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13. Quando Falta a Fé… (Gênesis 12:10 — 13:41)

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Introdução

Dei a esta mensagem o título de “Quando Falta a Fé...”, mas fico me perguntando se a maioria dos cristãos realmente crê que sua fé possa faltar. Um pouco de imaginação deve remover quaisquer dúvidas. O que é a preocupação, senão falta de fé? A preocupação avalia as circunstâncias pela ótica de alguém que encara o futuro como quem não acredita em um Deus soberano, O qual é também um Pai amoroso.

O medo, companheiro da preocupação, é igualmente falta de fé. A preocupação se aflige com um futuro distante, muitas vezes, improvável. O medo tem de enfrentar o problema cara a cara. Os discípulos não ficaram preocupados com as ondas tempestuosas do mar da Galileia; eles ficaram apavorados. E quando nosso Senhor os repreendeu, revelou sua falta de fé:

Então, lhes disse: Por que sois assim tímidos? Como é que não tendes fé? (Marcos 4:40)

A fé realmente pode falhar; pelo menos a minha, falha. Então, o que acontece quando ela falha? Perco minha salvação? O trabalho de Deus na minha vida emperra, esperando ela voltar? O incidente na vida de Abrão, descrito em Gênesis 12:10 a 13:4, nos dá uma palavra de alento, algo tremendamente necessário àqueles cuja fé irá falhar.

Abrão Enfrenta a Fome (12:10)

A verdadeira fé em Deus é uma fé que cresce. Tanto em Gênesis quanto no roteiro de Deus para os homens de hoje, a fé cresce na medida em que é testada. Para Abrão, o primeiro teste foi o da fome.

Havia fome naquela terra; desceu, pois, Abrão ao Egito, para aí ficar, porquanto era grande a fome na terra. (Gênesis 12:10)

Desconfio que ele, como um santo imaturo, ainda não tivesse ideia de que sofrimento e provações fizessem parte do currículo de Deus na escola da fé. Embora cresse em Deus, Abrão sabia muito pouco sobre Ele. Em sua cabeça, o Deus que o tinha chamado podia não ser capaz de controlar a natureza. No panteão pagão, os “deuses” tinham vários poderes limitados. Talvez o seu “deus” fosse alguém que não se incomodasse com coisas triviais como chuva ou colheita. Parece não lhe ter ocorrido que Deus não só é superior à fome, mas também é Aquele que a dá, como um teste de fé.

O Egito parecia a solução lógica. Afinal, Deus o mandara partir “sem saber aonde ia” (Hebreus 11:8). Talvez Deus quisesse que ele continuasse rumo ao sul até o Egito. Outro fator é que o Egito era menos suscetível à fome. Lá era muito parecido com Ur. Os dois lugares tinham sido abençoados com um grande sistema fluvial que viabilizava a irrigação. Ambas as terras dependiam bem menos de chuva que Canaã.

Porque a terra que passais a possuir não é como a terra do Egito, donde saístes, em que semeáveis a vossa semente e, com o pé, a regáveis como a uma horta; mas a terra que passais a possuir é terra de montes e de vales; da chuva dos céus beberá as águas; terra de que cuida o Senhor, vosso Deus; os olhos do Senhor, vosso Deus, estão sobre ela continuamente, desde o princípio até o fim do ano. (Deuteronômio 11: 10-12)

Em Canaã, a agricultura era muito mais uma questão de fé do que em Ur ou no Egito.

Em lugar algum Abrão é condenado diretamente por sua decisão de ir para o Egito, mas o desenrolar posterior da história deixa claro que suas ações não decorreram de fé1. Ele não consultou a Deus, mas agiu de forma independente. Pelo que sabemos, nenhum altar foi construído no Egito, nem está escrito que ele tenha invocado o nome do Senhor naquele lugar. Seu pedido a Sarai também é um reflexo da sua condição espiritual. Portanto, seria seguro dizer que faltou fé diante da fome.

Abrão Encara o Futuro (12:10-13)

Parece que Abrão tomou a decisão de ir para o Egito sem pensar nas consequências. Mal ultrapassou a fronteira, ele começou a contemplar os perigos que estavam à sua frente.

Sarai era uma mulher muito bonita2, e havia uma boa razão para temer o destino de um estrangeiro cuja esposa fosse tão atraente3. O marido era facilmente descartado em tais circunstâncias. Por isso, Abrão suplicou a ela que aceitasse sua solução para o problema de segurança. Ele lhe pediu para se passar por sua irmã, a fim de que ele não fosse morto.

Muitas coisas já foram escritas acerca do pedido de Abrão. Alguns pensam que ele estava disposto a ver sua esposa casada com algum egípcio só para salvar a própria pele, e também pelo dote que receberia. Para mim, isso é ir longe demais. A explicação mais provável é a de Cassuto4, o qual sugere que Abrão pediu à esposa para se passar por sua (disponível) irmã, para que, quando os homens da terra viessem pedir a mão dela, ele pudesse ficar lá o tempo suficiente para eles irem embora.

O plano era realmente engenhoso. Um dos homens locais viria a Abrão para pedir a mão de sua irmã em casamento. Ele consentiria, mas exigiria um longo noivado (longo o suficiente para o tempo da fome chegar ao fim). Durante esse período, Sarai ficaria na casa de Abrão, onde seu casamento continuaria secretamente e a segurança dele estaria garantida. Os benefícios desse arranjo pareciam bem grandes e os riscos, bem pequenos.

No entanto, por várias razões, o plano era horrível. Primeiro, tinha a tendência de ignorar a presença e o poder de Deus na vida de Abrão. Deus prometera os fins, mas parecia ser incapaz de prover os meios. Ele prometeu dar a Abrão terra, descendência e bênção. Mas, aparentemente, Abrão teria de conseguir tudo sozinho.

Ficamos nos perguntando se não havia traços da religião pagã dos mesopotâmios por detrás das atitudes de Abrão. Será que ele, como os pagãos, pensava que cada nação tinha seu próprio deus? Fora da terra prometida, será que seu Deus era incapaz de cuidar dele e de protegê-lo? Esse tipo de pensamento passaria por uma mente pagã.

O plano de Abrão foi um erro porque colocou em perigo a pureza de sua esposa e a promessa de Deus. Deus tinha prometido fazer dele uma grande nação. Dele viria uma grande bênção para todas as nações, o Messias. Agora ele estava disposto a correr o risco de outro homem tomar Sarai como esposa. Como, então, ela poderia ser a mãe do descendente de Abrão?

Abrão errou também porque procurou encontrar bênção em sua esposa, quando Deus lhe tinha prometido abençoar outras pessoas por meio dele: “de ti farei uma grande nação, e te abençoarei e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:12-13).

Abrão estava se agarrando às saias de sua esposa para conseguir bênção e proteção, em vez de se agarrar às promessas de Deus5.

Finalmente, o plano de Abrão foi um erro porque seus temores eram hipotéticos e seus princípios éticos eram circunstanciais. Dê uma olhada cuidadosa nos temores de Abrão — eram todos relacionados ao futuro. Ele ainda não tinha entrado no Egito (12:11) e tudo o que ele temia ainda não tinha acontecido (Gênesis 12:12-13).

Eis um caso típico de ética circunstancial. A ética circunstancial, antes de qualquer outra coisa, apresenta um problema hipotético onde não há alternativas, exceto as que são moralmente inaceitáveis. O menor dos males é, portanto, justificado em face das circunstâncias.

Abrão não errou ao considerar a possibilidade de alguém se encantar com sua linda esposa como uma mulher desejável para se desposar. Nem mesmo errou ao supor que alguém pudesse matá-lo para se casar com ela. Seu erro foi presumir que isso iria acontecer e a única forma de evitá-lo era mentindo. Em lugar algum, a promessa e a proteção de Deus são levadas em consideração. A trama pecaminosa, portanto, foi iniciada antes mesmo de haver qualquer perigo real.

Os Temores de Abrão se Concretizam (12:14-16)

Com certeza, algumas pessoas diriam: “Mas os temores de Abrão não eram hipotéticos. Aconteceu justamente o que ele temia”. Não mesmo! Ele não foi a vítima; ele foi a causa do que aconteceu. Seu medo do futuro, e seu plano de ação desprovido de fé, foram as causas reais do que se seguiu. Muitos dos nossos temores são autoinfligidos.

É bem verdade que a beleza de Sarai foi notada e relatada a Faraó. No entanto, o mais importante no que se seguiu foi a alegação de ambos, Abrão e Sarai, de que ela era sua irmã, e, assim, disponível para o casamento. Embora só possamos imaginar qual seria a atitude de Faraó se ele soubesse a verdade, ele sentiu-se plenamente justificado em tomar a irmã de Abrão para o seu harém.

Mas Deus operou na vida de Abrão de um jeito notável. Abrão pensava que só poderia escapar dos perigos do Egito da forma como imaginou. Ele tomou sua decisão com base na suposição de que pudesse prever o resultado de suas ações. Deus lhe ensinou a dolorosa lição de que as possibilidades para o futuro são mais numerosas do que podemos prever. Por isso, Abrão ia ter de enfrentar um dilema jamais considerado.

Tudo foi muito bem pensado e planejado. Sarai iria se apresentar como sua irmã e Abrão protelaria o casamento até o tempo de fome passar e eles poderem ir embora. No entanto, seu plano só levava em consideração os homens do Egito: “Os egípcios, quando te virem, vão dizer: É a mulher dele e me matarão, deixando-te com vida” (Gênesis 12:12).

Nunca passou pela cabeça de Abrão que o Faraó pudesse se interessar por Sarai. Ainda que Abrão pudesse protelar o plano de outras pessoas, Faraó não aceitaria um não como resposta. Ele levou Sarai para o palácio, esperando o tempo para a consumação da união.

Não há qualquer evidência de relacionamento físico entre Faraó e Sarai. Embora o período de preparação normalmente devesse ser na casa de Abrão, neste caso, seria no palácio. Sarai provavelmente passaria um período relativamente longo preparando-se para se apresentar a Faraó. Esse era o costume naquela época:

Em chegando o prazo de cada moça vir ao rei Assuero, depois de tratada segundo as prescrições para as mulheres, por doze meses (porque assim se cumpriam os dias de seu embelezamento, seis meses com óleo de mirra e seis meses com especiarias e com os perfumes e ungüentos em uso entre as mulheres), então, é que vinha a jovem ao rei; a ela se dava o que desejasse para levar consigo da casa das mulheres para a casa do rei. À tarde, entrava e, pela manhã, tornava à segunda casa das mulheres, sob as vistas de Saasgaz, eunuco do rei, guarda das concubinas; não tornava mais ao rei, salvo se o rei a desejasse, e ela fosse chamada pelo nome. (Ester 2:12-14)

Dá para imaginar as noites agonizantes e solitárias que Abrão deve ter passado, pensando no que acontecia dentro do palácio? Ele tinha pedido a Sarai para mentir a fim de tudo correr bem para ele (verso 13). E tudo correu bem. Faraó mandou-lhe muitos presentes e o tratou como a um rei. A única coisa que impedia Abrão de desfrutar daquele tratamento era a compreensão do seu significado. Faraó estava lhe dando tudo aquilo como dote. Tudo corria bem para Abrão, mas sem Sarai, sua esposa. Prosperidade nunca é bênção sem a paz que vem por se andar direito diante de Deus.

A Libertação Divina e A Bronca Real (12:17-19)

De forma bastante significativa, Deus não é mencionado nesse acontecimento até o versículo 17. Abrão pôde falhar e escorregar até a situação ficar aparentemente sem esperança. Não sabemos se ele suplicou o auxílio de Deus.

De repente, sem aviso, Deus intervém na história. Faraó e sua corte são feridos com alguma espécie de praga. Os sintomas talvez sejam de forma a sugerir que a natureza do pecado esteja relacionada a sexo. Não temos nenhum detalhe sobre a praga, nem sobre como eles entenderam seu significado6.

Abrão foi confrontado por Faraó e severamente repreendido. Ele não tinha qualquer desculpa ou explicação. Pelo que está escrito, ele não disse nem uma palavra em sua defesa. Sem dúvida, foi a coisa mais sábia a fazer diante das circunstâncias. Faraó não era alguém para ser desafiado ou enfurecido desnecessariamente.

A ironia da situação é óbvia. Eis um pagão corrigindo um profeta (cf. 20:7). Foi uma bronca real da qual Abrão dolorosamente iria se lembrar. Como foi triste, no entanto, ele não poder falar, pois isto sem dúvida impediu o testemunho de sua fé no Deus vivo que o havia chamado. A conduta do cristão realmente afeta sua credibilidade.

A Restauração de Abrão (12:20-13:4)

Quanta diferença entre a realidade e o raciocínio desprovido de fé de Abrão! Enquanto estavam no Egito, a pureza de Sarai foi protegida e a vida de Abrão foi preservada. Mais ainda, todos os seus bens continuaram intactos. Além disso, Abrão e todos os que estavam com ele foram escoltados de volta à terra de Canaã.

E Faraó deu ordens aos seus homens a respeito dele; e acompanharam-no, a ele, a sua mulher e a tudo que possuía. Saiu, pois, Abrão do Egito para o Neguebe, ele e sua mulher e tudo o que tinha, e Ló com ele. Era Abrão muito rico; possuía gado, prata e ouro. (Gênesis 12:20 - 13:2)

Como os temores de Abrão devem ter parecido tolos à luz da história! Para escapar da fome, ele teve de enfrentar um Faraó. As forças do Egito não foram empregadas contra ele, mas receberam ordens para garantir sua segurança até a chegada a Canaã. Na verdade, Abrão deixou o Egito mais rico do que quando chegou. Contudo, nada disso foi resultado de sua atitude infiel e desonesta. Tudo foi fruto da graça e do cuidado providente de Deus.

Os versículos três e quatro reconstituem os passos de Abrão em ordem inversa. Primeiro ele foi ao Neguebe, depois a Betel e Ai. E, quando retornou ao altar que tinha construído, novamente ele ofereceu sacrifícios e invocou o nome do Senhor.

Conclusão

Cassuto ressalta que a permanência de Abrão no Egito faz um paralelo surpreendente com a futura permanência de Israel naquele lugar7. Embora a presença de Israel no Egito possa não ter sido muito nobre, eles foram protegidos por Deus e depois tirados de lá com grandes despojos.

A fome iria continuar fazendo parte da vida do povo de Deus na terra para onde iam. No entanto, eles precisavam aprender que a fome vem de Deus como um teste da fé. Se não quisessem enfrentar a fome, teriam de enfrentar Faraó. Não importam as circunstâncias nas quais estejamos, Deus é maior que a fome ou Faraó. A pureza do povo de Deus não podia ser colocada em risco, pois naquela época o Messias ainda viria para a salvação do Seu povo.

Nesta passagem há muitos princípios que devem fortalecer muito a vida do crente de qualquer época. Vamos sugerir alguns.

(1) Quando Deus promete os “fins”, Ele também providencia os meios. Abrão acreditava que Deus lhe daria terra, descendência e bênção. Mas quando sua fé faltou, ele supôs que Deus não fosse providenciar os meios. Deus sempre providencia o necessário para aquilo que Ele promete. Há uma canção secular intitulada “Trabalhando como o diabo, servindo ao Senhor”. Muitos cristãos parecem acreditar nisso. Mas esse não é o jeito de Deus.

(2) A fé nos falta porque nosso Deus é pequeno demais. Sabemos que faltou fé a Abrão. Também vimos que isso não frustrou os planos de Deus para sua vida. No entanto, seria de grande ajuda entendermos a razão pela qual Abrão não teve fé. Acho que a resposta é óbvia: ele não teve fé porque seu “deus” era pequeno demais.

Como sabem, anos atrás J. B. Phillips escreveu um livro intitulado Seu Deus é Pequeno Demais. Pessoalmente, creio que Phillips aponte a razão pela qual nossa fé é tão falível. Hoje em dia, damos mais ênfase à nossa fé do que ao seu objeto. Como alguém disse, posso ter um pouquinho de fé num Boeing 747 e voar daqui para a Europa. Por outro lado, posso ter muita fé em alguma geringonça construída lá na minha garagem, mas que não me fará cruzar o Atlântico, não importa quão grande seja minha fé nela.

Abrão ainda não conhecia muito bem o seu Deus. E isso era normal e natural. Ele não parecia pensar que seu Deus fosse maior que a fome, maior que Faraó. Ele não precisava de lições para aumentar sua fé, ele precisava crescer na fé aprendendo sobre a grandiosidade do seu Deus. Creio que muitos dos nossos problemas de falta de fé seriam resolvidos conhecendo mais intimamente o Deus a quem servimos. Abrão não tinha uma Bíblia para ajudá-lo, mas nós temos.

(3) A ética circunstancial é errada porque se recusa a crer na soberania de Deus. A ética circunstancial sempre pressupõe algum tipo de situação hipotética para a qual não há solução que seja moralmente correta. No entanto, a Palavra de Deus nos diz claramente que Ele nunca nos coloca numa situação onde seja necessário pecar:

Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar. (1 Coríntios 10:13)

O principal erro do circunstancialismo é que ele se recusa a aceitar um Deus soberano que é capaz de livrar Seu povo, apesar das circunstâncias. A libertação da escravidão do Egito de sob a mão cruel de Faraó era impossível, humanamente falando. Quando Israel ficou num beco sem saída entre o exército egípcio e o Mar Vermelho, aparentemente não havia esperança. Contudo, o Deus a Quem servimos é um Deus soberano. Ele é capaz de livrar Seu povo de situações que parecem exigir uma reação pecaminosa.

4) Não existem atalhos para a santidade. Abrão foi pego de surpresa pela fome, supondo que o caminho de Deus não incluísse a adversidade. Por isso, ele teve de aprender que Deus designa os testes da vida para desenvolver a nossa fé, não para destruí-la.

Deixar Canaã e ir para o Egito, em minha opinião, foi uma tentativa de encurtar o teste da fome. Como já dissemos, em lugar da fome, Deus forçou Abrão a enfrentar Faraó. No entanto, além disso, precisamos entender que, no fim, Abrão teve de voltar ao lugar de onde ele se afastou da palavra revelada de Deus. Seu último ato de fé e obediência tinha sido no altar que ele construiu entre Betel e Ai. O final da sua permanência no “Prado do Caminho Errado” foi nesse mesmo altar entre Betel e Ai.

Você já pensou em se desviar do caminho para o qual Deus o chamou? É claro que você pode se desviar, mas o caminho nunca será fácil. O caminho do transgressor nunca é fácil (Provérbios 13:15). E, no fim das contas, teremos de recomeçar de onde paramos. Você não pode frustrar os propósitos e planos de Deus para sua vida, meu amigo. Na melhor das hipóteses, só pode atrasá-los. E até isso é um engano, pois muitas lições de fé são aprendidas com os nossos erros.

(5) Quando a nossa fé falta... Deus não falta. Nossa fé, como a de Abrão, vai faltar. Mas a verdade abençoada da Palavra de Deus é que quando ela falta, Deus não falta

Em face da fome, Abrão preferiu duvidar da presença e do poder de Deus. Suas atitudes demonstraram que ele estava disposto a sacrificar seus princípios pela autopreservação. Apesar da sua falta de fé, Deus o preservou e até o fez prosperar. Finalmente, Deus o levou ao lugar onde ele deveria ter ficado.

O princípio da fidelidade de Deus em face dos nossos fracassos também se aplica a nós: “se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2 Timóteo 2:13).

Eis a beleza da eleição divina. Deus nos escolheu para sermos Seus filhos (naturalmente, isto se aplica somente aos que creem em Cristo como seu Salvador eterno). Assim como Ele nos salvou apesar de nós mesmos, Ele também nos santifica apesar de nós mesmos. Nossa segurança eterna, nossa salvação e nossa santificação repousam na Sua fidelidade, não na nossa. Eis um grande conforto para aqueles cuja fé irá faltar.

No entanto, também podemos citar o versículo anterior de 2 Timóteo 2:13: “se perseveramos, também com ele reinaremos; se o negamos, ele, por sua vez, nos negará” (2 Timóteo 2:12).

Há uma grande diferença entre dúvida (falta de fé) e negação (rejeição). Abrão não rejeitou a Deus; em simplesmente não acreditou que Deus fosse capaz de ou estivesse disposto a agir em seu favor. Sem dúvida ele pensou que Deus só “ajuda aqueles que se ajudam”.

Entendo que os verdadeiros cristãos não podem, e nunca poderão, renunciar a Jesus Cristo como seu Salvador. No entanto, teremos épocas em que a nossa fé sucumbirá à dúvida. Provações, sofrimentos e adversidades podem momentaneamente suplantar a nossa fé e nos fazer duvidar, e dessa forma, nos fazer agir contra a vontade revelada de Deus. Esse, creio, foi o caso de Abrão.

Isso não quer dizer que devemos ser irresponsáveis quanto a essa questão. Quando as pessoas não agem propositadamente de acordo com a vontade revelada de Deus, Seus propósitos não são frustrados. Na Sua providência, Ele opera para assegurar a realização destes propósitos. Embora possamos nos encontrar exatamente onde Deus queria que estivéssemos (pela Sua providência) desde o princípio, nunca iremos olhar para trás, para os nossos pecados e para a nossa falta de fé, com um sorriso nos lábios. A desobediência jamais é deleite para o cristão. O dote de Faraó não valeu as longas noites solitárias de Abrão. O fracasso é sempre difícil, mas nunca frustra os propósitos de Deus para Seus filhos.

Que Deus use esta verdade para nos afastar de um cristianismo negligente, e também para nos consolar quando sofrermos algum revés na nossa fé.

Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza


1 “A Bíblia não condena suas ações, mas as consequências condenam; por isso, devemos aprender pela relação de causa e efeito”. Harold Stigers, A Commentary on Genesis” (Grand Rapids: Zondervan, 1976), p. 143.

“Ao que tudo indica, Abrão não parou para perguntar, mas foi em frente por sua própria iniciativa, levando tudo em conta menos a Deus. Suas suposições covardes e distorcidas revelam-se tanto do caráter natural deste gigante espiritual (cf. Tg. 5:17a) quanto na repentina transição feita do plano da fé para o do medo”. Derek Kidner, Genesis (Chicago: Inter-Varsity Press, 1967), p.116.

2 Está escrito que Abrão tinha 75 anos quando saiu de Harã e foi para Canaã (12:4). De acordo com 17:17, sabemos que Sarai era 10 anos mais nova que ele, tendo por volta de 65 anos na época desses acontecimentos. Como sua beleza poderia ser tão grande nessa idade? Ela morreu aos 127 anos (23:1). Em seus dias, ela simplesmente ela estava no começo da meia-idade. Sua beleza era tão impressionante que ela parecia ser bem mais jovem do que era. Pelo menos para mim, isso resolve a questão. Cf. Kidner, p. 117.

3 Neste ponto Stigers tem uma interessante nota de rodapé: “PABH, p. 55 afirma que um certo papiro declara que o Faraó matou um marido para ficar com sua bela esposa. Os tempos modernos não são os únicos que têm esse “tipo” de coisa!” Stigers, Genesis, p. 141, nota de rodapé 10.

4 U. Cassuto, A commentary on the Book of Genesis (Jerusalém: The Magnes Press, 1964), II, pp. 348-352.

5 É preciso também fazer um comentário sobre a participação de Sarai nessa trama. Concordo com Leupold quando ele escreve: “A aquiescência de Sarai, no entanto, parece ter origem na ideia de que realmente não havia outra coisa a fazer. Nessa ocasião, ela foi tão lamentavelmente desprovida de fé quanto ele”. H. C. Leupold, Exposition of Genesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1942), I, p. 425

É bem verdade que Pedro elogiou Sara e a usou como exemplo para as mulheres cristãs, especialmente na questão da submissão. No entanto, ele não estava se referindo à sua atitude do capítulo 12, e sim à do capítulo 18, e sua respeitosa referência a Abraão como seu “senhor” quando soube que eles teriam um filho deles mesmo. Um cristão nunca deve pecar porque alguém com mais autoridade o mandou agir assim (cf. Daniel, 3, 6; Atos 5:29).

6 O relato de uma repetição parecida deste pecado pode ser encontrado no capítulo 20, e talvez derrame alguma luz sobre o texto do capítulo 12. Especialmente cf. 20:17-18.

7 Cassuto, Genesis, II, cf. 334 e seguintes.

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14. Ló Só Pensa em Si Mesmo (Gênesis 13:5-18)

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Introdução

Esta semana, quando estava me preparando para esta mensagem, lembrei-me de um recente best seller intitulado Looking Out For Number One (“Cuidando da Própria Vida” ou “Procurando ser o Melhor”1). Pensando que este livro pudesse me fornecer algum material ilustrativo, fui à biblioteca para checar. Todos os volumes da estante tinham sumido. Pelo jeito, tem muita gente pensando assim hoje em dia.

Ló nunca leu um livro sobre este assunto, mas ele o conhecia muito bem, como podemos ver pelo relato de Moisés no capítulo 13 de Gênesis. Ali, tinha chegado o tempo de Abrão e Ló se separarem. Em sua separação, podemos ver um contraste entre aqueles dois santos quanto ao que os levou a fazer o que fizeram; um contraste que serve de alerta a quem acha que Deus abençoa aos que só pensam em si mesmos sem considerar as outras pessoas.

O Relacionamento Fica Tenso (13:5-7)

Ao saírem de Ur com Terá, Abrão e Ló pareciam inseparáveis, mesmo quando Deus ordenou a Abrão que deixasse seus parentes para trás.

Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela, e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei. (Gênesis 12:1)

Contudo, finalmente, os laços entre eles acabam se enfraquecendo. Basicamente, sua separação foi causada por três fatores, os quais estão registrados nos versículos 5 a 7:

Ló, que ia com Abrão, também tinha rebanhos, gado e tendas. E a terra não podia sustentá-los, para que habitassem juntos, porque eram muitos os seus bens; de sorte que não podiam habitar um na companhia do outro. Houve contenda entre os pastores do gado de Abrão e os pastores do gado de Ló. Nesse tempo os cananeus e os ferezeus habitavam essa terra. (Gênesis 13:5-7).

O primeiro problema foi o sucesso de ambos como pecuaristas. Os dois, Abrão (13:2) e Ló (13:5), tinham prosperado. Suas manadas e rebanhos se tornaram tão grandes que eles não podiam mais viver juntos (13:6). Esta era uma realidade entre as tribos nômades que precisavam estar sempre se deslocando à procura de pasto para as ovelhas e para o gado.

O segundo problema foi a disputa crescente entre seus pastores (13:7). Tanto os pastores de um quanto os do outro procuravam água e o melhor pasto para os animais de seu senhor. Essa competição inevitavelmente levou a um conflito entre eles.

Não seria ir longe demais sugerir que alguma irritação já se tornara evidente até mesmo entre Abrão e Ló. Talvez isto esteja implícito nas palavras de Abrão no versículo 8. O que também seria verdade. Sempre que há desentendimento entre os seguidores, com muito mais frequência há também entre os líderes.

Se o primeiro problema foi o sucesso de ambos, e o segundo, consequência dele, o terceiro foi o fato de a terra onde eles habitavam ser dividida com outros povos, ou seja, com cananeus e ferezeus (13:7).

É muito fácil nos esquecermos de que Canaã ainda não pertencia a nenhum dos dois, Abrão ou Ló. Quando eles se separam neste capítulo, cada um segue seu caminho; eles não dividem uma propriedade. Eles estavam vivendo numa terra ocupada por cananeus e ferezeus.

Esse comentário aparentemente casual da pena de Moisés não só nos faz lembrar que Abrão era um peregrino, habitando numa terra que algum dia seria da sua descendência, como também pode sugerir que o desentendimento existente entre ele e Ló foi um triste testemunho para quem os observava. Por isso, os dois, além de ter de dividir as pastagens entre si, também estavam à mercê daqueles que reclamavam a posse da terra.

Não posso deixar de sorrir quando leio estes versículos, pois Deus trabalha de um jeito estranho, e às vezes até bem humorado, para realizar Sua vontade. Tempos antes, Deus tinha dito a Abrão para deixar sua pátria e sua parentela. Naquela época, deixar Ló era principalmente uma questão de princípio. Abrão precisava deixá-lo porque Deus disse para deixar. Agora, anos mais tarde, com relutância, ele reconhece que a separação é necessária, não por uma questão de princípio, mas por uma questão prática.

Meu amigo, de uma forma ou de outra, a vontade de Deus será feita. Podia ter sido em Ur, mas não foi. Em Sua providência, Deus trouxe desentendimento e competição entre Abrão e Ló, o que forçou a separação. Mais cedo ou mais tarde, os propósitos de Deus serão realizados. Se não vemos necessidade de obediência, Deus criará uma. Você pode contar com isso.

O Pedido (13:8-9)

Sem dúvida, o problema que causou a separação entre Abrão e Ló há muito era evidente. Imagino que Abrão tenha discutido diversas vezes o assunto com Sarai, sua esposa. O texto não diz nada, mas desconfio que ela deva ter dito a ele as mesmas palavras que incontáveis esposas guardam para uma ocasião como esta: “Eu não falei?”.

Geralmente, o curso inevitável dos acontecimentos é óbvio para o nosso companheiro muito antes de estarmos dispostos a aceitar a realidade dos fatos. É bem possível que Sarai tenha apresentado uma solução totalmente diferente da encontrada por Abrão. Talvez ela tenha dito: “Diga pra Ló cair fora”. “Abrão, Deus não chamou Ló para ir a Canaã, só você”. “Deixe ele ir”. Tudo isto, é claro, é mera conjectura da minha parte, mas qualquer estudante da natureza humana teria de concordar que, pelo menos, é uma possibilidade viável.

A solução encontrada por Abrão não poderia ser mais graciosa ou piedosa. Sua motivação parece ter sido baseada na ética, não na economia.

Disse Abrão a Ló: Não haja contenda entre mim e ti e entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos parentes chegados. Acaso não está diante de ti toda a terra? Peço-te que te apartes de mim; se fores para a esquerda, irei para a direita; se fores para a direita, irei para a esquerda. (Gênesis 13:8-9)

Acima de tudo, Abrão queria manter a paz e resolver o conflito que havia se estabelecido entre eles. A coisa mais importante era preservar a união fraterna. Por mais estranho que pareça, embora a separação fosse mais prática, a união devia ser preservada por meio dela. Um deles precisava partir, ou Abrão ou Ló.

Aparentemente, era óbvio que eles precisavam se separar. O único problema era: quem devia ir embora, e para onde? Abrão deixou a decisão por conta de Ló. Qualquer que fosse sua escolha, Abrão iria agir em conformidade com ela. A oferta dava vantagem a Ló e deixava Abrão vulnerável.

A Resolução e Suas Consequências (13:10-13)

Quando Abrão fez a oferta a Ló, parece que os dois estavam em um lugar alto, de onde podiam avistar toda a terra ao seu redor. A decisão de Ló foi friamente calculada. Com olhos de um avaliador, ele examinou a terra, pesando as vantagens e desvantagens das opções:

Levantou Ló os olhos e viu toda a campina do Jordão, que era toda bem regada (antes de haver o Senhor destruído Sodoma e Gomorra), como o jardim do Senhor, como a terra do Egito, como quem vai para Zoar. Então, Ló escolheu para si toda a campina do Jordão e partiu para o Oriente. Separaram-se um do outro”. (Gênesis 13:10-11)

Como pai de cinco filhos, posso entender o que o olhar de Ló procurava enquanto ele inspecionava a terra ao seu redor. Qualquer um dos meus filhos poderia trabalhar para o Bureau of Standards (No Brasil, algo equivalente à ABNT — Associação Brasileira de Normas Técnicas). Com uma simples olhadela, cada um deles pode facilmente calcular a quantidade de bebida num copo. Sem qualquer esforço aparente, eles estendem a mão e o primeiro a alcançar o copo sempre pega o mais cheio, mesmo que a diferença seja mínima. Esse mesmo tipo de olhar era evidente nos olhos de Ló.

Ele fixou os olhos na bela campina do Jordão. Sua beleza verdejante era sinal da presença de muita água para irrigação. Mais adiante, as colinas áridas e o solo empoeirado eram de pouco interesse. Lá quase não havia água.

A campina do Jordão era literalmente um paraíso. Era exatamente como “o jardim do Senhor” (13:10). E também parecia ser abastecida por irrigação, não por chuva (Gênesis 2:6, 10 e ss). Era, ainda, como a terra do Egito. Não era preciso viver pela fé num lugar como esse, pois a água era abundante, não era preciso esperar em Deus pela chuva.

E foi assim que Ló escolheu sua parte, claramente uma decisão astuta e, aparentemente, uma opção que lhe dava uma vantagem decisiva na competição com Abrão. Para mim, foi uma decisão egoísta — a qual pegava o que havia de melhor e deixava para Abrão o que parecia sem valor.

Uma separação mais simples e mais justa teria sido usar o Jordão como fronteira entre eles. Não teria sido mais justo Ló viver de um lado do Jordão, deixando o outro para Abrão? No entanto, Ló escolheu “toda a campina do Jordão” (versículo 11). Ele fez um trabalho de mestre pensando só em si mesmo. Ele poderia ter escrito um livro sobre o assunto.

E assim eles se separaram. Abrão ficou em Canaã, enquanto Ló foi avançando cada vez mais em direção a Sodoma.

Habitou Abrão na terra de Canaã; e Ló, nas cidades da campina e ia armando as suas tendas até Sodoma. (Gênesis 13:12)

Ló tinha considerado com muito cuidado os fatores econômicos da sua decisão, mas tinha deixado de lado completamente as dimensões espirituais. Deus tinha prometido abençoar Abrão, e outras pessoas por meio dele quando elas o abençoassem (Gênesis 12:3). Ao seguir seu caminho, creio que Ló cumprimentou a si mesmo por ter dado o recado ao velho Abe. Abrão devia ser fraco da cabeça por dar essa vantagem a Ló, e Ló era astuto o suficiente para se aproveitar disso. Contudo, fazendo isso, ele não abençoou Abrão, mas fez pouco dele. Isso pedia maldição, não bênção (Gênesis 12:3).

Além do mais, Ló não pensou nas consequências de viver nas cidades da campina. Embora o solo fosse fértil e a água abundante, os homens daquelas cidades eram perversos. O custo espiritual da decisão de Ló foi enorme. E, no final, todos os benefícios materiais também se transformaram em perda.

Creio que Ló não pretendia realmente viver nas cidades da campina. No começo, ele simplesmente tomou uma direção comum (cf. versículo 11). No entanto, uma vez que nosso rumo é estabelecido, nosso destino também é determinado por ele, pois isso é apenas uma questão de tempo. Embora no início Ló vivesse em tendas (13:12), logo ele as trocou por uma casa em Sodoma (19:2, 4, 6). Talvez no princípio ele tenha morado nos subúrbios, mas no fim ele estava morando na cidade (19:1 e ss).

Algumas resoluções talvez não pareçam muito sérias, mas elas estabelecem um curso determinado para a nossa vida. A decisão pode não ser muito importante, mas o resultado final pode ser trágico e assustador. E, muitas vezes, a aparência é de que a escolha foi feita só para o nosso benefício. Prosperidade material nunca deve ser buscada às custas de risco espiritual.

Como o tempo pode mudar nossa perspectiva de prosperidade! Quando a decisão de se estabelecer na campina do Jordão foi tomada, o lugar era praticamente um paraíso (13:10). Moisés, no entanto, inclui uma observação parentética que coloca essa beleza sob uma luz muito diferente: “antes de haver o Senhor destruído Sodoma e Gomorra” (Gênesis 13:10).

As coisas se mostram bem diferentes diante do julgamento divino. Aquele lugar era um belo paraíso — até Deus lançar fogo e enxofre sobre ele (19:24). Daquele dia em diante tudo se tornou uma grande devastação.

Muito maior que a perda de suas posses e de sua prosperidade foi o terrível preço pago por Ló pelo seu prazer passageiro. De acordo com Pedro, sua alma foi continuamente afligida pelo que ele via na cidade (2 Pedro 2:7). Mesmo quando o santo está rodeado de prazer sensual, ele não pode desfrutar do pecado por muito tempo. E mais trágico ainda, foi ele ter pago por sua decisão com a própria família. Sua esposa virou uma estátua de sal, por causa da sua atração por Sodoma (19:26). Suas filhas o seduziram e o levaram a cometer incesto, sem dúvida um reflexo dos valores morais aprendidos em Sodoma (19:30 e ss).

Deus Restaura a Confiança de Abrão (13:14-17)

É interessante que Deus só fala com Abrão (pelo menos, no que se refere à Escritura) após ele tomar a decisão de se separar. Isso não foi casual, mas fundamental, pois lemos: “Disse o Senhor a Abrão, depois que Ló se separou dele...” (Gênesis 13:14).

Até onde podemos ver, o chamado de Deus a Abrão (12:1-3) foi só para ele. Assim como a confirmação no capítulo 13. Deus lhe disse para deixar sua parentela (12:1). A bênção não poderia vir sem a obediência à Sua vontade revelada; nem a restauração. Em termos humanos, a única coisa que ficou no caminho da bênção divina foi a desobediência humana. Providencialmente, Deus remove essa barreira ao separar Ló de Abrão, e então, Ele reafirma Sua promessa.

... Ergue os olhos e olha desde onde estás para o norte, para o sul, para o oriente e para o ocidente; porque toda essa terra que vês, eu ta darei, a ti e à tua descendência, para sempre. Farei a tua descendência como o pó da terra, então se contará também a tua descendência. Levanta-te, percorre essa terra no seu comprimento e na sua largura, porque eu ta darei. (Gênesis 13:14b-17)

Ló tinha “erguido seus olhos” (versículo 10) e contemplado a terra antes de Abrão, com os olhos de alguém que avalia uma promessa financeira; Abrão recebe ordem de olhar para a promessa de Deus com os olhos da fé.

Talvez Abrão estivesse em um lugar elevado, examinando a terra que era sua, e também, quem sabe, a terra escolhida por Ló. Se eu estivesse no lugar dele, muitos pensamentos teriam passado pela minha cabeça. Será que eu tinha desistido da minha oportunidade de ouro? Sarai não achava que eu tinha feito papel de tolo? Teria eu falhado com ela? Teria falhado com Deus quando tomei minha decisão? Uma olhada no verde exuberante da campina do Jordão, em contraste com o marrom estéril das colinas áridas, poderia ter inspirado esse tipo de pensamento.

Contudo, Deus garantiu a Abrão que toda a terra que ele estava contemplando lhe seria dada. Ló podia ter escolhido viver em Sodoma, mas Deus não lhe dera a posse da terra, e nem a daria. Ló seria um peregrino em Sodoma (cf. 19:9), e por muito pouco tempo. Dar a vantagem a Ló não foi desistir das esperanças para o futuro, pois, em última análise, é Deus quem dá bênçãos aos homens por Sua escolha soberana.

Enquanto Abrão olhava a terra, talvez ele tenha visto a rica lama negra do vale do Jordão para onde Ló se dirigiu. Talvez ele tenha visto também a poeira que se levantava ao seu redor, tipificando a terra onde viveria. No entanto, Deus usou esse pó como testemunho das bênçãos por vir. Sua descendência seria tão abundante quanto o pó que dominava aquela terra. Abrão não devia mais olhar para ele com dúvida, mas com esperança, pois ele ia ser o símbolo das bênçãos futuras.

A palavra final de Deus a Abrão nesta visitação foi que ele devia avaliar a terra que um dia seria sua. Por enquanto ele não devia possuí-la, só examiná-la com os olhos da fé. A promessa “porque eu ta darei” (versículo 17) é futura. Ela só foi cumprida quando os Israelitas, sob a liderança de Josué, ocuparam a terra. Leva tempo tomar posse das promessas de Deus, pois é assim que Ele tem planejado.

Como Deus é gracioso ao falar palavras de conforto e segurança quando todas as bênçãos parecem fora de alcance! Como é bom ser relembrado de que a Sua Palavra é fiel e Suas promessas são tão certas quanto Ele é soberano!

A Resposta de Abrão (13:18)

A resposta de Abrão revela uma fé crescente no Deus que o chamou. Ele muda suas tendas em direção a Hebrom, estabelecendo-se próximo aos carvalhais de Manre. Este era um pedaço de terra que pertencia a outra pessoa, não a Abrão (cf. 14:3), mas era onde Deus queria que ele ficasse. Ali Abrão constrói um altar e adora a Deus.

Como foram diferentes os caminhos daqueles dois homens depois que eles se separaram! Um, pouco a pouco, foi avançando quase sem perceber em direção à cidade de Sodoma, para viver entre homens ímpios e perigosos; e tudo por causa de vantagens financeiras. O outro foi viver como peregrino, habitando nas colinas áridas, esperando pelas promessas de Deus. Um viveu em tendas e construiu um altar para adorar a Deus; o outro trocou sua tenda por um apartamento na cidade de homens perversos. Eis uma decisão que pesou muito no destino dos dois homens, mas, muito mais que isso, no destino dos seus descendentes.

Conclusão

As decisões tomadas por Abrão e por Ló são as mesmas que todos os cristãos precisam tomar. Precisamos decidir se confiamos na soberania de Deus ou na nossa própria astúcia e engenhosidade. Precisamos resolver se confiamos na “instabilidade da riqueza” ou no Deus que “tudo nos proporciona ricamente” (1 Timóteo 6:17). Precisamos escolher se investimos nos “prazeres passageiros do pecado” ou no futuro “galardão” prometido por Deus (Hebreus 11:25-26).

Na separação de Ló e Abrão, podemos ver o grande contraste entre suas decisões. Ló preferiu agir com base no que lhe era útil; Abrão com base na união. Em prol da união, Abrão estava disposto a ser passado pra trás (cf. 1 Coríntios 6:1-11, esp. o versículo 7). Ele agiu com base na fé no Deus que lhe prometera suprir todas as coisas. Ló preferiu dirigir sua vida sobre a base incerta da segurança financeira. Abrão foi ricamente abençoado, Ló perdeu tudo o que tinha.

Ló preferiu habitar numa cidade que parecia um paraíso (13:10), mas que estava cheia de pecadores. Abrão decidiu viver num lugar deserto, mas onde poderia livremente adorar a Deus.

Abrão é uma bela ilustração da verdade de dois fatos do Novo Testamento. Primeiro, ele fornece uma explicação para estas palavras, ditas por nosso Senhor:

Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.

Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus. (Mateus 5:5, 9 NVI).

Abrão era um homem de mansidão. Ele não era um fraco, como iremos ver no capítulo 14. Ele não teve de agarrar a bênção à força, só teve de esperá-la confiantemente das mãos de Deus. Ele era um homem que costumava manter a paz, não sacrificá-la por prosperidade.

Portanto, vemos que este incidente na vida de Abrão também é educativo quando o comparamos com as palavras do apóstolo Paulo:

Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma cousa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus. (Filipenses 2:1-5)

Abrão foi bem sucedido porque foi servo. Ele não foi bem sucedido porque passou por cima daqueles que cruzaram seu caminho. Ele foi exaltado por Deus porque colocou os interesses dos outros acima dos seus.

Abrão não considerava Ló superior a si mesmo, como algumas traduções erroneamente sugerem. Certamente nosso Senhor, que é o supremo exemplo de humildade, não considerava os homens caídos e pecaminosos superiores a Si mesmo, o Deus infinito e sem pecado. Pelo contrário, Ele Se dispôs a garantir o favor do Pai aos homens às custas de Si mesmo. Ele esperou por bênção e justiça em Deus (cf. I Pedro 2:23).

A forma do mundo para o sucesso é pensar só em si mesmo, procurando ser o número um. Foi assim com Ló. A forma de Deus para ser abençoado é erguer os olhos para o Número Um, preocupando-se com os outros (cf. Mateus 22:36-40). Esse tipo de vida só se pode ter pela fé. Esse tipo de vida só pode fazer a nossa fé em Deus crescer.

O ponto de partida para todo homem, mulher ou criança é receber de Deus a salvação. Não podemos, não ousamos, confiar em nossa própria astúcia para garantir a nossa entrada no reino de Deus. Muitas vezes, aquilo que pensamos ser o “paraíso” logo será destruído pela ira de Deus. A fé reconhece a nossa pecaminosidade e confia na obra de Jesus na cruz do Calvário para receber as bênçãos e a segurança eterna. Os nossos maiores esforços estão fadados à destruição. Só aquilo que Deus promete, e nos dá, é que irá permanecer.

Que Deus ajude a cada um de nós a confiar nEle, não em nós mesmos.

Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza


1 NT: O título é uma expressão idiomática que se refere às pessoas que só pensam em si mesmas e só cuidam de seus próprios interesses

15. O Resgate de Ló (Gênesis 14:1-24)

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Introdução

Sofro de uma incurável fascinação por títulos de sermões. Lamento já ter escrito a mensagem de Gênesis capítulo 13, pois agora tenho um novo título para ela. Deveria ter sido “Abrão tinha muito a perder”1. O capítulo 14 então poderia ser “Abrão tinha muito a ganhar”. E quem sabe o capítulo 15 seria “Abrão tinha muito a aprender”. Mas chega de títulos.

Em nossa rádio cristã local há um programa que tenta dar “uma outra visão das notícias”. Aprecio esse esforço, pois os cristãos, com certeza, deveriam ver muito mais que os analistas seculares veem nas notícias da nossa época. Por exemplo, grandes catástrofes, tais como a erupção do monte Santa Helena e os terremotos da Califórnia, podem ser sinais do fim dos tempos (cf. Mateus 24:7). O rápido crescimento da criminalidade e da ilegalidade pode ser visto como consequência das condições morais dos últimos dias (cf. 2 Timóteo 3:1-7). Estouros e ameaças de guerra, o alinhamento das nações, tudo é muito importante para o alerta cristão (cf. Ezequiel 38, Daniel 12, Mateus 24:6-8).

Existe, é claro, o lado secular das notícias. Ele trata, principalmente, dos fatos e números, dos detalhes e da descrição daquilo que acontece. As explicações para esses eventos quase sempre são de natureza humanista e econômica.

Para os cristãos, no entanto, deve haver uma outra dimensão — o lado espiritual dos fatos. Se Deus é soberano na história, como a Bíblia afirma que Ele é (cf. Salmo 2, Provérbios 21:1, Daniel 2:21, Atos 4:23-31), então Sua mão deve ser vista como um guia para a realização dos Seus propósitos.

Esse é o caso em Gênesis 14. Ali, pela primeira vez nas Escrituras, a história patriarcal e a história secular se cruzam2. Aparentemente, o incidente é apenas um confronto internacional para garantir a supremacia econômica pelo controle de uma rota comercial importantíssima. O “outro lado da notícia” é que este acontecimento serve como comentário de Gênesis 13, assim como uma oportunidade de ensino tanto para Ló quanto para Abrão. Enquanto Ló parece ter aprendido muito pouco, Abrão está amadurecendo na fé.

O Saque de Sodoma e a Perda de Ló (14:1-12)

Os primeiros onze versículos do capítulo 14 podem confundir o leitor do século 20, pois são estranhamente seculares. Pior ainda, parecem longínquos, sem sentido e enfadonhos. Eles contêm o relato de um confronto entre duas coalizões de reinos opostos.

O primeiro bloco de nações era aquele formado pelos quatro reis mesopotâmios do oriente (14:1). Quedorlaomer, rei de Elão (atual Irã), parece ter sido o líder3. Sinar era a região da antiga Babilônia (cf. Gênesis 10:10). A segunda coligação era composta por cinco reis, incluindo os reis de Sodoma e Gomorra (14:2).

Depois de 12 anos como vassalos dos reis orientais, os cinco reis do sul tentaram se livrar de suas algemas. Os reis orientais não podiam permitir que tal rebelião ficasse impune. A revolta não tinha passado despercebida dos outros povos que se encontravam na mesma situação (cf. 14:5-7). O desastre econômico resultante de se ignorar a insurreição seria devastador demais para ser considerado. Os cinco reis do sul controlavam o território onde ficava “a estrada real”. Esta era a ligação terrestre por onde o comércio entre o Egito e os quatro reis orientais precisava passar. Quem tivesse o controle desse pedaço de terra teria o monopólio do comércio internacional.

A rota tomada pelos reis mesopotâmios tem sido objeto de muita crítica.

Ela revela um amplo movimento para o leste e sul, depois para sudoeste; e então do nordeste para o lado ocidental do Mar Morto; finalmente as tropas se juntam, deixando claro seu objetivo final, as cidades do Vale de Sidim4.

Duas explicações parecem satisfazer as objeções que são levantadas. Creio que as duas juntas mostram a sabedoria da estratégia de Quedorlaomer. Primeiro, a rota da conquista parece ser “a estrada real”, a rota comercial que os reis mesopotâmios procuravam garantir5. A rebelião dos cinco reis do sul pode muito bem ter suscitado atos semelhantes de outros reinos. Os quatro reis mesopotâmios, portanto, buscavam restaurar sua soberania sobre toda a extensão da rota comercial.

Segundo, os quatro reis procuraram lidar com os reinos rebeldes um de cada vez. Ao assegurar sua posição primeiramente com os outros reinos, o perigo de um ataque pela retaguarda foi removido. À medida que a narrativa avança, o laço sobre os rebeldes parece se estreitar6. Talvez se esperasse que, conforme as vitórias fossem se acumulando para os quatro reis, a rendição dos cinco reis do sul fosse preferível à derrota.

Contudo, os reis de Sodoma e Gomorra, com seus aliados, devem ter decidido que era mais nobre sofrer uma derrota a desistir e se render. As tropas se entrincheiraram no campo de batalha no vale de Sidim (14:8). Os reinos rebeldes devem ter oferecido pouca resistência à invasão. Ao fugir de seus inimigos, algumas pessoas caíram em poços de betume do vale, outras escaparam para os montes (14:10).

Sodoma e Gomorra foram saqueadas. Tudo e todos que podiam ser levados foram carregados. Este é o lado secular da notícia. No entanto, por que há tanta ênfase na descrição e nos detalhes deste episódio?

A resposta só pode ser encontrada no “outro lado da notícia”, a dimensão espiritual. Além dos fatos e números, estratégias e especulações do raciocínio humano, havia um propósito espiritual. Este incidente internacional não deve ser entendido apenas em termos de luta pelo poder e domínio econômico. Ele foi parte do programa do Deus soberano para a vida de duas pessoas do Seu povo, Ló e Abrão.

Uma observação, aparentemente casual e incidental a olhos não esclarecidos, é fundamental:

Tomaram também a Ló, filho do irmão de Abrão, que habitava em Sodoma, e os bens dele, e partiram. (Gênesis 14:12)

Que comentário sobre a decisão de Ló no capítulo 13! Ló preferiu agir com base em seus interesses econômicos, desprezando, desta forma, a aliança de Deus com Abrão (12:1-3). O que ele deveria ter aprendido é que “aquele que vive pela espada, pela espada morrerá”. Interesse econômico também era a motivação dos reis das duas coligações, a do sul e a dos mesopotâmios.

