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Where the world comes to study the Bible

18. Um Homem Sem Pátria (I Samuel 21:1-22:5)

Introdução

Antes de começar a Faculdade, eu tinha dois empregos de verão. Trabalhei numa loja de autopeças durante dois anos, mas quando os negócios ficaram um pouco devagar, arranjei outro emprego para completar minha renda trabalhando para a Sorveteria Queen, bem em frente à loja de autopeças. Meu emprego não consistia em trabalhar na sorveteria, mas trabalhar para ela, dirigindo uma pequena scooter Cushman, do tipo que era construída como miniatura de uma caminhonete de entregas. Na carroceria desse veículo havia um freezer carregado de Dilly Bars. Na frente da scooter tinha uma pequena cabine sem portas. Meu serviço consistia em dirigir pela cidade onde morava, Shelton, Washington, vendendo Dilly Bars a todas as crianças que me ouviam chegando e corriam para comprar sorvete. Subir e descer as ladeiras de Shelton era um desafio, mas o maior problema era escapar dos cachorros. Alguns me perseguiam, enquanto que os piores pareciam querer se juntar a mim na cabine, ou, pior ainda, tentavam me arrancar dela. Como o trabalho não tinha grande status social, eu procurava atrair os jovens clientes enquanto tentava rechaçar os cães.

Numa determinada ocasião, encontrei-me num grande dilema. Precisava ficar na loja e também sair com a scooter para a sorveteria. Quando falei com meu pai sobre o problema, ele se ofereceu para ficar (ou sentar) em meu lugar na scooter. Tudo corria razoavelmente bem. Meu pai andava prá cima e prá baixo com a scooter e os cachorros da vizinhança até que se comportavam. Então, uma cliente aproximou-se para comprar sorvete para seus filhos. Quando ela olhou para dentro da scooter, tanto ela quanto o motorista foram pegos de surpresa. Ela era esposa de um dos membros da diretoria do colégio e meu pai era o diretor. Tentando achar graça da situação, ela disse Compre um sorvete e ajude um aluno a ir prá Faculdade? Ambos tiveram que rir.

A vida tem momentos embaraçosos, não é? Lembro-me de um domingo na igreja, quando a Sra. Drebick desmaiou e pediram ajuda para carregá-la prá fora. Quando dois homens discretamente tentaram tirá-la de seu assento, de repente sua perna se esticou, dando um pontapé no chapéu da mulher que estava sentada à sua frente, fazendo com que seu cabelo despencasse sobre seu rosto. Sei que não deveria ter rido...

Um dos momentos mais embaraçosos da minha vida foi quando fui escolhido para testemunhar diante da igreja sobre o acampamento de verão a que tinha ido. Tudo corria razoavelmente bem quando subi na plataforma e dei meu recado. No entanto, o pastor tocava uma guitarra para acompanhar nossos cânticos e, quando tentei deixar o púlpito e descer da plataforma, meus pés se enroscaram no fio da guitarra. Tropecei e cambaleei, escapando por pouco de me esparramar na plataforma diante de toda a igreja, mas o que consegui mesmo foi arrebentar o fio da guitarra.

Todos nós temos nossos momentos embaraçosos e gostaria de ouvir os seus. Até o rei Davi os teve. Em nosso texto, Davi tem diversas experiências humilhantes, todas devido ao ciúme de Saul e suas tentativas de matá-lo. Tanto quanto foram ruins no momento, estes episódios dolorosos também provaram ser benéficos a Davi. Ao ver as coisas que lhe aconteceram, começamos a perceber como Deus usa situações parecidas em nosso benefício. Vamos ver com cuidado o que Deus tem a nos ensinar em nosso texto.

Breve Revisão

Nem sempre as coisas foram ruins entre Saul e Davi. Às vezes Saul era muito cordial com ele (16:21), e houve época em que se regozijou com sua vitória sobre Golias e os filisteus (19:5). A unção de Davi como substituto de Saul não foi devido à sua ambição, mas conseqüência da própria loucura de Saul. Num momento de pânico, Saul desobedeceu as instruções de Samuel para esperá-lo (10:8), oferecendo ele mesmo o sacrifício (capítulo 13). Samuel o repreendeu por isso, mas ele jamais se arrependeu totalmente de seu pecado. Posteriormente, ele falhou em aniquilar totalmente os amalequitas como Deus o instruíra no capítulo 15. Tudo isto explica o fim da dinastia de Saul e Samuel disse isto a ele.

