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4. A Ascensão de Samuel e a Queda dos Filhos de Eli (I Samuel 3:1 - 4:22)

Introdução

Talvez você já tenha ouvido a história de um homem que passou seu primeiro dia na prisão. Ao anoitecer, os internos se reuniram no pátio. Enquanto um homem gritava um número, o restante caía na risada. Outro número era chamado, e mais risadas ainda. E assim foi a noite. Quando o homem retornou à sua cela, virou-se para seu companheiro e perguntou: “O que foi que aconteceu lá fora?” “Oh”, respondeu o outro “é assim que contamos piadas por aqui. Veja, nós já conhecemos todas as piadas, e já as ouvimos centenas de vezes. Assim, em vez de perder tempo contando-as de novo, nós colocamos números nelas. Quando alguém grita um número, todo mundo sabe qual é a piada, e todo mundo ri”.

Na noite seguinte, aconteceu a mesma coisa. Depois que alguns números foram chamados e todo mundo riu, o neófito pensou que poderia experimentar a brincadeira. Num momento de silêncio, ele gritou um número. Ninguém riu. O novo interno ficou confuso, mas ficou em silêncio até retornar à sua cela. “O que aconteceu?”, perguntou a seu companheiro de cela. “Por que ninguém riu?” “Bem!”, disse o outro, “Sabe como é... algumas pessoas podem dizer, outras não.”

Quando chegamos à história do chamado de Samuel em I Samuel 3, sinto-me quase como se pudesse gritar um número:

Um - Noé e a arca

Dois - Moisés no cestinho no Rio Nilo

Três - Davi e Golias

Quatro - Jonas e o grande peixe

Cinco - a travessia do Mar Vermelho

Seis - Daniel na cova dos leões

Sete - o chamado de Samuel

Todos nós pensamos que conhecemos muito bem a história do chamado de Samuel. Já a ouvimos, ou contamos, muitas vezes. Tudo o que preciso fazer é gritar um número, e esta lição estará pronta. Talvez não devamos ser tão apressados, pois podemos apenas pensar que a conhecemos muito bem. Nossa lição focaliza algumas dimensões um tanto incomuns deste acontecimento, as quais podem ser a chave para o entendimento do significado e da mensagem do texto.

Vemos em I Samuel 3 o relato da ascensão de Samuel à posição de profeta, um fato reconhecido e aceito por todos os israelitas. No capítulo 4, chegamos à narrativa da derrota de Israel e da morte de Eli, seus dois filhos e sua nora. Nos capítulos 2 e 3, Deus anuncia por meio de profecia o juízo sobre Eli e sua casa. Este juízo ocorre no capítulo 4. No capítulo 3, vemos as mãos de Deus em ação, preparando Samuel para um importante papel na liderança de Israel, e no capítulo 4, vemos o afastamento de Eli e seus filhos, a fim de que Samuel assuma a liderança para a qual Deus o preparou.

O Chamado de Samuel
(3:1-14)

“O jovem Samuel servia ao SENHOR, perante Eli. Naqueles dias, a palavra do SENHOR era mui rara; as visões não eram freqüentes. Certo dia, estando deitado no lugar costumado o sacerdote Eli, cujos olhos já começavam a escurecer-se, a ponto de não poder ver, e tendo-se deitado também Samuel, no templo do SENHOR, em que estava a arca, antes que a lâmpada de Deus se apagasse, o SENHOR chamou o menino: Samuel, Samuel! Este respondeu: Eis-me aqui! Correu a Eli e disse: Eis-me aqui, pois tu me chamaste. Mas ele disse: Não te chamei; torna a deitar-te. Ele se foi e se deitou. Tornou o SENHOR a chamar: Samuel! Este se levantou, foi a Eli e disse: Eis-me aqui, pois tu me chamaste. Mas ele disse: Não te chamei, meu filho, torna a deitar-te. Porém Samuel ainda não conhecia o SENHOR, e ainda não lhe tinha sido manifestada a palavra do SENHOR. O SENHOR, pois, tornou a chamar a Samuel, terceira vez, e ele se levantou, e foi a Eli, e disse: Eis-me aqui, pois tu me chamaste. Então, entendeu Eli que era o SENHOR quem chamava o jovem. Por isso, Eli disse a Samuel: Vai deitar-te; se alguém te chamar, dirás: Fala, SENHOR, porque o teu servo ouve. E foi Samuel para o seu lugar e se deitou. Então, veio o SENHOR, e ali esteve, e chamou como das outras vezes: Samuel, Samuel! Este respondeu: Fala, porque o teu servo ouve. Disse o SENHOR a Samuel: Eis que vou fazer uma coisa em Israel, a qual todo o que a ouvir lhe tinirão ambos os ouvidos. Naquele dia, suscitarei contra Eli tudo quanto tenho falado com respeito à sua casa; começarei e o cumprirei. Porque já lhe disse que julgarei a sua casa para sempre, pela iniqüidade que ele bem conhecia, porque seus filhos se fizeram execráveis, e ele os não repreendeu. Portanto, jurei à casa de Eli que nunca lhe será expiada a iniqüidade, nem com sacrifício, nem com oferta de manjares.”

