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24. Um Passo Para Frente, Dois Para Trás (I Samuel 27:1-28:2)

O Que Um Homem Como Você Faz Num Lugar Como Esse?

Introdução

No ano passado encontrei-me fazendo coisas que jamais sonhei fazer. A saúde de uma antiga vizinha declinava rapidamente. Num determinado momento olhamos pela janela e a vimos sentada em sua cadeira, à mesa da cozinha. No instante seguinte, a cadeira estava vazia. Sabíamos que ela estava no chão e que eu teria que ir até lá para ajudá-la. À medida que o tempo passava, uma cadeira reclinável se tornou sua base de operações, e a seguir uma cama de hospital. Às vezes me encontrava numa mercearia comprando coisas de que mal ouvira falar.

Um dia, a enfermeira da casa de saúde veio lhe fazer a visita de costume. Vi seu carro e dei um pulo até lá para lhe perguntar como iam as coisas. Ela me informou que as coisas estavam piorando, e que teríamos que empregar o método de transferência total. Lancei-lhe um olhar confuso, sem saber exatamente o que ela queria dizer. Sem hesitação, ela respondeu: “Venha, vou lhe mostrar. Antes mesmo de saber o que estava acontecendo, eu estava em pé, ali na varanda da minha vizinha, com a enfermeira demonstrando o que era uma “transferência total. Ela colocou suas pernas por fora das minhas, e depois seus braços em volta do meu pescoço. Agora sei o que é uma transferência total, a qual, provavelmente, eu teria que usar para levar a paciente de um lugar para outro. Meu problema era que eu estava parado na varanda da minha vizinha numa posição que talvez parecesse bem diferente daquilo que realmente era. Posso até imaginar os vizinhos espreitando pela janela e correndo para pegar um binóculo ou uma câmera fotográfica! Como eu poderia explicar? O que eu fazia numa posição como aquela?

Quando leio a narrativa da fuga de Davi para Gate, e sua aliança com Aquis, o rei de Gate, preciso fazer a mesma pergunta. No final de nosso texto, encontramos Davi no exército, saindo com seu rei, pronto para batalhar. O problema é que Davi está no exército filisteu, e está saindo para batalhar com os israelitas. Lemos que ele garante ao rei filisteu que está pronto e disposto a mostrar o que ele e seus homens podem fazer, contra o povo de Deus. O que um cara como Davi está fazendo num lugar como esse? Esperamos conhecer a resposta para esta pergunta estudando esta intrigante passagem. Vamos pedir ao Espírito Santo de Deus que ilumine nosso coração e nossa mente, para que possamos entender as lições que Deus tem para nós.

Recapitulando

Davi é ungido por Samuel como o próximo rei de Israel no capítulo 16. No capítulo 17, ele se levanta contra Golias, o campeão filisteu da cidade de Gate, e o mata. No capítulo 18, Saul começa a ficar nervoso com a popularidade de Davi diante do povo e dá início aos planos para ocasionar sua morte. A princípio, ele quer que isso pareça um acidente, mas depois dá ordens expressas para que Davi seja morto. Finalmente, Davi é obrigado a fugir para salvar sua vida, vivendo como fugitivo da justiça.

A fuga de Davi começa com sua inesperada aparição em Nobe, onde ele inventa uma história para Aimeleque, o sacerdote, para explicar porque veio sem seus homens. A pedido de Davi, o sumo sacerdote lhe dá do pão sagrado e a espada de Golias. De Nobe, Davi foge para Aquis, rei de Gate. O rei está disposto a lhe dar proteção, até que alguns de seus servos o fazem recordar de que a reputação de Davi não deve ser negligenciada. Sabendo que está em perigo, Davi finge-se de louco, perambulando pela cidade, babando e arranhando os portões. Aquis não se sente ameaçado por um doido, mas também não vê nenhuma vantagem em lhe dar proteção, por isso expulsa Davi de Gate. Daí em diante, Davi começa a reunir um grupo de descontentes e é obrigado a se esconder nas regiões remotas de Judá, principalmente depois da exortação de Gade (22:5).

No capítulo 24, ocorre que Saul e Davi procuram a privacidade da mesma caverna. Os homens de Davi interpretam este encontro providencial como sinal de que Deus quer que eles matem Saul e acabem com seus problemas. Davi não pensa assim. Até mesmo cortar um pedaço do manto do rei faz Davi ficar com peso na consciência. Ele deixa Saul sair da caverna e então revela sua presença, mansamente repreendendo o rei por persegui-lo sem motivo. Davi lhe assegura que não tem intenção de lhe fazer mal, e que seu relacionamento com Saul está aos cuidados de Deus. Saul parece se arrepender, e os dois se separam pacificamente.