Sabemos que o Espírito de Deus deixou Saul e foi substituído por um espírito maligno da parte do Senhor. Sabemos também que o Espírito de Deus desceu com poder sobre Davi (16:13-14). Isto abriu as portas para que Davi fosse empregado para acalmar o espírito atribulado de Saul ao tocar sua harpa (16:14-23). Apesar de no início Saul ter amado Davi, logo ele se tornou muito ciumento. Saul não podia sequer ouvir a canção entoada pelas mulheres a respeito de Davi (18:7), nem sobre o profundo amor e afeição demonstrados a ele por sua própria família (18:1-5, 20), nem sobre o respeito e admiração que ganhou junto aos homens de seu exército (18:13-16, 30). Saul desconfiava de qualquer atitude de Davi. Finalmente, a canção que as mulheres entoavam, comparando e contrastando as vitórias de Davi com as dele, levou Saul ao auge da insanidade.

Saul fez inúmeras tentativas contra a vida de Davi. Algumas foram às ocultas, tais como lhe oferecer uma de suas filhas em casamento (o que requeria que Davi agisse corajosamente na guerra para provar seu valor como marido - 18:17-29). Outras foram mais explícitas, tais como quando procura traspassar Davi com sua lança (18:10-12). Finalmente, Saul deu ordens para que ele fosse morto (19:1). Em conseqüência do apelo de seu filho Jônatas, sua ordem foi cancelada durante algum tempo (19:1-7), mas logo depois ele novamente fez de tudo para matá-lo (19:8 e ss). Jônatas e Davi se encontraram e desenvolveram um plano que deixaria claro que Saul realmente tinha intenção de matar Davi. Isto resultou na sua fuga e na triste despedida de Jônatas (capítulo 20).

Agora, no capítulo 21, encontramos Davi num refúgio político, um homem sem pátria. Chegamos a uma nova etapa de sua vida. É uma época dolorosa de separação: de sua esposa, de sua posição como empregado de Saul e de seu estimado amigo Jônatas. É também uma época perigosa, mas na qual o ungido de Deus não pode ser morto, não importa quão grande o perigo possa parecer. É tempo de crescimento e de preparação, tempo que o prepara para o dia em que governará Israel como o rei ungido de Deus.

Pão Emprestado
(21:1-9)

Então, veio Davi a Nobe, ao sacerdote Aimeleque; Aimeleque, tremendo, saiu ao encontro de Davi e disse-lhe: Por que vens só, e ninguém, contigo? Respondeu Davi ao sacerdote Aimeleque: O rei deu-me uma ordem e me disse: Ninguém saiba por que te envio e de que te incumbo; quanto aos meus homens, combinei que me encontrassem em tal e tal lugar. Agora, que tens à mão? Dá-me cinco pães ou o que se achar. Respondendo o sacerdote a Davi, disse-lhe: Não tenho pão comum à mão; há, porém, pão sagrado, se ao menos os teus homens se abstiveram das mulheres. Respondeu Davi ao sacerdote e lhe disse: Sim, como sempre, quando saio à campanha, foram-nos vedadas as mulheres, e os corpos dos homens não estão imundos. Se tal se dá em viagem comum, quanto mais serão puros hoje! Deu-lhe, pois, o sacerdote o pão sagrado, porquanto não havia ali outro, senão os pães da proposição, que se tiraram de diante do SENHOR, quando trocados, no devido dia, por pão quente. Achava-se ali, naquele dia, um dos servos de Saul, detido perante o SENHOR, cujo nome era Doegue, edomita, o maioral dos pastores de Saul. Disse Davi a Aimeleque: Não tens aqui à mão lança ou espada alguma? Porque não trouxe comigo nem a minha espada nem as minhas armas, porque a ordem do rei era urgente. Respondeu o sacerdote: A espada de Golias, o filisteu, a quem mataste no vale de Elá, está aqui, envolta num pano detrás da estola sacerdotal; se a queres levar, leva-a, porque não há outra aqui, senão essa. Disse Davi: Não há outra semelhante; dá-ma.

Onde Davi poderia encontrar refúgio ou mesmo pedir ajuda? Certamente Aimeleque, o sumo sacerdote, é confiável. E, assim, Davi foge para Nobe, a cidade dos sacerdotes, poucas milhas ao norte e a oeste de Jerusalém (algumas milhas ao sul de Gibeá, a cidade de Saul). Davi está ciente da influência de Saul e de seu potencial para a violência. Assim, ele guarda o verdadeiro propósito de sua vinda, talvez pensando que esteja fazendo um favor ao sacerdote. Acaba não sendo desse jeito, como veremos.