O verso um se refere a Samuel como “jovem”, um termo de uso bastante flexível, podendo se referir a um recém nascido ou a um garoto. Aqui em nosso texto, entendo que se refira a Samuel como um garoto de uns 12 anos de idade. Parece que muitos anos se passaram desde o final do capítulo 2 e que o capítulo 3 encontra Samuel em sua adolescência.

O escritor nos informa que “Naqueles dias, a palavra do SENHOR era mui rara; as visões não eram freqüentes” (verso 1). Naquela época, os homens não escutavam a Deus e Deus não falava com muita freqüência. Este “silêncio” quase sempre era uma forma de juízo divino e, se não fosse quebrado, significava a ruína de Israel (ver I Sam. 28; Sl. 74:9; Is. 29:9-14; Mq. 3:6-7; também Pv. 29:18). Está escrito que a profecia era rara para que vejamos o chamado de Samuel como o fim do silêncio de Deus (ver I Sam. 3:19-21).

Os detalhes fornecidos nos versos 2, 3 e 7 nos ajudam a entender o contexto dos acontecimentos do capítulo 3. Samuel está deitado no lugar de costume no tabernáculo, não muito longe da Arca da Aliança, que fica dentro do Santo dos Santos. Eli dorme em outro lugar, não muito distante, para que Samuel possa ouvi-lo quando ele chamar. Como o autor nos informa, os olhos de Eli estão bem ruins, de modo que sua visão já está bastante afetada (ver também 4:15). Devido à sua idade, peso e dificuldades visuais, Eli precisa do auxílio de um jovem como Samuel. Samuel pode levar-lhe água ou prestar-lhe outros serviços. Nada mais natural para Samuel do que presumir que um chamado tarde da noite venha de seu mestre, Eli.

Pela afirmação do autor no verso 3, sabemos que o chamado de Samuel acontece de madrugada, pois ele nos diz que “antes que a lâmpada de Deus se apagasse.” A lâmpada é o candelabro de ouro, com suas sete lâmpadas que devem “ficar continuamente acesas” (Ex. 27:20-21). Não quer dizer que elas fiquem acesas 24 horas por dia, mas que de noite estão sempre acesas. As palavras de II Crônicas 13:11 deixam isto bem claro:

“Cada dia, de manhã e à tarde, oferecem holocaustos e queimam incenso aromático, dispondo os pães da proposição sobre a mesa puríssima e o candeeiro de ouro e as suas lâmpadas para se acenderem cada tarde, porque nós guardamos o preceito do SENHOR, nosso Deus; porém vós o deixastes.”

De dia não é necessário que a lâmpada fique acesa; no entanto, o óleo é preparado durante o dia para que as lâmpadas sejam acesas antes de escurecer. Elas ficarão acesas à noite toda e serão apagadas ao amanhecer. Uma vez que a lâmpada de Deus não foi apagada, sabemos que Deus chama Samuel quando ainda está escuro, de madrugada.

Como os filhos de Eli, Samuel não conhece o Senhor (compare I Sam. 2:12 com 3:7). A diferença entre eles é que Samuel ainda não conhece o Senhor. É óbvio que os filhos de Eli não conheciam a Deus, e nunca O conheceriam. É importante notar, no entanto, que Samuel ainda não é salvo na época de seu chamado. Ele, como Saulo (Paulo) no Novo Testamento (ver Atos 9), é salvo e chamado durante seu encontro com Deus.

Nas duas primeiras vezes em que é chamado por Deus, o jovem Samuel presume que esteja ouvindo a voz de Eli, seu mestre. Faz sentido, principalmente se Eli de vez em quando pedir a ajuda de Samuel durante a noite. Somente no terceiro chamado Eli, finalmente, compreende a situação e percebe que Deus está chamando Samuel para lhe revelar Sua Palavra. Quando Deus o chama novamente, Samuel responde de acordo com as instruções de Eli. Uma parte dessa primeira revelação (se não toda ela) está registrada nos versos 11-14.