No capítulo 25, Davi é insultado por Nabal, um tolo descendente de Calebe que, de forma alguma, está à altura de sua herança. Davi parte atrás de Nabal, pretendendo tirar não só a sua vida, como a de todos os homens de sua casa. Somente pela intervenção sábia e abnegada de Abigail, a esposa de Nabal, Davi desiste de sua vingança impulsiva. Nesse encontro, Abigail assegura a Davi que ele será rei de Israel e que o melhor a fazer é deixar a vingança com Deus. Davi concorda, e os dois se separam pacificamente.

O capítulo 26 parece ser o ponto alto da vida espiritual de Davi. Uma vez mais, Saul está em sua perseguição. Davi é informado de sua presença e envia espiões, que localizam o local exato do acampamento de Saul. Davi e Abisai, então, entram no acampamento, enquanto os soldados de Saul dormem um sono profundo causado por um sedativo divino (26:12). Davi não permite que Abisai mate Saul, como é óbvio que ele pretende fazer (26:8-9,15). Em vez disto, apenas a lança e a vasilha d’água são levadas, como prova do quanto eles estiveram perto do rei, sem, contudo, serem detidos por qualquer um de seus homens.

Davi inicia o confronto censurando Abner, e depois o resto dos soldados, por permitirem que um assassino se aproximasse do rei. Davi faz com se lembrem de que este é um crime passível de morte, e depois lhes diz que foi ele quem salvou a vida do rei, não qualquer um deles. Como pode, pergunta Davi, alguém que salva a vida do rei ser caçado como assassino, enquanto dignos de morte são aqueles que procuram tirar sua vida?

Davi também tem uma palavra para o rei. Uma vez mais ele afirma sua lealdade a Saul e lhe pergunta por que procura tirar sua vida. Davi mostra ao rei que deve haver alguém que o está instigando contra ele, e injustamente. Ele não é nenhuma ameaça ao rei. Mas, em sua perseguição a Davi, o rei o está expulsando do país e, assim, do lugar de adoração a Deus e de Suas bênçãos. É como se o rei estivesse lhe dizendo para adorar outros deuses. Davi suplica que Saul não o obrigue a deixar sua pátria, para que seu sangue não seja derramado em solo estrangeiro (26:17-20). Saul confessa seu pecado e reconhece que Davi terá grandes realizações e certamente prevalecerá (26:25). Indiretamente, ele promete que cessará sua perseguição, e por isso, convida Davi a retornar (26:21). Acho que ele está dizendo a Davi para voltar a adorar, sem receio.

Contudo, apesar de todas as confirmações de que será o próximo rei de Israel, e de suas próprias declarações de fé, encontramos Davi deixando o país e voltando para Gate. Isto é realmente espantoso.

Melhor em Gate do Que no Túmulo
(27:1-4)

Disse, porém, Davi consigo mesmo: Pode ser que algum dia venha eu a perecer nas mãos de Saul; nada há, pois, melhor para mim do que fugir para a terra dos filisteus; para que Saul perca de todo as esperanças e deixe de perseguir-me por todos os limites de Israel; assim, me livrarei da sua mão. Dispôs-se Davi e, com os seiscentos homens que com ele estavam, passou a Aquis, filho de Maoque, rei de Gate. Habitou Davi com Aquis em Gate, ele e os seus homens, cada um com a sua família; Davi, com ambas as suas mulheres, Ainoã, a jezreelita, e Abigail, a viúva de Nabal, o carmelita. Avisado Saul de que Davi tinha fugido para Gate, desistiu de o perseguir.

O porém do verso 1 parece sugerir uma clara proximidade entre os acontecimentos do capítulo 26 e os do capítulo 27. Não temos a indicação de qualquer espaço de tempo significativo, nem a descrição de qualquer tipo de crise, que expliquem a repentina mudança de Davi. Justamente ele, que estava tão confiante na proteção de Deus à sua vida (24:15) e que fora assegurado disto por Abigail (25:29), agora fala de sua morte como uma coisa certa, caso ele não fuja para território filisteu, onde afirma ter segurança (27:1). Davi, que no capítulo anterior, disse ser Saul quem morreria, agora diz ser ele quem perecerá. E Davi, que suplica a Saul para não ser obrigado a deixar sua terra, agora se sente compelido a deixá-la, mesmo Saul tendo lhe dado certa garantia de segurança. Isto é ainda mais espantoso.