Aimeleque também não é nenhum tolo. Quando vê Davi, vai tremendo ao seu encontro (compare com 16:1-5). Em especial, ele fica perturbado por vê-lo chegando sozinho, e o questiona sobre isso. Davi foi feito comandante de mil homens por Saul. Se estiver vindo em missão oficial (como o fez inúmeras vezes no passado - ver 22:15), então deve estar com seus homens. Onde estão? estranha o sacerdote. E pergunta a Davi por que ele vem sozinho.

Davi já tem uma história pronta para o sacerdote. Não sei se ele acredita ou não, mas acha melhor não pressionar Davi. Ele aceita suas palavras sem pensar muito no assunto. Davi acredita que, se mantiver Aimeleque na ignorância, certamente Saul não lhe fará mal. Ele está errado. Davi lhe diz que está a serviço do rei, e que ele o enviou em missão secreta, que não pode ser descrita. Davi diz que não está sozinho; que seus homens estão escondidos a pouca distância. Todo esse mistério dá um ar de importância à missão, ou, pelo menos, Davi assim espera.

Agora Davi dá a razão de sua visita: ele precisa de mantimentos. Continuando a encenação, ele diz a Aimeleque que precisa de pão. O único pão que o sacerdote tem às mãos é pão sagrado, pão da proposição, que geralmente é comido só pelos sacerdotes. Se Davi e seus homens não estiverem cerimonialmente impuros por terem tido relações sexuais com mulheres, o sacerdote lhe dará cinco dos pães sagrados. Davi lhe garante que não estão. Se, em condições normais, sempre foi assim, quanto mais agora. O sacerdote lhe dá o pão sagrado, mas enquanto o faz, Doegue, o edomita, observa com grande interesse. Doegue é o maioral dos pastores de Saul, um serviço que Davi cuidaria muito bem. Não muito tempo depois Doegue relata a Saul aquilo que viu, ocasionando a morte de quase todos na cidade de Nobe (ver 22:6-23).

Davi então pede uma espada a Aimeleque. Poucas espadas podem ser encontradas em todo o reino, menos ainda no campo dos sacerdotes. Que necessidade ele tinha de armas? Havia somente uma nas imediações, a espada de Golias, a espada que Davi conseguira com a vitória sobre o gigante filisteu. A espada era uma espécie de troféu, um memorial da vitória que Deus deu a Israel através de Davi. Na verdade, ela pertencia a Davi, portanto o sacerdote a dá a ele de bom grado, sem dúvida estranhando por que ele veio tão despreparado para a batalha. Davi dá a desculpa de que estava com tanta pressa que não teve tempo de pegar sua espada ou outra arma. Isto deve ter produzido um olhar confuso no rosto do sacerdote, à medida que fica cada vez mais difícil acreditar nessa história. Apesar disto, ele lhe dá a espada de Golias, e parece que em seguida Davi parte para Gate.

Procurando Fazer de Aquis um Aliado
(21:10-15)

Levantou-se Davi, naquele dia, e fugiu de diante de Saul, e foi a Aquis, rei de Gate. Porém os servos de Aquis lhe disseram: Este não é Davi, o rei da sua terra? Não é a este que se cantava nas danças, dizendo: Saul feriu os seus milhares, porém Davi, os seus dez milhares? Davi guardou estas palavras, considerando-as consigo mesmo, e teve muito medo de Aquis, rei de Gate. Pelo que se contrafez diante deles, em cujas mãos se fingia doido, esgravatava nos postigos das portas e deixava correr saliva pela barba. Então, disse Aquis aos seus servos: Bem vedes que este homem está louco; por que mo trouxestes a mim? Faltam-me a mim doidos, para que trouxésseis este para fazer doidices diante de mim? Há de entrar este na minha casa?

Como professor das Escrituras, ministrei um bom número de seminários em prisões. Sempre existe a possibilidade de ocorrerem alguns problemas. Às vezes pensava no que faria se algum tipo de tumulto irrompesse enquanto estivesse lá dentro. Em alguns casos, preferiria estar atrás daquelas grades, com presidiários crentes, do que do lado de fora, com guardas incrédulos. Estes seminários na prisão ajudaram-me a entender estes incríveis versos finais de I Samuel 21.

É realmente impressionante o que Davi faz. Ele foge de Israel para a terra dos filisteus. Ele troca o povo de Deus pelos inimigos de Deus. Ele procura refúgio com o rei Aquis, com quem antes batalhou. Davi já foi a Gate anteriormente - bem, quase foi. Depois de matar Golias, o campeão filisteu, ele e os israelitas perseguiram os filisteus, matando-os até as cidades de Gate e Ecrom (I Sam. 17:51-52). Agora Davi se aproxima de Gate novamente, mas, desta vez, como um refugiado político pedindo asilo a Aquis.