Tudo o que Ló parecia ter ganho ao tirar vantagem de Abrão foi perdido num instante, e aparentemente por acaso. Ele foi capturado em meio a um incidente internacional. Será possível imaginar os pensamentos que se passavam pela sua cabeça, quando ele e sua família, e todos os seus bens, estavam sendo levados para um lugar distante? Ele, que tinha sido tão esperto, agora era escravo, e tudo por causa da sua escolha interesseira.

Você reparou também que é dito que ele estava vivendo em Sodoma (versículo 12)? Quando o deixamos no capítulo 13, ele estava morando no vale do Jordão, dirigindo-se para o leste (13:11). Depois ele foi mudando suas tendas até Sodoma (13:12). E, finalmente, ele era um deles, pelo menos aos olhos dos vencedores.

Ló é Salvo pelo Tio Abrão (14:13-16)

Alguém que escapou de Quedorlaomer encontrou Abrão e lhe contou o destino de Ló.

Porém veio um, que escapara, e o contou a Abrão, o hebreu. Ora, este habitava junto dos carvalhais de Manre, o amorreu, irmão de Escol e de Aner; os quais eram aliados de Abrão. (Gênesis 14:13)

Digna de nota é a designação de Abrão como “o hebreu”7. Parece que ele estava começando a ser tornar conhecido dos moradores daquela região. Ele habitava junto aos carvalhais de Manre. Manre e seus dois irmãos, Escol e Aner, tinham se aliado a Abrão (versículo 13).

Juntando seus homens e os de seus aliados8, Abrão saiu rapidamente em perseguição aos captores de Ló.

Ouvindo Abrão que seu sobrinho estava preso, fez sair trezentos e dezoito homens dos mais capazes, nascidos em sua casa, e os perseguiu até Dã. (Gênesis 14:14)

Não se pode dizer com certeza se foi pela fé que Abrão se meteu nessa aventura tão arriscada, aparentemente, em grande desvantagem numérica. No mínimo, precisamos ser cautelosos em taxar sua atitude neste texto como decorrente da fé. Em lugar algum a motivação de Abrão é claramente afirmada.

Havia boas razões para ignorar completamente a informação do fugitivo. Como Sarai deve ter sugerido, as chances não estavam a favor de Abrão. Essa campanha podia ser suicida. Além do mais, Ló conseguiu exatamente o que queria. Ele escolheu viver em Sodoma — que aprendesse a lição em Elão ou na Babilônia. Deliberadamente, ele preferiu tirar vantagem de seu tio; que pagasse o preço, então.

Se a atitude de Abrão foi uma questão de fé ou de honra, não posso dizer com certeza (Pessoalmente acho que foi pela honra da família. Eu o vejo como uma espécie de Ben Cartwright, do seriado de TV “Bonanza”). Agora vemos que a mansidão demonstrada por ele ao lidar com Ló não foi fraqueza. Seja como for, ele foi atrás do sobrinho. Devido à promessa feita a Abrão (12:1-3), Deus o protegeu e o fez ter êxito.

E, repartidos contra eles de noite, ele e os seus homens, feriu-os e os perseguiu até Hobá, que fica à esquerda de Damasco. Trouxe de novo todos os bens, e também a Ló, seu sobrinho, os bens dele, e ainda as mulheres e o povo. (Gênesis 14:15-16)

Abrão, ao que parece, tinha uma poderosa mente militar. Ele empregou uma marcha forçada e realizou um ataque surpresa de várias posições. Ao que tudo indica, ele foi o comandante de seus próprios homens e também dos homens de seus aliados. A perseguição foi feroz e abrangente, até a vitória estar completa e os despojos inteiramente recuperados. Tudo foi retomado: os bens, as pessoas, e o pródigo — Ló.

O Rei de Sodoma e o Rei de Salém (14:17-24)

Talvez o maior teste enfrentado por uma pessoa seja o do sucesso:

Como o crisol prova a prata, e o forno o ouro, assim o homem é provado pelos louvores que recebe. (Provérbios 27:21)

É difícil compreender o quanto o retorno triunfal foi tentador para Abrão. Sua recepção deve ter sido uma versão antiga do desfile de honra de Nova York. Se até o rei de Sodoma foi ao seu encontro, imagine o resto da cidade, que ansiava pela volta de seus entes queridos.

Após voltar Abrão de ferir a Quedorlaomer e aos reis que estavam com ele, saiu-lhe ao encontro o rei de Sodoma no vale de Savé, que é o vale do Rei. (Gênesis 14:17)

Se o rei de Sodoma preparou algumas palavras para a ocasião, ele teve de esperar, pois, de algum lugar surgiu o rei de Salém com as palavras que Abrão mais precisava ouvir:

Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; era sacerdote do Deus Altíssimo; abençoou ele a Abrão, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra, e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus adversários nas tuas mãos! E de tudo Abrão deu-lhe o dízimo. (Gênesis 14:18-20)

Creio que foi providencial a aparição de Melquisedeque interromper o encontro de Abrão com o rei de Sodoma. Quando ele terminou sua tarefa, aparentemente foi embora; e só então o rei de Sodoma falou.

Melquisedeque é uma figura crucial nesta narrativa, pois ele coloca a vitória de Abrão na perspectiva teológica correta9. Não houve tapinha nas costas ou politicagem. Melquisedeque era rei e sacerdote, não rei e político. Suas palavras tinham a intenção de relembrar a Abrão que a vitória era de Deus, e o sucesso, resultado da Sua bênção. Na verdade, as palavras de Melquisedeque foram um lembrete da aliança de Deus com Abrão ao chamá-lo em Ur para ir para Canaã:

Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela, da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei. De ti farei uma grande nação; e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção. Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gênesis 12:1-3)

A resposta de Abrão foi um testemunho da sua fé no Deus único, adorado por ele e Melquisedeque. Seu dízimo foi uma evidência tangível de que era Deus quem merecia a glória.

Muita gente recorre ao versículo 20 como texto de prova para a entrega do dízimo: “... E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo”. Dizem que este foi o primeiro dízimo, e que ocorreu antes da lei ser outorgada. Por isso, sua prática está além da lei, sendo, portanto, obrigatória aos cristãos de nossos dias. Creio que este seja um pensamento falacioso.

Somos levados a crer que Abrão deu a Melquisedeque o dízimo de todas as suas posses. Mas quando Moisés escreve: “... deu-lhe o dízimo de tudo”, o que será que ele quis dizer com tudo — tudo o quê?

Talvez isso seja um choque para você, mas Abrão não deu o dízimo das suas posses. Em primeiro lugar, ele não estava em casa, com seus bens, mas no caminho de volta, com os bens do rei de Sodoma e de seus aliados. O escritor aos Hebreus nos informa o conteúdo do dízimo de Abrão:

Considerai, pois, como era grande esse a quem Abraão, o patriarca, pagou o dízimo tirado dos melhores despojos. (Hebreus 7:4)

Imagine a cena: Abrão é encontrado pelo rei de Sodoma, o qual, sem dúvida, o enche de elogios. O rei de Salém chega e insta Abrão a dar glória a Deus. O rei de Sodoma, então, observa, pasmo e de olhos arregalados, Abrão dar o dízimo do melhor dos despojos de Sodoma a Melquisedeque. Que testemunho da glória de Deus e da pecaminosidade de Sodoma! Amigo, este não é um exemplo bíblico de entrega do dízimo.

O rei de Sodoma sabia muito bem que “ao vencedor pertencem os despojos”. Além disso, ele testemunhou a entrega de um décimo de seus bens ao rei de Salém (Jerusalém). O melhor acordo a que este rei pagão podia chegar era reaver as pessoas e entregar os bens para Abrão:

Então, disse rei de Sodoma a Abrão: Dá-me as pessoas; e os bens ficarão contigo. (Gênesis 14:21)

Esta oferta deve ter sido muito tentadora para Abrão. Por direito, e até mesmo pelo pedido do rei de Sodoma, os despojos eram seus. De certa forma, foi uma justiça poética. Ló tinha escolhido Sodoma por suas promessas de bênçãos materiais. Aparentemente, ele tinha conseguido o melhor de seu tio; mas agora Deus estava dando de volta a Abrão tudo que devia ser dele desde o princípio.

As palavras de Abrão devem ter sido um choque bem maior para o rei de Sodoma do que o ato de dividir os despojos com Melquisedeque:

Mas Abrão lhe respondeu: Levanto a mão ao Senhor, o Deus Altíssimo, o que possui os céus e a terra, e juro que nada tomarei de tudo o que te pertence, nem um fio, nem uma correia de sandália, para que não digas: Eu enriqueci a Abrão. (Gênesis 14:22-23)

De onde será que Abrão tirou as palavras ditas ao rei de Sodoma? Do rei de Salém, é claro — de onde mais? Melquisedeque se referiu ao seu Deus e de Abrão como o “Deus Altíssimo, o que possui os céus e a terra”. Esta era uma designação incomum para Deus (El Elyon – cf. nota à margem dos versículos 19 e 20 da New American Standard Version), e mesmo assim Abrão a usou — as mesmas palavras ditas por Melquisedeque.

Creio que a chegada do rei de Salém foi um momento decisivo para Abrão, pois colocou sua vitória na perspectiva correta. Embora os homens possam dar glória a homens, os santos devem dar glória a Deus, pois qualquer vitória, no final das contas, é Sua, não nossa.

Por esta razão, Abrão não podia aceitar a oferta de ficar com os bens de Sodoma. Ele, como Melquisedeque, tinha zelo para que a glória de Deus fosse Dele somente. Aceitar qualquer coisa de um rei pagão seria dar a ele oportunidade de supor que sua oferta fosse responsável pelo sucesso de Abrão. O valor dos bens era muito alto, por isso, Abrão recusou o que, por direito, era seu.

Abrão chegou a essa maravilhosa conclusão, mas observe que ele não empurra suas convicções goela abaixo de seus aliados:

Nada quero para mim, senão o que os rapazes comeram, e a parte que toca aos homens Aner, Escol e Manre, que foram comigo; estes que tomem o seu quinhão. (Gênesis 14:24)

O que os homens comeram das mercadorias de Sodoma não ia ser reembolsado. No entanto, o que era devido aos outros, que não estavam ligados a Deus pela fé, não deveria ser sonegado.

Conclusão

Acima de qualquer outra coisa, o acontecimento de Gênesis 14 pode nos dar um comentário divino sobre as decisões tomadas no capítulo 13. Ló preferiu Sodoma e seu egoísmo, e quase perdeu tudo por causa disso. Abrão preferiu seguir a paz e por isso lhe foi concedida uma vitória militar. Ló confiou em si mesmo e se tornou escravo. Abrão confiou em Deus e se tornou uma figura proeminente entre seus irmãos. Como as nossas decisões se mostram diferentes à luz da história! A história sopesa as decisões dos homens.

Esta passagem também é um lembrete da soberania de Deus nas questões humanas. Deus está no controle da história. Os acontecimentos que parecem apenas seculares muitas vezes têm um propósito e significado espiritual bem mais profundo. O que parecia ser uma situação trágica, onde Ló foi apanhado na disputa entre duas facções políticas opostas, na verdade era o propósito de Deus sendo realizado para o benefício dos dois homens (principalmente), Ló e Abrão. Eis aí, amigo cristão, o outro lado das notícias.

A aparição de Melquisedeque também me faz lembrar de que não existem “Patrulheiros Solitários” na fé cristã. Há épocas em que temos a impressão de que ninguém mais parece ter fé; no entanto, isso é apenas ilusão (cf. 1 Reis 19:14, 18). Lá estava um rei/sacerdote temente a Deus, Melquisedeque, o qual ainda não tínhamos visto, e nem veremos depois, mas que era um verdadeiro crente.

Deus trabalha por intermédio de homens, meu amigo. Embora nos agrade ser autossuficientes, isso não agrada a Deus. Num momento crítico da vida de Abrão, Deus mandou um homem para esclarecer as coisas e impedi-lo de levar o sucesso demasiadamente a sério. Graças a Deus pelos homens e mulheres que Ele usa em nossa vida, e por Ele nos usar para ministrar aos outros em momentos cruciais da vida.

Há também um lembrete de que, no tocante a dar e receber, o mais importante é a glória de Deus. Se damos algo para receber glória, o que damos não tem proveito (cf. Mateus 6:2-4). Se temos êxito nas mãos de quem rejeita a Deus e toma a glória para si mesmo, a glória de Deus fica encoberta aos homens. Sejamos mais cautelosos com relação ao dinheiro e às coisas materiais. Algumas pessoas podem receber dinheiro, até mesmo do diabo, mas não Abrão.

Finalmente, este acontecimento nos dá uma bela ilustração da salvação de Deus. Ló preferiu seguir seu próprio caminho, pensando mais nos próprios interesses do que na promessa de Deus de abençoar os homens por meio de Abrão. Como resultado do seu egocentrismo, ele teve de enfrentar as consequências de seu pecado. Em vez de paz e prosperidade, ele encontrou vergonha e escravidão.

Como ele não foi capaz de fazer alguma coisa para corrigir seus erros ou se livrar de seu cativeiro, Abrão, com grande risco pessoal, obteve a vitória e sua libertação. Salvar Ló foi a única razão da ousada missão de resgate empreendida por Abrão. Apesar do desrespeito de Ló para com ele, Abrão o livrou das consequências de seu próprio pecado.

Todos nós, diz a Bíblia, pecamos:

... pois todos pecaram e carecem da glória de Deus. (Romanos 3:23)

Todos seguimos nossos próprios caminhos:

Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho. (Isaías 53:6a)

As boas novas do evangelho é que Deus mandou Seu filho, Jesus Cristo, para nos livrar de nossos pecados. As consequências dos nossos pecados, e seu castigo, foram suportados por Jesus Cristo na cruz do Calvário.

Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e carregou com as nossas dores; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. (Isaías 53:4-6)

Você tem fé em Jesus? Reconhece sua teimosia e obstinação, e sua necessidade de ser liberto do cativeiro do pecado? A missão de resgate de Deus foi bem sucedida, e seus benefícios são gratuitos a todo aquele que crê na salvação somente em Cristo.

Porque Deus amou ao mundo de tal maneira, que deu Seu filho unigênito para que, todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (João 3:16)

E não há salvação em nenhum outro; porque debaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos. (Atos 4:12)

Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 6:23)

Aquele que crê no filho de Deus tem, em si, o testemunho; Aquele que não dá crédito a Deus o faz mentiroso, porque não crê no testemunho que Deus dá acerca do seu Filho. E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; Aquele que não tem o Filho não tem a vida.” (I João 5:10-12)

Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza


1 NT: É impossível a tradução desse trocadilho para o português, pois o Autor usa o próprio nome de Ló, em inglês “Lot”, que juntamente com o artigo indefinido “a” significa “muito, bastante”.

2 “Pela primeira vez, os acontecimentos bíblicos estão expressamente coordenados com a história externa”. Derek Kidner, Genesis (Chicago: InterVarsity Press, 1967), p. 118.

3 “O domínio elamita e babilônico da Palestina durou 12 anos. Quedorlaomer, o elamita, na época em questão, foi soberano sobre a Babilônia, um fato com o qual os registros históricos concordam”. H. C. Leupold, Exposition in Genesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1942), I, p. 450.

4 Ibid, p. 451.

5 A rota da conquista tem uma história contínua desde 2.500 a.C. até o presente. Nela, de ponta a ponta, são encontradas pilhas de ruínas, algumas bem grandes, indicando que a rota é de fato real e histórica, dando grande estímulo à cobiça dos invasores. Tempos depois, ela veio a ser chamada de “a estrada real” (Nm. 29:17, 21:22)”. Harold Stigers, A commentary on Genesis (Grand Rapids: Zondervan, 1976), D, 148.

6 “A explicação mais simples é que o exército vindo do leste queria eliminar a possibilidade de um ataque pela retaguarda de grupos hostis. Estes grupos ou eram adversários que não haviam sido subjugados ou adversários subjugados conhecidos por serem difíceis de controlar e inclinados a apoiar outros revoltosos... Isso mostra o cerco se fechando cada vez mais sobre Sodoma e Gomorra. Dá para sentir a apreensão das cidades revoltosas; e elas se viram de um lado para outro à medida que chove por todos os lados relatórios das derrotas dos grupos que estão sendo atacados”. Leupold, Genesis, I, p. 401, p. 149.

7 “Pela primeira vez Abrão é chamado de ‘o hebreu’. Alguns consideram que “hebreu” não seja equivalente para Habiru, embora outros, inclusive Kenyon, achem que sim. Uma das características típicas de Habiru era a de um soldado mercenário, e Abrão se encaixa nesse perfil no resgate de Ló. Portanto, o cognome “hebreu” é uma alcunha em memória deste resgate, não de desaprovação, mas no melhor sentido. Como indicado pelo conteúdo de documentos cuneiformes, pensa-se mais uma vez que Abrão se enquadre em sua época”. Stigers, Genesis, p. 149

8 O versículo 24 nos informa que os homens de Manre, Escol e Aner acompanharam Abrão nesta campanha militar, pois eles iriam repartir os despojos.

9 Algumas pessoas talvez fiquem confusas com o fato de não ter me aprofundado sobre a importância tipológica de Melquisedeque. O escritor aos Hebreus faz isto (Hebreus 5, 7) refletindo sobre os acontecimentos de Gênesis, combinado com a profecia do Salmo 110:4. A razão de eu não ter tratado do assunto é porque, para Moisés, este era um tema secundário, não principal. Era uma questão suplementar, e não fundamental, para o sentido literal, histórico e gramatical do texto. O significado tipológico de qualquer texto é um benefício adicional, mas não deve suplantar a interpretação literal. O significado típico talvez nem tenha passado pela mente do escritor (só na mente de Deus), mas o significado literal era a mensagem pretendida pelo escritor.

16. O Foco Principal da Fé Professada por Abrão (Gênesis 15:1-21)

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Introdução

No capítulo 15 de Gênesis, chegamos a uma das revelações mais importantes do Antigo Testamento, resumida no versículo seis: “Ele creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça”.

Até este ponto, a fé demonstrada por Abrão tinha sido de caráter mais geral. Ela residia principalmente no chamado de Deus registrado no capítulo 12:

Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Genesis 12:1-3)

Deus, no entanto, raramente permite que a nossa fé continue assim, por isso, enfrentamos tempos de crise, os quais levam nossa fé do abstrato ao concreto, do geral ao particular. E foi assim com Abrão neste capítulo.

Abrão Espera por um Herdeiro (15:1-5)

As palavras de Deus a Abrão1 estão longe de ser as esperadas naquelas circunstâncias: “Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, e teu galardão será sobremodo grande” (Gênesis 12:1).

Por que Abrão temeria? Ele tinha acabado de conquistar uma grande vitória sobre Quedorlaomer e os outros três reis orientais (Gênesis 14:14-15). Devido a isso, sem dúvida, ele tinha recebido considerável reconhecimento, até mesmo do rei pagão de Sodoma (14:17, 21-24). Que tipo de temor poderia assaltar sua fé numa ocasião como essa?

Talvez ele temesse futuras represálias militares por parte de Quedorlaomer e seus aliados. Ele tinha ganho a batalha, mas teria vencido a guerra? A Palavra de Deus, “eu sou o teu escudo”, pode muito bem ter sido intencionada para aquietar o temor de um possível confronto militar.

Mas esta não podia ser sua maior preocupação, especialmente em virtude dos versículos seguintes. Sua vitória não parecia tão doce à luz de uma pergunta que parecia obscurecer tudo o mais: “Que sucesso é bom, sem um sucessor?”.

A confirmação está na resposta de Abrão a Deus: “Respondeu Abrão: SENHOR Deus, que me haverás de dar, se continuo sem filhos e o herdeiro da minha casa é o damasceno Eliézer? Disse mais Abrão: A mim não me concedeste descendência, e um servo nascido na minha casa será o meu herdeiro” (Gênesis 15:23).

No antigo Oriente Próximo havia uma prática reconhecida para garantir um herdeiro, mesmo que um homem não tivesse filhos2. O casal sem filhos adotava um dos servos nascidos em sua casa. Esse “filho” cuidava deles na sua velhice e herdava todos os seus bens e propriedades quando eles morressem. Nessa época de crise na fé, Abrão achou que isso era o melhor que poderia esperar.

Deus havia lhe prometido muito mais do que ele poderia conseguir por si mesmo. E Eliezer não era o herdeiro prometido. Os descendentes de Abrão deveriam vir das suas próprias células reprodutivas. Seu filho viria dele mesmo.

A isto respondeu logo o SENHOR, dizendo: Não será esse o teu herdeiro; mas aquele que será gerado de ti será o teu herdeiro. (Gênesis 15:4)

A fim de tranquilizar Abrão, Deus o levou para fora e lhe mostrou as estrelas do céu. Sua posteridade, que viria por meio de seu filho, seria tão numerosa quanto elas.

O versículo seis descreve a reação de Abrão à revelação divina: “Ele creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça” (Gênesis 15:6).

A tradução da New American Standard Version (Nova Versão Padrão Americana) não é muito apropriada. A primeira palavra, “então”3, tenta transmitir a ideia de que Abrão reagiu com fé à promessa de um filho. Neste sentido, é uma boa tradução. A dificuldade, no entanto, está em que “então” talvez transmita mais do que deveria. O versículo seis é a primeira vez onde a palavra “crer” é utilizada. É também a primeira vez onde Abrão é reconhecido como justo. Seria fácil concluir que Moisés estivesse dizendo ter sido aqui que Abrão veio a crer em Deus, e quando ele foi “salvo” (para usar um termo do Novo Testamento).

No livro de Hebreus, lemos: “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia” (Hebreus 11:8).

Nesta passagem, o escritor aos Hebreus pretende nos fazer entender que Abrão já “acreditava” em Deus antes do capítulo 15 de Gênesis, antes de deixar Ur e ir para Canaã.

A solução não é tão difícil quanto parece. A gramática do versículo seis de Gênesis 15 mostra que Abrão não começou a ter fé naquele momento4. Ele não só já acreditava, como continuou acreditando. O “então” da tradução da NASV, portanto, talvez seja um pouco forte demais.

No entanto, por que Moisés esperou até este ponto para dizer que Abrão creu e foi justificado pela fé? A resposta de Lutero, a meu ver, parece a mais satisfatória. Sua fé ainda não tinha sido mencionada a fim de salientar que a fé salvadora é aquela focada na pessoa e na obra de Jesus Cristo5. Aqui, a fé professada por Abrão estava na promessa de um filho, por meio de quem viria bênção para o mundo todo. Embora não possamos determinar com clareza o quanto Abrão apreendeu de tudo isso, não podemos deixar passar as palavras do Salvador a esse respeito: “Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se” (João 8:56).

Mesmo que Abrão já acreditasse em Deus, neste ponto sua fé é realçada e definida com maior clareza. Sua fé está na promessa de Deus de abençoá-lo com um filho, e abençoá-lo por meio Dele. Foi aqui que Deus escolheu anunciar que sua fé era uma fé salvadora.

Observe três coisas a respeito da fé professada por Abrão:

(1) Primeiro, sua fé era pessoal. Com isso quero dizer que Abrão realmente acreditava no Senhor. Ele não se limitava a crer em coisas sobre Deus, Abrão cria nEle. Eis a diferença entre muitos que se dizem cristãos e aqueles que têm a Cristo — aqueles genuinamente nascidos de novo pela fé na pessoa de Cristo.

(2) Segundo, sua fé era fé proposicional. Embora Abrão cresse na pessoa de Deus, sua fé tinha como base Suas promessas. Muitas pessoas creem num deus definido por elas mesmas. Abrão cria no Deus da revelação. A aliança feita por Deus com ele (versículo 12 em diante) deu-lhe proposições específicas nas quais basear sua fé e vida prática.

(3) Sua fé também era uma fé prática. Com isso quero dizer que as convicções de Abrão requeriam ação. Nitidamente, suas obras não deram início à sua fé, mas elas a demonstraram (cf. Tiago 2:14 e ss). Além disso, sua fé estava relacionada a uma necessidade muito prática e perceptível — a necessidade de um filho. Deus não nos pede para crer em coisas abstratas, mas em coisas normais da vida.

Quando Moisés diz que a fé professada por Abrão foi-lhe imputada para justiça, ele não quis dizer que, de alguma forma, ela foi trocada por justiça. Sua fé, como a nossa hoje em dia, não era uma coisa invocada pelo poder mental ou espiritual. A fé, em si mesma, é um dom (Efésios 2:8-9). A fé professada por Abrão estava no filho que viria e em seus descendentes, um dos quais seria o Messias. Foi por Abrão confiar no Único que poderia prover sua justificação que Deus o declarou justo. Tecnicamente falando, a salvação (e a fé) é um dom, a justiça, no entanto, vem por meio de um processo legal de imputação. Abrão foi declarado legalmente justo por Deus porque confiou nAquele que era justo. A justiça de Cristo, imputada a Abrão devido à fé dada por Deus, o salvou.

O jeito de Deus salvar os homens não é novo. Nada mudou dos tempos do Antigo Testamento para o Novo. Deus sempre salvou os homens pela graça, por meio da fé. Não há outra forma. Enquanto Abrão foi salvo pela fé nAquele que viria, nós somos salvos pela fé nAquele que já veio. Esta é a única diferença.

