lhe contaram tudo, segundo todas estas palavras. Pelo que disse Davi aos seus homens: Cada um cinja a sua espada. E cada um cingiu a sua espada, e também Davi, a sua; subiram após Davi uns quatrocentos homens, e duzentos ficaram com a bagagem.”

Lá estão os dez homens de Davi diante de Nabal aguardando sua resposta, ou melhor, sua oferta. Nabal tem várias opções: 1) Ele pode mandá-los de volta com uma palavra de agradecimento e uma oferta generosa; 2) Pode mandá-los de volta com uma oferta não tão generosa, simplesmente para cumprir sua obrigação; 3) Pode mandá-los de volta com uma desculpa (ou uma palavra de agradecimento), mas sem nenhuma oferta; 4) E pode mandá-los de volta sem nenhuma oferta, insultando-os junto com a recusa. Para seu total prejuízo, Nabal escolhe a última opção.

À primeira vista, pelas palavras de Nabal, parece que ele nem mesmo sabe quem seja Davi. Se isso fosse verdade, Nabal estaria simplesmente se recusando a dar uma oferta a um estranho. Mas ele sabe quem é Davi. Ele nos diz, com suas próprias palavras, que Davi é “o filho de Jessé”. Ele sabe que Davi é descendente de Judá, tal como ele. Nabal é “da casa de Calebe” (verso 3), e sabemos que Calebe foi o representante da tribo de Judá enviado à Canaã para espiar a terra (Números 13:6). Em outras palavras, Davi é um parente distante de Nabal; contudo, ele se mostra indiferente ao pedido de Davi nesta época de comemoração.

Entretanto, Nabal sabe bem mais do que isso. Ele não só sabe que Davi é um “filho de Jessé”, mas também está totalmente ciente da tensão existente entre ele e Saul. Nabal fala de Davi como um ”servo de Saul”, que está “fugindo de seu senhor”. Abigail, a mulher de Nabal, sabe que Davi é aquele que foi designado para reinar em lugar de Saul (versos 30-31). Nabal fala de Davi apenas como um servo que foge de seu senhor, como se ele fosse simplesmente um escravo fugitivo. Não acho que Nabal recuse o pedido de Davi por temer uma represália de Saul, sabendo o que aconteceu a Abimeleque, e aos sacerdotes, quando este deu a Davi do pão sagrado, junto com a espada de Golias. Sua mensagem a Davi não é por medo de represália, mas por puro egoísmo e maldade. Ele não dividirá com Davi e seus homens qualquer coisa que seja sua (repare na repetição do pronome “meu” no verso 11).

As últimas palavras da recusa de Nabal são dignas de nota. Ele diz aos mensageiros de Davi: “Tomaria eu, pois, o meu pão, e a minha água, e a carne das minhas reses que degolei para os meus tosquiadores e o daria a homens que eu não sei donde vêm?” (verso 11, ênfase minha). Se compreendo bem suas palavras, aqui ele revela todo seu orgulho e arrogância. Nabal é da “casa de Calebe”. Ele vem de uma família proeminente. Por outro lado, Davi e seus homens parecem vir de alguma raiz obscura e desconhecida. Por que um homem da posição de Nabal deveria dar qualquer coisa a essa gentalha? A grande ironia é que Davi e Nabal vêm da mesma raiz, Judá. E se Nabal pensa que pode se gabar por Calebe fazer parte de sua árvore genealógica, ele deveria se tocar e perceber que ele não é nada parecido com seu antepassado, Calebe, mas Davi é exatamente esse mesmo tipo de herói.

Os homens de Davi voltam de mãos vazias. Eles repetem as palavras de Nabal e Davi “perde completamente a paciência”. “Cinjam suas espadas!” ele ordena, enquanto agarra sua espada e parte para fazer Nabal pagar de um jeito bem diferente: com a sua vida e a de todos os homens de sua casa. Em termos atuais, Davi “perde a cabeça”. Nos versos 21 e 22, Davi ainda está fumegando e, quando suas palavras são reveladas, entendemos o por quê:

Ora, Davi dissera: Com efeito, de nada me serviu ter guardado tudo quanto este possui no deserto, e de nada sentiu falta de tudo quanto lhe pertence; ele me pagou mal por bem. Faça Deus o que lhe aprouver aos inimigos de Davi, se eu deixar, ao amanhecer, um só do sexo masculino dentre os seus.

Davi fica furioso porque aquilo que fez não trouxe o resultado esperado. Ele não está pensando na questão “a longo prazo”. De seu ponto de vista, ele tratou Nabal de modo amigável, e agora é a vez de Nabal tratá-lo da mesma maneira. Mas, em vez de abençoar Davi e seus homens, ele os insulta e manda embora com as mãos abanando. Davi conclui que todas as coisas boas que fez foram à toa. E se Nabal devolve o bem com o mal, Davi agora tem uma justificativa para devolver o mal com o mal.

Seria bom que fizéssemos uma pausa para refletir sobre a atitude e as ações de Davi. Deixe-me resumir seu raciocínio.