Davi chega a Gate procurando proteção e abrigo, mas esta é a cidade de Golias (17:23), a quem ele matou. Para tornar as coisas ainda piores, ele está carregando a espada de Golias (versos 8 e 9). Acho que Davi devia estar louco para ir a Gate, mais louco ainda que sua conduta posterior (verso 13). Se estes versos nos dizem alguma coisa é sobre o quanto Saul está decidido a matá-lo. Se Davi é forçado a procurar abrigo entre seus inimigos, o que isto que dizer sobre seu amigo Saul? Esta nada mais é senão outra confirmação da hostilidade (até mesmo da insanidade) de Saul. Realmente a situação é desesperadora!

O autor desta narrativa não está tão interessado em nos dizer sobre a chegada de Davi em Gate, quanto está em descrever sua partida. Quaisquer que sejam as razões de Davi para ir até lá é bastante óbvio que Deus não o quer ali. Deus usa os servos de Aquis para pressioná-lo a tomar Davi como uma séria ameaça à segurança dos filisteus. Tanto aqui quanto nos capítulos 27 a 29, Aquis é apresentado como alguém ingênuo, sem nenhuma astúcia. De certo modo ele toma gosto por Davi. Ele parece muito confiante na submissão dele e no seu valor como aliado. Ele não está disposto a alimentar o pensamento de que Davi ainda é um israelita leal, prestes a assumir o trono de Israel.

Não era incomum que os reis aceitassem refugiados políticos das nações vizinhas (ver, por exemplo, I Reis 11:40; II Reis 25:27-30). Se lhes fosse dado abrigo, poderiam se tornar gratos aliados, quando não servos leais. Estes refugiados eram uma espécie de troféu, um testemunho vivo do domínio e poderio militar da nação anfitriã. Aquis é trazido de volta à realidade por seus servos. O rei não se lembra de que Davi foi designado como o próximo rei de Israel? Não se lembra da morte de Golias e da derrota para Israel sob a liderança de Davi? Já se esqueceu da canção sobre Davi, proclamando-o maior que Saul:

Saul feriu os seus milhares, porém Davi, os seus dez milhares?

Aquis é forçado a pensar muito bem na oferta de asilo feita a Davi. Enquanto ele está pensando sobre isso, Davi também está pensando. Ele ouviu o conselho que os servos dão a Aquis. Ele sabe que, se o conselho deles for ouvido, ele pode ser morto. Ele está metido em encrenca, em muita encrenca. Como poderá sair dessa enrascada com vida?

Mas há um jeito. Davi escapa com vida, mas não com dignidade. Se ele chegou como um temível guerreiro, ainda maior que Golias, agora ele parte como um lunático. De alguma forma, ele tem a idéia de agir como louco. Se puder convencer o rei de que perdeu a sanidade, não será mais levado a sério, e pode até ser que o deixem com vida. Assim Davi começa a realizar seu plano. Ele arranha os portões da cidade e deixa a saliva escorrer pelo queixo e pela barba. Ele é patético e repugnante.

Agindo assim ele convence ninguém menos que o rei. De qualquer forma, Aquis não quer realmente matar Davi. Ele parece sinceramente gostar dele. Esta é a sua saída. O rei não precisa levar a sério um cara louco! Não há glória em matar Davi. Não há benefício em mantê-lo em Gate. Gate não é um asilo de loucos! Eles já têm bastante filisteus doidos na cidade; não precisam de um louco israelita também. E assim Aquis expulsa Davi da cidade. A vida dele é poupada e acabam-se as preocupações de seus conselheiros. Esta, ao que parece, é uma situação vantajosa para os dois lados.

Davi se Torna um Habitante das Cavernas e Comandante
(22:1-2)

Davi retirou-se dali e se refugiou na caverna de Adulão; quando ouviram isso seus irmãos e toda a casa de seu pai, desceram ali para ter com ele. Ajuntaram-se a ele todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele se fez chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens.

Davi retorna ao território de Judá, mas não muito distante da fronteira de Israel com a Filistia. Ele se esconde na caverna de Adulão. A localização de Adulão não é exata, mas parece ter se sido há algumas milhas a leste de Gate, na direção de Belém e Jerusalém. Parece que Davi encontrou um esconderijo isolado e seguro, longe o suficiente de Gate e não muito perto de Saul.