Deus Tranquiliza Abrão Sobre a Posse da Terra que Um Dia Seria Sua (15:7-21)

Após cuidar da maior preocupação de Abrão ou seja, a de um herdeiro, Deus prossegue, fortalecendo sua fé quanto à terra que um dia seria sua: “Disse-lhe mais: Eu sou o SENHOR que te tirei de Ur dos caldeus, para dar-te por herança esta terra” (Gênesis 15:7).

A pergunta feita por Abrão não parece refletir algum tipo de incredulidade, só estranheza acerca de como isso se daria: “Perguntou-lhe Abrão: SENHOR Deus, como saberei que hei de possuí-la?” (Gênesis 15:8).

O tom é semelhante ao de Maria quando ela fica sabendo que iria ser a mãe do Messias: “Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?” (Lucas 1:34).

Deus não repreende Abrão por sua pergunta, mas confirma Sua promessa com um pacto.

Respondeu-lhe: Toma-me uma novilha, uma cabra e um cordeiro, cada qual de três anos, uma rola e um pombinho. Ele, tomando todos estes animais, partiu-os pelo meio e lhes pôs em ordem as metades, umas defronte das outras; e não partiu as aves. Aves de rapina desciam sobre os cadáveres, porém Abrão as enxotava. (Gênesis 15:9-11)

No mundo antigo de Abrão, os contratos legais e vinculativos não eram documentos escritos por advogados e assinados pelas partes envolvidas. Em vez disso, as duas partes chegavam a um acordo mutuamente aceitável que depois era formalizado na forma de um pacto.

O pacto era selado dividindo-se um animal (ou animais) ao meio. Na verdade, o termo técnico literalmente significa “cortar um pacto”. O animal era cortado e as partes envolvidas passavam entre suas duas metades. Parece que nesse juramento os homens reconheciam que o destino do animal deveria ser o deles, caso quebrassem os termos do acordo.

Portanto, vemos que esses versículos não descrevem o processo de sacrifício de animais, mas o ato legal de concretizar um acordo vinculativo. Os versículos 9 a 11 preparam o terreno para a ratificação final do pacto.

Algum tempo parece ter se passado entre a preparação dos animais e a ratificação do pacto (cf. versículo 11). Em virtude dessa demora, Abrão cai num estado de transe profundo: “Ao pôr-do-sol, caiu profundo sono sobre Abrão, e grande pavor e cerradas trevas o acometeram” (Gênesis 15:12).

Em minha opinião, a causa do “grande terror e cerradas trevas” foi mais do que a consciência da presença de Deus. Creio ter sido uma reação normal ao horror gerado pela revelação do tratamento que seria dispensado aos filhos de Abrão nos quatrocentos anos seguintes. Seus descendentes iriam tomar posse da terra de Canaã, mas só depois de um tempo considerável e de muitas dificuldades:

Então, lhe foi dito: Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois sairão com grandes riquezas. (Gênesis 15:13-14)

Com todo cuidado, o Egito não é mencionado como sendo a terra onde irá ocorrer a escravidão. Não só Abrão não precisava saber disso, como também um conhecimento prévio do cativeiro poderia ter sido prejudicial. Para quem leu as palavras de Moisés, no entanto, não foi problema saber que lugar era esse. Aliás, eles tinham acabado de sair do Egito. Que coisa mais estranha deve ter sido para aqueles israelitas lerem a profecia que descrevia com tanta precisão o seu sofrimento.

Parece haver duas razões para a espera de quatrocentos anos até a posse de Canaã. Primeira, os filhos de Abrão ainda não tinham condições (ou número suficiente) para tomar posse da terra. Segunda, o povo da terra ainda não era iníquo o bastante para ser expulso: “Na quarta geração, tornarão para aqui; porque não se encheu ainda a medida da iniquidade dos amorreus” (Gênesis 15:16).

Eis aqui um princípio importante, o que governa a posse do território de Canaã. Deus é o dono da terra (Levítico 25:23), e Ele a deixa para quem viver de acordo com a justiça. Quando Israel se esqueceu do seu Deus e praticou as abominações dos cananeus (cf. 2 Crônicas 28:3; 33:2), Deus também os lançou fora da terra.

À luz da atual discussão sobre quem tem direito legítimo sobre o território de Israel, devemos nos lembrar deste princípio. Deus é o dono da terra, não os judeus, nem os árabes. Deus não permitirá aos judeus tomar posse da terra e viver em iniquidade, assim como não permitirá aos gentios.

Durante os quatrocentos anos, ou mais, depois da época desta revelação, duas coisas ocorreram simultaneamente. Os cananeus se tornaram cada vez mais perversos, e o dia de seu julgamento, cada vez mais próximo, e a nação de Israel nasceu, cresceu rapidamente em número, e em maturidade espiritual, preparando-se para o dia da posse.

Este também não é um retrato dos nossos dias? Deus não disse que, nos últimos tempos, a iniquidade se tornaria cada vez maior (cf. 2 Tessalonicenses 2:1-12; 2 Timóteo 3:1-9; 2 Pedro 3:3 e ss)? Enquanto isso, Deus está nos purificando e preparando para a volta de Cristo (cf. Efésios 5:26-27; Colossenses 1:21-23; 1 Pedro 1:6-7). Os perversos irão receber o justo castigo pelo seu pecado, e os santos, o galardão de justiça.

Quando Deus falou com Abrão sobre sua morte em ditosa velhice, e sobre o destino da sua posteridade, Ele também ratificou Sua aliança quanto à terra que um dia seria de Israel:

E sucedeu que, posto o sol, houve densas trevas; e eis um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo que passou entre aqueles pedaços. Naquele mesmo dia, fez o SENHOR aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates: o queneu, o quenezeu, o cadmoneu, o heteu, o ferezeu, os refains, o amorreu, o cananeu, o girgaseu e o jebuseu. (Gênesis 15:17-21)

Este foi um pacto diferente, pois somente Deus, na forma de um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo, passou por entre a carcaça dividida dos animais. Assim foi feito para significar que o pacto era unilateral e incondicional. Nenhuma condição foi exigida de Abrão para sua realização.

Os limites geográficos da terra foram claramente definidos, e até mesmo os povos que seriam despejados foram relacionados. Deus Se comprometeu com um curso muito específico de ação. Que mais poderia ser pedido?

Conclusão

O fator decisivo para Abrão foi que a promessa de Deus agora era muito mais específica. Ele teria um filho dele mesmo, por meio de quem as bênçãos seriam derramadas. Seus descendentes seriam muito numerosos e, no tempo certo, tomariam posse da terra. No entanto, antes disso, teriam de passar por um longo período de espera e muita dificuldade.

A essência da fé professada por Abrão foi sua satisfação com a presença de Deus enquanto esperava na promessa das bênçãos futuras. Ele não ficou com a pior parte. Seu grande galardão foi o próprio Deus: “Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão” (Gênesis 15:1, Almeida Corrigida e Revisada, Fiel).

Hoje em dia, nossa teologia tem sido muito distorcida. Somos convidados a aceitar a Cristo como Salvador por causa de tudo o que Ele pode e poderá fazer por nós. Nós O aceitamos pelas Suas dádivas, não pela Sua presença.

Abrão não foi tapeado ou ludibriado no tempo de Deus e nas dificuldades que ele e seus descendentes enfrentaram. Ele foi abençoado, pois Deus é a nossa porção, e isso foi suficiente.

Um dia antes de ministrar esta mensagem, realizei o funeral de uma jovem da nossa igreja. Era uma moça adorável, modelo de mãe e esposa. Ela tinha 28 anos e morreu enquanto dormia. Ainda não sabemos a causa da sua morte.

Para a mensagem do ofício fúnebre, escolhi o texto do Salmo 73. Nele, o salmista confessa sua perplexidade diante do fato tão frequente de que o justo parece sofrer (versículo 4) enquanto o ímpio prospera (versículos 3 a 12). No entanto, quando o escritor pondera sobre o destino eterno dos homens, ele percebe que no final Deus coloca as coisas em pratos limpos. As exigências da justiça nem sempre são plenamente satisfeitas até que chegue a eternidade. O céu e o inferno são, portanto, requisitos da justiça. Sem eles, a justiça não é satisfeita.

Isso leva o salmista a concluir que o melhor na vida não é ser livre da dor do sofrimento ou da pobreza, mas conhecer a Deus:

Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória. Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre… Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no SENHOR Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos. (Salmo 73:23-26, 28)

Eis, então, a chave para o entendimento da bênção que pode ser encontrada na espera e na dificuldade: enquanto a prosperidade muitas vezes nos leva para longe de Deus (cf. Salmo 73:7-12), a aflição nos aproxima Dele (Salmo 73:25-26).

Se a proximidade de Deus é o bem maior, então o sofrimento também é, se fortalece a nossa intimidade com Ele. E a prosperidade é ruim, se nos leva para longe do bem de conhecer a Deus.

Creio ser esta a chave do capítulo 15 de Gênesis. A fé professada por Abrão é fortalecida pela revelação específica a respeito de seu filho e da terra que será herdada pela sua posteridade. Mas, muito além disso, ele é levado a perceber que a fé não pode andar separada do sofrimento, pois Deus o usa para trazer os homens à íntima comunhão com Ele.

A fé raramente é fortalecida pelo sucesso (cf. o versículo 1), mas pela confiança em Deus enquanto esperamos e enfrentamos dificuldades.

Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 8:31-39)

Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus. Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo, para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma. Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos. Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos? Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça. Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos; e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco; antes, seja curado. (Hebreus 12:1-13)

Tradução: Mariza Regina de Souza


1 Esta é a primeira vez que expressão “veio a palavra do SENHOR…”, encontrada no versículo 1, é empregada no Antigo Testamento. Em geral ela é usada para introduzir uma revelação divina a um dos profetas de Deus (por exemplo, 1 Samuel 15:10). Não podemos nos esquecer de que, mais à frente, Abrão é chamado de profeta (Gênesis 20:7). Isso parece indicar que Moisés entendeu que essa revelação foi dada a Abrão para o seu benefício e para o nosso.

2 A descoberta de uma porção de tábuas de adoção em Nuzi tem sido de grande auxílio para a compreensão das palavras de Abrão: “Uma das tábuas diz: ‘A tábua de adoção pertencente a {Zike}, filho de Akkuya: ele deu seu filho Shennima em adoção para Shuriha-ilu, e Shuriha-ilu, com referência a Shennima, (de) todas as terras… (e) seus ganhos de toda sorte deu a Shennima uma (parte) de sua propriedade. Se Shuriha-ilu tiver um filho dele mesmo, como (filho) principal ele terá dupla porção; Shennima será, então, o seguinte (e) levar sua parte adequada . Enquanto Shuriha-ilu viver, Shannima o venerará. Quando Shuriha-ilu {morrer}, Shennima se tornará seu herdeiro’”. Mesopotomian Legal Documents, traduzido para o inglês por Theophile J. Meek, in Pritchard, ANET, p. 220, como citado por John J. Davis, Do Paraíso à Prisão: Estudos em Gênesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1975), p. 185.

3 NT: A palavra não ocorre na maioria das versões em português.

4 “A forma é incomum, perfeito com waw, não como seria de esperar, imperfeito com waw conversivo. Aparentemente, com esta deixa o autor estaria indicando que a permanência dessa postura deve ser salientada: não apenas: Abrão creu esta única vez, mas: Abrão provou constantemente a sua fé…” H. C. Leupold, Exposição de Gênesis (Grand Rapids Baker Book House, 1942), I, p. 477.

5 “Sentimos que a nossa resposta deve ter a mesma forma que a de Lutero, o qual salienta que a justificação pela fé é primeiramente revelada nas Escrituras em uma conexão onde o Salvador é claramente envolvido, a fim de que ninguém se aventure a dissociá-la dEle”. Leupold, Gênesis, I, p. 479.

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17. Quando as Mulheres Vestem as Calças (Gênesis 16:1-16)

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Introdução

Há algum tempo, Bill Gothard veio a Dallas para falar a 2.600 pastores. Uma de suas afirmações foi um verdadeiro puxão de orelha em todos nós. Ele disse que, de longe, a maior queixa das esposas de pastor era que seus maridos não estavam assumindo a liderança espiritual de seus lares.

Inúmeras histórias comprovam essa queixa. A mais comum é aquela em que o pastor está no andar de baixo orando para o Senhor lhe dizer se deve ou não mudar de igreja, enquanto sua esposa está no andar de cima fazendo as malas.

Há não muito tempo, li a história de como um pastor foi chamado para pastorear uma das maiores igrejas dos Estados Unidos. Essa igreja havia pedido a ele para atuar como pregador substituto. Temendo que aceitar pudesse indicar a intenção de concorrer a um cargo tão cobiçado, ele recusou a oferta. Sua esposa, no entanto, não pensava da mesma forma e aceitou o convite por ele. Cumprindo o compromisso, mais tarde o homem veio a aceitar o chamado para ser o pastor daquela igreja.

Nem sempre a história acaba tão bem, como nos ensina o texto de Gênesis 16. Abrão, o homem de fé, revelou ter pés de barro até mesmo na sua casa. As consequências devastadoras da sua passividade diante da pressão devem servir de alerta para todos nós.

Embora este texto mostre que ele falhou ao dar ouvidos à sua esposa, deixe-me rapidamente dizer que muitos de nós falham justamente por não darmos ouvidos a elas quando devemos. Homens, não usem este texto como um trunfo sobre suas esposas, pois isso seria um grande erro. Que não venhamos a usar esta passagem para provar nossas ideias preconcebidas e preconceituosas, mas para iluminar o nosso coração e a nossa mente e, assim, crescer na fé.

A Proposta de Sarai (16:1-16)

Os primeiros seis versículos não são apenas uma condenação da postura e da conduta de Sarai. Na verdade, o que vemos é a combinação dos pecados de Abrão, Sarai e Agar, todos contribuindo para a discórdia que se seguiu. Apesar disso, foi Sarai quem deu início a essa sequência particular de eventos, por isso, vamos começar por ela.

Sarai, esposa de Abrão, era impedida de ter filhos. Um herdeiro talvez fosse a coisa mais desejada por um homem daqueles tempos. Este era o caso de Abrão, pois fora dito a ele que ele seria pai de uma grande nação:

De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! (Gênesis 12:2)

Sarai se sentia pessoalmente responsável pela ausência desse filho. Ela achava que, por nunca ter dado à luz uma criança e por sua idade avançada parecer um impedimento a isso, outra coisa precisava ser feita para que Abrão pudesse ter um filho com outra mulher. Ela pensava: “Eis que o SENHOR me tem impedido de dar à luz filhos” (Gênesis 16:2).

Abrão, portanto, poderia ser pai de uma criança, ainda que Sarai não fosse a mãe.

A cultura daquela época fornecia os meios para concretizar as intenções de Sarai. Documentos antigos revelam que, quando uma mulher não pudesse dar um filho a seu marido, ela podia dar a ele uma das suas escravas como esposa e reivindicar como seu o filho dessa união1.

No entanto, as consequências do plano de Sarai nos dizem que essa proposta foi um erro. Várias evidências desse pecado podem ser demonstradas. Primeiro, Sarai parece ter suposto que a responsabilidade de dar um filho a Abrão fosse sua. Não há base na Escritura para essa suposição:

Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gênesis 12:1-3)

Nesta aliança de Deus com Abrão, Abrão recebeu apenas uma ordem — sair de Ur. Deus, por outro lado, prometeu guiá-lo (versículo um), fazer dele uma grande nação (versículo dois), e abençoar a Terra por meio dele (versículo três). Em lugar algum, nem ele nem Sarai são encarregados de gerar um filho. Implícita, ao menos, está a garantia de que Deus irá providenciar um.

As palavras de Sarai traem sua relutância em aceitar o fato de que foi Deus quem a impediu de ter um filho: “Eis que o SENHOR me tem impedido de dar à luz filhos; toma, pois, a minha serva, e assim me edificarei com filhos por meio dela” (Gênesis 16:2).

Eis aqui o pecado da presunção. Não confiando em Deus para lhe dar um filho, Sarai forçou a situação, pressionando Abrão a tomar Agar como esposa.

Estranhamente, o grande comentarista Leupold tenta diminuir a culpa de Sarai, salientando sua fé na promessa de Deus2 e sua abnegação em entregar Agar ao marido3. Não concordo com nenhuma dessas explicações. Em lugar algum há qualquer expressão de fé na promessa de Gênesis 12:1-3. Para mim, parece que ela queria se livrar do estigma social da esterilidade, e fortalecer seu relacionamento com Abrão dando-lhe um filho, mesmo que isso implicasse no sacrifício de seus princípios.

Embora a monogamia não fosse claramente ordenada, ela estava presente no conceito original e ideal de casamento (Gênesis 2:18-25). A primeira menção de poligamia está longe de ser um elogio (cf. Gênesis 4:19 e ss). Mais adiante no livro de Gênesis, ter mais de uma esposa sempre virá acompanhado de conflito e competição (cf. Gênesis 29:30 e ss).

Em minha opinião, Sarai não agiu com fé, mas com presunção. Sua principal preocupação parece ter sido o estigma social em relação à sua esterilidade. Talvez ela tenha teimado com Abrão até ele aceitar sua proposta. A fé não tenta forçar Deus a agir, nem age no lugar dEle, muito menos faz o que é sobrenatural no poder da carne.

Bem, fomos duros com Sarai. Alguns talvez achem até que foi demais. No entanto, embora ela tenha sido o agente causador deste fiasco, Abrão também teve culpa. Na verdade, de certa forma esse pecado pode ser rastreado até sua falta de fé, quando ele deixou Canaã e foi para o Egito (Gênesis 12:10 - 13:4). Será mera coincidência Agar ser egípcia?

Ora, Sarai, mulher de Abrão, não lhe dava filhos; tendo, porém, uma serva egípcia, por nome Agar. (Gênesis 16:1)

Há grande probabilidade de Agar ter sido um presente de faraó a Abrão, como parte do dote de Sarai: “Este, por causa dela, tratou bem a Abrão, o qual veio a ter ovelhas, bois, jumentos, escravos e escravas, jumentas e camelos” (Gênesis 12:16).

Mas este mundo dá muitas voltas. Creio que ela foi uma das consequências da falta de fé de Abrão no capítulo 12. Embora Sarai tenha sido o estopim no capítulo 16, a proposta só foi possível graças à decisão de Abrão de ir para o Egito.

No capítulo 16, Abrão está mais para um palerma do que para um patriarca. Sua esposa nem sequer mencionou Deus ou Sua aliança com ele. A fé não parecia um fator importante, nem a vontade de Deus. Que oportunidade para Abrão se mostrar firme! Mas, em vez disso, ele fez um papelão. Aparentemente, com pouco ou nenhum protesto, ele seguiu passivamente as instruções da esposa. Ela queria um herdeiro. Ela planejou a lua de mel. E Abrão fez exatamente o que ela lhe disse para fazer.

“E ouviu Abrão a voz de Sarai” (16:2, Almeida Atualizada e Almeida Corrigida e Revisada, Fiel). Ouvir, no Antigo Testamento, quase sempre é sinônimo de obediência. O problema de Abrão não foi ouvir, foi fazer o que ela propôs, sem pensar nas implicações. Duvido que ele realmente tenha “ouvido”, no sentido de compreender o que Sarai estava tentando lhe dizer. Estaria ela pedindo para ele dizer que a amava mesmo se não pudesse lhe dar um filho? Estaria ela pedindo para ele para restaurar sua confiança no amor e no infinito poder de Deus? Estaria precisando ser relembrada da promessa de Deus? Estaria querendo que ele lhe dissesse não? Talvez Abrão tenha obedecido sem nem mesmo entender o que ela tentava lhe dizer.

Agar também teve sua parcela de culpa. Até onde posso dizer, ela não errou quando foi para a cama com Abrão. Ela era escrava, sujeita à vontade de sua senhora. Ela tinha pouco ou nenhum poder de decisão. Contudo, ela errou quando sentiu orgulho e desprezo por Sarai.

Ele a possuiu, e ela concebeu. Vendo ela que havia concebido, foi sua senhora por ela desprezada. (Gênesis 16:4)

Agar se esqueceu de que Deus havia fechado o ventre de Sarai. Ela fez pouco do fato de “os filhos serem galardão de Deus” (Salmo 127:3).Parece que ela caiu nas graças de Abrão, principalmente quando ele soube que ela carregava um filho dele. Ela se sentiu superior à sua senhora, mas ainda era sua escrava. Ela se gabou do que não era motivo de orgulho.

E, assim, vemos uma sequência de pecados, começando no Egito e terminando na cama de uma escrava egípcia. É irônico como as coisas se invertem! No capítulo 12, a falta de fé de Abrão o fez sofrer enquanto Sarai estava no palácio de faraó. Agora, Sarai, devido à sua própria proposta, fica imaginando o que está se passando no quarto de Agar.

Cada um deles: Sarai, Abrão e Agar, foi pego na teia do pecado. Sarai agiu com presunção; Abrão escorregou na passividade; e Agar foi vítima do orgulho. E, em mais uma rodada de pecado, cada um deles reagiu mal ao dilema causado por seus próprios erros.

Sarai descobriu que o tiro saiu pela culatra. Uma criança nasceu, mas mesmo sendo amada por Abrão (17:18, 20; 21:11), foi desprezada por ela (21:10). Ismael causou desavença entre eles, não união. Até Agar, que antes fora leal, agora desprezava sua senhora.

Abrão tinha dado a Sarai o que ela queria, mas agora ela dizia que não: “Disse Sarai a Abrão: Seja sobre ti a afronta que se me faz a mim. Eu te dei a minha serva para a possuíres; ela, porém, vendo que concebeu, desprezou-me. Julgue o SENHOR entre mim e ti (Gênesis 16:5).

Apesar de todas as palavras religiosas proferidas por Sarai, elas não escondem sua culpa pelo que aconteceu. Embora estivesse furiosa com Abrão, ela tinha de saber que foi ela mesma quem fez a cama para Agar. Não há palavras de confissão ou arrependimento saindo de seus lábios, só um amargo remorso.

Abrão também não mudou de rumo. Ele deveria ter aprendido que passividade não é sinônimo de piedade. Deixar Sarai fazer as coisas do jeito dela era renunciar à sua própria liderança. Ele foi cúmplice do pecado de Sarai por não lhe dizer não ou não repreendê-la. A tremenda bronca de Sarai só serviu para afastá-lo ainda mais. Ele não reconheceu seu pecado, nem confrontou Sarai com os dela. Em vez disso, ele continuou permitindo a ela fazer as coisas do seu jeito.

Respondeu Abrão a Sarai: A tua serva está nas tuas mãos, procede segundo melhor te parecer. Sarai humilhou-a, e ela fugiu de sua presença. (Gênesis 16:6)

Antes, ele havia concordado com seu plano de gerar um herdeiro. Agora, ele dá a ela liberdade para lidar com Agar do jeito que quiser. Sarai parece ter agido dentro dos limites da legalidade4, embora tenha exagerado nos padrões de moralidade. Agar, cansada de enfrentar a tirania de Sarai, acaba fugindo, seguindo rumo ao Egito5.

A Intervenção Divina (16:7-16)

Já reparou que Deus está estranhamente ausente nos seis primeiros versículos deste capítulo? É bem verdade que Ele recebeu o crédito (ou a culpa) por Sarai não poder ter filhos. Mas, pelo jeito, ninguém O consultou ou buscou Sua vontade. Ninguém se lembrou da Sua promessa de providenciar um filho.

Mais triste ainda é o fato de Deus, até aqui, não ter falado. Parece que, quando o homem escolhe seguir seu próprio rumo, Deus sai do caminho, deixando-o sofrer as consequências de sua desobediência. Deus fala apenas com Agar. Ele a procura enquanto ela está fugindo. A razão dessa intervenção divina está nos versículos 7 a 16.

Já dissemos que Agar estava voltando para o Egito quando Deus a encontrou. As palavras do Senhor penetram profundamente nas suas ações e atitudes: “disse-lhe: Agar, serva de Sarai, donde vens e para onde vais?” (Gênesis 16:8).

Fugir não muda os relacionamentos, nem remove a responsabilidade. Jonas, mesmo dentro da barriga do peixe, ainda era o profeta de Deus com uma mensagem para os ninivitas. Agar continuava sendo a serva de Sarai, e ainda tinha o dever de servir sua senhora.

A pergunta “para onde vais?” parece ter sido intencionada para trazer Agar de volta à realidade. Talvez algum descontrole tivesse provocado sua decisão de fugir. Talvez ela só tivesse parado para pensar depois de haver alguma distância entre ela e sua cruel senhora. Só que agora era hora de pensar no futuro. Para onde ela iria? Voltar para o Egito? Depois de dez anos, e grávida? Isso seria sensato?

Levantando sérias questões sobre a decisão de Agar, Deus continua, fazendo-a se lembrar da sua obrigação. Ele ordena que ela volte para quem tem autoridade sobre ela: “Volta para a tua senhora e humilha-te sob suas mãos” (Gênesis 16:9).

Não podemos ler esta ordem sem nos lembrar das palavras de Pedro, em sua primeira epístola, aos servos cristãos:

Servos, sede submissos, com todo o temor ao vosso senhor, não somente se for bom e cordato, mas também ao perverso; porque isto é grato, que alguém suporte tristezas, sofrendo injustamente, por motivo de sua consciência para com Deus. Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus. (1 Pedro 2:18-20)

Essas palavras não são fáceis, meu amigo, mas ignorá-las ou rejeitá-las será para o nosso próprio prejuízo. Hoje em dia, o compromisso do casamento parece ir só até onde a relação for a que esperamos. E isso também não é apenas da porta da igreja para fora: “De acordo com Lucille Lavender… ‘Dentre as profissões, as religiosas ocupam a terceira posição em número de divórcios concedidos a cada ano’”6.