A palavra empregada por Davi (traduzida por “perecer na versão ARA) é significativa, principalmente porque ele conhece a Lei de Moisés. A palavra é empregada 18 vezes de Gênesis a Juízes - isto é, até Davi empregá-la em 26:10 e 27:1. Três dessas vezes ela é usada para se referir ao julgamento de Deus sobre os inimigos de Israel. Onze vezes se refere ao julgamento de Israel como inimigo de Deus, por desobedecê-Lo e desrespeitar Sua lei. Não é interessante que Davi, que acabara de falar de si mesmo como inocente e dos outros como culpados, agora use este termo para expressar o temor de que Saul o destrua? Davi realmente está perdido. Dale Ralph Davis escreve que: “... o pensamento que levou Davi a este ponto indica crises de enfraquecimento da fé (como são chamadas por H. L. Ellison):

Disse, porém, Davi consigo mesmo: Pode ser que algum dia venha eu a perecer nas mãos de Saul; nada há, pois, melhor para mim do que fugir para a terra dos filisteus; para que Saul perca de todo as esperanças e deixe de perseguir-me por todos os limites de Israel; assim, me livrarei da sua mão.” (27:1)

Não se passou muito tempo desde a primeira vez que Davi procurou refúgio em Gate. Isso foi um desastre tremendo para ele. Ele sobreviveu, mas foi expulso como um lunático babão e arranhador. Qualquer um teria pensado que, ao deixar os portões de Gate, Davi tenha dito a si mesmo: “Jamais farei isso de novo!” E, no entanto, hei-lo aqui, mas, desta vez, ele não está só. Desta vez ele tem 600 seguidores, mais suas mulheres e famílias (27:2-3). As duas mulheres de Davi também estão com ele.

Davi tem razão sobre uma coisa. Quando Saul fica sabendo que ele fugiu para Gate, não o procura mais. Será que isto significa que Saul teria tentado acuar Davi se este tivesse permanecido em território israelita? Realmente não é nenhuma surpresa que Saul não procure capturá-lo em território filisteu. Afinal, ele nunca foi muito enérgico na sua luta contra os filisteus. Jônatas, seu filho, é quem foi. No entanto, para ser “justo” a respeito da desistência de Saul, isto não significa que Davi esteja certo em fugir para lá, como acho que o Autor quer deixar claro.

Um Lugar Somente Seu
(27:5-7)

Disse Davi a Aquis: Se achei mercê na tua presença, dá-me lugar numa das cidades da terra, para que ali habite; por que há de habitar o teu servo contigo na cidade real? Então, lhe deu Aquis, naquele dia, a cidade de Ziclague. Pelo que Ziclague pertence aos reis de Judá, até ao dia de hoje. E todo o tempo que Davi permaneceu na terra dos filisteus foi um ano e quatro meses.”

Pode imaginar o enorme impacto que Davi, os 600 guerreiros e suas famílias devem ter causado na cidade de Gate? No entanto, não é por consideração a Aquis, ou a Gate, que Davi faz um pedido ao rei. Ele se aproxima de Aquis com uma solicitação. Ele pede que, se puder, Aquis lhe dê uma cidade onde ele, seus seguidores e suas famílias possam viver, e que não seja muito próxima. Parece um pedido razoável, e Aquis dá a Davi a cidade de Ziclague. Esta cidade fica a aproximadamente 25 milhas ao sul e a leste de Gate. É um tanto fora de mão, da perspectiva dos filisteus, e não muito distante das cidades israelitas. Davi e seus seguidores recebem um “lugar somente seu”, numa região onde suas atividades não serão monitoradas por Aquis. É mais ou menos como se mudar longe o suficiente dos familiares para ter sua própria vida. Davi mora um ano e quatro meses na Filistia, mas a cidade de Ziclague se torna possessão permanente dos reis israelitas (versos 6 e 7).

Colocando uma Venda nos Olhos de Aquis
(27:8-12)

Subia Davi com os seus homens, e davam contra os gesuritas, os gersitas e os amalequitas; porque eram estes os moradores da terra desde Telã, na direção de Sur, até a terra do Egito. Davi feria aquela terra, e não deixava com vida nem homem nem mulher, e tomava as ovelhas, e os bois, e os jumentos, e os camelos, e as vestes; voltava e vinha a Aquis. E perguntando Aquis: Contra quem deste hoje? Davi respondia: Contra o Sul de Judá, e o Sul dos jerameelitas, e o Sul dos queneus. Davi não deixava com vida nem homem nem mulher, para os trazer a Gate, pois dizia: Para que não nos denunciem, dizendo: Assim Davi o fazia. Este era o seu proceder por todos os dias que habitou na terra dos filisteus. Aquis confiava em Davi, dizendo: Fez-se ele, por certo, aborrecível para com o seu povo em Israel; pelo que me será por servo para sempre.”