Davi parece estar sozinho, até agora. Mas, quando se esconde na caverna de Adulão, uma porção de gente começa a chegar esperando juntar-se a ele. Os primeiros a ouvir sobre seu paradeiro parecem ser os de sua família, que se unem a ele na caverna. Eles devem sentir que, uma vez que Davi é visto como inimigo de Saul, eles também não estão seguros. Parece que é uma suposição acertada, com base no destino dos sacerdotes (ver capítulo 22). Outros os seguem, aqueles que estão em perigo, em dívida, ou não são a favor de Saul. Eles vêm a Davi como seu novo líder. Será que estes homens, como os discípulos do Senhor, esperam um novo rei e um novo reino que derrubará o antigo? Aqueles que se juntam a Davi durante sua estadia na caverna chegam aproximadamente a 400 homens.

Indo e Voltando de Moabe
(22:3-4)

Dali passou Davi a Mispa de Moabe e disse ao seu rei: Deixa estar meu pai e minha mãe convosco, até que eu saiba o que Deus há de fazer de mim. Trouxe-os perante o rei de Moabe, e com este moraram por todo o tempo que Davi esteve neste lugar seguro. Porém o profeta Gade disse a Davi: Não fiques neste lugar seguro; vai e entra na terra de Judá. Então, Davi saiu e foi para o bosque de Herete.

Da caverna abandonada, ou de seu famoso esconderijo, Davi vai para Mispa de Moabe procurar um lugar de refúgio para seus pais já idosos (ver I Sam. 17:12). Eles não estão seguros em Belém, pois Saul pode facilmente entrar em contato com eles, e com Davi através deles. Tampouco podem seguir o ritmo de Davi e dos outros que estão com ele, mudando-se rapidamente de um lugar para outro no deserto. Eles não são forjados para a vida de fugitivos. Assim Davi procura um lugar seguro para eles em Moabe. Você deve se lembrar que Rute, a bisavó de Davi, era moabita (ver Rute 1:4; 4:13-17). Isto pode ter disposto o rei de Moabe a atender ao pedido de Davi. Também parece colocar os seus pais fora de perigo durante os anos em que ele foge de Saul.

Enquanto Davi se esconde na fortaleza de Moabe, o profeta Gade chega com um recado de Deus para ele. Ele não deve continuar se escondendo ali. Deve partir e retornar ao território de Judá. Davi obedece à ordem do profeta, ainda que possa estranhar a razão para retornar a Judá em vez de ficar em Moabe. Quando chegarmos ao capítulo 26, Davi saberá o porquê e nos dirá (e a Saul). Davi volta para Judá, escondendo-se no bosque de Herete, uma espécie de Robin Hood antigo.

Conclusão

Uma coisa evidente nesta passagem das Escrituras é a verdade das palavras escritas pelo apóstolo Tiago no Novo Testamento:

Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses, não choveu. (Tg. 5:17)

Muitos gostam de pensar em Davi como um homem de verdade. Creio que nosso texto o retrata como um homem de verdade. Nem sempre ele pensa ou faz algo espiritual. Ele tem um coração segundo o coração de Deus, mas também tem pés de barro. Davi procura refúgio com Aimeleque, contudo, reconhece que estava errado. Ele admite ser o responsável pelas mortes dos sacerdotes e de suas famílias (22:22). Ele foge para a Filistia, procurando abrigo com seus inimigos, em vez de procurá-lo em Deus. Então foge para Moabe, onde um profeta precisa lhe dizer para ir para casa. Davi não faz nada certo. Ele é um homem de verdade, não uma caricatura, e não uma lenda criada pela imaginação de algum escritor. Muitas vezes, é por causa das falhas de Davi que somos encorajados e temos esperança, pois ele é um homem semelhante a nós. Deus nos trata graciosamente como tratou Davi.

Alguns poderiam facilmente passar pelo nosso texto sem dar uma segunda olhada. Para um olhar destreinado, parece que Davi tem muita sorte, pelo menos em duas ocasiões. Primeiro ele consegue fugir para Nobe onde não há pão, exceto aquele que é reservado aos sacerdotes. Aimeleque faz uma exceção e lhe dá um pouco desse pão. Segundo, Davi foge para o território filisteu carregando a espada de Golias, achando-se na cidade do gigante. Ele parece marcado para morrer, mas sua fingida loucura lhe consegue uma escolta prá fora da cidade. Como pode ser um cara de sorte?

Outros textos da Escritura deixam claro que isto não é sorte, nem que a libertação de Davi é conseqüência desse ardil. Esta libertação é divina. De fato, logo veremos (capítulo 22) que, enquanto Davi foge de Nobe para Gate, os sacerdotes e suas famílias não têm tanta sorte. O véu é levantado para nós nos Salmos. O cenário histórico do Salmo 52 é o relato de Doegue, que viu Davi em Nobe, para Saul. Os Salmos 34 e 56 são escritos durante a estadia de Davi em Gate. Os Salmos 57 e 142 são escritos enquanto Davi se esconde na caverna. Estes Salmos são as reflexões e considerações de Davi sobre o que realmente aconteceu em nosso texto. Vamos fazer uma pausa para meditar brevemente em algumas lições que os Salmos nos mostram.