Essa estatística é assustadora. Em nossos dias, queremos muito mais falar de prazeres e realizações do que de deveres e obrigações. Mas, o que Deus disse a Agar? Para cuidar do seu dever, mesmo que isso fosse extremamente difícil e desagradável.

Junto com a ordem, no entanto, veio uma promessa. Na verdade, a ordem era uma condição para o cumprimento da promessa:

Disse-lhe mais o Anjo do SENHOR: Multiplicarei sobremodo a tua descendência, de maneira que, por numerosa, não será contada. Disse-lhe ainda o Anjo do SENHOR: Concebeste e darás à luz um filho, a quem chamarás Ismael, porque o SENHOR te acudiu na tua aflição. Ele será, entre os homens, como um jumento selvagem; a sua mão será contra todos, e a mão de todos, contra ele; e habitará fronteiro a todos os seus irmãos. (Gênesis 16:10-12)

Acredito que Kidner esteja certo quando diz que, no cumprimento dessas promessas, Ismael seria uma paródia do seu pai7. Não é difícil notar traços da aliança abraâmica no que Deus fala para tranquilizar Agar.

Os descendentes de Ismael também seriam numerosos demais para serem contados (16:10, cf. 13:16; 15:5). Dele viriam príncipes e governantes (17:20). O que podia parecer uma maldição foi um grande consolo para Agar. Ismael viveria livre, sem restrições, sem algemas, e seria um espinho na carne de seus irmãos (16:12). Para Agar, a aflita serva de Sarai, isso foi fonte de grande esperança e consolo. Mesmo sob a mão cruel de sua senhora, dava quase para ouvi-la murmurando: “Você não perde por esperar, Sarai”.

O tema prevalente nos versículos 7 a 16 é expresso por Agar no versículo 13: “Tu és Deus que vê”.

O nome do seu filho serviu como recordação da compaixão de Deus pelos aflitos. Literalmente, Ismael significa “Deus ouve”. Mesmo quando é o escolhido de Deus a fonte da aflição, Ele ouve e cuida dos oprimidos. Esta verdade ajudou muito Agar nos anos difíceis que se seguiram.

Conclusão

Nosso texto mostra um dilema muitas vezes enfrentado pelas pessoas de fé, ou seja, “quando devo agir e quando devo esperar?” Saul estava errado quando foi em frente e ofereceu o sacrifício, embora as circunstâncias parecessem exigir uma atitude (1 Samuel 13), pois ele tinha recebido ordem para esperar (1 Samuel 10:8). Sacrificar foi um erro porque Deus o tinha proibido de fazer a tarefa de Samuel. Em Atos, capítulo 12, foi errado esperar, pois os cristãos reunidos deveriam ter agido. Pedro estava na prisão, condenado à morte (12:1-3). Os santos tinham se reunido para orar por ele (versículo 5). Talvez muitos tenham orado por uma morte rápida e indolor. Outros talvez tenham ousado orar por sua libertação. Mas quando Pedro estava à porta, batendo, continuar orando foi um ato de incredulidade. Naquele momento era hora de agir (abrir a porta), não de esperar (em oração).

Mas como podemos saber a diferença entre a hora de agir e a hora de esperar? Creio que Deus nos dá uma porção de princípios em Gênesis 16 para nos ajudar a perceber a diferença entre as duas coisas. Deixe-me sugerir alguns:

(1) Devemos agir quando Deus nos dá claramente a responsabilidade e a autoridade para isso. Deus nunca colocou a responsabilidade de gerar uma criança sobre Sarai ou Abrão. Ele tinha prometido lhes dar um filho (cf. Gênesis 12:1-3; 17:6, 16, 19). Assim como tinha impedido Sarai de conceber (16:2), Deus também iria providenciar o herdeiro. Na minha opinião, nós andamos em terreno perigoso quando “caminhamos pela fé” numa área onde não temos a promessa da presença ou da bênção de Deus, ou onde não temos um princípio ou mandamento no qual basear nossa conduta.

Além disso, não podemos esperar ser bem-sucedidos em qualquer atividade para a qual Deus não nos deu poder para produzir fruto espiritual. Como Paulo esclarece (Gálatas 4:21 e ss), Ismael foi resultado de obra da carne, não do espírito. Isaque foi resultado da atividade divina em Abrão e Sarai. Nenhuma obra de fé é obra da carne. A obra de Deus é aquela realizada por meio da capacitação do Espírito (cf. Gálatas 5:16-26).

(2) Devemos seguir em frente só quando formos motivados pela fé. Sarai parece que se sentiu compelida a agir porque Deus a tinha impedido de ter filhos (cf. 16:2). Apesar das tentativas de vários comentaristas em provar o contrário, o comportamento de Sarai (e Abrão) denuncia seu medo, não sua fé. Paulo é bem claro quando escreve: “tudo o que não provém de fé é pecado” (Romanos 14:23).

Diversas coisas devem nos fazer esperar ou, pelo menos, tomar algumas medidas de precaução. Deixe-me propor alguns fatores que podem sugerir que devemos esperar ao invés de agir.

(a) Devemos pensar antes de “agir”, quando parece que Deus está nos impedido de ter o que buscamos. Esta é uma questão difícil, pois às vezes Deus deseja fortalecer a nossa fé permitindo que tenhamos obstáculos a superar (cf. Êxodo 14:10 e ss; Neemias, por exemplo, 6:1-9). Outras vezes, as barreiras são colocadas para mudar a nossa direção (cf. Atos 16:6-7). Saber a diferença entre os problemas e as proibições requer a sabedoria que Deus nos dá livremente quando a pedimos com fé (Tiago 1:5-6).

(b) Devemos ter muita cautela ao fazer qualquer coisa que apele para os nossos apetites carnais. Pare e pense no que poderia ter feito Abrão seguir as instruções de Sarai. Lembre-se, basicamente ela o estava incentivando a ir para a cama com sua serva (cf. 16:2, 3, 4, 5). Sem dúvida, Agar era jovem e atraente. Você acha que faraó teria dado a Abrão uma serva como parte de um dote se ela não tivesse nenhum atrativo físico? Gestos aparentemente nobres podem esconder muitos motivos carnais. Sugiro que questionemos qualquer atitude que apele para os nossos apetites carnais.

(c) Devemos ficar em dúvida quando nossa principal razão para fazer alguma coisa é aliviar a pressão, em vez de colocar em prática algum princípio. Até onde posso dizer, a única razão para Abrão ter tomado Agar foi para acalmar, e talvez até silenciar, sua esposa. A pressão exercida pelos outros geralmente é uma razão muito fraca para se fazer alguma coisa.

(d) Nunca devemos agir quando nossos métodos não são compatíveis com os nossos objetivos ou com o nosso Deus. Embora o objetivo dos esforços de Abrão e Sarai fosse o nascimento de um filho, um herdeiro, os meios utilizados não foram para glorificar a Deus. É preciso admitir, no entanto, que aqueles meios eram legais e culturalmente aceitáveis. Contudo, parecem estar longe do ideal divino. A união com Agar foi uma tentativa de realizar o trabalho de Deus com metodologia do mundo.

Abrão, como resultado da sua falta de fé, descobriu as dolorosas consequências de tentar ajudar a Deus. Neste sentido, Deus não precisa, e não pode, usar a nossa ajuda. Ele quer trabalhar por meio de nós. Ele tinha o propósito de dar um filho a Abrão e Sarai. A tentativa deles de conseguir um filho sozinhos resultou no conflito entre judeus e árabes ao longo dos séculos.

Quanto a esperar, esta é uma coisa que muita gente acha muito difícil. Temos um pedacinho de plástico que fica nos cutucando para agir ao invés de esperar Deus agir. Ele se chama cartão de crédito. Pra que orar pelo alimento? É só sair para jantar e colocar no MasterCard. O cartão em si não é algo tão ruim, mas com certeza é uma tentação para agir com presunção em vez de esperar o tempo de Deus.

A fé, pelo que podemos ver, é confiar nas promessas de Deus apesar dos nossos problemas, sabendo que com Ele tudo é possível. A falta de fé se concentra nos problemas, supondo que, se Deus não agir dentro do nosso padrão de tempo e dentro das nossas expectativas, precisamos dar a Ele uma mãozinha. A fé crê não apenas que Deus nos dará o que Ele prometeu, mas também que Ele providenciará os meios para fazermos isso, ou Ele mesmo o fará.

Deixe-me fazer mais uma observação. Deus falou com Agar neste capítulo, mas não com Abrão ou Sarai. Aliás, Moisés nos diz que (pelo menos até onde vai o registro histórico) Deus não falou com Abrão durante 13 anos (cf. 17:1). Quando decidimos agir com base nas circunstâncias, Deus talvez só fale conosco por meio das circunstâncias — alta, clara e dolorosamente.

Parece que Abrão preferiu exercer a liderança recebida de Deus por meio da sua esposa, já que ele não questionou suas opiniões ou buscou orientação divina (pelo menos em nossa passagem). Não é interesse que Abrão só tenha sabido qual nome dar a seu filho por intermédio das palavras ditas por Deus a Agar (16:11, cf. versículo 15)? Quando decidimos ser guiados pelos outros ao invés de sermos guiados por Deus, Ele pode nos deixar fazer as coisas do nosso jeito, durante algum tempo. Só que, ai de nós, como esse tempo será solitário! Que falta iremos sentir da Sua companhia e da intimidade com Ele!

Enfeite este texto o quanto quiser, ele ainda mostra que o lar de Abrão era abalado pelas mesmas dificuldades com as quais nos deparamos hoje em dia. Que Deus nos guarde de sermos presunçosos. Que Ele ajude a quem for esposa a não pressionar seu marido para fazer o que ela acha certo. Que Ele ajude a quem for marido a não renunciar à sua responsabilidade, mas a liderar o seu lar.

Passividade não é piedade, nem presunção. Que Deus nos ajude a andar na linha tênue entre ambas.

Uma observação final. Muitas pessoas querem ajudar Deus a salvá-las. Elas querem um sistema de salvação que lhes permita participar do processo de salvação. Amigo, não há nada com que você possa contribuir para a sua salvação. Como ensinam as Escrituras,

… como está escrito: Não há justo, nem um sequer (Romanos 3:10)

Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades, como um vento, nos arrebatam. (Isaías 64:6)

Assim como Abrão não pôde ajudar Deus a produzir um filho pelo esforço humano, você também não pode ajudar Deus a salvar sua alma. A salvação é um dom de Deus, por meio da fé naquilo que Jesus Cristo fez pelos pecadores perdidos.

Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 6:23)

Pelo reconhecimento de que você é impotente para agradar a Deus, que Jesus Cristo pagou por seus pecados e lhe provê a sua justiça, você pode ser salvo.

Tradução e Revisão: Mariza Regina de Souza


1 “O Código de Hamurabi permitia que uma sacerdotisa naditum, a qual fosse livre para se casar mas não pudesse ter filhos, dar ao marido uma de suas servas por meio de quem ele pudesse ter filhos: ‘Quando um homem de posição se casou com uma prostituta cultual e esta lhe deu uma de suas servas, com a qual, então, ele tem filhos; se, mais tarde, essa serva reivindicar igualdade com sua senhora por causa dos filhos, sua senhora não poderá vendê-la; ela poderá marcá-la e contá-la entre suas escravas’.a Embora esta cláusula ilustre uma prática comum, ela é menos pertinente do que o costume em Nusi. Um texto diz: ‘Se Gilimninu não puder ter filhos, Gilimninu tomará para Shenninma uma mu­lher da terra de Lullu (ou seja, uma escrava) como concubina. Neste caso, a própria Gilimninu terá autoridade sobre os descendentes…’b” John Davis, Do Paraíso à Prisão: Estudos em Gênesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1975), p. 188. Aqui Davis está citando (a) Pritchard, ANET, p. 172 (parágrafo 149), e (b) Speiser, Gênesis, p. 120.

2 “O sumário feito por Calvino sobre o caso é muito bom: ‘Ambos eram fracos na fé; mas não realmente em relação ao conteúdo da promessa, só quanto ao método que usaram’”.  H. C. Leupold, Exposição de Gênesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1942), I, p. 493-4.

3 “Quando Abrão ‘dá ouvidos’ (shama’) à ‘voz’ de sua esposa (qol), ele ‘aprova a sugestão de Sarai’. Sem dúvida, o patriarca ficou impressionado pela completa abnegação de Sarai”. (Ibid, p. 496)

4 “A lei 146 do Código de Hamurabi proíbe a concubina de reivindicar igualdade com a esposa, sob pena de rebaixamento à sua antiga condição de escrava. A queixa de Sarai a Abrão reflete o conhecimento desses dois documentos sociais. Sarai exige que Abrão faça alguma coisa sobre o desprezo de Agar. Abrão atribui a Sarai a disciplina de Agar”.  Harold G. Stigers, Comentário sobre Gênesis (Grand Rapids: Zondervan, 1976), p. 161.

5 “‘Muitos consideram que Sur’ signifique “muro”, um sentido bastante possível de acordo com o aramaico. Neste episódio, talvez seja o nome de uma série de fortalezas erguidas pelo rei egípcio, possivelmente no istmo de Suez, para manter longe os invasores asiáticos. Neste caso, Agar estava naturalmente no caminho de volta para sua pátria, o Egito”. Leupold, Gênesis, I, p. 500.

6 Mary LaGrand Bouma, Minister’s Wives: The Walking Wounded, Leadership, Winter, 1980, vol. 1., p. 63.

7 “Até certo ponto, este filho de Abrão seria uma sombra, quase uma paródia, de seu pai; seus doze príncipes notáveis em sua época (17:20; 25:13), mas não na história da salvação; sua existência inquieta não uma peregrinação, mas um fim em si mesmo; seu inconformismo um estado da mente, não uma luz para as nações”. Derek Kidner, Gênesis: Introdução e Comentário (Chigago, Inter-Varsity Press, 1967), p. 127.

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18. Entendendo a Grande Verdade de Deus (Gênesis 17:1-27)

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Introdução

Uma das maiores tentações que sinto ao pregar toda semana é a compulsão por encontrar coisas novas para dizer no púlpito. Quando isso acontece, preciso me esforçar para reconhecer que isso com frequência não vem de Deus. Eram os pagãos atenienses que gostavam de ouvir as últimas novidades (Atos 17:19). Os apóstolos, por outro lado, dispunham-se a relembrar os cristãos das verdades já ouvidas (cf. 1 Coríntios 4:7; 1 Timóteo 4:6; 2 Timóteo 2:14; 2 Pedro 1:12, 13; 3:1).

A novidade pode ser divertida, mas nem sempre é edificante. Ouçam as sábias palavras da pena de C. S. Lewis. Embora o contexto não seja exatamente o nosso, o princípio permanece o mesmo:

A julgar pela sua prática, bem poucos clérigos anglicanos pensam dessa forma. Eles parecem acreditar que as pessoas podem ser seduzidas a ir à igreja pelas ilustrações e brincadeiras, pela extensão, ou pela simplificação ou complexidade do culto. E talvez um vigário novo e entusiasta consiga criar dentro de sua paróquia um grupo minoritário favorável às suas inovações. Mas eu acho que a maioria não será. Os que ficam — em geral, muitos deixam de frequentar a igreja — simplesmente toleram…

Contudo, toda novidade traz uma coisa consigo. Ela fixa nossa atenção no trabalho em si, fazendo-nos pensar que o culto seja diferente de prestar culto. A questão importante sobre o Graal era: “para que ele serve”? ‘É a louca idolatria que torna o culto maior do que o deus’.

Mas uma coisa ainda pior pode acontecer. A novidade talvez não fixe nossa atenção nem mesmo no culto, mas no oficiante. Vocês sabem o que quero dizer. Por mais que se tente evitá-la, a pergunta “O que será que ele vai fazer agora?” acaba se insinuando. É onde se perde a devoção. Há realmente certa desculpa para o homem que disse: “Quem me dera eles se lembrassem de que a ordem dada a Pedro foi ‘apascenta as minhas ovelhas’, não ‘faça experimentos com meus ratos, ou ensine novos truques a meus cães’”1.

Apesar de haver bem pouco em Gênesis 17 que possa ser novo para nós, precisamos nos lembrar do que “lemos no capítulo anterior do livro”. O que vemos como história antiga, Abrão aprendeu ao longo dos anos, passo a passo. Para ele, muitas coisas ditas no capítulo 17 eram novas e empolgantes. Não poderemos entender sua empolgação e expectativa até “nos colocarmos em seu lugar” por intermédio do texto.

Ao examinar esta passagem, vamos pensar em nós mesmo no lugar de Abrão. Naquela época, ele estava com 99 anos de idade. Vinte e quatro anos antes, ele havia deixado Harã, em obediência ao chamado divino de Gênesis 12:1-3. Depois que ele se separou de Ló e derrotou a coligação dos reis orientais (capítulos 13 e 14), Deus formalizou Sua aliança com ele, informando que seu herdeiro viria do seu próprio corpo (15:4) e fornecendo uma descrição mais exata da terra que ele viria a possuir (15:18-21). Além disso, Abrão também tomou conhecimento do destino de seus descendentes nas várias gerações seguintes (15:12-16).

Treze anos antes da época em que estamos no capítulo 17, Abrão fez uma grande bobagem. Seguindo o conselho de sua esposa, ele tentou produzir o herdeiro prometido por Deus utilizando uma prática comum da sua época, tomando a serva de Sara, Agar, como esposa. Isso só levou à desunião e ao sofrimento de todos os envolvidos. Pelo que podemos dizer, Deus não Se pronunciou até encontrar Agar quando ela estava a caminho do Egito.

Esses treze anos não foram em vão. Eles serviram para ilustrar as consequências de servir a Deus no poder da carne, e de agir com presunção. Eles serviram também para intensificar a impossibilidade de Abrão e Sarai terem um filho deles mesmo. Dessa forma, se uma criança nascesse naquela época, com certeza seria obra de Deus, não de homem. Parece que, à luz desta dificuldade, Abrão veio a crer que Ismael seria sua única esperança como herdeiro.

A Promessa de Deus (17:1-8)

As palavras de Deus no capítulo 17 quebram o silêncio de 13 anos:

Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o SENHOR e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito. Farei uma aliança entre mim e ti e te multiplicarei extraordinariamente. (Gênesis 17:1-2)

Após 13 anos de silêncio, Abrão deve ter ficado muito animado com este encontro com Deus. No passado, Deus tinha apenas falado com ele (12:1) ou aparecido em visão (15:12-17). Aqui, depois de 24 anos, Deus Se revela; Ele aparece a Abrão. Abrão vê Deus pela primeira vez.

Deus Se revela a Abrão de forma muito íntima. Ele também Se manifesta mais plenamente quanto ao Seu caráter e atributos. Ele Se refere a Si mesmo como o “Deus Todo-Poderoso”, El Shaddai. Esta é a primeira vez em que Deus é chamado por este nome. Esta é uma designação que acentua o Seu poder infinito2. Aquilo que Deus tinha determinado há muito tempo, e que agora é definido com mais precisão, dependeria do Seu infinito poder para ser realizado.

Antes, Deus tinha requerido muito pouco de Abrão, exceto que ele partisse (de Ur) e cresse (15:6) na Sua promessa. Agora que a aliança está prestes a ser implementada3, Abrão precisa se portar da forma prescrita por Deus. Ele precisa andar inculpável diante Dele, não no sentido de perfeição4, mas de pureza (15:1). Provavelmente não é sem importância o fato de Deus não ter dado a ele responsabilidades específicas até sua fé se tornar evidente, a fim de que as obras não fossem a base da aliança, mas provenientes dela.

Assim como Abrão ouve Deus referir-Se a Si mesmo por um novo nome, ele também recebe um novo nome, um símbolo do seu destino:

Quanto a mim, será contigo a minha aliança; serás pai de numerosas nações.  Abrão já não será o teu nome, e sim Abraão; porque por pai de numerosas nações te constituí. (Gênesis 17:4-5)

O nome Abrão significava “pai elevado” ou “pai exaltado”. Só isso já devia ser um grande embaraço na vida de Abrão, que tinha apenas um filho e era nascido de uma escrava. Agora seu nome é mudado para “pai de uma multidão”. Como ele poderia conviver com um nome desses? Pela graça de Deus, logo ele estaria à altura do seu novo nome.

A maioria de nós já teve a triste experiência de firmar um acordo e depois descobrir que ele tinha bem menos vantagens do que esperávamos e que fomos levados a crer. Com as promessas de Deus, acontece exatamente o oposto. Quanto mais aprendemos sobre elas, mais ricas são as bênçãos encontradas. Deus tinha dito a Abrão que ele seria pai de uma grande nação (12:2); agora Ele diz que, de fato, ele se tornará “pai de numerosas nações” (17:4). Além disso, ele será pai de reis (17:6). El Shaddai promete ser o Deus de Abraão e de seus descendentes (17:7), entre os quais devemos incluir seu descendente espiritual (cf. Gálatas 3:16). A aliança não é apenas entre Abraão e Deus, mas entre Deus e os descendentes de Abraão, para sempre.

As Cláusulas da Aliança (17:9-14)

No capítulo 17, há um esboço claramente definido das obrigações desta aliança. No versículo quatro, Deus diz “quanto a mim”. No versículo nove, “quanto a você”. No versículo 15, lemos “quanto a Sarai”. Finalmente, no versículo 20, encontramos “quanto a Ismael”. A aliança de Deus é eterna e segura. A alegria das bênçãos da aliança é condicional. Só guardando essas condições o homem pode desfrutar das bênçãos de Deus prometidas na aliança.

A obrigação que pesa sobre Abraão e seus descendentes é que sejam circuncidados:

Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado. (Gênesis 17:10)

De certa forma, a circuncisão parece ser uma coisa bem simples. Como é que Deus pode requerer só isso de Abraão? É preciso lembrar o que Deus disse a ele: “anda na minha presença e sê perfeito” (versículo 1). A circuncisão não é tudo o que Deus requer de Abraão — ela é, antes de tudo, símbolo de seu relacionamento com Deus, e indica como deve ser sua conduta moral. A circuncisão, para Abraão, significa que ele está ligado a Deus nesta aliança. Ele anseia por suas bênçãos, mas também se submete às suas cláusulas.

A circuncisão é o único ato cirúrgico desse tipo benéfico à raça humana. Mais do que seus benefícios físicos, ela significa também requisitos espirituais. Simbolicamente, a carne é posta de lado. Abrão adquiriu um filho com o uso de seu órgão reprodutor. Agora esse órgão é oferecido a Deus. Nenhum israelita poderia praticar o ato sexual sem se lembrar de que pertencia a Deus. Os filhos que eram gerados deviam ser criados de acordo com a Palavra de Deus. A circuncisão dos filhos ainda bebês não os salvava, mas era evidência da fé de seus pais no Deus de Abraão. Quando o menino crescia, sua circuncisão se tornava um sinal de que ele era diferente dos outros garotos — ele pertencia a Deus. A circuncisão não o salvava, mas era o sinal que o lembraria para sempre dos requisitos de Deus para desfrutar dos benefícios da Sua aliança. É possível que a circuncisão dos machos indicasse apenas a responsabilidade especial designada por Deus ao pai (talvez tivesse algum significado especial para Abraão após o incidente com Agar). Alguns ressaltam as semelhanças entre o batismo e a circuncisão e, com certeza, existem algumas (cf. Colossenses 2:10-12). Ambos representam uma união com Deus já ocorrida. Ambos requerem deixar de lado as coisas passadas e viver uma vida agradável a Deus (cf. Romanos 6:1 e ss; Colossenses 3:1-11).

No entanto, há também diferenças óbvias que precisam ser consideradas. O batismo é para crentes adultos, como indicação da sua fé em Deus (Atos 16:33; 19:1-7)5. A circuncisão era realizada em bebês aos oito dias de vida e mostrava a fé dos pais. O batismo é um sinal público, a circuncisão um sinal particular. O batismo é para todos os crentes, homens e mulheres, a circuncisão era apenas para os homens. A circuncisão era um sinal da aliança com Abraão; o batismo não é o sinal da Nova Aliança, e sim a Ceia do Senhor (cf. Lucas 22:20).

Uma Promessa para Sara (17:15-19)

Até aqui, Deus tinha prometido um filho a Abraão, mas não tinha indicado especificamente a mãe da criança. Abraão foi convencido por Sarai, e pelas circunstâncias, de que devia ser Agar. Parece que ele ainda considera essa possibilidade. Que choque devem ter sido para ele as palavras de Deus, e que comentário do capítulo 16!

Disse também Deus a Abraão: A Sarai, tua mulher, já não lhe chamarás Sarai, porém Sara. Abençoá-la-ei e dela te darei um filho; sim, eu a abençoarei, e ela se tornará nações; reis de povos procederão dela. (Gênesis 17:15-16).

Aquilo que Abraão devia ter inicialmente previsto, mas que a realidade parecia negar, era que Sara seria a mãe de seu filho e herdeiro. A promessa de um herdeiro agora é restrita a Abraão e Sarai.

A reação de Abraão é bem intrigante:

Então, se prostrou Abraão, rosto em terra, e se riu, e disse consigo: A um homem de cem anos há de nascer um filho? Dará à luz Sara com seus noventa anos?