Davi e seus homens recebem um lugar para viver. Eles também precisam de meios de sobrevivência. A solução que Davi encontra para este problema é realmente engenhosa. Ele usa Ziclague como seu quartel-general, sua base de operações. Dali, ele e seus homens tomam conta da região, invadindo as cidades e os campos dos inimigos de Israel. Nós já conhecemos alguns desses povos, tais como os amalequitas. Mas, de outros, como os geruzitas, nada sabemos. De maneira geral, sabemos que estes são os povos que habitaram a terra nos tempos antigos. Por isso, talvez seja seguro concluir que todos sejam “cananeus”, os quais devem ser banidos da terra (ver Êxodo 23:23; Números 21:3; Deuteronômio 7:1-5; Juízes 1:17).

Se for assim (talvez tenhamos uma pequena dúvida quanto aos gersitas, por exemplo), então o massacre total desses “cananeus” parece justificado. No entanto, devo assinalar que, apesar de Davi matar todas as pessoas das vilas invadidas, incluindo as crianças, ele não mata todo o gado. Ele “tomava as ovelhas, e os bois, e os jumentos, e os camelos, e as vestes (versa 9). Se ele estiver atacando estes povos para obedecer à ordem de Deus, então ele não é mais obediente do que Saul, que deixou vivo apenas o rei e o melhor do gado. Por isso, parece que ele ataca estes povos por razões mais práticas, tais como providenciar alimento para a sua família e as de seus soldados. Ele mata todas as pessoas, sem deixar sobreviventes, não porque este seja um mandamento de Deus, mas porque é o único meio de continuar com sua fraude (verso 11).

Davi talvez esteja fazendo a coisa certa (isto é, aniquilando todos a quem Deus sujeitou ao banimento), mas por razões totalmente erradas. Muitas vezes Deus realiza Sua vontade por meio do interesse de homens que, só inconscientemente, fazem o que Deus determinou. Isto foi verdade em relação aos irmãos de José (ver Gênesis 50:20), e também parece ser em relação a Davi em território filisteu.

Davi pode não ter sido sábio ao se refugiar em território filisteu, mas, com certeza, ele é inteligente e perspicaz. O rei Aquis talvez se ache muito esperto, mas creio que seja simplório e ingênuo. Davi vai até ele como “desertor”, mas Aquis acha que Davi é um grande prêmio, um “verdadeiro achado”. A presença de Davi entre os filisteus lhe parece uma grande aquisição. Afinal, aparentemente, Davi está lutando ao lado dos filisteus contra os israelitas (27:10). Talvez isto signifique que os israelitas não o recebam de volta e, com certeza, não como seu rei (compare 21:11; 27:12). Em vez de consumir os recursos de Aquis, Davi contribui com ele. Após cada invasão, parece que Davi lhe faz um relatório e lhe dá uma parte dos despojos (27:9). Aquis pensa que tem Davi na palma da mão e que pode continuar ”usando-o” em seu próprio benefício.

Aquis não é muito perspicaz. Davi não está matando nenhum israelita, está matando os inimigos de Israel, e tudo de seu refúgio em Ziclague. Mesmo que este texto não diga, logo saberemos que Davi partilha os despojos de guerra com o povo que supostamente está matando - seus compatriotas:

Chegando Davi a Ziclague, enviou do despojo aos anciãos de Judá, seus amigos, dizendo: Eis para vós outros um presente do despojo dos inimigos do SENHOR: aos de Betel, aos de Ramote do Neguebe, aos de Jatir, aos de Aroer, aos de Sifmote, aos de Estemoa, aos de Racal, aos que estavam nas cidades dos jerameelitas e nas cidades dos queneus, aos de Horma, aos de Borasã, aos de Atace, aos de Hebrom e a todos os lugares em que andara Davi, ele e os seus homens. (I Sam. 30:26-31)”

Percebe o contraste teatral entre a maneira como Davi representa para Aquis e como ele realmente se conduz? Ele diz que está lutando contra seus irmãos israelitas, levando o rei filisteu a concluir que ”Fez-se ele, por certo, aborrecível para com o seu povo em Israel; pelo que me será por servo para sempre.” (27:12) A verdade é que ele está matando os inimigos de Israel, e depois partilhando os despojos com seus irmãos israelitas, fazendo visitas freqüentes às suas cidades (30:26-31). Davi ganha o favor dos israelitas, enquanto vive sob a proteção dos filisteus. Podemos dizer que ele está “jogando dos dois lados”.