Deus anuncia a Samuel que o que Ele está prestes a fazer fará tinir os ouvidos daqueles que ouvirem as novas, ambos os ouvidos! Isto não é nenhum exagero. Quando Eli ouve, ele desmaia, resultando na sua morte (ver 4:18). A mensagem dirigida a Eli parece ser pessoal. É mais ou menos como a profecia revelada por Deus em 2:27-36, exceto que este profeta é identificado. Na verdade, o profeta será o substituto de Eli na função de profeta, sacerdote e juiz. A profecia do capítulo 2 é mais distante, devendo ter sido entregue muitos anos antes da derrota de Israel descrita no capítulo 4. A profecia dada por Samuel parece falar da derrota de Israel e da morte dos filhos de Eli como um acontecimento iminente.

A mensagem entregue a Samuel se concentra mais no pecado de Eli do que nos pecados de seus filhos. Mais especificamente, Deus revela que está julgando Eli e sua casa porque Eli conhece os pecados de seus filhos e nada faz para impedi-los. Em termos contemporâneos, Eli é um “facilitador”. Ele facilita o comportamento pecaminoso de seus filhos em vez de resistir e se opor a ele.

Fico desapontado com a tradução do verso 13 da versão NASB:

“Pois lhe digo que estou prestes a julgar sua casa pela iniqüidade que ele bem sabe, pois seus filhos trouxeram maldição sobre si mesmos e ele não os repreendeu.”

Parece claro que Eli realmente admoesta seus filhos, conforme lemos em 2:22-25. Embora a palavra “repreensão” esteja ausente, este é o sentido de suas palavras. Não creio que Deus julgue Eli por deixar de repreender seus filhos, mas por deixar de ir além de uma simples repreensão verbal quando se recusam a escutá-lo.

O contexto certamente levanta questões quanto à palavra “repreender” em 3:13, e um estudo de concordância mostra que estas questões merecem consideração. O termo usado é digno de nota. Em nenhum outro lugar do Velho Testamento (na versão NASB) é traduzido por “repreender” e aqui não deveria ter sido interpretado assim. Curiosamente, é a mesma palavra encontrada no verso 2 do mesmo capítulo (3) com referência à deficiência visual de Eli. É usado com relação à visão de Moisés, que é boa (Dt. 34:7), e à visão enfraquecida de Isaque (Gn. 27:1) e de Jó (17:7). O termo tem o sentido normal de enfraquecimento, escurecimento ou debilidade. É o termo usado em Isaías 42:3 para o pavio queimado, que o Senhor não extinguirá, e para o espírito do Messias, que não será abatido.

Como, então, os tradutores chegaram ao termo “repreender”? Receio que tenham sido influenciados demais pela tradução da LXX (a tradução grega do Antigo Testamento Hebraico). Os tradutores da Septuaginta (LXX) optaram por traduzir o termo hebraico de nosso texto com a palavra grega noutheo, a palavra que Jay Adams emprega para caracterizar seu método de aconselhamento, que ele chama de aconselhamento nouthético. Noutheo significa admoestação ou repreensão. Este, no entanto, não parece ser o sentido principal do termo hebraico ou do significado exigido pelo contexto.

Creio que as melhores traduções sejam as da Versão King James, Nova Versão King James, NVI (principalmente), Versão Padrão Americana, Versão Revista, Nova Versão Revista e outras; todas as que empregam o termo “refrear”. Em nosso texto, é como se o autor fizesse um jogo de palavras. Os olhos de Eli estão obscurecidos; mal podem enxergar. Ele não vê com clareza a conduta de seus filhos. Usando a analogia da luz, os pecados de seus filhos são como um farol alto. Talvez ele não possa apagar a “luz” de seus pecados, mas ele pode diminuir seu efeito. Ele pode fazer algumas restrições como, por exemplo, tirá-los do sacerdócio. Ele pode criar-lhes dificuldades para pecar. Em vez disso, Eli facilita seus pecados, e é por isto que Deus o trata, e a toda a sua casa, com tanta severidade.

O verso 14 demonstra que o pecado da casa de Eli está agora além do arrependimento; o juízo de Deus é iminente. Não há nenhum sacrifício ou expiação que endireite a situação, só o juízo. Em termos simples, Eli e seus filhos fizeram “um caminho sem volta”. Eles se recusam a se arrepender e o juízo está próximo. E isto porque os pecados de Eli e seus filhos são cometidos com “arrogância”; pecados da soberba.