Davi faz coisas boas para Nabal e sua família.

Davi espera que Nabal responda com bondade e, em vez disso, recebe apenas um insulto.

Davi agora se sente justificado em sua intenção de matar Nabal e os homens de sua família.

Quase todos nós raciocinamos da mesma forma que Davi. No entanto, preciso lhe dizer que ele está errado, absolutamente errado. Ele não tem razão em esperar que o bem que fazemos seja retribuído da mesma forma. Ele fez o bem para Saul; ele o serviu fielmente e se recusou a tirar sua vida quando teve oportunidade para isso. Mas Saul retribuiu com o mal ao invés de com o bem, o que confessou a Davi:

Pois o SENHOR me havia posto em tuas mãos, e tu me não mataste. Porque quem há que, encontrando o inimigo, o deixa ir por bom caminho? O SENHOR, pois, te pague com bem, pelo que, hoje, me fizeste. (I Sam. 24:17b-18).

Por alguma razão, Davi está disposto a relevar o tratamento que lhe é dispensado por Saul, mas não os insultos de Nabal. Por quê? Acho que talvez tenhamos uma pista. Primeiro, Saul é o superior de Davi, em questão de autoridade. Davi é seu servo. Ele está disposto a aceitar um tratamento injusto de seu superior. Segundo, o reino foi prometido a Davi, já que Saul está fora do páreo. Davi pode lidar com os maus tratos de Saul porque sabe que em pouco tempo ocupará seu trono.

Nabal não é seu superior e Davi não gosta nenhum pouquinho do tratamento recebido dele. Além do mais, quando sai para matar Nabal e os homens de sua família, Davi não está pensando ou agindo como um homem de fé. Ele espera um “retorno” imediato de seu “investimento” em Nabal. Ele espera que a retribuição venha já. Portanto, ele não procura uma recompensa celestial.

Quantos de nós não ministram aos outros com uma fita métrica nas mãos? Estamos dispostos a amar e a servir aos outros com sacrifício, mas com algumas expectativas. Esperamos que o amor e o sacrifício sejam retribuídos. Quando, em retribuição pelas coisas boas que fazemos, nosso próximo nos paga com o mal, ficamos loucos da vida e procuramos um jeito de nos vingar, da mesma forma que Davi. A gente se esquece que, como Cristo, nossas palavras e ações podem trazer perseguição e sofrimento, em vez de aprovação e gratidão. Nossa recompensa no céu será grande, mas talvez não haja tais recompensas na terra. Sejamos diligentes em fazer boas obras para o Senhor, esperando Nele a nossa recompensa, e não naqueles que são alvo de nosso sacrifício. Davi talvez tenha descoberto que o problema em agir como servo é que as pessoas começam a tratá-lo como tal. Uma coisa é servir para ser promovido; outra, totalmente diferente, é servir para ser rebaixado.

O Apelo Secreto a Abigail
(25:14-17)

Nesse meio tempo, um dentre os moços de Nabal o anunciou a Abigail, mulher deste, dizendo: Davi enviou do deserto mensageiros a saudar a nosso senhor; porém este disparatou com eles. Aqueles homens, porém, nos têm sido muito bons, e nunca fomos agravados por eles e de nenhuma coisa sentimos falta em todos os dias de nosso trato com eles, quando estávamos no campo. De muro em redor nos serviram, tanto de dia como de noite, todos os dias que estivemos com eles apascentando as ovelhas. Agora, pois, considera e vê o que hás de fazer, porque já o mal está, de fato, determinado contra o nosso senhor e contra toda a sua casa; e ele é filho de Belial, e não há quem lhe possa falar.

Um dos rapazes que servem a Nabal observa o encontro entre seus servos e os servos de Davi. Ele sabe o quanto Davi e seus homens beneficiaram seu senhor e o quanto a resposta de Nabal será ofensiva a Davi. De alguma forma ele sabe que Davi está vindo e que, se algo dramático não for feito imediatamente, todos terão muitos problemas. Ele também sabe que Nabal é louco, alguém com quem não se pode argumentar. Assim, o servo não fala com Nabal, mas rapidamente coloca Abigail a par da situação e da necessidade de uma ação imediata. Parece que este servo tem grande respeito por Abigail e seu discernimento, e é por isso que ele a procura. Ele não sugere a Abigail o que fazer, simplesmente lhe conta os fatos e a incentiva a agir com sua reconhecida sabedoria.

Abigail Age Enquanto Davi Reage
(25:18-22)

Então, Abigail tomou, a toda pressa, duzentos pães, dois odres de vinho, cinco ovelhas preparadas, cinco medidas de trigo tostado, cem cachos de passas e duzentas pastas de figos, e os pôs sobre jumentos, e disse aos seus moços: Ide adiante de mim, pois vos seguirei de perto. Porém nada disse ela a seu marido Nabal. Enquanto ela, cavalgando um jumento, descia, encoberta pelo monte, Davi e seus homens também desciam, e ela se encontrou com eles. Ora, Davi dissera: Com efeito, de nada me serviu ter guardado tudo quanto este possui no deserto, e de nada sentiu falta de tudo quanto lhe pertence; ele me pagou mal por bem. Faça Deus o que lhe aprouver aos inimigos de Davi, se eu deixar, ao amanhecer, um só do sexo masculino dentre os seus.