Durante essa época, Davi deve ter mentalmente se cumprimentado: “não dá prá ser melhor”. Ele não tem de se esconder num deserto “abandonado por Deus” do território de Israel; pode ir livremente aonde quiser, com dignidade. Pode até fazer uma visitinha ao rei. Não precisa “implorar” uma esmola para seus homens; mas, pelo contrário, pode viver dignamente dos despojos de suas invasões. Não precisa temer que os israelitas o traiam, pois sempre visita suas vilas e povoados, levando presentes dos despojos de guerra aos seus líderes. E, se Saul não dá um jeito nos inimigos que rondam a nação, ele dá. Davi parece ter o melhor dos dois mundos (israelita e filisteu). Realmente parece, mas não por muito tempo. O castigo, como dizemos, está vindo a cavalo.

Epa! (28:1-2)

Sucedeu, naqueles dias, que, juntando os filisteus os seus exércitos para a peleja, para fazer guerra contra Israel, disse Aquis a Davi: Fica sabendo que comigo sairás à peleja, tu e os teus homens. Então, disse Davi a Aquis: Assim saberás quanto pode o teu servo fazer. Disse Aquis a Davi: Por isso, te farei minha guarda pessoal para sempre.”

Nos últimos meses, várias famílias decidiram que seus filhos participariam junto com elas da aula das 11 horas, onde este estudo é ministrado. Algumas semanas atrás, um de meus amiguinhos já havia contribuído para o título da lição. Ele também me deu de presente um desenho sobre ela. Quando estava entregando esta mensagem e cheguei a este ponto, uma jovenzinha da família exclamou: “Oh, oh!”. Ela tinha razão. Esta não foi uma boa hora para Davi. Por isso, dei o título de “Epa” aos dois primeiros versos do capítulo 28 .

Os filisteus estão continuamente em guerra com Israel, como temos visto em I Samuel. Parece que seus comandantes decidem que já é tempo de uma nova investida militar. Aquis fala sobre seus planos com Davi e o “honra” dizendo-lhe que decidiu torná-lo, e a seus homens, parte de sua divisão. Não sei o quanto Davi fica surpreso com a notícia, mas sua resposta ao rei certamente surpreende o leitor: “Assim saberás quanto pode o teu servo fazer.”

Isso parece conversa de macho. “Meu, vou te levar comigo prá guerra.” “Tudo bem, cara, você ainda não viu nada.” Será que Davi quis mesmo dizer o que disse? Será que ele realmente sabe o que significa? Duvido. Talvez esteja tão surpreso que mal saiba o que dizer. Certamente ele dá a resposta que Aquis quer ouvir, pois o rei reage à sua fanfarrice contando-lhe que pretende torná-lo seu guarda-costas pessoal. Que incrível! Davi, que já foi escudeiro de Saul (16:1), agora é designado como guarda-costas de um rei filisteu e está prestes a guerrear contra Israel. Com certeza o leitor é obrigado a se perguntar: “Mas o que é que um cara como você faz num lugar como esse?”

Conclusão

Para finalizar nosso estudo, a primeira coisa que devemos dizer é que o texto não termina aqui. O autor habilmente nos deixa coçando a cabeça, levando-nos a uma história ainda mais surpreendente (a consulta de Saul à médium de Endor em 28:3-25). A história que começa aqui no capítulo 27 é concluída nos capítulos 29 a 31. Mas não teremos respostas rápidas e fáceis; ficaremos com perguntas inquietantes, para nos fazer refletir. O autor não nos conta um conto de fadas de “final feliz”; ele conta uma história real, que confunde a nossa cabeça. Queremos que a Bíblia nos diga tudo, para não termos de sofrer ou pensar por nós mesmos? Não é assim, mesmo que isso seja aquilo que prefiramos. Muitas vezes a Bíblia nos diz coisas inquietantes e depois nos deixa pensando sobre elas. A Bíblia não faz todo o trabalho para nós; ela procura estimular nosso pensamento. Não devemos pensar independentemente da Palavra de Deus, mas com base Nela. O que o resto da Bíblia nos ensina a fazer com esta história?