A Hesitação de Samuel e a Persistência de Eli: A Profecia é Proferida
(I Samuel 3:15-18)

“Ficou Samuel deitado até pela manhã e, então, abriu as portas da Casa do SENHOR; porém temia relatar a visão a Eli. Chamou Eli a Samuel e disse: Samuel, meu filho! Ele respondeu: Eis-me aqui! Então, ele disse: Que é que o SENHOR te falou? Peço-te que mo não encubras; assim Deus te faça o que bem lhe aprouver se me encobrires alguma coisa de tudo o que te falou. Então, Samuel lhe referiu tudo e nada lhe encobriu. E disse Eli: É o SENHOR; faça o que bem lhe aprouver.”

Quando amanhece, Samuel parece evitar Eli. Ele cuida das coisas rotineiras como sempre faz, como se nada tivesse acontecido. Eli sabe que tem alguma coisa errada. Sabe que Deus chamou Samuel três vezes durante a noite. Sabe que Deus deve ter-lhe revelado alguma coisa. Ele não sabe o que é, embora certamente tenha seus temores. A última mensagem recebida de um profeta fora um prenúncio. Portanto, ele pressiona Samuel para que lhe diga tudo o que Deus lhe disse. Eli não deixa que Samuel se retraia. Por isso, relutantemente, Samuel lhe conta tudo.

O que é mais perturbador, pelo menos para mim, é a reação de Eli à profecia. Ele é informado de que o juízo está próximo, e o tempo pelo menos, não pode ser parado. O juízo de Deus não pode ser evitado, mas Eli pode, pelo menos, se arrepender de seus pecados de negligência. Em vez disto, ele diz palavras que têm um tom religioso e parecem ser uma evidência de sua submissão à soberana vontade de Deus, mas que, na verdade, são expressão de seu desejo de continuar em pecado. O que lemos não é uma expressão de fé na soberania de Deus, mas uma expressão de fatalismo dito em termos religiosos.

A Confirmação de Samuel Como Profeta de Deus
(3:19-21)

Crescia Samuel, e o SENHOR era com ele, e nenhuma de todas as suas palavras deixou cair em terra. Todo o Israel, desde Dã até Berseba, conheceu que Samuel estava confirmado como profeta do SENHOR. Continuou o SENHOR a aparecer em Siló, enquanto por sua palavra o SENHOR se manifestava ali a Samuel.”

Creio que o primeiro encontro de Samuel com Deus seja sua experiência de conversão, e também seu chamado como profeta. Conforme mencionado anteriormente, esta experiência é bem parecida com a de Paulo no caminho de Damasco (ver Atos 9). Assim sendo, o autor nos informa que este encontro, e o conseqüente recebimento da palavra de Deus, é o primeiro de muitos. O verso 21 fala especificamente da segunda aparição de Deus a Samuel em Siló, e a conclusão é que haverá outras. É aqui, na primeira aparição de Deus a Samuel, que ele se torna não apenas crente (nas palavras do Autor, ele veio a conhecer o Senhor), mas também profeta. Logo ele também se tornará sacerdote e juiz.

A maneira de um verdadeiro profeta ser reconhecido está descrita em Dt. 13:1-5 e 18:14-22. Um verdadeiro profeta fala de forma que exorte os homens a seguirem a Deus, a obedecê-lO. Além disso, um verdadeiro profeta é alguém cujas palavras acontecem. Nosso autor diz, literalmente, que Deus não deixou que nenhuma das palavras de Samuel “caísse em terra” (verso 19). Tudo o que Samuel diz realmente acontece. E todos os israelitas percebem que a mão de Deus está sobre ele e que ele fala a palavra do Senhor. Desde Dã, no extremo norte do país, até Berseba, no extremo sul, todo o Israel reconhece Samuel como profeta de Deus. O silêncio foi quebrado.

A Derrota de Israel e a Morte dos Filhos de Eli
(4:1-11)