Precisamos observar que Abigail não pergunta ou informa a Nabal sobre o que está fazendo. Ela não pergunta porque sabe qual será sua resposta. E não o informa porque, sem dúvida, ele ordenará a seus servos que não sigam suas instruções. Logo veremos que a atitude de Abigail é um exemplo de verdadeira submissão, mesmo que aparentemente não seja.

Agindo rapidamente, Abigail reúne porções generosas de alimento, que envia adiante dela por seus servos. Rapidez é essencial. Davi está a caminho, e está determinado a matar todos os homens que encontrar na casa de Nabal, incluindo o próprio Nabal. Parece que os suprimentos alcançam Davi e seus homens antes de Abigal, embora isto não esteja explícito. Só está escrito que ela envia os suprimentos adiante de si, para não retardar sua entrega a Davi.

Não posso deixar de imaginar onde Abigail conseguiu todos esses suprimentos com tanta rapidez. Acho que sei e, se estiver certo, realmente é uma situação muito engraçada. Sabemos que Abigail envia a Davi 200 pães, 2 odres de vinho, 5 ovelhas já preparadas, além de uma generosa porção de trigo, uvas passas e figos. Também sabemos que, enquanto Abigail está indo, Nabal está dando uma festa em sua casa, uma festa digna de um rei (verso 36). Creio que os suprimentos que ela envia a Davi venham dos suprimentos que Nabal planeja consumir em sua festa. Você pode imaginar a cara dele quando entra na despensa e descobre que uma boa parte de seu banquete desapareceu? Mesmo assim, é evidente que nada vai faltar.

Tendo enviado os alimentos à sua frente, Abigail avança montanha abaixo, fora da vista de Davi e seus homens. Da mesma forma, Davi vem de um ponto mais alto, só que ainda está remoendo os insultos de Nabal e ensaiando o que fará quando puser as mãos naquele déspota ingrato. Sem que qualquer dos dois grupos perceba, Davi e Abigail se encontram e, de repente, estão face a face.

Sábias Palavras Esfriam uma Cabeça Quente
(25:23-31)

Vendo, pois, Abigail a Davi, apressou-se, desceu do jumento e prostrou-se sobre o rosto diante de Davi, inclinando-se até à terra. Lançou-se-lhe aos pés e disse: Ah! Senhor meu, caia a culpa sobre mim; permite falar a tua serva contigo e ouve as palavras da tua serva. Não se importe o meu senhor com este homem de Belial, a saber, com Nabal; porque o que significa o seu nome ele é. Nabal é o seu nome, e a loucura está com ele; eu, porém, tua serva, não vi os moços de meu senhor, que enviaste. Agora, pois, meu senhor, tão certo como vive o SENHOR e a tua alma, foste pelo SENHOR impedido de derramar sangue e de vingar-te por tuas próprias mãos. Como Nabal, sejam os teus inimigos e os que procuram fazer mal ao meu senhor. Este é o presente que trouxe a tua serva a meu senhor; seja ele dado aos moços que seguem ao meu senhor. Perdoa a transgressão da tua serva; pois, de fato, o SENHOR te fará casa firme, porque pelejas as batalhas do SENHOR, e não se ache mal em ti por todos os teus dias. Se algum homem se levantar para te perseguir e buscar a tua vida, então, a tua vida será atada no feixe dos que vivem com o SENHOR, teu Deus; porém a vida de teus inimigos, este a arrojará como se a atirasse da cavidade de uma funda. E há de ser que, usando o SENHOR contigo segundo todo o bem que tem dito a teu respeito e te houver estabelecido príncipe sobre Israel, então, meu senhor, não te será por tropeço, nem por pesar ao coração o sangue que, sem causa, vieres a derramar e o te haveres vingado com as tuas próprias mãos; quando o SENHOR te houver feito o bem, lembrar-te-ás da tua serva.

Repentinamente os caminhos de Abigail e Davi se cruzam, e Abigail imediatamente desmonta, prostrando-se sobre seu rosto diante de Davi (exatamente como Davi fez com Saul no capítulo passado). Tudo o que Abigail faz e diz demonstra sua submissão. Por seis vezes neste parágrafo ela fala de si mesma como serva de Davi, e por catorze vezes se dirige a ele como “meu senhor” (seis e oito vezes em Português - ARA). Ela começa suplicando que ele lance toda a culpa sobre ela, somente sobre ela. Davi não planeja se vingar, matando Nabal e todos os homens de sua família? Abigail suplica que Davi desconte sua raiva nela, se ele quiser. Assim, não só ela tenta salvar a vida de seu marido, como também a de todos os homens de sua família.