Também aprendemos em nosso texto (e em muitos outros) que a Bíblia não procura nos tornar adoradores de heróis. Tanto nos círculos cristãos, quanto nos não cristãos, as pessoas são propensas a ter seus heróis. É isso o que Hollywood fornece para muitos de nossos jovens. Nós, adultos, gostamos de pensar que somos mais sofisticados. Muitas vezes os tele-evangelistas são os heróis daqueles que os assistem e lhes enviam fielmente ofertas para o seu sustento. Quando um de nossos heróis cristãos cai, ficamos arrasados. Temos vontade de jogar a toalha, completamente desiludidos por percebermos que nossos heróis não são aquilo que alegam ser. Se nossos líderes não podem viver à altura de nossos padrões, dizemos a nós mesmos, como alguém pode esperar que vivamos? O fracasso de um líder cristão famoso com freqüência tem efeito dominó na comunidade cristã.

A Bíblia não nos dá tais heróis, homens ou mulheres que tenham o toque de Midas, bem sucedidos em tudo o que fazem, que parecem nunca falhar. A Bíblia nos dá homens e mulheres com todas as suas falhas, homens e mulheres exatamente como nós, ou, como Tiago os chama, homens “semelhantes a nós (Tg. 5:17). Abraão, o homem que estava disposto a oferecer seu filho, Isaque, também estava disposto a “oferecer” sua esposa Sara, fazendo-a se passar por sua irmã (e mais de uma vez, ver Gênesis 12:13; 20:10-13). Jacó foi um homem que não preencheria nem os requisitos de vendedor de uma loja popular de carros usados, mesmo que seu “tio” fosse o dono da loja. Estamos começando a ver as fraquezas de Davi e, certamente conhecemos as fraquezas de homens como Gideão, Jonas e Pedro. Na Bíblia não existem maridos perfeitos, nem pais perfeitos, nem esposas perfeitas. Deus não deseja que “adoremos” os homens ou façamos deles nossos ídolos. Ele quer que nós O adoremos. Quando idolatramos os homens, não somos apenas tolos, mas também colocamos a nós mesmos, e aqueles a quem idolatramos, em sérios problemas.

Agora, vamos ao ponto principal. O que o autor pretendia ensinar com esta passagem aos leitores de sua época, e o que o texto diz para nós hoje? Vamos começar com a mensagem para a época do autor. Não sabemos exatamente quando o livro de I Samuel foi escrito, mas sabemos que foi algum tempo depois dos acontecimentos nele descritos, pois é dito, por exemplo, que alguém anteriormente chamado de “vidente era chamado de “profeta nos dias de seus leitores (I Samuel 9:9). Também é dito que a cidade de Ziclague, dada a Davi em I Samuel 27, permanece sob a posse dos reis de Israel até a época de seus leitores (I Samuel 27:6). Parece que os acontecimentos de nosso texto seriam muito instrutivos para os ”reis” daquela época. Será que eles perceberam o perigo das alianças com estrangeiros? Provavelmente sim, pois este foi um perigo constante na história de Israel. As lições que Davi aprendeu como “futuro rei” foram lições para todos os reis e “futuros reis”.

Há ainda muitas outras lições para as pessoas comuns daquela época, e que também se aplicam a nós hoje. Quando chegamos aos dois primeiros versos do capítulo 28, certamente precisamos perguntar: “Como é que Davi se meteu numa enrascada dessas?” Onde foi que ele errou? Onde falhou? Vamos meditar nestas questões cuidadosamente, em oração, pois meu ponto de vista é que os cristãos de hoje falham da mesma forma que falharam séculos atrás. Os problemas e soluções daquela época são os mesmos ainda hoje. Deixe-me sugerir alguns pontos onde Davi fracassou.

Antes de mais nada, Davi caiu na “síndrome da solidão”. Davi é beneficiado pelo ministério de várias pessoas. Havia Samuel, que não só o ungiu como o futuro rei de Israel, mas a quem Davi podia recorrer quando Saul o perseguisse (I Sam. 19:18-24). Havia também Abiatar, o único herdeiro sobrevivente de Aimeleque, e que se juntou a Davi, junto com a estola sacerdotal (I Sam. 22:20-23; 23:6). Depois houve Jônatas, que estava sempre ao seu lado, asseverando que ele seria o próximo rei (I Sam. 20:12-17,41-42; 23:15-18). E também Abigail, que o incentivou a fazer a coisa certa como futuro rei de Israel (I Sam. 25:26-31).