Veio a palavra de Samuel a todo o Israel. Israel saiu à peleja contra os filisteus e se acampou junto a Ebenézer; e os filisteus se acamparam junto a Afeca. Dispuseram-se os filisteus em ordem de batalha, para sair de encontro a Israel; e, travada a peleja, Israel foi derrotado pelos filisteus; e estes mataram, no campo aberto, cerca de quatro mil homens. Voltando o povo ao arraial, disseram os anciãos de Israel: Por que nos feriu o SENHOR, hoje, diante dos filisteus? Tragamos de Siló a arca da Aliança do SENHOR, para que venha no meio de nós e nos livre das mãos de nossos inimigos. Mandou, pois, o povo trazer de Siló a arca do SENHOR dos Exércitos, entronizado entre os querubins; os dois filhos de Eli, Hofni e Finéias, estavam ali com a arca da Aliança de Deus. Sucedeu que, vindo a arca da Aliança do SENHOR ao arraial, rompeu todo o Israel em grandes brados, e ressoou a terra. Ouvindo os filisteus a voz do júbilo, disseram: Que voz de grande júbilo é esta no arraial dos hebreus? Então, souberam que a arca do SENHOR era vinda ao arraial. E se atemorizaram os filisteus e disseram: Os deuses vieram ao arraial. E diziam mais: Ai de nós! Que tal jamais sucedeu antes. Ai de nós! Quem nos livrará das mãos destes grandiosos deuses? São os deuses que feriram aos egípcios com toda sorte de pragas no deserto. Sede fortes, ó filisteus! Portai-vos varonilmente, para que não venhais a ser escravos dos hebreus, como eles serviram a vós outros! Portai-vos varonilmente e pelejai! Então, pelejaram os filisteus; Israel foi derrotado, e cada um fugiu para a sua tenda; foi grande a derrota, pois foram mortos de Israel trinta mil homens de pé. Foi tomada a arca de Deus, e mortos os dois filhos de Eli, Hofni e Finéias.”

Os israelitas são dominados pelos filisteus há tanto tempo que os filisteus os consideram como seus escravos (4:9). Por alguma razão, irrompe uma batalha entre eles, e os israelitas são duramente abatidos. Quando a poeira se assenta, sabe-se que 4.000 israelitas tinham morrido (verso 2). Quando os israelitas retornam ao arraial, não conseguem entender como Deus permitiu que sofressem tal derrota.

Sem jejum e oração, sem consultar a Deus, os israelitas decidem fazer o que Dale Ralph Davis chama de “Teologia do Pé de Coelho”. A Arca não é vista como símbolo da presença de Deus, mas como uma lâmpada mágica, que eles só precisam esfregar direito para invocar o auxílio de Deus. A Arca é um bom amuleto, para que, onde quer que eles a levem, sejam abençoados. “É claro”, eles pensam, “nós não levamos a Arca conosco! Amanhã a levaremos para a batalha e, com certeza, venceremos. Certamente Deus será conosco, pois Sua Arca está conosco.”

O tiro acaba saindo pela culatra. A princípio, parece que não, mas em retrospectiva é um desastre gigantesco do ponto de vista daqueles que achavam que a Arca lhes asseguraria a vitória. Quando a Arca é trazida da tenda para diante dos soldados, uma grande algazarra ecoa do arraial israelita. É como uma imensa competição entre torcidas antes de um jogo de futebol americano. Os guerreiros israelitas estão realmente empolgados. Eles não podem perder. Deus estará com eles.

Os soldados filisteus ouvem o barulho que vem do arraial israelita e se perguntam o que teria causado tal grito de triunfo. Aí, então, ficam sabendo que a Arca foi trazida ao arraial. Eles, como os israelitas, acham que a Arca seja capaz de alguma magia. Os filisteus relembram a derrota dos egípcios, quando Deus liderou os israelitas contra eles. Eles se recordam das vitórias dadas por Deus aos israelitas onde, sempre que lutavam contra seus inimigos, levavam a Arca junto com eles. Agora eles temem que a presença da Arca à frente do exército israelita dê a vitória a Israel. Os filisteus concluem que podem até morrer, mas pelo menos morrerão como homens. E assim, em vez de se darem por vencidos, eles têm motivos para lutar até a morte, e para morrer como heróis. O resultado é que os filisteus ficam muitos mais motivados a lutar do que os israelitas e, uma vez mais, eles os derrotam - só que, desta vez, 30.000 israelitas são mortos. Entre os mortos estão Hofni e Finéias, os dois filhos de Eli, que são assassinados enquanto a Arca de Deus é capturada como troféu de guerra.

Os israelitas tolamente supõem que levar a Arca de Deus para a batalha seja sua garantia de sucesso. Nos desígnios de Deus, levar a Arca com eles é um meio ordenado por Ele para cumprimento das palavras ditas pelo profeta sem nome. Hofni e Finéias acompanham a Arca na guerra e, quando os israelitas são derrotados e a Arca é tomada, os dois filhos de Eli morrem no mesmo dia (ver 2:34).