Além de se oferecer como bode expiatório para a ira de Davi, Abigail insiste em que ele escute o que ela tem a lhe dizer. Nesse sentido, Davi é bem diferente de Nabal, que não escuta ninguém (verso 17). Para o seu próprio benefício, Davi escuta. Ela começa suplicando que ele não leve a sério seu marido. Ela diz que não fez parte da decisão de Nabal de insultar Davi e despachar seus servos de mãos vazias. As jumentas que estão por ali, carregadas com os suprimentos, certamente dão credibilidade à sua afirmação. Ela diz a Davi que o caráter de seu marido é tal qual seu nome, que quer dizer “louco”.

Como é que esta mulher pode chamar seu marido de “louco” e ser tão considerada, como é óbvio em nosso texto? A resposta não é tão difícil. Seu marido é louco. Sem discussão. Seu servo sabe disso (verso 17) e todos os que o conhecem. Mas, em nosso texto, há uma boa razão para Abigail chamá-lo de louco. Talvez seja o que o mantenha vivo. Lembra-se de quando Davi procurou refúgio em Gate, a cidade de Golias? Quando percebeu que sua vida estava em perigo, Davi fingiu ser um lunático. Sem dúvida o rei o teria matado, se pensasse que ele era são. Mas, quando ficou convencido de que Davi estava doido, ele não o matou, somente o expulsou da cidade. Não há honra, nem status em matar gente louca. Fingir-se de louco salvou a vida de Davi. Chamar Nabal de louco pode ter salvo sua vida.

Se Abigail conseguiu convencer Davi de que matar Nabal não valerá o esforço, agora ela insiste em lhe mostrar o quanto a vingança lhe será prejudicial. Ela inicia mostrando a Davi que o Senhor o impediu de derramar sangue e de se vingar com suas próprias mãos (verso 26). Será que ela se refere a este exato momento ou está falando da maneira como Deus o impediu de se vingar de Saul, um capítulo antes? Não tenho certeza. Mas, com estas palavras ela indica que a mão de Deus está em todas as coisas, que Deus está impedindo Davi de derramar sangue inocente e de se vingar. Ela tem certeza de que, se Davi deixar a vingança para Deus, Ele lidará com Nabal da maneira apropriada, assim como com todos os outros que intentarem o mal contra Davi.

Abigail suplica que Davi aceite seu presente e o divida com seus homens. Ela implora que ele perdoe sua transgressão contra ele, como se toda a culpa fosse dela. A seguir, ela tem seu melhor momento. Seu marido, Nabal, despreza Davi como se ele fosse um joão-ninguém, um simples arruaceiro? Pois ela, não. Abigail lhe assegura que ele se tornará o rei de Israel e que seu reino permanecerá. Davi luta as batalhas do Senhor, diz ela, e por isso, nele não será achado mal em todos os seus dias. Se alguém se levantar contra ele para lhe tirar a vida, ele deve saber que sua vida é preciosa para Deus. Por outro lado, a vida de seus inimigos não tem valor. Deus as arrojará como se as atirasse da cavidade de uma funda.

Para Abigail não há dúvida de que Davi será o próximo rei de Israel. A promessa de Deus a ele a esse respeito será cumprida, e Deus o estabelecerá no governo de Israel (verso 30). Que trágico seria para Davi ter uma nuvem negra sobre seu reinado, uma nuvem produzida por uma atitude intempestiva em busca vigança e derramamento de sangue inocente. A Lei de Moisés no Velho Testamento estabelece um princípio de justiça: olho por olho, dente por dente (ver Êxodo 21:24; Levítico 24:20; Deuteronômio 19:22; ver também Mateus 5:38). Nabal insultou Davi. Esse crime é seu. Pelo que é dito, os homens de sua família não fizeram nada de errado para Davi ou seus homens. Matar Nabal e os homens de sua família por ele ser egoísta e ofensivo é derramar sangue inocente, pois o castigo é pior do que o delito.

Abigail assegura a Davi que Deus fará o bem que disse a seu respeito. Se os planos de Deus são para o bem, por que Davi tem tanta intenção em fazer o mal? Sua atitude e seu comportamento não estão de acordo com a vontade e as palavras de Deus. Davi é um homem segundo o coração de Deus, por isso, ele verdadeiramente se arrependerá de todas as coisas que intenciona fazer neste momento. Ele lamentará e sentirá o coração pesado por aquilo que está prestes a fazer. Da mesma forma que sua consciência o acusou quando ele estava na caverna no capítulo 24, ela o acusará novamente. Por que não acabar logo com isso, deixando de lado essa raiva descabida?

Alguns poderiam se perguntar se Abigail ouviu algum comentário sobre o encontro de Davi com Saul naquela caverna, que fica nas proximidades, conforme descrito no capítulo anterior. Se ela ouviu, ela se utiliza daquilo que sabe. Se não, Deus colocou em sua boca as palavras que fazem Davi pensar naquele incidente. Abigail simplesmente incentiva Davi a agir de acordo com seus próprios padrões, com seus princípios, como ele os expressou no capítulo 24. Abigail o encoraja a lidar com Nabal da mesma forma que lidou com Saul. Deixando a vingança para Deus, sem derramar sangue inocente.