Antes de tentarmos entender se a reação de Abraão é compatível com sua fé, deixe-me observar que aquilo que está registrado não é dito para Deus. Aquela foi uma reação íntima e imediata de Abraão ao anúncio divino. Pessoalmente, não vejo essa reação como um riso de prazer, mas de incredulidade. A impossibilidade de uma coisa como aquela acontecer foi a causa do acesso de Abraão. A fim de sermos bastante justos nesse assunto, acho que sua reação é exatamente igual a que teríamos. Ao mesmo tempo, não gostaria de sugerir total incredulidade da sua parte. A promessa era simplesmente inacreditável — muita coisa para ser digerida de uma só vez. Rir muitas vezes é a reação a coisas que nos pegam desprevenidos.

As palavras de Abraão a Deus também refletem sua incapacidade de entender totalmente o que acabara de ser prometido: “Tomara que viva Ismael diante de ti” (Gênesis 17:18).

Se Abraão não consegue acreditar que Sara lhe dará um filho, então seu pedido é facilmente explicável. Ele diz a Deus que não vê nenhum problema em Ismael ser seu herdeiro. Não é preciso nenhum milagre, como Sara ter um filho dele, pois já há um menino na família. Além disso, o amor de Abraão por aquele garoto é novamente demonstrado. Por que tem de haver outro filho, principalmente quando um conflito parece inevitável? Deus não pode abençoar Ismael em vez de providenciar outro descendente?

Mas os planos de Deus não seriam mudados. Deus Se propôs a dar um filho a Abraão e Sara e, por meio dele, realizar Suas promessas. Nenhum substituto será satisfatório, especialmente se for resultado de esforço próprio. Sara vai mesmo gerar um filho, e as bênçãos espirituais virão por meio dele:

De fato, Sara, tua mulher, te dará um filho, e lhe chamarás Isaque; estabelecerei com ele a minha aliança, aliança perpétua para a sua descendência. (Gênesis 17:19)

Uma Promessa para Ismael (17:20-21)

Embora as bênçãos espirituais devam vir por meio de Isaque, Deus não deixará passar despercebido o amor de Abraão por seu filho, nem Se esquecerá da Sua própria promessa a Agar (16:10 e ss). Ismael se tornará uma grande nação, e dele sairão 12 príncipes, mas as bênçãos espirituais só podem vir por meio de Isaque. A doutrina da divina eleição deve ser vista nesta promessa.

A obediência de Abraão (17:22-27)

Os versículos 22 a 27 ressaltam o papel importante da obediência na vida cristã. A nossa obediência é preciosa para Deus. É por isso que Ele registra a circuncisão de Abraão, Ismael e de toda a casa de Abraão. Obediência é sempre a resposta de fé à ordem divina.

Embora tenha havido um lapso de tempo de 13 anos entre o nascimento de Ismael e esta aparição de Deus, passam-se apenas três meses entre a circuncisão de Abraão e a concepção de Isaque.

Conclusão

Há pouca coisa nova nesta passagem para quem costuma ler a Bíblia. No entanto, não podemos nos esquecer de que boa parte do que foi dito era nova para Abraão.

A nova revelação é simplesmente um esclarecimento da promessa de Gênesis 12:1-3. De repente me ocorreu, ao estudar esta passagem, que a vida inteira de Abraão foi focada na promessa de Gênesis 12:1-3. Ele levou toda a vida para começar a compreender uma promessa que, a princípio, foi registrada em apenas três versículos. O auge do seu crescimento na fé pode ser visto na sua prontidão em sacrificar o próprio filho (capítulo 22). Para Abraão, esse foi o teste conclusivo da fé na promessa de Deus de abençoá-lo por meio de seus descendentes.

Se Abraão levou toda uma vida para entender três versículos das Escrituras, quanto tempo será que levaremos para compreender a profundidade da riqueza da graça de Deus (cf. Romanos 11:33-36)?

Esta passagem me ajuda a lidar com o desejo de aprender “novas” verdades para a minha própria vida e para a minha pregação. Deus não está tão interessado em que conheçamos novas verdades quanto está em nos fazer compreender as poucas grandes verdades da Sua Palavra. Como é fácil achar que já aprendemos uma coisa, só para passarmos para outra. Na vida de Abraão, Deus revelou uma verdade, depois continuou voltando a ela, testando-o, e então revelando mais acerca daquilo que Abraão já conhecia. Quantos de nós pode dizer que já começou a compreender a doutrina da graça de Deus ou da expiação? Quem estaria disposto a afirmar que Abraão já conhecia todas as suas implicações? Creio que, como ele, nós podemos esperar que Deus esteja trabalhando na nossa vida, expandindo e esclarecendo as poucas verdades centrais do cristianismo.

Quanto mais estudo a vida de Abraão, mais vejo o crescimento de seu relacionamento com Deus. Ele passou a aprender cada vez mais sobre o Deus que o chamou. Ele passou a compreender cada vez mais profundamente o significado da Sua Palavra. E assim, invariavelmente, ele passou a se aproximar cada vez mais de Deus. Abraão não cresceu apenas no conhecimento, mas também na sua intimidade com Deus. No princípio, Deus apenas falou com ele (12:1). Vinte e quatro anos depois, Ele próprio Se revelou a Abraão e conversou com ele. Abraão, pela primeira vez, comunicou-se com Deus e interagiu com Ele. Tempos depois, ele seria chamado de amigo de Deus.

Você e eu não podemos ter um relacionamento estático com Deus. Não, se somos realmente nascidos de novo. Deus não permitirá que isso aconteça. Talvez Ele permita que venhamos a falhar, assim como Abrão muitas vezes falhou. Talvez Ele nos deixe por conta própria, como fez com Abrão, ficando em silêncio durante treze anos. No entanto, mais cedo ou mais tarde Ele entrará na nossa vida letárgica e nos aproximará Dele mesmo. Na vida cristã, tudo se resume a isso.

Tradução: Mariza Regina de Souza


1 C. S. Lewis, Letters to Malcom: Chiefly on Prayer. New York: Harcourt, Brace and World, 1964, p. 4-5 (C. S. Lewis, Oração: Cartas a Malcolm, São Paulo, Ed. Vida)

2 “Este era um novo título de Deus (em hebraico: El Shaddai). A ideia principal parece ser a de poder e capacidade, e a melhor interpretação é pela expressão ‘o Deus Poderoso’, não sendo necessário à palavra o adicional ‘Todo’. Esta ênfase especial no poder de Deus era extremamente apropriada para a nova mensagem que ia ser transmitida”. W. H. Grifith Thomas, Gênesis: Comentário Devocional (Grand Rapids: Wm Eerdmans, 1946), p. 154-154.

3 A aliança tinha sido formalizada no capítulo 15. Aqui, no capítulo 17, a implementação da aliança é mencionada no versículo dois. Por isso, os tradutores da NASV traduzem a palavra (literalmente ‘dar’) como estabelecer (em português, a NVI).

4 A palavra perfeito, ou inculpável, no versículo um não implica necessariamente em perfeição, mas em integridade, cf. nota à margem na NASV.

5 Alguns usam a passagem de Atos 16 como texto de prova para o batismo infantil, mas não pode ser assim. Todos os que eram da família do carcereiro ouviram o evangelho (16:32); todos creram (16:34); todos foram batizados (16:33); todos se regozijaram (16:34). Todos os que foram batizados eram eles mesmos crentes, assim como o carcereiro.

Related Topics: Dispensational / Covenantal Theology, Theology Proper (God)

1. Uma Caminhada pelo Livro de Gênesis 

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Introdução

Talvez uma das apresentações mais breves e diretas que já tenha ouvido foi uma relatada pelas Seleções do Reader’s Digest e que ocorreu num encontro de homens do Philomatic Club. O orador não foi apresentado com as costumeiras frases floreadas. Em vez disso, uma mulher simplesmente disse: “Levante-se, Gilbert". O orador não era outro senão seu marido.

Provavelmente eu sinta o mesmo que “Gilbert” com relação a apresentações. Em especial, não gosto daquelas do tipo: “E agora, com todo prazer, apresento o homem que não precisa de apresentação”.

Assim, damos início ao estudo de um dos grandes livros da Bíblia, o livro de Gênesis. No entanto, este livro precisa de uma apresentação. Derek Kidner diz:

Talvez não haja outra porção das Escrituras sobre a qual sejam travadas tantas batalhas, teológicas, científicas, históricas e literárias, ou que tenha cultivado opiniões tão fortes.1

A postura e as pressuposições que trazemos para o livro de Gênesis irão determinar, em grande parte, a nossa compreensão sobre ele. Por essa razão, precisamos dedicar nossa atenção a algumas questões introdutórias.

Título

O título “Gênesis” é uma transliteração da palavra grega que é título do livro na Septuaginta, a antiga tradução grega do Velho Testamento. No texto hebraico, a palavra Bereshith é a primeira palavra do texto, a qual é traduzida por “no princípio”.

Autoria

J. Sidlow Baxter, na excelente obra Explore the Book, resume a dificuldade da autoria com a pergunta: “É Mosaico ou mosaico?”2

O que, em poucas palavras, é o caso.

Ao longo dos séculos, tradicionalmente a autoria de Gênesis tem sido atribuída a Moisés. Uma série de inferências favorece esta conclusão3. De acordo com algumas passagens (Êxodo 17:14, 24:4; Levítico 1:1, 4:1, 6:1, 8, 19, 24; 7:22, 28, etc), parece evidente que foi ele quem escreveu os outros livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). E seria realmente muito incomum que a primeira palavra de Êxodo fosse “e”, a menos que Moisés também o tivesse escrito.

No Novo Testamento, nosso Senhor parece atribuir o Pentateuco a Moisés (Mateus 8:4; 19:7-8; Marcos 1:44; 7:10, 10:3-4; Lucas 5:14, 16:29, 31; João 5:45-46, 7:22-23). Outros escritores também seguem essa linha (Atos 3:22, 13:39; Romanos 10:5, 19; 1 Coríntios 9:9; 2 Coríntios 3:15). Portanto, não é difícil concluir que tenha sido Moisés quem escreveu todos os livros do Pentateuco, embora não haja uma afirmação incontestável sobre isso.

Os críticos, no entanto, não se dão por satisfeitos com essa conclusão. Começando por J. Astruc (1753)4, os “eruditos” têm atribuído o livro ao trabalho de um redator desconhecido, que habilmente compilou os escritos de quatro ou mais editores. Geralmente as quatro fontes principais são referidas como J, E, D e P. J é “Javista”, E, “Eloísta”, D é o trabalho de Deuteronomista, e P, o documento sacerdotal.

Várias linhas de evidência são dadas para sustentar o Graf-Wellhausen ou Hipótese Documentária. A primeira seriam os diferentes nomes empregados para Deus5. Para aqueles que sustentam a hipótese documentária, a mudança de Elohim para Yahweh assinala a mudança de autor. Uma das maiores falhas nessa abordagem é que, dentro das passagens “E”, a palavra Yahweh também é empregada (ex. Gênesis 22:11, 14; 28:17-22), e vice-versa.

Em segundo lugar, são apontadas expressões diversas para se referir a um mesmo ato, tais como aquelas que falam sobre fazer uma aliança. “Cortar uma aliança”, “entregar uma aliança” e “estabelecer uma aliança”6 são empregadas de modo diverso por diferentes autores do Pentateuco. Isso não dá ao autor oportunidade para mudança de estilo ou de ênfase em uma palavra. Hoje em dia, algumas pessoas odiariam escrever sob tais restrições.

Em terceiro lugar, dizem que o Pentateuco contém “duplicidades”, ou seja, relatos duplicados de um mesmo acontecimento7. Um deles seria os dois relatos da criação narrados em Gênesis 1 e 2. Pior ainda são as supostas “duplicidades” onde não há qualquer similaridade aparente entre os dois acontecimentos, tal como nas duas partidas de Agar (Gênesis 16 e 21).

Embora a múltipla autoria8 ou uso de documentos existentes9 não apresentem grande dificuldade à doutrina da inspiração e inerrância da Bíblia, a Hipótese Documentária continua condenada em duas coisas. Primeira, sua base está sobre a precária conjectura de eruditos que supostamente são mais bem informados que o(s) autor(es) antigo(s). Segunda, é colocada mais ênfase em fragmentos isolados e seus autores do que na interpretação do próprio texto10. Eles estão mais preocupados com um suposto Redator do que com o Redentor.

Portanto, devemos concordar com a conclusão de Sir Charles Marston:

Assim J, E e P, os supostos autores do Pentateuco, vão se tornando meros escribas fantasmas e produtos da imaginação. Eles têm feito do estudo do Antigo Testamento um estudo sem atrativos, eles nos fazem perder tempo, e distorcem e confundem nosso julgamento com evidências superficiais. Supõe-se que eles tenham algum tipo de direito prescritivo e autoridade superior sobre o texto Sagrado. À luz mais clara que tem sido lançada pela Ciência, essas sombras que encobrem os nossos dias de estudo e devoção vão sendo silenciosamente dissipadas.11

O Esboço do Livro de Gênesis

Quase todo estudante do livro de Gênesis concorda que nele cabem duas divisões lógicas: dos capítulos 1 a 11 e de 12 a 50. Os onze primeiros capítulos dão ênfase à progressiva ruína do homem, caído de sua criação perfeita e sujeito ao julgamento do Criador. Os capítulos 12 a 50 descrevem o progressivo e estreito plano de Deus para a redenção do homem.

A primeira divisão do livro, do capítulo 1 ao 11, pode ser resumida em quatro acontecimentos principais: a criação (capítulos 1 e 2), a queda (capítulos 3 a 5), o dilúvio (capítulos 6 a 9) e a confusão de línguas da torre de Babel. A última divisão, do capítulo 12 ao 50, pode ser lembrada por seus quatro personagens principais: Abraão (12:1 a 25:18), Isaque (25:19 a 26:35), Jacó (27 a 36) e José (37-50).

Embora existam esquemas mais complicados para o livro, este simples esboço deve ajudá-lo a pensar em termos do livro como um todo. Cada evento, cada capítulo deve ser entendido como contribuição ao argumento do livro.

A Importância do Livro de Gênesis

Um agrimensor deve sempre começar de um ponto de referência. A história, da mesma forma, deve começar em lugar definido das origens. A Bíblia é, do princípio ao fim, uma revelação histórica. Ela é o relato da ação de Deus na história. Como tal, ela deve ter um princípio. O livro de Gênesis nos dá o ponto de referência histórico, de onde procede toda a revelação subsequente.

Neste livro encontramos a “origem” do mundo inabitado e do universo, do homem e das nações, do pecado e da redenção. Também encontramos a base da nossa teologia. Fritsch, em The Layman’s Bible Commentary se refere a Gênesis como “o ponto de partida de toda a teologia”12. J. Sidlow Baxter escreve:

Os outros escritos da Bíblia estão inseparavelmente ligados a Gênesis, pois ele nos dá a origem e a explicação inicial de tudo o que se segue. Os principais temas das Escrituras podem ser comparados a grandes rios, os quais ficam cada vez mais largos e profundos à medida que correm; e é certo dizer que todos esses rios têm sua nascente na bacia hidrográfica de Gênesis. Ou, para usar uma figura igualmente apropriada, como o tronco e os galhos de um enorme carvalho estão em uma pequena bolota, assim, por implicação e antecipação, toda a Escritura está em Gênesis. Nele temos, em formação, tudo o que é desenvolvido posteriormente. É certo dizer que “as raízes de toda a revelação subsequente estão plantadas bem fundo em Gênesis, e quem quiser realmente compreender essa revelação deve começar aqui.13

De modo especial, Gênesis é crucial do ponto de vista da doutrina da revelação progressiva. Essa doutrina tenta definir o fenômeno que ocorre no processo da revelação divina. Basicamente, a revelação inicial é geral, enquanto a revelação subsequente tende a ser mais particular e específica.

Deixe-me tentar ilustrar a revelação progressiva, examinando a doutrina da redenção. Em Gênesis 3:15, a primeira promessa de redenção é clara, mas bastante indefinida: “Ele pisará a tua cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.

Mais adiante, aprendemos que o mundo será abençoado por meio de Abraão (Gênesis 12:3). A linhagem pela qual viria o Messias estava em Isaque, não em Ismael; em Jacó, não em Esaú. Finalmente, em Gênesis, vemos que o futuro soberano de Israel será da tribo de Judá: “O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de autoridade dentre seus pés, até que venha aquele a quem pertence; e a ele obedecerão os povos” (Gênesis 49:10).

Posteriormente, ficamos sabendo que o Messias virá da descendência de Davi (2 Samuel. 7:14-16) e irá nascer na cidade de Belém (Miqueias 5:2). Literalmente, centenas de profecias contam em maiores detalhes a vinda do Messias.

O mais surpreendente é compreender que Gênesis (e o Pentateuco) contém, praticamente, as linhas gerais de todas as principais áreas da teologia. Para quem tende a perder o senso de perspectiva entre verdades fundamentais e verdades secundárias, o estudo de Gênesis o fará lembrar das áreas mais básicas e fundamentais da teologia.

Gênesis também lança luz sobre eventos contemporâneos. A amarga luta travada atualmente no Oriente Médio é explicada no livro de Gênesis. Abrão, querendo dar uma mãozinha ao plano de Deus, tentou resolver as coisas sozinho. O resultado foi a concepção de um filho com a criada de Sarai, Agar. Os árabes atuais alegam serem descendentes de Ismael14.

A Interpretação de Gênesis

Francis Schaeffer faz alusão a quatro interpretações diferentes da narrativa da criação em Gênesis:

Para alguns, essa narrativa é apenas um mito judaico, com valor histórico para o homem moderno semelhante ao da Epopeia de Gilgamesh ou das histórias de Zeus. Para outros, ela constitui uma visão pré-científica que ninguém que respeite os resultados acadêmicos pode aceitar. Outros ainda veem apenas uma história simbólica, nada mais. Alguns admitem os primeiros capítulos de Gênesis como revelação apenas em consideração a uma história maior, uma verdade religiosa, mas permitem que qualquer sentido de verdade com relação à história e ao cosmos se perca (ciência)15.

A maneira como alguém aborda o livro de Gênesis determina, em grande parte, o que vai assimilar do seu estudo. Gostaria de mencionar três métodos de interpretação que devemos evitar.

Teólogos neo-ortodoxos estão dispostos a admitir que a Bíblia contém a verdade, mas não vão tão longe a ponto de aceitá-la como a verdade. Eles acham que, durante o processo de transmissão através dos séculos, ela se tornou menos inspirada e inerrante. Os acréscimos inverídicos que se misturaram com a verdade bíblica devem ser expostos e eliminados. Este processo é conhecido como desmistificação das Escrituras. A grande dificuldade é que o homem determina o que é verdade e o que é ficção. O homem não está mais sob a autoridade da Palavra, ele é a autoridade sobre a Palavra.

Um segundo método de interpretação é chamado de abordagem alegórica. Esse método é apenas um passo a menos que a desmistificação. O relato bíblico não é tão importante quanto a mensagem “espiritual” transmitida pela passagem. A dificuldade é que a “mensagem espiritual” parece diferir para cada indivíduo, e não está vinculada à interpretação histórico-gramatical do texto. Em grupos de estudos populares isso geralmente se encaixa no título “o que este versículo significa para mim”. A interpretação de um texto deve ser a mesma para uma dona de casa ou para um teólogo, para uma criança ou para um cristão maduro. A aplicação pode diferir, mas a interpretação, jamais!

Intimamente relacionado ao método da interpretação alegórica está o da abordagem tipológica. Ninguém discute que a Bíblia contenha tipos. Alguns deles são claramente apontados como tal no Novo Testamento (Romanos 5:14, Colossenses 2:17, Hebreus 8:5, etc). Outros, apesar de não receberem especificamente esse rótulo, dificilmente podem ser questionados. Por exemplo, José parece ser claramente um tipo de Cristo.

Muitas vezes vejo pessoas “encontrando” tipos onde eles parecem não existir. Mesmo que o significado da interpretação esteja em conformidade com a Escritura (ou seja ensinado em algum lugar), não há meios de se provar ou refutar o tipo. Quanto mais espiritual é uma pessoa, tanto mais tipos, ele ou ela, parece encontrar. E quem pode questioná-los? No entanto, nessa busca por tipos, a interpretação pura e simples é ignorada ou negligenciada. Precisamos ter muito cuidado com isso.

Gostaria de sugerir que abordemos o livro de Gênesis tal como o livro se apresenta para nós. Creio que o primeiro versículo mostra claramente a maneira como devemos estudá-lo.

No princípio, criou Deus os céus e a terra. (Gênesis 1:1)

Ao lado deste versículo, tenho escrito em minha Bíblia: “Ou isso explica tudo ou não explica nada”.

Não, não me diga que estou vendo demais aqui. Alguns livros começam com “Era uma vez...”.

Quando vemos esse tipo de introdução já sabemos que estamos lendo um conto de fadas. O mesmo acontece com a conclusão “... e viveram felizes para sempre”.

Gênesis 1:1 é totalmente diferente. O tom é assertivo e autoritativo.

A reivindicação contida nesse versículo é semelhante àquela feita por nosso Senhor quando fez a apresentação de Si mesmo aos homens. Ninguém pode, em sã consciência, considerar Jesus como um “homem bom”, “um exemplo maravilhoso” ou um “grande professor”. Ou Ele foi Quem Ele afirmou ser (o Messias, o Filho de Deus) ou foi um impostor e uma fraude. Não existe meio-termo, não dá pra ficar em cima do muro com relação a Jesus. Ele não merece só um pouco de consideração. Ele requer uma coroa ou uma cruz.

O mesmo acontece com Gênesis 1:1. Não podemos nos atrever a chamá-lo de boa literatura. Ele reivindica autoridade e veracidade. A partir desse versículo, ou a pessoa continua lendo, esperando que Deus Se revele no livro, ou o deixa de lado, considerando-o simples retórica religiosa.

Não podemos nos esquecer de que ninguém foi testemunha da criação:

Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento. Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? Sobre que estão fundadas as suas bases ou quem lhe assentou a pedra angular, quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus? (Jó 38:4-7).

Há apenas duas opções viáveis a respeito da procedência de Gênesis 1:1 (e o restante do livro). Ou o versículo foi produto da imaginação humana do autor ou é a verdade divinamente revelada. Se for a primeira, seu valor é apenas de uma obra antiga, no mesmo nível de outras cosmogonias da Antiguidade. Se for a última, devemos estudá-lo com reverência, dispostos a ouvi-lo e obedecê-lo como palavra autoritativa de Deus.

A visão de Gênesis como revelação divina, o relato histórico das nossas origens, é aquela do restante das Escrituras.

Àquele que com entendimento fez os céus, porque a sua misericórdia dura para sempre; àquele que estendeu a terra sobre as águas, porque a sua misericórdia dura para sempre; àquele que fez os grandes luminares, porque a sua misericórdia dura para sempre; o sol para presidir o dia, porque a sua misericórdia dura para sempre; a lua e as estrelas para presidirem a noite, porque a sua misericórdia dura para sempre. (Salmo 136:5-9)

Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas. Eu fiz a terra e criei nela o homem; as minhas mãos estenderam os céus, e a todos os seus exércitos dei as minhas ordens. Porque assim diz o Senhor, que criou os céus, o Deus que formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a criou para ser um caos, mas para ser habitada. Eu sou o Senhor, e não há outro. (Isaías 45:7, 12, 18)

Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. (1 Timóteo. 2:13-14, cf. Mateus 19:4-6; Romanos 5:14)

Nossa Abordagem do Livro de Gênesis

Por tudo isso, vamos abordar o livro de Gênesis como revelação divina. Vamos nos empenhar para interpretá-lo literalmente, à luz da cultura e dos costumes da sua época. Vamos nos esforçar para encontrar princípios eternos que sejam tão verdadeiros hoje como foram há tantos anos. E, então, vamos considerar de que forma estas verdades eternas têm a ver conosco em nossa própria época.

Esta série de mensagens não será (se Deus quiser) uma longa e interminável maratona. Meu propósito é lidar com Gênesis capítulo por capítulo, mantendo o entendimento do argumento do livro como alvo principal.

Nos dois primeiros capítulos, não quero me estender na discussão sobre a teoria da evolução. Isso, por vários motivos. Primeiro, não acho que a questão esteja dentro do objetivo principal do livro. Eu teria de sair do texto e fazer muita especulação para tratar da evolução de forma eficaz. Segundo, tenho pouco interesse e pouca habilidade nessa área da ciência.

(Eu me recuso a atacar os cientistas numa área em que não tenho conhecimento; e não desejo assim ser “impedido” de falar por teorias que criticam a revelação divina). Terceiro, quero ficar dentro da ênfase e aplicação da Bíblia quando tratar da questão da criação. Por milhares de anos, a evolução não foi problema. Durante todo esse tempo, o que as pessoas aprenderam sobre Gênesis 1 e 2? Quarto, a maior parte dos americanos ou estão cansados de ouvir falar de evolução ou nem mesmo acreditam nela: “Metade dos adultos nos Estados Unidos creem que Deus criou Adão e Eva para dar início à raça humana”.16

Em última análise, criacionismo é uma questão de fé, não de fatos:

Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. (Romanos 1:20-21)

Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem. (Hebreus 11:3)

Devo dizer que estou ansioso para começar este estudo de Gênesis. Gostaria de lhe pedir para estudar o livro com muito cuidado e oração. Acima de tudo, espero que este estudo nos leve a conhecer a Deus como O conheceram Abraão, Isaque, Jacó e José.