A Morte de Eli e de Sua Nora
(4:12-22)

Em parte, a Palavra do Senhor é cumprida; no entanto, há mais juízo divino chegando neste dia de infâmia. Eli está sentado próximo à estrada com o coração trêmulo enquanto espera ansiosamente notícias da batalha. Ele deve sentir que este é o dia do juízo. A Arca de Deus saiu de Siló, assim como seus filhos, e Eli não está nenhum pouco confortável. Um certo benjamita escapa da morte e foge da cena da batalha para Siló, com as roupas rasgadas e pó na cabeça. Este é um sinal de pesar e derrota que Eli não pode ver, pois sua visão já quase se foi. O resto da cidade começa a gritar enquanto a notícia da derrota circula rapidamente.

Mesmo sem poder ver, Eli pode ouvir, e o que ele ouve o deixa assustado. É como se seus ouvidos estivessem a ponto de tinir (ver 3:11). Ele pergunta o que significa aquele alvoroço, e o homem que escapou se apressa em lhe dar um resumo das notícias. Não há “boas notícias” e “más notícias” são só “más notícias” - Israel foi derrotado pelos filisteus, os filhos de Eli foram mortos e a Arca de Deus foi tomada. As notícias são maiores do que o corpo de 98 anos de Eli pode suportar. Ele sofre um colapso, caindo da cadeira de tal forma que quebra o pescoço. Eli está morto, junto com seus filhos, e tudo no mesmo dia. Seus quarenta anos de serviço como juiz em Israel terminaram.

A morte ainda não deixou a casa de Eli. A esposa de seu filho, Finéias, está grávida, e as notícias da trágica derrota de Israel, a perda da Arca e a morte de Eli e seu marido fazem com que ela entre em trabalho de parto. Ao dar à luz, as coisas não vão bem. Embora as mulheres que estão com ela tentem confortá-la, ela recusa seu auxílio. Quando fica sabendo que seu filho será um menino, ela o chama de Icabode, nome que significa “sem glória”, pois a Arca de Deus foi tomada e seu marido e seu sogro foram mortos. A nora de Eli parece ser mais perspicaz do que seu marido. Para ela, a captura de Arca significa a retirada da glória de Deus.

Na verdade, acho que ela estava errada. Pelo que entendo do Antigo Testamento, a glória de Deus deixara o tabernáculo muito tempo antes. Considere estas palavras de Êxodo, que descrevem a chegada da glória de Deus ao tabernáculo:

“Então, a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do SENHOR encheu o tabernáculo. Moisés não podia entrar na tenda da congregação, porque a nuvem permanecia sobre ela, e a glória do SENHOR enchia o tabernáculo. Quando a nuvem se levantava de sobre o tabernáculo, os filhos de Israel caminhavam avante, em todas as suas jornadas; se a nuvem, porém, não se levantava, não caminhavam, até ao dia em que ela se levantava. De dia, a nuvem do SENHOR repousava sobre o tabernáculo, e, de noite, havia fogo nela, à vista de toda a casa de Israel, em todas as suas jornadas.” (Êxodo 40:34-38)

Deus prometeu que se encontraria com os sacerdotes à entrada do tabernáculo:

“Este será o holocausto contínuo por vossas gerações, à porta da tenda da congregação, perante o SENHOR, onde vos encontrarei, para falar contigo ali. Ali, virei aos filhos de Israel, para que, por minha glória, sejam santificados, e consagrarei a tenda da congregação e o altar; também santificarei Arão e seus filhos, para que me oficiem como sacerdotes. E habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus. E saberão que eu sou o SENHOR, seu Deus, que os tirou da terra do Egito, para habitar no meio deles; eu sou o SENHOR, seu Deus.” (Êxodo 29:42-46)

Em algum lugar do passado, a glória de Deus deixou o tabernáculo. Esta partida parece não ser tão clara e espetacular quanto foi sua chegada, como descrito acima. Samuel vive no tabernáculo. Ele dorme a poucos metros da Arca de Deus (3:3), e mesmo assim ainda não conhece o Senhor e parece não ter nenhuma percepção especial de Sua presença ali. A aparição de Deus a Samuel é descrita como algo especial, algo excepcional. Deus vai até lá e fica chamando Samuel (3:10) de um jeito que realmente não é comum. Samuel não reconhece que é o Senhor; Eli tem que dizer a ele. Mesmo Eli não é rápido para compreender a aparição de Deus.

A Arca não é a manifestação de Deus a Israel ali no tabernáculo. Não é nenhum ídolo. É apenas um símbolo da presença de Deus com o Seu povo. Embora este símbolo fique sob a guarda dos sacerdotes em Siló, a glória de Deus há muito tempo já não está ali. A captura de Arca apenas simboliza aquilo que já era uma realidade, que era realidade há muito tempo. É certo que a glória deixou Siló, mas a glória de Deus jamais será encoberta por pecadores, como as próximas lições desta série irão nos mostrar.