(1) A Libertação é Divina. Deus é o Único que salva. Conseqüentemente, é o Único a quem devemos clamar por libertação (Sl. 34:4-7; 57:1-3; 142). Ele é também o Único a quem devemos louvar por nos libertar. Nem sempre pode parecer que Deus seja aquele que liberta, mas todas as libertações são Dele. Pelas aparências, alguns não veriam Deus como o Libertador de Davi quando Ele poupa sua vida em Gate, mas o Salmo 34 deixa muito claro que a libertação de Davi vem de Deus.

(2) Deus é o nosso Libertador daqueles que procuram a nossa destruição (Sl. 56:1-7; 57:4-6). Davi vê sua destruição como intento de homens vis e Deus como o Único que livra os homens das suas mãos.

(3) A libertação divina é dada àqueles que amam a Deus e confiam Nele, e que clamam a Ele por sua salvação (Sl. 56:3-4, 9-11; 57:1-3; 142:1-2). Deus cuida de Seus amados e, desta forma, protege aqueles que procuram refúgio Nele. Ele liberta os que O temem e que clamam a Ele por sua salvação.

(4) A libertação de Deus não é algo merecido, é um presente de Sua graça (Sl. 57:1). A libertação divina não é concedida pelos méritos dos homens, mas porque Deus é gracioso e misericordioso. Ele é movido por compaixão pelas nossas aflições (Sl.17-18; 56:8). Sua libertação muitas vezes resulta das conseqüências de nossas tolices e pecados.

(5) Deus livra os homens para que Lhe sejam gratos, para que O louvem e para que Lhe dêem glória (Sl. 56:12; 57:5, 8, 9, 11; 142:7). Quando Deus livra os homens de suas aflições, espera-se que eles O agradeçam e O louvem por Sua bondade, e, desta forma, O glorifiquem publicamente. Assim, nossa libertação divinamente operada não é somente para o nosso bem, mas para a glória de Deus.

(6) Deus também liberta os homens para que aprendam mais sobre Ele e instruam outros naquilo que aprenderam (Sl. 34:8-14). Creio que Davi escreve sobre o temor de Deus no Salmo 34 porque aprendeu muito sobre temor. Primeiramente Davi teme aos homens. Esta parece ser a razão para fugir para Gate. Ele teme Saul. Depois, parece temer os filisteus. Davi aprende que Deus lança fora os medos e dessa forma aprendemos a temer a Deus em vez dos homens. Este temor de Deus nos ensina a refrear a língua do mal e os lábios de falar dolosamente (Sl. 34:13). Creio que Davi reconhece a importância de dizer a verdade, e quando ele vem a temer a Deus mais do que aos homens, ele fala a verdade e incentiva os outros a fazerem o mesmo. A libertação de Davi o capacita a instruir outros naquilo que ele aprendeu.

(7) Deus livra, mesmo quando parece que a libertação é operada por outros meios (34). Quem pensaria que a falsa loucura de Davi e sua expulsão de Gate venham das mãos de Deus? Não é por sorte, ou porque ele age com rapidez? Não na cabeça de Davi. É Deus quem o liberta de Gate, mesmo quando os meios empregados por Ele sejam a falsa loucura de Davi. (Não foi Deus quem plantou a idéia da encenação em sua cabeça?)

(8) Deus opera através de meios que parecem normais e talvez até desagradavelmente humanos (Sl. 34). Você já assistiu a algum filme que procurava retratar um tema religioso ou espiritual? Mesmo quando estou longe da televisão, ouvindo apenas o som, posso dizer quando uma cena espiritual está ocorrendo. Quase sempre há um fundo musical celestial. Não sei como descrevê-lo, mas é uma música com uma auréola audível. É música que associamos a coisas celestes ou espirituais (geralmente são usados violinos e harpas para surtir o efeito desejado).