Traduzido e revisado por Mariza Regina de Souza


1 Derek Kidner, Gênesis (Chicago: InterVarsity Press, 1967), p. 9.

2 J. Sidlow Baxter, Explore the Book (Grand Rapids: Zondervan, 1960), I, p. 22.

3 Para uma análise mais detalhada da autoria de Gênesis, cf. Kidner, pp. 15-26; Baxter, I, p. 22; H. C. Leupold, Exposition of Genesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1942), I, pp. 5-9

4 Kidner, p. 16.

5 Cf. Gleason Archer, A Survey of Old Testament Introduction (Chicago: Moody Press, 1964), p. 110-115.

6 Cf. Kidner, pp. 2021.

7 Cf. Kidner, pp. 2122; Archer, p. 117 e ss.

8 Como temos em Salmos ou Provérbios, por exemplo.

9 “No entanto, a ausência de tais fontes, orais e escritas, precisa ser suposta por um autor do período indicado na seção a. (pp. 15f.), desde que Abrão migrou de um país que era rico em tradições e genealogias, e José (como Moisés depois dele) viveu muitos anos em meio ao clima intelectual da corte egípcia de um lado (com acesso à etnografia detalhada refletida em Gênesis 10) e a sociedade patriarcal de outro, com amplas oportunidades de preservar estes estoques de informação.” Kidner, pp. 22-23.

10 “Com o estudo de Gênesis em “seus próprios termos”, como um conjunto vivo, não um corpo a ser dissecado, a impressão indiscutível é que seus personagens são pessoas de carne e osso, seus eventos atuais, o livro em si mesmo uma unidade. Se isso é certo, os mecanismos de composição são matéria de pouca importância, desde que as partes deste todo não estejam competindo em crença versus tradições, e o autor do livro não atraia a atenção para suas fontes de informação, como fazem os escritores de Reis e Crônicas.” Ibid, p. 22.

11 Citado by J. Sidlow Baxter, Explore the Book, I, p. 22.

12 Como citado por H. C. Leuphold, “Genesis,” The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1975, 1976), II, p. 679. Esse excelente artigo tem um sumário de ajuda do livro, capítulo por capítulo.

13 Baxter, Explore the Book, I, p. 23.

14 Kidner, p. 127.

15 Francis A. Schaeffer, Genesis in Time and Space (Downers Grove: Inter­Varsity Press, 1972), p. 9.

16 “We Poll the Pollster,” Christianity Today, December 21, 1979, p. 14.

17. Bearing Burdens: How One Sinner Relates to the Sin of Another (Galatians 6:1-5)

Introduction

Most of you know that I taught in a state prison for three months during the summer between my first and second years of seminary. The occasion for this teaching opportunity was unfortunate. A seasoned Christian educator who had many successful years of teaching was unable to control her class. One fourth-grade girl had become the ringleader of a vicious attack on this lovely woman. Normally this teacher was capable of meeting such a challenge, but for some unknown reason, she was not able to control this class. When the teacher’s breaking point became noticeable, the class intensified their attack. I was brought in to complete the few weeks remaining in the school year as she was unable to cope with the situation. Because of my apparent success in squelching this rebellion (I, with the help of a woman teacher, brought the student back under control), consequently I was given a recommendation which enabled me to get a temporary teaching assignment in a medium security prison.

I have always looked upon the response of that fourth-grade class as a unique and unexplainable “turning” against the teacher, intensified by her inability to rally to her own defense. As I read Galatians 5, I find that the behavior of that class might not be as unusual as I first thought. Some Christians have the uncanny ability to turn on one another at the very time when support and encouragement are most needed. In the name of holiness and preserving purity, we can assault brothers and sisters who desperately need affirmation and assistance, rather than attack.

Legalists have the uncanny ability of applying the law more harshly toward others than toward themselves. The legalist concentrates on his strengths and the weaknesses of others. Thus the scribes and Pharisees were ready to stone the woman guilty of adultery (John 8:2-11), yet they were insensitive to their breach of the law by taking advantage of the helpless (Mark 12:40; cp. Jas. 1:27), the neglect of their responsibilities to their own families (Mark 7:10-13), or their persecution of the righteous (Matt. 23:29-39). In their desire to maintain at least the appearance of severity toward sin, the legalists of Paul’s day had become calloused and even cruel toward those who had stumbled in their Christian walk. It is this problem which is addressed in verses 1-5 of chapter 6.

Legalism has no interest in reducing the burdens which men must bear. Instead, it produces burdens and then refuses to assist those on whom they are imposed. Jesus contrasted Himself with the scribes and Pharisees with respect to burdens:

“And they tie up heavy loads, and lay them on men’s shoulders; but they themselves are unwilling to move them with so much as a finger” (Matt. 23:4).

“Come to Me, all who are weary and heavy-laden, and I will give you rest. Take My yoke upon you, and learn from Me, for I am gentle and humble in heart; and you shall find rest for your souls. For My yoke is easy, and My load is light” (Matt. 11:28-30).

Peter rightly criticized the Judaizers when he said,

“Now therefore why do you put God to the test by placing upon the neck of the disciples a yoke which neither our fathers nor we have been able to bear?” (Acts 15:10).

It is thus altogether appropriate for Paul to address the subject of burden-bearing, with respect to the “Galatian problem” and in view of the gospel of our Lord Jesus Christ.

The context of chapter 5 is essential to the proper handling of our text. The contention and strife which characterized the churches was further evidence that legalism, rather than liberty, was the norm (5:1, 13). It was obvious that the strife among the saints was of the “works of the flesh,” rather than the “fruit of the Spirit” (5:19-23). Christian liberty used to “serve one another in love” (5:13) is possible only through walking in the Spirit (5:16). I believe that verses 1-5 provide us with a very practical example of how the “walk in the Spirit” was to work in the church life of the Galatian Christians.

This harshness and strife of the Galatian saints toward one another is crucial to a correct interpretation and application of our passage. It distinguishes it from the other texts dealing with the subject of discipline. In Matthew 18, our Lord stresses the process of rebuke and restoration, without any specific problem in mind. In 1 Corinthians chapter 5, Paul deals with the subject from a very different perspective. In the Corinthian church, a man was known to be living with his father’s wife, and even the pagans were shocked by it. The Corinthians were not grieved by this sin, but were proud of their tolerance and love. Paul thus addresses the need to preserve the purity of the church, in the light of the polluting impact of harboring such sin.

In Galatians 6 just the opposite is the case. Rather than overlooking serious sin, the Galatian Christians, in emphasizing legalism, had become harsh and judgmental, attacking others for their offenses. The remedy for the Corinthians was to exercise judgment; the Galatians needed to extend mercy. As we consider the matter of our response to sin in the lives of fellow believers, let us remember that this is only one of the texts dealing with the subject, and that it may or may not relate directly to any specific situation which we face. Let us seek to look to the Spirit who inspired this passage so that we might understand and apply it as a part of our walk in the Spirit.

I understand verses 1-5 to fall into two distinct, yet related, parts. In verses 1 and 2, Paul deals with those burdens which Christians corporately must help others bear. In verse 1, this responsibility is summarized as a precept, and in verse 2 it is substantiated in principle. In verses 3-5, Paul refers to those burdens which we alone must bear as individuals. The precept is given in verses 3 and 4; the principle is provided in verse 5. The change in perspective between bearing the burdens of others (v. 2) and bearing our own burden (v. 5) is deliberate. By this tension Paul stimulates our interest so that we will better be able to deal with the sins of others in the light of our own sin.

Burdens We Must Share
(6:1-2)

1 Brethren, even if a man is caught in any trespass, you who are spiritual, restore such a one in a spirit of gentleness; each one looking to yourself, lest you too be tempted. 2 Bear one another's burdens, and thus fulfill the law of Christ.

Several observations will help us understand the nature of the problem in these two verses, as well as Paul’s prescription for it.

(1) The problem and the solution should be handled in and by the church. The epistle is written to the Galatian churches, and pertains to the problem they, in common, face (cf. Gal. 1:2, 6ff.). The introductory term “brethren” in verse 1 confirms the fact that it is Christians who are to deal with the problem. The “you” of verse 1 is plural and not singular, which emphasizes the obligation of the church as a body to respond to the sin of a saint. It is inferred in this verse (and stated elsewhere, 1 Cor. 5:9-13) that the sinner (the one “caught in any trespass”) is a saint. We are thus dealing with the church’s obligation to respond to the sin of a saint.

(2) The sin is undefined and unexpected. While the possibility of sin is no surprise, the actual occurrence of it is, both to the stumbling Christian and to the church. There is some doubt as to the precise meaning of the Greek term rendered “caught,” but it seems to suggest that the saint was caught off guard.123 In other words, Paul is not dealing so much with a calculated, premeditated, and habitual sin, but with one which has taken all by surprise.124 Our law, for example, distinguishes between a premeditated murder and murder which occurs in a moment of passion. Both, of course, are sin, but the former is more serious than the latter because of its deliberateness.

The sin of which Paul speaks is therefore very different from that condemned by Paul in the fifth chapter of 1 Corinthians. That man was living with his father’s wife, a willful, continual, violation of the Old Testament Law, of New Testament standards of conduct, and even pagan morality. The church let this sinful relationship drag on, and it would seem that this man and his “wife” were accepted warmly into fellowship. While a whole range of sins are possible in Galatians 6, the sin addressed appears to be sudden and momentary.

(3) The church must respond to the sin which has overtaken the saint. Although the sin is unexpected, nevertheless it has overpowered the believer. This passage is not providing Christians with a license to meddle in the lives of others, but rather is teaching their responsibility to come to the aid of the one who has been overtaken by a certain sin. The stumbling saint must be assisted with his burden because he is not able to bear it alone. There are at least two implications why believers must assist individuals caught up in sin. First the individual may not be able to cope with the sin’s power over him. Secondly, the guilt or the consequences of that sin may be so great that the saint is overwhelmed by it.

(4) The responsibility of the church is to restore the saint. In 1 Corinthians 5, the responsibility of the church was to remove the sinner (1 Cor. 5:2, 5, 7, 13). The responsibility of the saint in Matthew 18 is to reprove the offender (Matt. 18:15). However in our text, the obligation of the “spiritual” is to restore the sinner. The Greek word rendered “restore” is used to describe the mending of torn fishing nets (Matt. 4:21). The ancient Greeks used this word for the setting of broken bones. In Ephesians 4:12 the same term is used for “equipping” of the saints. In 1 Corinthians 1:10 Paul uses this same Greek word to describe divisions within the Corinthian church. Clearly, the term has the positive implication of healing and restoration. The spiritual are urged to restore believers overpowered by sin. Since the term “restore” is a present imperative, it is not just a particular act which is required, but a process. Restoration does not happen instantaneously.

(5) The process of restoration is to be carried out gently. Once again, we see how different the situation described here is from that in 1 Corinthians 5. The Corinthians had been “gentle and gracious” when they should have acted much more forcefully. The man living in incest among the Corinthians did not repent of his premeditated sin. In Galatians Paul is talking about one who is not defensive, but overcome with guilt and self-condemnation for his act. This situation requires encouragement and support, not rebuke and rejection. Gentleness touches the spirit of the sinner, in his fragile and delicate condition.

(6) The restoration process poses a danger for those who are “spiritual.” The doctrine of sinless perfection is devastatingly destroyed as a false teaching by our text. In the first place, the saint is not guaranteed a sin-free existence. Thus Paul sets forth the process and principles for restoration. Furthermore, the “spiritual” believer who seeks to facilitate the restoration process might also be tempted and fall into sin. Paul warns the “spiritual” against falling into temptation by committing a like sin or becoming arrogant and self-righteous. The latter seems to be Paul’s primary emphasis in verses 3-5.

(7) The restoration of a sinning saint is a task for those who are spiritual. The “spiritual” believer has the sensitivity to come to the aid of the stumbling saint when he recognizes his sin. His concern for his brother is motivated by God’s Word and a genuine love. I believe that the “spiritual” are not “Super-Christians,” but the majority of the church.

There is a very practical reason, however, why only the “spiritual” should seek to restore the one overtaken by sin. The “spiritual” are those who “walk in the Spirit” and who thus manifest the “fruit of the Spirit.” Since there is danger for those who seek to restore the sinning saint, only those sensitive to temptation and sin should dare to confront it. Since love, gentleness, goodness, and kindness are required for restoration, these fruits of the Spirit are essential.

(8) Restoration is the outworking of our biblical obligation to bear one another’s burdens. In verse 2 Paul taught that restoring the wayward was fulfilling the law of Christ. Paul’s reasoning is that restoration is burden-bearing and that burden bearing is a part of the “law of Christ” to which we are to be obedient. We are not told precisely what the “law of Christ” is, but it seems likely that it refers to His earthly teaching. While the Judaizers gladly imposed burdens, but never came to the aid of those weighed down with them, Christ bore them Himself, and instructs us to do likewise.

The “burden” which we must bear is one which the stumbling saint cannot bear himself. Just what is meant by the term “burden”?125 What is it that we are to help others bear up under? The burden is something which the sinner is not able to bear himself, whether it be the guilt of his sin, or its controlling power. Since Paul will shortly say that “each one shall bear his own load” (v. 5), this burden must be a load which the sinner cannot bear.

The bottom line is simply this: We are our brother’s keeper. While Satan is the “accuser of the brethren” (Rev. 12:10), we are to assume responsibility for the restoration and recovery of a fallen brother. The legalist will deal with sin as the Law of Moses did—by condemning the sinner. However, those who have experienced the grace of God, which delivers men from sin, will manifest grace in response to the sin of others. Only those who know grace, can bestow it. Just as we love because He first loved us (1 John 4:19), so we are gracious because He has shown us grace (cf. Matt. 18:21-35; Luke 7:36-50).

Burdens We Alone Must Bear
(6:3-5)

3 For if anyone thinks he is something when he is nothing, he deceives himself. 4 But let each one examine his own work, and then he will have reason for boasting in regard to himself alone, and not in regard to another. 5 For each one shall bear his own load.

Verses 1 and 2 address those burdens which Christians are to help others bear. Verses 3-5 speak of those burdens which we alone must bear. These two facets of the Christian life are not contradictory; they are complimentary. It is only when we can distinguish those burdens which we alone should bear that we can properly help others to bear their burdens. In effect, verses 3-5 enable us to deal with the beam in our own eye, so that we can help others with the speck in theirs. The humility and gentleness which must be manifested in restoring the fallen saint are derived from our understanding of our own burdens.

The introductory “for” of verse 3 is, I believe, a further explanation of Paul’s warning in verse 1 that the “spiritual” also might be tempted in seeking to restore the fallen. The specific issue is the pride with the resulting haughtiness and high-handedness which the “spiritual” might be tempted to exhibit in seeking to restore the wayward saint. We are greatly self-deceived when we suppose that we “are something,” when in fact, Paul says, “we are nothing” (v. 3).

In what sense does Paul say we “are nothing”? Is this not devastating to our sense of self-esteem? It is the legalistic Christian who is the most condemning of others, especially those who have fallen. This disdain for the “sinner” coupled with a pride in their own self-righteousness was characteristic of the scribes and Pharisees. This attitude is observable in the proud prayer of the Pharisee, who was grateful that he was not a sinner, like the publican (Luke 18:9-14). Paul is thus speaking of the self-elevation of pride which the legalist has in his own righteousness, based on law-works. It is self-righteousness which causes a man to think he is something special.126

Paul says, “he is nothing,” not “we are nothing.” There is a great deal of difference. “He is nothing” who seeks to establish his own righteousness by his own works. “He is nothing” who takes credit for the results of the grace of God in his life. Later in the chapter Paul writes, “But may it never be that I should boast, except in the cross of our Lord Jesus Christ, through which the world has been crucified to me, and I to the world” (Gal. 6:14).

To the Corinthian saints Paul wrote, “For who regards you as superior? And what do you have that you did not receive? But if you did receive it, why do you boast as if you had not received it?” (1 Cor. 4:7). Grace removes all ground for boasting, save in God. His grace has given us everything.

The problem with legalism is that its adherents tend to evaluate their personal spirituality in light of the performance of others. The legalist thus rejoices at the fall of another brother, since he appears better in comparison. His response is that of smug superiority and self-righteous condemnation. His judgment makes him blind to his own sins. The scribes and Pharisees were “shocked” at the sin of the woman caught in adultery, but they were aloof about their sins concerning pride, materialism, and their neglect of the widows and orphans, and even of their own parents.

Paul elsewhere soundly condemned the practice of measuring ourselves against others: “For we are not bold to class or compare ourselves with some of those who commend themselves; but when they measure themselves by themselves, and compare themselves with themselves, they are without understanding” (2 Cor. 10:12).

The solution to the problem of believers measuring themselves by the performance of others is given in verse 4. Paul commands believers who seek to elevate themselves at the expense of others, to focus on their own responsibility and accountability before God. This same principle of individual accountability is found elsewhere in the New Testament:

Who are you to judge the servant of another? To his own master he stands or falls; and stand he will, for the Lord is able to make him stand. … But you, why do you judge your brother? Or you again, why do you regard your brother with contempt? For we shall all stand before the judgment seat of God. … So then each one of us shall give account of himself to God (Rom. 14:5, 10, 12; cf. 2 Cor. 5:10).

Why is one to examine his own work, as Paul has instructed in verse 4? I believe that there are two reasons. First, whatever good is accomplished through us is by God’s grace, which causes us to boast in Him: “Therefore in Christ Jesus I have found reason for boasting in things pertaining to God. For I will not presume to speak of anything except what Christ has accomplished through me, …” (Rom. 15:17-18a).

But we will not boast beyond our measure, but within the measure of the sphere which God apportioned to us as a measure, to reach even as far as you. For we are not overextending ourselves, as if we did not reach to you, for we were the first to come even as far as you in the gospel of Christ; not boasting beyond our measure, that is, in other men’s labors, but with the hope that as your faith grows, we shall be, within our sphere, enlarged even more by you, so as to preach the gospel even to the regions beyond you, and not to boast in what has been accomplished in the sphere of another. But he who boasts, let him boast in the Lord. For not he who commends himself is approved, but whom the Lord commends (2 Cor. 10:13-18).

Our boasting must be in what God has done, through us. Those who have been used of God know better than anyone else that the good they accomplished was solely of God and thus can give Him the glory. For example, the servants who were allowed to participate in the first miracle recognized the power of God at work in Jesus when he transformed the water into wine (John 2:1-11, cf. esp. v. 9). Those who are instruments of God’s grace know that God produced the results for His own glory. Thus Paul tells us to focus on ourselves, on God’s work in and through us, for this results in boasting in God.

A second reason why believers should examine their own work is that God’s grace is given in different forms and in different measure. We cannot compare ourselves to others because each Christian has been given a different measure of faith and grace, with regard to his gifts and calling. Notice some of the passages which clearly teach this.

For through the grace given to me I say to every man among you not to think more highly of himself than he ought to think; but to think so as to have sound judgment, as God has allotted to each a measure of faith. … And since we have gifts that differ according to the grace given to us, let each exercise them accordingly … (Rom. 12:3, 6a).

Now there are varieties of gifts, but the same Spirit. And there are varieties of ministries, and the same Lord. And there are varieties of effects, but the same God who works all things in all persons. But to each one is given the manifestation of the Spirit for the common good. … But now God has placed the members, each one of them, in the body, just as He desired (1 Cor. 12:4-7, 18).

But to each one of us grace was given according to the measure of Christ’s gift (Eph. 4:7).

As each one has received a special gift, employ it in serving one another, as good stewards of the manifold grace of God (1 Pet. 4:10).

Our Lord told the parable of the stewards, each having received a different number of talents for which he was responsible (Matt. 25:14-30). The Master dealt with each steward in terms of what he was given. From this parable we learn that those who are given much are required to accomplish more. Those who are given less, have a lesser level of requirement placed on them. The point is that every believer is given a different measure of faith and a different measure of grace, and thus no one can compare himself to others. We can only evaluate ourselves in the light of the measure of grace God has given us.

How easy it is to respond to the sin of a fellow-saint by feeling smugly superior, and by looking down on him (or her). However, this response misses the point of Christianity. On the one hand, we are to bear the burdens of others, rather than to impose burdens on them (such as the burden of condemnation and the rigorous, excessive requirements of legalism). On the other hand, we should be humbled by remembering that just as God will not judge us in comparison with others, neither do we dare compare ourselves with others, especially those who have fallen into a certain sin (of which we are not guilty).

Conclusion

Our text has many implications for Christians today. Allow me to suggest some of these for your consideration.

(1) The doctrine of perfectionism contradicts the Scriptures and experience. Perfectionism comes in a variety of forms. I am referring to that view of the Christian life which maintains that the Christian, after some kind of second experience (the first being salvation), can enter into a state of sinless perfection, and can expect to live a life free from the inward conflict described in Galatians 5:17. If perfection is possible, why would Paul need to prescribe a process for restoring a saint who has fallen into sin? Even more problematic, if perfection is restricted to the “spiritual,” why, then, does Paul warn those who are spiritual that restoring the fallen sinner may lead them into temptation?

The Scriptures simply do not support perfectionism. They teach, instead, of a constant war, both within (Gal. 5:17) and without (Eph. 6:10ff.). The perfectionist may protest, insisting that any “lower” view of the Christian life only promotes sin. He would maintain at least the hypothetical possibility of perfection in this life. Just the opposite is true. Because this doctrine holds perfection as its goal and ideal, it has little, if anything, to say about the “way back” for those who have fallen into sin. The experience of many who have realized their sinfulness, while believing in perfection, is that they live an almost schizophrenic spiritual existence, redefining their sin or just blatantly denying it. Since they have failed to live up to their own standards, they simply give up all hope of any kind of spirituality.

Once we become aware of the war within, and of our fallibility as Christians, we become more cautious about sin, recognizing how susceptible we are to it. Who lives more dangerously, the one who thinks he cannot fall, or the one who knows how easy it is to fall? The greater our sense of danger, the more cautious we will be concerning that danger. Thus, knowing the saint can (and all too often does) sin, gives him good reason to avoid temptation, and to be suspicious of his every motive and deed. Furthermore, when he does fall into sin, he knows that there is hope for his recovery.

Does the knowledge of God’s graciousness toward sinners incline the Christian toward sin? We must remember that sin is so deceptive that the saint is capable of using Scripture to defend his sinfulness. Thus, even those doctrines which are true can be misapplied. Paul answers “God forbid” to any perversion that grace can be exploited for evil ends (cf. Rom. 6:1-2,15). When we begin to grasp the grace of God, gratitude prompts us to give ourselves fully to Him, living a pure and holy life to please Him (cf. Rom. 12:1-2). Grace not only provides forgiveness for sin, but also produces a gratitude for that forgiveness which inclines the saint to avoid all future sin. The Law does not prevent sin, but only promotes it, and leaves us with guilt, rather than gratitude (cf. Rom. 7ff.).

Have you experienced the grace of God, my friend? The Christian has drunk deeply of God’s grace at the time of his salvation, and will continue to drink of it all the days of his life. Perhaps you have never come to taste of grace at all, and if this is the case, my prayer is that you will acknowledge your sin and will trust in the work of Jesus Christ, who died in your place. He took the condemnation of the law on Himself, so that you might possess His righteousness and live eternally with Him.

(2) The grace which the Christian has received in Christ must also be shared with others. When our Lord sent out His disciples to heal and to preach the gospel He said to them, “freely you received, freely give” (Matt. 10:8). John wrote, “We love, because He first loved us” (1 John 4:19). Thus the grace of God initially apprehended at our conversion is the grace which we must manifest to all men. Since grace is most needed and most evident in response to sin, we must particularly manifest grace when responding to a fallen brother or sister.

Unfortunately, contemporary Christian practice has frequently failed to follow the principle and practice laid down in our passage and taught by our Lord. Stop and think for a moment about who we seek out. We are often searching for the successful so that we can be blessed by them or so that they can contribute to meeting our own needs somehow. We also are looking for those who are committed and who show potential, so that we can “disciple”127 them and thus produce fruitful Christian service. I am not saying that we should ignore those who are successful or who show potential. However, stop and think about the passages which speak of those whom our Lord sought (and seeks) out. Paul reminds us that not many of them (us) are wise, noble, or well-born. The best description is that we are foolish and simple in the eyes of the world (cf. Acts 4:13; 1 Cor. 1:26-31; 2:1-5; 2 Cor. 12:9-10). Think of those whom our Lord sought out, as well as those He “slighted”:

17 And the book of the prophet Isaiah was handed to Him. And He opened the book, and found the place where it was written, 18 “The Spirit of the Lord is upon Me, Because He anointed Me to preach the gospel to the poor. He has sent Me to proclaim release to the captives, And recovery of sight to the blind, To set free those who are downtrodden, 19 To proclaim the favorable year of the Lord” (Luke 4:17-19).

And when the scribes of the Pharisees saw that He was eating with the sinners and tax-gatherers, they began saying to His disciples, “Why is He eating and drinking with tax-gatherers and sinners?” And hearing this, Jesus said to them, “It is not those who are healthy who need a physician, but those who are sick; I did not come to call the righteous, but sinners” (Mark 2:16-17).

18 “Behold, My Servant whom I have chosen; My Beloved in whom My soul is well-pleased; I will put My Spirit upon Him, And He shall proclaim justice to the Gentiles. 19 He will not quarrel, nor cry out; Nor will anyone hear His voice in the streets. 20 A battered reed He will not break off, And a smoldering wick He will not put out, Until He leads justice to victory. 21 And in His name the Gentiles will hope.” (Matthew 12:18-21 quoting Isa. 42:1-4).

In the passages just cited quoting the words of the prophet Isaiah, the Messiah is spoken of as being indwelt and empowered by the Holy Spirit. Both passages speak of Him as coming to those (specifically Gentiles in Isa. 42:1-4) who are despised and rejected. Both speak of His coming and His call of those who are battered, weak, and downtrodden. Is there any doubt as to whom our Lord was speaking in the Sermon on the Mount (specifically Matt. 5:3-10), and why the poor and oppressed would so heartily welcome Him as Messiah?