Conclusão

Ao chegarmos ao trágico fim de uma era num passado distante de Israel (os 40 anos de serviço de Eli como juiz e sacerdote), vamos fazer uma pausa para refletir sobre as lições que este texto tem para nós, cristãos atuais.

Primeiro, vamos considerar o que o texto nos ensina sobre Deus. Como Deus é gracioso com Seu povo, Israel, sobretudo quando são pecadores e indignos. Com bondade, Deus repetidamente alerta Eli sobre o juízo que virá sobre sua casa. Os anos que se passam entre a primeira advertência e o cumprimento do juízo prometido por Deus são um tempo em que Eli poderia se arrepender e agir acertadamente com relação aos pecados de seus filhos. Deus é gracioso quando quebra o silêncio e, uma vez mais, revela-Se e a Sua Palavra à nação por meio de um profeta, Samuel.

Além de gracioso, Deus também é soberano (a graça imerecida deve, necessariamente, ser soberanamente concedida). Samuel não conhece a Deus, ele nem mesmo reconhece Sua voz. Samuel não está buscando a Deus e, mesmo assim, Deus aparece a ele, dando-Se a conhecer e chamando-o para ser profeta. Deus o confirma diante da nação, a fim de que Israel saiba que agora há um verdadeiro profeta de Deus. Deus soberanamente prepara o caminho para a saída de Eli e seus filhos, levantando o jovem Samuel, chamando-o e capacitando-o para ser profeta.

Deus odeia o pecado e julga os pecadores que não se arrependem. Estes dias são negros para a nação de Israel. O sacerdócio está corrompido. Aqueles que servem a Deus e a nação estão abusando de seu ofício e abusando das pessoas. Os sacerdotes são ladrões e roubadores. São corruptos e imorais. A Palavra de Deus mostra claramente a santidade de seu ofício e ministério e revela a maneira como os sacerdotes deveriam refletir e respeitar a santidade de Deus. Os filhos de Eli sacodem os punhos na face de Deus, mas finalmente chega o dia de seu juízo, exatamente como Deus disse. O dia do juízo de Deus pode demorar mais do que esperamos, mas certamente virá.

Deus raramente trabalha do modo que esperamos ou predizemos, para que nos maravilhemos diante da Sua sabedoria e poder em realizar Sua vontade e Sua Palavra. Quem teria pensado que o juízo de Deus seria trazido por meio dos inimigos de Deus e de Seu povo, os filisteus? Ao levar presunçosamente a Arca para a batalha, os israelitas mostram sua falta de reverência pela santidade de Deus e, ao levar a Arca para a guerra, a morte dos filhos de Eli no mesmo dia é realizada. Deus trabalha de modos estranhos e maravilhosos.

Segundo, vamos considerar o que esta passagem nos ensina sobre os homens. Da mesma forma que Deus não muda e, por isso, Ele é o mesmo “ontem, hoje e sempre”, os homens também não mudam. Nós não somos chamados para sermos profetas como Samuel, mas nosso chamado não é muito diferente do dele. Da mesma forma que ele não buscava a Deus e Deus o encontrou, assim é com os homens perdidos que não buscam a Deus hoje (ver Romanos 3:10-11). Os homens são salvos, não porque busquem a Deus, mas porque Deus busca e salva os pecadores perdidos. É Ele quem nos encontra, não nós que O encontramos. É Sua graça soberana que nos atrai a Ele. A Salvação, louvado seja Deus, é do Senhor, e Ele, somente Ele, é digno do nosso louvor.

Meu ponto principal é que Deus chama os homens hoje da mesma forma que chamou Samuel há tanto tempo atrás - e, essencialmente, pelas mesmas razões. Ele nos revelou Sua Palavra, não por meio de uma aparição pessoal ou visão, mas pela Sua Santa Palavra, a Bíblia. Nosso propósito, como o de Samuel, é levar a Palavra de Deus aos homens. Todos os cristãos são “chamados” para crer em Cristo e também para proclamar a Palavra de Cristo aos homens.