Quando Davi se recordar deste incidente e reconhecer que Abigail lidou com ele com sabedoria, ele se lembrará dela. Não creio que ela perceba as implicações do que está dizendo, ou de como Deus em breve a abençoará, dando cabo de Nabal e tornando-a esposa de Davi. Suas palavras soam como as palavras de José, ditas ao copeiro de Faraó em Gênesis 40:14-15.

Bendita Sabedoria
(25:32-35)

Então, Davi disse a Abigail: Bendito o SENHOR, Deus de Israel, que, hoje, te enviou ao meu encontro. Bendita seja a tua prudência, e bendita sejas tu mesma, que hoje me tolheste de derramar sangue e de que por minha própria mão me vingasse. Porque, tão certo como vive o SENHOR, Deus de Israel, que me impediu de que te fizesse mal, se tu não te apressaras e me não vieras ao encontro, não teria ficado a Nabal, até ao amanhecer, nem um sequer do sexo masculino. Então, Davi recebeu da mão de Abigail o que esta lhe havia trazido e lhe disse: Sobe em paz à tua casa; bem vês que ouvi a tua petição e a ela atendi.

As palavras de Abigail soam verdadeiras a Davi. O que ela lhe diz se enquadra em tudo o que Deus tem ensinado a ele. Ele sabe que ela tem razão, e admite isso elogiando-a na frente de seus homens. Davi reconhece que Abigail, literalmente, é uma dádiva de Deus, e que por meio de sua atitude e de suas palavras, Deus o impediu de fazer a coisa errada vigando-se de Nabal, derramando, assim, sangue inocente. Se ela não tivesse agido rapidamente, Davi teria concretizado seu plano. Ela o salvou de agir com estupidez e culpa e, ao mesmo tempo, poupou a vida de seu marido e de todos os homens de sua família. Atendendo ao seu pedido, Davi aceita seu presente e a manda para casa em paz.

Nabal nas Mãos de Deus
(25:36-38)

“Voltou Abigail a Nabal. Eis que ele fazia em casa um banquete, como banquete de rei; o seu coração estava alegre, e ele, já mui embriagado, pelo que não lhe referiu ela coisa alguma, nem pouco nem muito, até ao amanhecer. Pela manhã, estando Nabal já livre do vinho, sua mulher lhe deu a entender aquelas coisas; e se amorteceu nele o coração, e ficou ele como pedra. Passados uns dez dias, feriu o SENHOR a Nabal, e este morreu.”

Totalmente sem noção da estupidez de sua atitude, e do quanto esteve próximo da morte, Nabal está festejando como um rei em sua casa, quando Abigail regressa. Ele está com o coração alegre, o que, provavelmente, só acontece quando está bêbado, como agora. Sabiamente, Abigail não lhe diz nesse momento o que aconteceu durante o dia. Quando amanhece, Nabal acorda com a cabeça mais desanuviada, e então Abigail o informa de tudo o que aconteceu no dia anterior. A cor some do rosto de Nabal quando ele começa a compreender a magnitude de sua loucura. Ele fica paralisado de medo. Nosso texto diz “e se amorteceu nele o coração, e ficou ele como pedra”. Talvez isto signifique que ele tenha tido um ataque do coração. Dez dias depois, o Senhor o fere de morte. Como foi melhor este louco morrer pelas mãos do Senhor do que pelas mãos de Davi.

A Recompensa de Davi e Abigail
(25:39-44)

“Ouvindo Davi que Nabal morrera, disse: Bendito seja o SENHOR, que pleiteou a causa da afronta que recebi de Nabal e me deteve de fazer o mal, fazendo o SENHOR cair o mal de Nabal sobre a sua cabeça. Mandou Davi falar a Abigail que desejava tomá-la por mulher. Tendo ido os servos de Davi a Abigail, no Carmelo, lhe disseram: Davi nos mandou a ti, para te levar por sua mulher. Então, ela se levantou, e se inclinou com o rosto em terra, e disse: Eis que a tua serva é criada para lavar os pés aos criados de meu senhor. Abigail se apressou e, dispondo-se, cavalgou um jumento com as cinco moças que a assistiam; e ela seguiu os mensageiros de Davi, que a recebeu por mulher. Também tomou Davi a Ainoã de Jezreel, e ambas foram suas mulheres, porque Saul tinha dado sua filha Mical, mulher de Davi, a Palti, filho de Laís, o qual era de Galim.”

Davi recebe a notícia de que Nabal está morto. Ele reage com surpresa e gratidão. Ele louva ao Senhor por pleitear sua causa e afastar sua represália contra Nabal. Ele declara que Deus realmente o impediu de fazer o mal. Agora ele percebe como foi melhor deixar a vingança para Deus. O Senhor eliminou Nabal, não Davi. É assim que deve ser, e tudo devido à sabedoria de uma mulher, Abigail.