Embora estivesse junto de muitas pessoas, parece que, de certa forma, ele se havia se fechado em si mesmo. Sua conversa em 27:1 é consigo mesmo (literalmente, o texto nos informa que ele “disse consigo mesmo). Davi sofre daquilo que chamo de a “síndrome do patrulheiro solitário”. É aquela sensação enganosa de “estar sozinho” em sua luta espiritual, dor e sofrimento. Até o profeta Elias foi pego por esse mal:

Ali, entrou numa caverna, onde passou a noite; e eis que lhe veio a palavra do SENHOR e lhe disse: Que fazes aqui, Elias? Ele respondeu: Tenho sido zeloso pelo SENHOR, Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida. (I Re. 19:9-10, ênfase minha)”

Ouvindo-o Elias, envolveu o rosto no seu manto e, saindo, pôs-se à entrada da caverna. Eis que lhe veio uma voz e lhe disse: Que fazes aqui, Elias? Ele respondeu: Tenho sido em extremo zeloso pelo SENHOR, Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida.”

Sempre que pensamos estar sozinhos em nossas lutas espirituais, estamos enganando a nós mesmos e prontos a cair espiritualmente. Davi parece estar nesse estado de espírito de ”Patrulheiro Solitário”. Aqui, certamente, ele não está buscando um bom conselho ou a vontade de Deus, meios disponíveis se ele quisesse se valer deles.

Segundo, parece que Davi se esqueceu das coisas que deveria se lembrar. Este mal é realmente muito grave. O povo de Israel sempre se esquecia de como o Senhor os tinha fielmente conduzido e cuidado no passado, mesmo em seu passado recente. No livro de Deuteronômio, Moisés continuamente exorta os israelitas a “se lembrarem de tudo quanto Deus fizera por eles, dizendo-lhes para não “se esquecerem dessas coisas. Davi esqueceu-se bem depressa, preferindo fugir do território de Israel e buscar proteção e segurança em território filisteu. Ele esqueceu-se das palavras que o Senhor lhe disse por intermédio de Samuel e de muitos outros. Ele esqueceu-se de como o Senhor o salvou vezes e mais vezes de Saul. Ele esqueceu-se da instrução do profeta Gade para deixar o lugar seguro (aparentemente fora do território de Israel) e voltar para Judá (I Samuel 22:5). Ele esqueceu-se de suas próprias palavras, ditas há tão pouco tempo, sobre a bênção de estar em Israel, e a maldição de ser obrigado a partir (capítulo 26). Davi parece até ter se esquecido do desastre que foi quando fugiu para Aquis, o rei de Gate (21:10-15). O esquecimento (dos mandamentos, das promessas e da fidelidade de Deus) com freqüência é o ponto de partida para erros graves.

Terceiro, parece que Davi tem os olhos fechados para as implicações e conseqüências de seus atos, enquanto minimiza a gravidade de seu erro. Davi não tem intenção de falhar. Ele não pretende acabar no exército filisteu, indo para a batalha contra Saul, Jônatas e os demais soldados israelitas. Tudo que ele pretende fazer é deixar Israel por uns tempos, o suficiente para Saul desistir de sua perseguição. Mas o pecado tem um jeito de abrir caminho para outro pecado e depois outro. É isto o que acontece com Davi. A situação vai ficando de mal a pior, e Davi vai tão fundo que parece não haver saída. E tudo começa com o que parece ser um pequeno deslize na fé, mas que termina numa situação das mais graves, onde Davi se encontra prestes a assumir o lugar de Golias contra Saul e Israel.

Quarto, a decisão de Davi tem como base a “vista”, não a “fé”. Davi não vê a sua situação com os olhos da fé, mas com olhos humanos. Sua avaliação é meramente humana. Esse tipo de avaliação ignora a providência de Deus, Suas promessas ou Suas profecias. Davi olha com olhos humanos e tudo o que vê é a certeza da morte, se permanecer em Israel. Sua única “esperança” está na benevolência, no poder e nos recursos de um rei pagão. Aqui, não é sua fé, mas seu medo, que vence.

Quinto, o fracasso de Davi não ocorre devido a uma derrota esmagadora, uma tentação irresistível ou uma grande crise. Creio que tudo seria bem mais fácil se as decisões de Davi neste capítulo fossem tomadas em momentos de pânico, problemas monumentais, oposição ou tentação. O fato é que nosso texto não indica nada desse tipo. O fracasso de Davi no capítulo 27 vem logo após seu “sucesso” no capítulo 26. Acontece a mesma coisa com Elias, que literalmente se encaverna (desculpe o trocadilho) depois da grande vitória no Monte Carmelo.