Não somos como os israelitas da época de Samuel, que dizemos que a “a palavra do Senhor é rara”. A verdade é que Deus nos últimos tempos nos falou plenamente na pessoa de Seu Filho e nas Escrituras que temos em mãos (ver Hebreus 1:1-4). O problema hoje não é que Deus não fala, mas que os homens não escutam. Não é à toa que encontramos repetidamente esta expressão no Novo Testamento “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (ver Mateus 11:15; 13:9, 43; Apocalipse 2:7, 11, 17, 29; 3:6, 13, 22). Que cada um de nós possa dizer com sinceridade “Senhor, fala, que o teu servo ouve”. Este é o espírito daquele que “ouve” a Palavra do Senhor.

Enquanto medito em nosso texto, vejo três posturas que são típicas dos homens diante de Deus nos dias de hoje. A primeira é a dos israelitas. Eles querem Deus em seu meio, para “estar lá por eles” na hora da necessidade, para fazer as coisas que querem que Ele faça. Eles levam a Arca de Deus para a batalha, esperando que Ele lhes dê a vitória. Em vez de se considerarem como servos de Deus, eles consideram que Deus seja seu servo. O “deus” deles é para ser usado, não um Deus para ser honrado, glorificado, louvado, adorado e obedecido. Esta é a “teologia do pé de coelho” que Davis fala que é tão popular em nossos dias. Se fizermos tudo direitinho, dermos todos os passos certos, então Deus terá que fazer o que pedimos. Só que não é assim. Deus não está lá para fazer todas as nossas vontades. E quem tolamente supõe que esteja está com sérios problemas.

A segunda postura é a de Eli. Sua atitude é fatalista, resignada. Pelo menos em duas ocasiões Deus fala com Eli mediante um profeta, para adverti-lo do juízo que trará sobre ele e sua casa por ele não cuidar dos pecados de seus filhos. Eli não faz nada além de admoestar seus filhos. Mesmo agora, quando a morte de seus filhos é iminente, ele não faz absolutamente nada. Sua atitude tem um tom de religiosidade vazia “É o SENHOR; faça o que bem lhe aprouver” (3:18). Esta é simplesmente uma versão religiosa de “o que será, será”. Quando Davi é repreendido por seu pecado com Bate-Seba, ele é informado de que a criança morrerá (II Sam. 12:14). Isto não o impede de fazer alguma coisa sobre o que aconteceu. Ele suplica ao Senhor, prostrando-se em terra durante toda a noite, orando para que Deus poupe a criança (II Sam. 12:16-17). Eli parece simplesmente dar de ombros e dizer “É a vontade de Deus”.

Lamentavelmente, este fatalismo também é encontrado nos cristãos atuais. Em vez de encontrar na soberania de Deus incentivo para se esforçar em agradá-Lo, algumas pessoas usam o fatalismo como desculpa para não fazer nada. Quando preguei esta lição, defini o fatalismo como sendo “um Calvinismo cansado”. Depois mudei de idéia e decidi que fatalismo é um “Calvinismo aposentado” (NT: o autor faz um jogo com as palavras tired (cansado) e re-tired (aposentado). Um amigo e companheiro de Conselho, Don Grimm, chamou minha atenção para uma diferença crucial entre um verdadeiro Calvinista (aquele que crê que Deus esteja no controle e encontra nisto a base apropriada para todos os seus esforços religiosos) e um fatalista. Os caldeus do passado eram fatalistas. Eles estudavam os céus, crendo que a relação entre os corpos celestiais determinava o que aconteceria na terra. Os fatalistas não vêem a finalidade dos acontecimentos terrenos como vindo de um Deus soberano, pessoal, que deseja se relacionar com aqueles que confiam Nele. É o relacionamento pessoal de alguém com Deus, mediante a fé em Jesus Cristo, que o faz encontrar em Sua soberania a razão para lutar, em vez de uma desculpa para se sentar. A fé de Eli tinha se deteriorado a pouco mais do que o pensamento de um fatalista.

Finalmente, há a postura de Samuel. Samuel nada faz para que Deus apareça ou revele Sua palavra em profecia. Ele simplesmente está cuidando de seus afazeres diários. Não há nada de romântico ou “espiritual” em tirar o pó e limpar a mobília do tabernáculo, lavar o chão ou servir um homem quase cego e quase morto (Eli). No entanto, no decurso de suas tarefas, Deus vem a Samuel e Se revela a ele. Muitas pessoas querem fazer algo espetacular (como levar uma Arca para a guerra) para obter as bênçãos e o poder de Deus. Samuel nos ensina que esta não é a regra. Vamos cuidar de nossas vidas, fazendo fielmente o trabalho que Deus nos deu, deixando as intervenções espetaculares e os grandes sucessos para Deus. Quando for o tempo Dele as coisas acontecerão, não por aquilo que fazemos, mas porque Deus sempre mantém Suas promessas.

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