My point is this. If Jesus sought those who were afflicted, fallen, needy, and all too aware of their sin and need of salvation, to whom should we minister? I maintain that Galatians 6:1-5 is not the exception as much as it is the rule. Let us minister to those to whom our Lord ministered while He was on the earth. We are His body on the earth in His absence and we are to continue His ministry.

(3) There is no specific process given by which we are to restore the stumbling saint. I have previously stressed that restoring a fallen saint involves a process—one which may go on for some time. However, a particular process is not elaborated. Let me suggest why this is the case. Since the passage deals with a fallen saint in general and not in specific, the nature of the process is dependent upon the particular case at hand. A general problem cannot be solved by a specific solution. Nor can a specific problem be solved generally. Also, since restoring is the responsibility of the church collectively, each individual must minister individually, based upon their specific gifts and calling. Each case, therefore, must be handled on the basis of the individual who has fallen and on the basis of the individuality of the one who seeks to minister grace.

(4) Rebuke is only required where rebellion is present or repentance is refused. It is sad, but true, that the church sometimes has rebuked and even rejected the repentant, while they have encouraged the rebellious. The text which we must always keep in mind is this: “And we urge you, brethren, admonish the unruly, encourage the fainthearted, help the weak, be patient with all men” (1 Thess. 5:14).

Let us be careful to admonish those who are unruly, but to encourage those who are fainthearted, and to help the weak. It is tragic when the weak are injured with rebuke and rejection which rightly should be exercised toward the unruly (rebellious). The church has often failed to discipline where it is necessary, but let us not overcompensate for disciplining where it is not required.

(5) The principle of bearing one another’s burdens applies more generally than just in the case of those who have stumbled in sin. I believe that Paul addresses the instance of an extreme failure in the life of a saint as the ultimate test of love. If Paul says we are to serve one another in love (cf. 5:13) when another falls into sin, surely we should lovingly serve others who simply irritate us or who differ with us on some matter of preference or conviction. Paul has chosen a somewhat extreme case to stress that we should manifest grace in all our relationships.

(6) This passage does not give the Christian a license to meddle in the lives of others. While verses 1 and 2 stress our obligation to minister to others at a point of need, verses 3-5 caution us to “tend to our own knitting” and not to meddle in the lives of others. If this path is followed we will not neglect those things for which we must give account to God. Let us not miss the stress on examining ourselves as we seek to be more responsive to the needs of others.


123 “The precise force … is uncertain: it may mean that he finds himself inadvertently involved in some wrongdoing, or that he is detected in it by someone else.” F. F. Bruce, Commentary on Galatians (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1982), p. 260.

124 “A paraptoma is not a settled course of action but an isolated action which may make the person who does it feel guilty.” Ibid.

125 It should be noted that the term “burden” in verse 2 is different from that of verse 5. There is a difference between those burdens which we alone must bear and those of others which we must share.

126 From Galatians 2:6, we see a similar expression used with regard to the Jerusalem apostles, whom, the marginal note of the NASB indicates “seemed to be something.” The point is that to “be something” was to be someone special, someone above the level of the hoi polloi. This was the attitude of the legalistic Pharisees (John 7:46-49).

127 There is unfortunately a great deal of sloppy exegesis which is done in support of “discipleship” these days. The first passage which is used is the “great commission” of Matthew 28. Emphasis is placed on the fact that the text does not stress “going” but “making disciples.” What is not pointed out is that this is a command for the church corporately, rather than for each Christian individually. Thus, discipleship has been equated with one man discipling another, rather than with the collective function of the church, which, as a body seeks to build one another up in love. You will note that restoration in Galatians 6:1-5 is also a collective responsibility.

To make matters even worse, Bible teachers move from Matthew 28 to 2 Timothy 2:2, assuming that this passage is also dealing with discipling. I heartily disagree. In the first place, the church (or the disciples collectively) is commanded in Matthew 28, while in 2 Timothy only Timothy is instructed. Secondly, every saint is to be “discipled,” but not everyone is a “faithful man” who is to “teach others also” (2 Tim. 2:2). Paul is talking about something important here, but he is not talking about discipleship in this passage.

Related Topics: Fellowship, Hamartiology (Sin), Spiritual Life

Jesus the Son, Superior to Angels: Hebrews 1:5-14

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Placement of this Section


Immediately on the heels of the prologue, which previewed the topic which would be covered-namely, that God's full and final communication to his people occurs through his now-exalted Son-the author begins to flesh out the topic by describing the superior place of the Son to the angels. There is no indication that the audience was in danger of worshiping angels or exalting them inappropriately. Rather, he uses the superiorty of Jesus to the angels to set up his first warning and admonition to his readers, which will occur in 2:1-4.

A Point about Technique

In this paragraph the author strings together seven different Old Testament citations, which he uses to prove the superiority of the Son. He does this both through the content of the citations and their support of his premise, but he also does this through the rhetorical power of the multiplicity of passages. This stringing together of passages is called a cabana, and the effect is in a sense to overwhelm the listener so that they agree with the argument not just on its logical basis but also through its rhetorical power.

Two Points about Theology

1. The passages cited in this section have an original context they should be understood on their own merits, not solely on the basis of how our author uses them. However when we see the way our author uses the passages, we can make several assertions about how his theology works. Our author views the OT as God's true words which bear witness to Christ.

2. Underneath several of the citations runs the concept of the Davidic covenant. The author views Jesus as inaugurating the fulfillment of the promises associated with that covenant with the final fulfillment yet in the future.

Central Idea

The Son's superiority to the angels is established through his nature and relationship to God the Father and their subservient role as God's servants.

A. The Son's unique relationship to the Father as his chosen Son makes him superior to the angels. (v. 5)

  1. The citation from Psalm 2:7 emphasizes the unique place of Jesus as the enthroned Davidic king. (v.5aB. The citation from 2 Samuel 7:14 emphasizes the unique place of Jesus as the final promised Davidic descendant. (v. 5b)
  2.  The citation from 2 Samuel 7:14 emphasizes the unique place of Jesus as the final promised Davidic descendant. (v. 5b)
B.The angels' roles as worshipers of the Son and God's servants make them inferior to the Son. (vv. 6-7)

  1. The citation from Psalm 97:7/Deuteronomy 32:43 emphasizes the role angels will have as worshipers of Jesus at his second coming. (v. 6
  2.  The citation from Psalm 103:4 emphasizes the transitory role angels have as God's servant. (v. 7)

C. The Son's eternal reign over this world and the entire universe makes him superior to the angels. (vv. 8-12)

  1. The citation from Psalm 45:6 emphasizes the Son's eternal reign over this world. (v. 8-9)
  2. The citation from Psalm 102:25-27 emphasizes the Son's eternal reign over the entire created universe. (vv. 10-12)

D. The Son's exalted place of supreme authority makes him superior to the angels. (vv. 13-14)

  1. The citation from Psalm 110:1 emphasizes Jesus' exaltation to the place of supreme authority. (v. 13)
  2. The angels' subservient place to those who receive the salvation the Son offers makes them inferior to the Son. (v. 14)

Application

A. There are many things in our life which are good and have their proper place in God's order, but they must never take the place of Jesus as God's superior Son.

B. Jesus holds final and ultimate authority over this world and indeed the universe. We must learn to submit to that authority in all aspects of our life, and we cart rejoice that ultimately no power will ever prevail against him

C. Just as the angels have the privilege of worshiping Jesus, let us worship him as well with unbridled love and devotion.

Lesson 29: You’re on the Team! (Colossians 4:7-18)

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June 26, 2016

A major source of frustration for pastors is what is called the 80-20 rule: Twenty percent of people in the church do 80 percent of the work, while the 80 percent attend church, enjoy the service, and leave without ever getting involved.

Can you imagine what it would be like if 80 percent of your body were paralyzed? Quadriplegics can function and have productive and meaningful lives, but they’re limited in what they can do. Churches can limp along with only 20 percent of the body functioning, but they could do much more if every member was fully engaged in serving the Lord in line with his or her spiritual gifts.

Our text is one that you tend to skim over in your Bible reading. It’s a bunch of names of people who don’t mean much to us. You may wonder why God inspired these verses to be in His Word. But, actually, there is so much here that I couldn’t fit it all into a single message! The main idea is:

Christians are on a team devoted to serve Christ.

Even though the apostle Paul was one of the most gifted men in the history of the church, he was not a one-man-show. Surrounding him was a team of faithful people devoted to serving Jesus Christ. In Colossians 4:7-18, we see the team and learn a lot about how God wants His church to function. It’s striking that in this short letter, where Paul devotes only one verse to lust and greed, one to anger, one to wives, one to husbands, and one to fathers, he spends the final 12 verses mentioning various people with him and in Colossae. Clearly, Paul wasn’t the only guy doing ministry! He was part of a team. We learn seven things about this team and its ministry (but I can only cover six in this message).

1. The church is not a one-man-show, but a team effort.

While Paul may have been like a player-coach, he wasn’t the only player on the team. Let’s look at the team roster:

Tychicus: Paul calls him (Col. 4:7) “our beloved brother and faithful servant and fellow bond-servant.” He was a Gentile from Asia Minor (Acts 20:4) who had traveled with Paul at the close of his third missionary journey. He was obviously trustworthy, since Paul sent the letters of Ephesians, Colossians, and probably Philemon back to Asia with him. He may have been sent to relieve Titus in Crete so that Titus could join Paul for a while (Titus 3:12). Later, as Paul faced the end of his life in prison in Rome, he sent Tychicus to Ephesus again, where he took over Timothy’s pastoral duties so that Timothy could leave to join Paul (2 Tim. 4:12, 21).

Onesimus: He accompanied Tychicus on this trip. He was a runaway slave whom Paul led to Christ during his house arrest in Rome. Paul was now sending him back to his master, Philemon. But he doesn’t mention that fact in this public letter to the church. If it hadn’t been for the private correspondence to Philemon, which later became public, we wouldn’t know that Onesimus was a slave, let alone a runaway. Paul calls him (Col. 4:9), “our faithful and beloved brother, who is one of your number.”

Aristarchus: Paul calls him (Col. 4:10), “my fellow prisoner.” In Philemon (23, 24, written about the same time), Paul calls him a fellow worker and calls Epaphras (Col. 4:12) his fellow prisoner. It may be that the two men traded off living in the same quarters with Paul. Or, perhaps they were arrested for their own preaching activities. He had been grabbed by the angry mob in Ephesus and dragged into the arena during the riot there (Acts 19:29).

Aristarchus was a Jewish believer (Col. 4:11) from Thessalonica who traveled with Paul when he took the financial gift to the needy saints in Jerusalem (Acts 20:4). He at least began the journey with Paul from Caesarea to Rome (Acts 27:2), so he may have gone through the shipwreck with Paul. Tradition says that he was martyred under Nero in Rome (D. E. Hiebert, The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible [Zondervan], ed. by Merrill C. Tenney, 1:302).

Mark: We learn here (Col. 4:10) that he was a cousin of Barnabas. It’s surprising, but encouraging, to see him on Paul’s team. You’ll recall that Mark had deserted Paul and Barnabas on their first missionary journey (Acts 13:13). When Barnabas insisted on giving Mark another chance on the second journey, it led to a split between him and Paul, who was sharply opposed to taking a deserter with them (Acts 15:36-41). But here, twelve years later, Paul tells the Colossians to welcome Mark without reservation.

Jesus, called Justus: Colossians 4:11 is all we know about him. He was a Jew whom Paul calls, “a fellow worker for the kingdom of God.” Along with the other two Jews, Mark and Aristarchus, Paul says that Jesus Justus had been an encouragement to him.

Epaphras: We’ve already met him (Col. 1:7-8). He was probably converted and discipled during Paul’s extended stay in Ephesus (Acts 19:1-10). He then returned to his home town of Colossae and planted the church there, as well as in the neighboring Laodicea and Hierapolis. When problems with false teachers arose, Epaphras went to Rome to get counsel from Paul, who calls him (Col. 4:12), “a bondslave of Jesus Christ,” and commends him for his prayers and concern for these three churches.

Luke: “The beloved physician”: it is only here that we learn that Luke was a doctor. We can deduce that he was a Gentile, since Aristarchus, Mark, and Jesus Justus were the only team members “from the circumcision” (although some scholars argue that the phrase is not identical with “Jewish”). Luke was the only Gentile author in the New Testament, writing almost one-fourth of it (Douglas Moo, The Letters to the Colossians and Philemon [Eerdmans/Apollos], p. 347). He accompanied Paul on some of his missionary journeys, including his shipwreck on the way to Rome. He was the only worker with Paul near the end of his second imprisonment as he faced execution (2 Tim. 4:11).

Demas: It is striking that Paul says nothing to commend him, in contrast with the others. In Philemon (24), written just before Colossians, Paul calls him a fellow worker. Here he says nothing. In 2 Timothy 4:10, he reports sadly, “Demas, having loved this present world, has deserted me and gone to Thessalonica.” Perhaps Paul sensed the seeds of Demas’s disloyalty already. So Demas warns us of the possibility of defection, while Mark encourages us with the hope of restoration for those who have failed.

In addition to the team with Paul in Rome, there are the teams in Colossae and Laodicea. There is Nympha (probably feminine [Moo, p. 349]; some manuscripts have the masculine), who hosted the church in her home. Archippus was probably the son of Philemon (2). He may have been pastoring the church in Colossae during Epaphras’ absence. Paul gently exhorts him to do his ministry.

Looking at this roster, it’s certain that Paul wasn’t the only worker. It was a team effort! That’s the way that it must be. God has gifted every member of the body of Christ and expects us to use our gifts to serve Him (Rom. 12:3; 1 Cor. 12:7; Eph. 4:7; 1 Pet. 4:10). Benchwarmer is not one of the gifts! So figure out how God wants you to serve Him and get on the playing field!

2. The team consists of men and women from different racial and socio-economic backgrounds.

In our text, Paul mentions three men, Aristarchus, Mark, and Jesus Justus, who were his only fellow workers “from the circumcision,” obviously, Jews. Presumably, the rest that he names were Gentiles. The racial divide between these groups in the first century was radical, but in Christ, it was erased. He mentions men from opposite ends of the professional spectrum: Luke, the physician, and Onesimus, the slave. Paul instructs the church to have his letter read to the entire congregation (Col. 4:16). Probably some in Colossae were not able to read, but they were on the team. So it was a diverse team that included Jews and Gentiles, slaves and free, and educated and uneducated.

We saw this in Colossians 3:11, where Paul says that in the one new man (the church), “there is no distinction between Greek and Jew, circumcised and uncircumcised, barbarian, Scythian, slave and freeman, but Christ is all, and in all.” Part of the glory of the church is that it is made up of these different types of people, who in the world would often would be opposed to one another. But because of the gospel, we’re all one in Christ.

In The Compelling Community [Crossway], Mark Dever and Jamie Dunlop argue that churches often create impediments to displaying our gospel-centered diversity by grouping people based on natural similarities. We organize age-graded Sunday school classes, small groups based on shared stages in life (singles, young marrieds, mothers of young children, seniors, etc.), men’s and women’s groups, etc. We design services for those who prefer traditional music and those who like contemporary music. But the danger of this approach, they argue, is “that it obscures the supernatural diversity that the gospel produces” (p. 79). They’re not saying that all such groups are wrong. Rather, they’re arguing that there should be relationships “where you’re only friends because you’re Christians, without any worldly explanation” (ibid.).

I encourage you to befriend people who come to this church toward whom you would not naturally gravitate. Have them over for dinner. Share your stories of how you came to know Christ. On Sundays, deliberately look for people who are “not your type,” and welcome them. In heaven, you will be with people (Rev. 7:9) “from every nation and all tribes and peoples and tongues.” You may as well get to know them now! We’re all on the same team!

3. The team is the family of God.

Paul the once-zealous Jew calls the Gentile Tychicus, “our beloved brother” (Col. 4:7). He calls the converted slave, Onesimus (Col. 4:9), a “beloved brother.” In verse 15, he asks the Colossian believers to “greet the brethren who are in Laodicea.” These terms show us that the church is the family of God. This is reinforced in the New Testament by the truth that we who believe in Christ are born again by the Spirit of God (John 3:5; 1 Pet. 1:3). The Bible also says that we are adopted into God’s family (Rom. 8:15). So we are brothers and sisters to one another in the Lord.

Today, we tend to think of the church as a building: “I go to church at 123 S. Beaver Street.” Or you’ll hear, “Kids, don’t run in the church! This is God’s house!” But no building is God’s house. The people who meet in the building are His temple. He doesn’t dwell in buildings, but in His people. The early church met in homes, not in church buildings. Paul refers (Col. 4:15) to “Nympha and the church that is in her house.” Philemon also hosted a church in his house in Colossae (Philemon 2; cf., also, Rom. 16:5, 23; 1 Cor. 16:19). Churches did not own buildings to meet in until the middle of the third century (Peter O’Brien, Word Biblical Commentary: Colossians-Philemon [Zondervan], p. 256).

This is not to argue that we should go back to meeting exclusively in homes, which has both pros and cons. But it is to say that we need to view the church as people and the people in a local church as our brothers and sisters. While we should take care of the facilities that God has given us to meet in, the buildings aren’t the church. Born again people are the church family.

4. Every team member is a servant/slave of Jesus Christ.

Paul refers to Tychicus (Col. 4:7) as a “faithful servant and fellow bond-servant in the Lord.” “Bond-servant” would better be translated “bond-slave.” Aristarchus, Mark, and Jesus Justus are (Col. 4:11), “fellow workers for the kingdom of God.” Epaphras was (Col. 4:12), “a bondslave of Jesus Christ.” Archippus (Col. 4:17) did not choose the ministry as a career. Rather, he received his ministry in the Lord. He was drafted!

None of these workers were serving Paul. They, along with him, were all servants and slaves of the Lord Jesus Christ. What Paul wrote to the Colossian slaves is true of every person who knows Christ and serves Him (Col. 3:24): “It is the Lord Christ whom you serve.” That sounds basic, and yet it’s overlooked by so many! If you serve in any capacity in this church, you shouldn’t be doing it to serve me or anyone on staff. You shouldn’t do it to serve this church. You should do it to serve Christ! You should receive your ministry from Him and render your service as unto Him. He bought you with His blood, so you serve Him as your Master.

“Servant” and “slave” are both used to describe believers (Col. 4:7). In his book, Slave [Thomas Nelson], John MacArthur argues (pp. 15-16) that most Bible translations have mistranslated the Greek word for “slave,” softening it to “servant.” But there’s a difference. Servants were hired hands. They had some freedom to choose who they worked for. But slaves were owned. They didn’t choose their masters; their masters chose them. They had no rights. They couldn’t quit and find other work if they didn’t like the working conditions. MacArthur sums up (p. 22, italics his): “… to be a Christian is to be Christ’s slave.” He owns us; we work for Him.

So, the team is not a one-man-show, but a group effort. It consists of men and women from different racial and socio-economic backgrounds. The team is the family of God. And every member of the team is a servant/slave of Jesus Christ.

5. The team is focused on prayer and the Word with the aim of helping every member stand mature in Christ.

Paul mentions (Col. 4:12) how Epaphras was “always laboring earnestly for you in his prayers, that you may stand perfect and fully assured in all the will of God.” “Perfect” means “mature” or “complete.” It’s the same word Paul used in Colossians 1:28, where he says that he proclaimed Christ so that he might “present every man complete in Christ.” “The will of God” (Col. 4:12) does not refer to discovering divine direction, such as, “What career should I pursue?” Rather, it refers to how God wants us to live as revealed in His Word. Paul prayed the same thing (Col. 1:9), “For this reason also, since the day we heard of it, we have not ceased to pray for you and to ask that you may be filled with the knowledge of His will in all spiritual wisdom and understanding.” God’s will for us is revealed in His Word.

Paul proclaimed Christ by preaching and teaching God’s Word, our only source for knowing Christ (John 5:39; Luke 24:27, 44). He also emphasized the Word in Colossians 3:16, “Let the word of Christ richly dwell within you, with all wisdom teaching and admonishing one another ….” The importance of God’s Word is also implied when Paul tells the Colossians to read this letter among them and have it also read in the church of Laodicea, as well as to read his letter that was coming from Laodicea. Paul viewed his own letters as divinely inspired Scripture (1 Cor. 7:12, 40; cf. 2 Pet. 3:15-16).

The letter to Laodicea could have been Ephesians, which some scholars think was a circular letter to several churches in that area (J. B. Lightfoot, Saint Paul’s Epistles to the Colossians and to Philemon [Zondervan], pp. 244, 274-300). Or, it may have been a letter now lost, which the Holy Spirit did not choose to include in the New Testament canon. There is at least one other lost letter, which Paul wrote to the Corinthians before he wrote 1 Corinthians (1 Cor. 5:9). But the point is, whatever ministry we do for the Lord must be focused on His Word. It is our only source for knowing Him and knowing how to please Him.

Coupled with God’s Word is the importance of prayer. Paul prayed often for the Colossians (1:3, 9), but here (Col. 4:12-13) he commends Epaphras for his prayers. Although the English text doesn’t reveal it, the Greek words Paul uses to describe Epaphras’ prayer life are military terms. “Laboring earnestly” is the verb agonidzo, (we get “agony from it), which meant to wrestle in hand-to-hand combat. The word translated “deep concern” was used for the pain of struggling in battle. It emphasizes the effort involved. Both words show that serving the Lord is not a Sunday school picnic. We’re engaged in combat with the unseen forces of darkness who are intent on destroying the Lord’s work and His people (Eph. 6:10-20; 1 Pet. 5:8).

What does Epaphras’ prayer mean, that the Colossians would stand mature and fully assured in all the will of God? What does Christian maturity look like? Maturity includes being wise and discerning. Mature people are spiritually and emotionally stable, marked by the fruit of the Spirit. But there is especially one aspect of the fruit of the Spirit which runs as a thread through these verses: faithfulness. A mature Christian is a faithful servant of Jesus Christ. Paul mentions it specifically of Tychicus and Onesimus (Col. 4:7, 9). It is implied of Aristarchus, Mark, Jesus Justus, Epaphras, and Luke. The Lord wants us to be faithful servants.

As a pastor, I especially need to remind myself of this. We live in a day when success is defined in terms of fame and numbers. I constantly hear about superstar pastors who speak all over the world, telling how they built their church from zero to 10,000 members. Attend their seminar or buy their latest book and I, too, can succeed! It’s easy to start feeling that I’m not a success because I don’t pastor a large church and I haven’t written a pile of best-selling books.

But the test of success with the Lord is faithfulness to the ministry He has entrusted to you. The key question is not, “How many attend my church?” but “Are the ones I’m entrusted to serve becoming mature in Christ?” Jesus never said, “Well done, good and famous servant.” Faithfulness is what counts with Him. My desire is to see each of you being faithful to the Lord in your walk with Him and in the sphere of service He has given you.

6. The team has members who often disappoint us.

There is a sober dose of reality in Paul’s final greetings. There is encouragement with Mark, who started by failing but ended faithfully. At first, he bailed out on Paul, but now, he’s at Paul’s side in Rome. During Paul’s final imprisonment, he wrote to Timothy (2 Tim. 4:11), “Only Luke is with me. Pick up Mark and bring him with you, for he is useful to me for service.”

But then there’s Demas, a fellow-worker alongside Mark, Aristarchus, and Luke (Philemon 24). But later, he deserted Paul because he loved this present world (2 Tim. 4:10). Also, if Paul could look into the future, he would have known that the church of Laodicea, which seemed to be healthy in his day, just thirty years later would be so self-sufficient and lukewarm that the Lord threatened to spew them out of His mouth (Rev. 3:14-22).

If you’re serving the Lord, don’t be surprised if some of your teammates disappoint you. Judas betrayed Jesus, and the other eleven deserted Him when He was arrested. Paul was disappointed with Demas and with others. You will have disappointments with fellow workers. I’ve seen some who get hurt when others are unfaithful or betray their trust. Rather than dealing with it as Paul did by looking to the Lord, they end up dropping out of ministry or even out of the church. Don’t let that happen to you! People will disappoint you, but God never will.

Conclusion

A young reporter once asked Bud Wilkinson, coach of the powerful Oklahoma Sooner football team, “Coach, how has the game of football contributed to the health and fitness of America?”

To the reporter’s shock, Wilkinson responded, “It has not contributed at all!”

“What do you mean?” stammered the reporter.

Wilkinson said, “I define football as 22 men on the field, desperately needing rest, and 22,000 fans in the stadium, desperately needing exercise!”

That should not describe the church! The local church is a team where every member should be devoted to serve Christ. If you’ve trusted in Him, you’re on the team, and you’re not a benchwarmer. Christianity is not a spectator sport! He wants you on the playing field! Use your gifts to serve the Lord. As you do, this church will grow to maturity in Christ.

Application Questions

  1. What are some practical implications of being a slave of Jesus Christ? What is the difference between a slave and a volunteer?
  2. What steps must a bench warmer take to get involved in serving the Lord? How does one discover his/her spiritual gifts?
  3. Larry Richards has said that we must recognize every interpersonal relationship as a setting for ministry. Discuss the implications of this.
  4. Have you been burned by other Christians while you were serving the Lord? How should you process this?

Copyright, Steven J. Cole, 2016, All Rights Reserved.

Unless otherwise noted, all Scripture Quotations are from the New American Standard Bible, Updated Edition © The Lockman Foundation

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