Você se lembra de ler o aviso colocado junto à estrada antes de chegar a um trecho em obras ou em construção? Ele diz Devagar, Homens Trabalhando. Creio que este é o jeito que muitos cristãos esperam que Deus aja. Quando Deus está livrando alguém na Bíblia, esperamos realmente ver um aviso que diz Devagar, Deus Trabalhando. Queremos ouvir algum tipo de música celestial tocando ao fundo, ou algo que nos diga que Deus está presente. Mas estes sinais externos não são evidentes na época em que os irmãos de José o vendem como escravo. Não são evidentes quando Satanás torna miserável a vida de Jó, pelo menos para ele. Tampouco são evidentes quando Davi está babando e arranhando os portões de Gate. Mas Deus está em ação, mesmo quando isto não é aparente aos nossos olhos. Posteriormente no livro de II Samuel veremos que Salomão se torna herdeiro do trono de seu pai (Davi), apesar de ter nascido de Bate-Seba, aquela que foi mulher de Urias. O templo será construído no terreno que Davi comprou porque deliberadamente fez o censo de Israel, sabendo que estava errado. Foi na eira de Araúna, o jebuseu, que Davi ofereceu sacrifício quando Deus cessou a praga (II Samuel 24). Deus está em ação quando não esperamos ver Suas mãos.

(9) A libertação de Deus muitas vezes ocorre em circunstâncias nas quais escapar parece impossível (142:4). Deus Se deleita em deixar que nos envolvamos em situações impossíveis, para que, quando Ele nos salve, fique bem claro que foi Ele que o fez. Davi, em seus salmos, faz um retrato desolador de sua condição, e então prossegue descrevendo a maneira como Deus o resgata.

(10) Deus nos livra de formas que não são lisonjeiras, mas humilhantes. Às vezes as cenas do telejornal mostram o resgate de alguém da forma mais desfavorável. Pode ser uma mulher com os cabelos desgrenhados, o rosto sujo e com roupas em condições deploráveis. Ninguém gosta de ser salvo deste jeito ou nestas condições, mas se tiver de escolher entre ser resgatado de forma humilhante ou não ser resgatado de jeito nenhum, a decisão é óbvia. Deus salva Davi de uma forma que o deixa muito humilhado. Deus não pretende levantar o moral de Davi; Ele pretende salvá-lo de forma que o humilhe e o faça voltar-se para Ele para ser liberto. É estranho, mas é verdade, que Deus nos humilhe primeiro, para que percebamos nossa situação desesperadora, e para que humildemente clamemos a Ele por socorro.

Ao meditar sobre a Bíblia, percebo quantas vezes Deus salva ou livra os Seus da destruição, mas de forma muito humilhante. Penso em Abrão, que fugiu para o Egito procurando socorro no tempo da fome. Fazendo isto, ele colocou não apenas sua vida em risco, mas também a promessa de Deus de que ele e Sarai teriam um filho, através do qual viriam as bênçãos sobre si e sobre o mundo inteiro (ver Gn. 12:1-3 e ss). Abrão mentiu sobre Sarai, dizendo que ela era sua irmã em vez de sua esposa e, como conseqüência, ela foi levada para o harém de Faraó. Deus livrou Abrão e Sarai, mas de um jeito que foi humilhante. Faraó os expulsou de sua terra, fornecendo-lhes o que parece ser uma escolta armada para fora da cidade (ver Gn. 12:17-20).

Uma das libertações mais humilhantes (além desta de Davi) é a de Naamã. Talvez você se lembre de que Naamã, o comandante do exército sírio, também era leproso. Através de uma jovem escrava israelita, Naamã fica sabendo que há um profeta em Israel que pode curá-lo. Mas, quando chega à porta do profeta, este não o recebe pessoalmente, mas manda um servo que o instrui a se banhar sete vezes no rio Jordão. Naamã fica furioso, porque não é tratado como um alto oficial. Finalmente, depois de receber um sábio conselho de seu servo, o comandante sírio obedece e fica livre de sua enfermidade. Deus o salva, mas de maneira que o humilhe (ver II Reis 5).

(11) A libertação de Deus é mais do que temporal, mais do que apenas física; ela inclui a libertação da condenação eterna (Sl. 34:21-22; 56:13). É interessante que no Novo Testamento a palavra que muitas vezes é traduzida por salvo é usada com sentido muito mais amplo do que apenas salvação espiritual. É usada como cura física e outros atos de livramento. Em nosso texto, Deus salva a vida de Davi, mas, em seus salmos, ele informa aos leitores que esta salvação temporal é um protótipo da salvação eterna que Deus também realiza. O Deus que nos salva de nossas aflições e de nossos inimigos, é o mesmo Deus que nos salva de Sua ira eterna.