Mensageiros de Davi chegam à casa de Abigail. Eles têm uma mensagem simples. Não é bem uma proposta de casamento, parece mais como uma convocação: “Davi nos mandou a ti, para te levar por sua mulher.” Não é preciso pedir duas vezes a esta mulher decidida. Rapidamente ela se prosta em terra, aceitando humildemente a proposta. Ela não se considera como rainha de Davi, mas como uma serva, que lavará com alegria os pés de seus servos. Ela se levanta, e acompanhada por cinco de suas criadas, segue os homens de Davi até seu esconderijo, onde se torna sua esposa.

Os versos finais deste capítulo nos informam que Abigail é a segunda mulher de Davi. Ele já havia tomado por esposa a Ainoã de Jezreel. Mical também foi sua esposa, mas na época em que ele se escondia de Saul, o rei a deu por esposa a Palti, o filho de Laís.

Conclusão

Cada um dos personagens principais deste capítulo tem algo a nos ensinar. Vamos concluir observando as lições que podemos aprender de Abigail, Nabal e Davi.

    Abigail

O capítulo 25 de I Samuel parece começar e terminar com comentários casuais sem nenhuma relação entre eles. O verso um diz que Samuel morreu. Nos versos 43 e 44, somos informados que, enquanto Davi ganhou uma segunda esposa, ele perdeu outra (Mical). Não acho que estas observações sejam casuais. Creio que foram incluídas com um propósito específico. Davi sofreu a perda de duas pessoas importantes em sua vida. Samuel foi o profeta de Deus que o ungiu e aquele a quem ele poderia recorrer quando fosse perseguido por Saul (ver 19:18-24). Realmente não sabemos muita coisa sobre Ainoã, a primeira esposa de Davi. Sabemos que era uma Jezreelita, e que foi a mãe de Amnon (II Samuel 3:2), o filho de Davi que violentou sua irmã, Tamar (II Samuel 13). Mical, no entanto, foi a segunda filha oferecida por Saul a Davi como esposa (I Samuel 18), e parece ter havido um amor especial entre eles, pelo menos a princípio (18:20-29). O fato de ela ter sido dada a outro homem como esposa deve ter sido um duro golpe prá Davi.

Pela seqüência dos acontecimentos descritos no capítulo 25, concluo que Deus providencia uma companheira muito sábia para Davi para compensá-lo pela perda de Samuel e Mical. As palavras de Abigail soam praticamente como um eco das profecias de Samuel a respeito de Davi. Sua sabedoria permite que ela seja íntima e conselheira de seu marido. Sua beleza deve ter ido muito além de amenizar a perda de Mical. Modificando a expressão bíblica, temos: ”o SENHOR o tomou e o SENHOR o deu” (ver Jó 1:21). Como a providência de Deus é maravilhosa. É Ele quem cuida de Nabal, muito melhor do que Davi. É Ele quem dá, então, a viúva de Nabal a Davi, uma mulher que ele pode amar e respeitar. Deus fielmente provê as nossas necessidades, no tempo em que Ele sabe que precisamos.

Abigail é uma ilustração (um tipo, se preferir) da providência de Deus para a salvação do homem. Devido à loucura de Nabal, toda a família de Abigail está em perigo. Todos os homens estão condenados à morte. A menos que ela faça alguma coisa, eles serão mortos por Davi. Com sabedoria e humildade, Abigail se apresenta, assumindo a culpa por todos os condenados, oferecendo-se em seu lugar (ver o verso 24). Este não é um retrato, um tipo de nosso Senhor Jesus Cristo? Devido ao pecado de Adão, e ao nosso próprio pecado, todos fomos condenados à morte. O dia do julgamento se aproxima, mas o Senhor Jesus Cristo (que foi totalmente inocente e sem culpa) Se apresentou, levando sobre Si os nossos pecados e a nossa culpa. Ele Se ofereceu em nosso lugar na cruz do Calvário. Ele suportou a pena pelos nossos pecados. E, mediante a fé Nele, podemos entrar na vida eterna. E, Nele, nos tornamos a noiva de Cristo.

Além disso, Abigail ilustra as características da verdadeira submissão. Sem dúvida, esta afirmação o pegará de surpresa. Como uma mulher, que se recusa a consultar o marido, que age contrariamente à sua vontade e à sua ordem, e que o chama de louco, pode ser considerada uma esposa submissa? Gostaria de sugerir que ela parece insubmissa somente na aparência. É claro que ela age independentemente de seu marido. O que ele se recusa a fazer é exatamente o que ela faz. No entanto, em seu íntimo, ela é realmente submissa. Pensar que submissão é mera obediência cega, ou sujeição à vontade e aos desejos de uma autoridade superior, é insuficiente para caracterizar a verdadeira submissão. Verdadeira submissão é buscar eficazmente o bem de outra pessoa, pela sujeição de nossos próprios interesses. A verdadeira submissão está definida em Filipenses 2:

Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.