O que, então, explica o fracasso de Davi no capítulo 27? Acho que sei a resposta. Um dos maiores inimigos enfrentados pelos cristãos - a fadiga. Ouça estas exortações sobre a fadiga:

E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos. (Gl. 6:9)”

E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem. (II Ts. 3:13)”

Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo, para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma. (Hb. 12:3)”

Ao anjo da igreja em Éfeso escreve: Estas coisas diz aquele que conserva na mão direita as sete estrelas e que anda no meio dos sete candeeiros de ouro: Conheço as tuas obras, tanto o teu labor como a tua perseverança, e que não podes suportar homens maus, e que puseste à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos e não são, e os achaste mentirosos; e tens perseverança, e suportaste provas por causa do meu nome, e não te deixaste esmorecer. (Ap. 2:1-3)”

Creio que Davi simplesmente se cansou de fazer a coisa certa. Pense nisso. Ele está em fuga já há algum tempo. Saul oferece uma recompensa por sua cabeça. E agora, até mesmo aqueles que são de sua própria tribo, Judá (isto é, os zifeus) o denunciam para Saul. Indiretamente Davi é responsável pela morte dos sacerdotes e de suas famílias. Saul o afastou de seus filhos, Jônatas e Mical. Davi pôs em risco a vida de sua própria família, quando achou que devia deixá-los aos cuidados do rei de Moabe. Ele acumulou 600 seguidores, todos com esposas e famílias para se preocupar. Este tipo de fardo pode abater qualquer um. Davi não “estoura”, por assim dizer. Ele se “apaga”. Simplesmente ele desiste.

É errada, mas esta é a maneira como muitas pessoas do povo de Deus têm falhado ao longo dos séculos. No entanto, não precisa ser assim. Aqueles de nós que estão abatidos somente precisam buscar forças em Deus. Precisamos entender que é em nossa fraqueza que Deus demonstra Sua força:

Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa, nem se fatiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento. Faz forte ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos caem, mas os que esperam no SENHOR renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam. (Is. 40:28-31)”

Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve. (Mt. 11:28-30)”

E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte. (II Co. 12:7-10)”

Conheço muitos jovens cristãos que se comprometem com Jesus e se propõem a viver sua vida de forma agradável a Deus. Estas moças e rapazes dizem não à pornografia, ao sexo antes do casamento, a relacionamentos comprometedores e às drogas. Mas, um dia, de uma hora para outra, eles se cansam e jogam fora toda restrição e o compromisso de seguir a Deus. Talvez não seja uma queda imediata, mas um comprometimento, uma concessão, que levam ao desastre.

Conheço muitos casamentos que, neste exato momento, estão à beira do desastre. Maridos e mulheres ficam frustrados com seus companheiros e com seu casamento. Como Davi, eles afirmaram seu compromisso com os princípios bíblicos e reafirmaram que seu casamento é para sempre. Eles reconheceram e aceitaram o fato de que o casamento é uma representação de Cristo e Sua igreja. Mas, um dia, simplesmente se cansam da luta e desistem, jogando fora o compromisso com seu cônjuge, e até seu compromisso com Deus e Sua igreja. Muitos casamentos cristãos que tenho observado desmoronam-se em conseqüência da fadiga, de um ou de ambos os parceiros.

A mesma coisa acontece com os cristãos nos negócios. Estes crentes sabem que marcham num ritmo diferente do ritmo de seus concorrentes. Eles procuram não só obedecer às leis do país, mas viver de acordo com os princípios da Palavra de Deus. Quando oferecem um serviço, dão valores exatos, sabendo que seus concorrentes irão engabelar o cliente, só para extorqui-lo mais tarde. Mas, um dia, este profissional cristão se cansa de perder contratos, ou rendimentos, e começa a pensar e a conduzir seus negócios em termos humanos, em vez de agir com fé e obediência.

Meu amigo, vamos aprender com Davi que mesmo aqueles que têm um coração sincero diante de Deus nunca estão longe da possibilidade de falhar. As boas novas são: mesmo quando nossa fé falha, Deus permanece fiel:

Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo. (II Tm. 2:13)”

Lancemo-nos sobre Ele, que é fiel e dá força ao abatido. Reconheçamos nossas fraquezas e dependamos da Sua força.

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