A Libertação de Davi e Nosso Senhor Jesus Cristo

A libertação de Davi tem ligação direta com o Novo Testamento e, particularmente com nosso Senhor Jesus Cristo. Considere o uso de nosso texto pelo Senhor, em Mateus 12:

Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Jesus pelas searas. Ora, estando os seus discípulos com fome, entraram a colher espigas e a comer. Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado. Mas Jesus lhes disse: Não lestes o que fez Davi quando ele e seus companheiros tiveram fome? Como entrou na Casa de Deus, e comeram os pães da proposição, os quais não lhes era lícito comer, nem a ele nem aos que com ele estavam, mas exclusivamente aos sacerdotes? Ou não lestes na Lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa? Pois eu vos digo: aqui está quem é maior que o templo. Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes. Porque o Filho do Homem é senhor do sábado. (Mateus 12:1-8)

Os fariseus ficam muito perturbados por aquilo que consideram violações do Sábado, feitas por nosso Senhor e Seus discípulos. Quando os discípulos (não Jesus, observe) colhem algumas espigas e as comem no Sábado, os fariseus vêem isto como flagrante violação da lei. Afinal, isto é trabalho, pensam eles. Portanto, fazem questão de confrontar Jesus com este exemplo de Seu desrespeito ao Sábado.

Jesus vira a mesa sobre os fariseus. Em essência, eles persistem em Lhe perguntar: Quem você pensa que é? Como ousa violar o Sábado curando e permitindo que Seus discípulos colham espigas no dia santo? Jesus responde a este desafio de várias formas. Ele mostra que Seus oponentes são hipócritas, porque não guardam o Sábado da mesma forma que exigem que Ele o faça (eles trabalharão para tirar um boi de uma cova). Tampouco é errado fazer o bem no Sábado. Eles falham na compreensão de que o Sábado foi criado para o benefício do homem, não o homem para o Sábado. Outra resposta de Jesus é que Ele trabalha no Sábado para imitar Seu Pai, que também trabalha, salvando os homens.

Mas aqui Jesus faz uma abordagem diferente. Jesus volta ao nosso texto, relembrando a Seus oponentes que Davi comeu pão sagrado, mesmo não sendo sacerdote. Como é que eles não se preocupam com isto? A resposta, Jesus sugere, é: quem são vocês para fazer qualquer distinção. Eles não protestam por Davi ter comido o pão sagrado porque ele é Davi. Em breve irá se tornar o rei de Israel. Isto coloca toda a questão sob uma luz inteiramente diferente. O mesmo é verdade para os sacerdotes do templo. Eles trabalham no sábado, mas não são condenados por isso, e com razão, pois são sacerdotes.

Um das razões pelas quais Jesus não se sente obrigado a seguir as regras dos Fariseus a respeito do Sábado é porque Ele é o Filho de Deus. Ele é o Messias de Deus, Aquele a quem Deus designou para governar sobre toda a terra como Rei. Se Davi pode comer o pão sagrado porque ele é quem é, e se os sacerdotes podem violar o Sábado porque são quem são, então, certamente, nosso Senhor não deve ser desafiado da maneira como os Fariseus estão fazendo. Quem são vocês para fazer qualquer distinção. Este é o princípio ilustrado em nosso texto, como indicado por nosso Senhor.

Quem são vocês para fazer qualquer distinção. Sem Cristo, somos alienados e estranhos ao Reino de Deus. Somos inimigos de Deus. Somos pecadores, condenados com razão à morte e à danação eterna. Em Cristo, somos perdoados, purificados, justificados e destinados à vida eterna. Davi é salvo muitas vezes em sua vida. A libertação de nosso texto é realmente a mais humilhante. Não é do jeito que ele preferia, mas é liberto da morte e de seus inimigos. É uma libertação humilhante, mas é divina. Por isso, Davi dá glória a Deus.

Como Davi, estamos condenados à morte. Sem a graça divina, somos tão bons quanto os mortos. Nosso problema está no nosso próprio pecado, que nos torna inaceitáveis à vista de Deus. Ele nos coloca debaixo da condenação divina e da danação eterna. Deus, em Sua misericórdia nos deu um meio de escape. Os meios de libertação de Deus não nos lisonjeiam, mas sempre glorificam a Ele. Ele enviou Seu Filho à terra como homem (o perfeito Deus-Homem), para viver uma vida perfeita e morrer como inocente como pagamento por nossos pecados. A cruz não foi um acontecimento para inflar o ego. Foi a morte horrível de nosso Senhor em favor de pecadores culpados. Mas Deus levantou Jesus da morte, glorificando-O e aqueles que, pela fé, estão Nele. É pela fé em Jesus Cristo que pecadores indignos são libertados da morte eterna, para a glória de Deus. Você já recebeu o perdão de seus pecados, este presente da justiça de Deus em Cristo? Tudo o que precisa fazer é reconhecer seu pecado e confiar em Jesus como único meio de Deus para sua libertação. Eu o incentivo a fazer isto hoje.

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