Abigail não age de forma que pareça ser por interesse pessoal. Seria muito melhor agir como uma esposa perfeita, fazendo exatamente o que Nabal quer. Se ela tivesse simplesmente ficado em casa, servindo outro drinque a Nabal, ela seria “libertada” por Davi. Seu marido inútil teria sido morto, e ela ficaria livre de sua tirania. Abigail é verdadeiramente submissa naquilo que procura salvar seu marido (e todos os outros homens de sua família). Ao procurar salvá-los, ela coloca sua vida em risco. Ela sai, sozinha, para se encontrar com um homem que está disposto e é capaz de matar toda a sua família. Quando ela se encontra com Davi, ela pede que ele lance toda a sua raiva sobre ela, somente sobre ela. Ela é submissa ao agir de maneira que beneficie seu marido, mesmo que seja às suas próprias custas. Não fazer nada (parecendo, assim, submissa), favorecerá a ela às custas de seu marido.

Quero ser muito cuidadoso naquilo que estou dizendo, e naquilo que você pensa que estou dizendo. Na maioria das vezes, a submissão é demonstrada pela obediência a alguma autoridade superior. Na maioria das vezes, nossa submissão é demonstrada quando procuramos honrar alguém a quem estamos sujeitos. Mas há vezes em que a submissão irá se parecer com algo além. Há vezes em que devemos agir de modo contrário aos desejos daquele a quem estamos sujeitos. Isto só pode acontecer quando a vontade de Deus é claramente contraditória à vontade e aos desejos de nosso superior. Isto só pode acontecer quando agirmos de forma que nos seja custosa, mas verdadeiramente benéfica para o outro.

Estou tentanto dizer que esta forma de submissão - a de Abigail - é uma exceção, não a regra. No entanto, há vezes em que procuramos nos consolar “sujeitando-nos” àquilo que é errado, e chamamos a isso de submissão. A submissão cristã sempre se submete primeiro a Deus, e depois aos homens que estão em conformidade com a submissão a Deus. A submissão cristã sempre procura o interesse dos outros acima de seus próprios interesses. E, às vezes, a submissão cristã requer até mesmo agir de modo contrário à vontade e aos desejos daquele a quem estamos sujeitos. Eu disse essas coisas não para que você jogue fora sua definição de submissão, mas para que você a amplie. Tenhamos muito cuidado para não fazer disto um pretexto para o nosso próprio pecado.

Finalmente, aprendamos com Abigail que submissão talvez seja a melhor postura para admoestar e corrigir um irmão crente. Você reparou que Abigail não tenta corrigir Nabal? Tenho a impressão de que seja porque ela já tentou argumentar com ele antes e descobriu que não é sensato tentar corrigir um tolo. Seu servo também sabia disso, conforme indicado por suas palavras. Mas desejo mostrar que Abigail não é apenas submissa a seu marido, ela também é submissa ao seu futuro rei. Como poderia Abigail submeter-se a Deus sem também submeter-se a Davi como futuro rei? Nosso texto deixa bem claro que Abigail, com toda humildade e submissão, procura repreender e admoestar Davi. No momento, ele está de cabeça quente e agindo como tolo. A atitude dela, e suas palavras, o fazem mudar de idéia. E isto acontece devido à sua submissão.

Estar sujeito a outra pessoa (especialmente a outro crente) não é desculpa para fazer vista grossa ao ver alguém agindo de modo contrário à vontade e à Palavra de Deus. Com muita freqüência ouço as pessoas se isentarem do dever fraterno de advertir e repreender alguém porque estão sujeitos a essa pessoa. De acordo com nosso texto, gostaria de sugerir que atitude e conduta submissas sejam a melhor postura para procurar corrigir alguém. Quando procuramos corrigir “de cima para baixo” é muito mais difícil demonstrar humildade e santo temor. Encaremos nossa responsabilidade procurando aquilo que é melhor para os nossos superiores, repreendendo-os quando for necessário, de maneira que continue a demonstrar nossa humildade e submissão.

“Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado. Levai as cargas uns dos outros e, assim, cumprireis a lei de Cristo. Porque, se alguém julga ser alguma coisa, não sendo nada, a si mesmo se engana. Mas prove cada um o seu labor e, então, terá motivo de gloriar-se unicamente em si e não em outro. Porque cada um levará o seu próprio fardo.”

    Davi

Já mostrei que Davi erra ao buscar recompensa por seus esforços na vida presente, não na eternidade. Ele está disposto a ajudar Nabal, mas só se sentir que isso vale a pena. Quando percebe que Nabal não tem nenhuma intenção de demonstrar gratidão, Davi está pronto a se vingar. Uma vez mais, ele quer se vingar nesta vida em vez de deixar o problema com Deus. Nesse momento, Davi vive para o aqui e agora, não para a eternidade. Os apóstolos do Novo Testamento nos exortam a viver agora à luz da eternidade:

“Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação.”

“Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo; pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis exultando. Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus.”

A galeria da fé de Hebreus 11 está cheia de homens e mulheres que viveram suas vidas terrenas à luz das promessas de Deus e, desta forma, na certeza das recompensas eternas.

A vida de Abraão é um exemplo de nossa instabilidade como cristãos, da inconstância da nossa fé e obediência. Alguns poderiam pensar que depois das conseqüências dolorosas de fazer Sara se passar por sua irmã no Egito, ele jamais faria isso de novo. No entanto, quando lemos Gênesis 20, vemos que Abraão tinha este artifício acerca de sua esposa como questão de política externa, que ele usava onde quer que fossem (20:13). Os triunfos do passado não garantem as vitórias do futuro. Devemos sempre estar atentos à nossa falibilidade, e sempre depender de Deus, por intermédio de Sua Palavra e de Seu Espírito.

Davi, como todos nós, fracassa na área da “conectividade”. Ele podia ver a “conexão” entre sua fé, as promessas de Deus e sua atitude para com Saul na caverna (capítulo 24). Mas, por alguma razão, os mesmos princípios que o guiaram no capítulo 24 são completamente ignorados no capítulo 25. As sábias palavras de Abigail o raelembram da “conexão” destas verdades com os insultos e a loucura de Nabal. Penso nos apóstolos e líderes da igreja em Jerusalém, conforme descrito em Atos 10 e 11. Eles desceram a lenha em Pedro por ir à casa de um gentio e pregar o evangelho àqueles que estavam ali reunidos. Logo depois chegaram à conclusão de que Deus realmente salvava tanto gentios como judeus (Atos 11:18). No entanto, quando saíam para pregar, continuavam evangelizando apenas os judeus (Atos 11:19). Eles não viam a “conexão” entre a lição dada por Deus e suas vidas. E assim é com cada um de nós.

Davi é um lembrete da maravilhosa graça que Deus nos concede, especialmente (neste capítulo) por Suas intervenções divinas que nos impedem de agir com estupidez. Sabemos que somos salvos somente pela graça de Deus, sem quaisquer obras de nossa parte. Sabemos também que as coisas boas e que são claras em nossa vida são resultados da graça de Deus. Como uma senhora certa vez se exprimiu com bastante entusiasmo: “É tudo de graça.” E é, e, dentre as coisas que fazem parte da graça, está a intervenção divina que nos afasta do pecado e da nossa própria loucura. Não estou dizendo que Deus nos afasta de todos os pecados; estou dizendo que, não fosse a intervenção de Deus em nossos afazeres diários, haveria muito mais pecado do que há. Se fosse deixado por sua conta, Davi teria feito realmente uma grande confusão quando atacasse Nabal e sua casa. Pergunto-me quantas coisas estúpidas faríamos se Deus não bloqueasse nosso caminho, da mesma forma que o anjo de Deus bloqueou o caminho de Balaão. Graças a Deus por Suas intervenções!

Finalmente, aprendemos com Davi sobre sua disposição em aprender com um subordinado. Davi é o homem designado como próximo rei de Israel. Ele tem consigo 600 homens, incluindo Abiatar, o sacerdote, e também a “estola sacerdotal”, pela qual a vontade de Deus pode ser consultada. A despeito de todos estes meios de orientação divina, ele se dispõe a ouvir as palavras desta mulher, Abigail. Davi talvez esteja agindo como tolo, mas, pelo menos, está disposto a reconhecer a sabedoria das palavras de Abigail. Ele a ouve e entende. Ele parece compreender que a verdade nem sempre segue uma ordem hierárquica. Algumas pessoas só ouvirão alguém que tenha autoridade sobre elas. Elas pensam que não podem aprender com um subordinado. Muitos maridos não conseguem compreender que a sabedoria de Deus pode lhes ser transmitida através de suas esposas, e até mesmo de seus filhos. Devemos reconhecer que a sabedoria e os dons espirituais não correspondem, necessariamente, ao posto ou ao lugar de alguém na cadeia de comando. Vamos aprender a reconhecer a sabedoria e a recebê-la de qualquer fonte usada por Deus.

    Nabal

Nabal representa grande parte daquilo que há de pior nos homens. Ele é arrogante e autosuficiente. Não reconhece que sua prosperidade vem de Deus. Ele julga os homens por padrões externos, tais como seus antepassados e sua popularidade. Ele não dá valor à sabedoria e não ouvirá aqueles que poderiam poupá-lo de muitos problemas, e até mesmo salvar sua vida. Ele não dá valor à sua esposa e à sabedoria que Deus lhe deu. Ele acha que a riqueza é a medida de um homem e, desta forma, sente que não precisa de ninguém além de si mesmo. Ele é um homem que não tem a mínima noção da destruição que jaz à sua frente. Nabal é o pior tipo de homem que existe. Ele é totalmente carente da graça de Deus, mas completamente confiante naquilo que pode fazer por si mesmo. Nabal não é capaz, e nem o será, de reconhecer o rei de Deus quando o vir, nem quando lhe for apresentado. Nabal é um homem destinado à morte.

Nabal é o que há de pior, e Davi também não tão parece bom, exceto pelo ministério de Abigail. Vamos considerar o valor desta mulher por sua sabedoria, e dar a ela a honra que ela merece:

“Enganosa é a graça, e vã, a formosura, mas a mulher que teme ao SENHOR, essa será louvada. Dai-lhe do fruto das suas mãos, e de público a louvarão as suas obras.”

Report Inappropriate Ad