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10. Davi e Urias (II Samuel 11:5-27)

Introdução

Em 1972, funcionários de um hotel perceberam que a trava da porta de acesso às escadas tinha sido presa com fita adesiva. Três policiais estiveram no local e encontraram cinco pessoas não autorizadas dentro da sede do Comitê Nacional Democrata. Os invasores tinham entrado para reajustar algumas escutas instaladas numa invasão anterior, ocorrida em maio. Na primeira invasão, documentos do Comitê tinham sido fotografados.

Parece que ninguém conseguiu explicar exatamente o que aqueles homens esperavam ganhar com a invasão. Fosse o que fosse, se eles tivessem contado a verdade e o que pretendiam fazer, talvez o crime fosse considerado apenas uma intriga política, sem maiores consequências. Foi a tentativa de encobri-lo que causou uma enorme repercussão. Richard Nixon, o presidente dos Estados Unidos, foi forçado a renunciar sob a ameaça de impeachment. Alguns de seus assessores mais próximos foram processados, condenados e sentenciados à prisão.

Ao longo da história, foram feitas muitas tentativas para encobrir casos de incompetência, imoralidade e até crimes. Na Bíblia, esses encobrimentos aparecem bem cedo. Adão e Eva tentaram encobrir sua nudez e se esconder de Deus, sem perceber que seus esforços traíam seu pecado e sua culpa. Nossa lição em II Samuel 11 fala de uma das maiores tentativas de encobrimento de todos os tempos, a qual, como tantas outras, também foi um fracasso lamentável.

Em nossa lição anterior tentamos explicar o pecado de Davi de forma a colocar a culpa diretamente sobre ele, não sobre Bate-Seba. Foi ele quem fez tudo, não porque ela o tenha tentado ou seduzido, mas porque ele foi arrogante, lascivo e ambicioso. Ele não a quis como esposa, ou mesmo como um caso amoroso. Ele buscou o prazer de uma noite e ela voltou para sua casa. Foi assim, ou assim pareceu. Algum tempo depois, no entanto, ela mandou lhe dizer que estava grávida. Retomamos nosso texto aqui, com a narração da tentativa desesperada de Davi de encobrir o seu pecado com Bate-Seba. Como sabemos, nada dá certo e as coisas só ficam piores.

A história de Davi e Urias me faz lembrar da história do “Aprendiz de Feiticeiro”. Já faz algum tempo, mas lembro-me de que no desenho (provavelmente da versão de Walt Disney, que em português recebeu o título de “Fantasia”) o feiticeiro sai e deixa o aprendiz cuidando de suas tarefas. O aprendiz tem a brilhante ideia de usar as artes mágicas de seu mestre, achando que assim seu trabalho seria bem mais fácil e ele poderia se sentar e observar outros poderes em ação. O problema era que ele não sabia como parar o que havia começado; por isso, cada vez mais ajudantes entravam em cena enquanto ele tentava reverter o feitiço.

Neste momento, a vida de Davi está bem parecida. Ele começa a acumular pecado sobre pecado, certo de que, de alguma forma, um irá encobrir o outro. Em vez disso, seus pecados só se multiplicam. Cada vez mais pessoas ficam sabendo e fica impossível escondê-los. Podemos tirar muitas lições deste episódio trágico da vida de Davi, as quais, se aprendidas, nos ajudarão a não cometer os mesmos erros. Que o Espírito de Deus abra os nossos ouvidos e o nosso coração para compreendermos e aprendermos com essa tentativa de Davi de encobrir o pecado cometido com Bate-Seba.

Contexto

Em nossa primeira lição, dedicamos nossa atenção aos quatro primeiros versos do capítulo 11, os quais descrevem o adultério de Davi com Bate-Seba. Procurei demonstrar que toda a responsabilidade por esse pecado foi dele. O autor aponta o dedo acusador para ele, não para ela. Ela não foi indiscreta ao se banhar (pelo que entendo da história), pois estava simplesmente obedecendo o ritual de purificação descrito na lei. Foi Davi que, pela visão privilegiada do seu terraço, olhou de forma inadequada para ela, violando sua privacidade. Esforcei-me para demonstrar que o pecado de Davi com Bate-Seba foi consequência de uma série de decisões e atitudes erradas tomadas por ele. Em certo sentido, no caminho em que ele andava, seu destino (adultério ou algo parecido) já era esperado. Sua omissão finalmente floresceu e desabrochou.

Um dos aspectos trágicos desta história é que o pecado na vida de Davi não termina com sua união adúltera com Bate-Seba. Ele continua numa trama enganosa para fazer com que Urias, marido de Bate-Seba, pareça ser o pai da criança, e culmina no assassinato deste por Davi e no casamento de Davi com Bate-Seba. Ao retomarmos de onde paramos na última lição, mais algumas informações sobre o contexto são vitais para o entendimento do texto.

1) É provável que Davi e Urias mal se conhecessem, mas sabiam da existência um do outro, pelo menos até certo ponto. Urias está entre os valentes de Davi (II Samuel 23:39; I Crônicas 11:41). Alguns desses “valentes” juntaram-se a Davi logo no início, quando ele ainda estava na caverna de Adulão (I Samuel 22:1-2) e, entre eles, supomos que estivessem Joabe, Abisai e Asael, os três valentes que eram irmãos (ver II Samuel 23:18, 24; I Crônicas 11:26)1. Outros se juntaram a Davi em Ziclague (I Crônicas 12:1 e ss); e outros ainda em Hebrom (I Crônicas 12:38-40)2. Não sabemos quando e onde Urias se uniu a ele, mas, uma vez que sua carreira termina em II Samuel 12, seus feitos militares devem ter ocorrido bem antes. Parece improvável que ele e Davi fossem estranhos; é mais provável que os dois se conhecessem por terem lutado juntos, ou até mesmo por terem fugido juntos de Saul.

2) Parece improvável que Urias ignore o que Davi fez e o que está tentando fazer ao chamá-lo de volta a Jerusalém. Deve ter havido rumores sobre Davi e Bate-Seba em Jerusalém, os quais poderiam facilmente ter chegado ao exército israelita que sitiava Rabá. Urias não só se recusa a ir para casa e dormir com sua esposa, como também dorme à porta do palácio, entre os servos do rei. Ele tem muitas testemunhas para comprovar que qualquer criança nascida de sua esposa nessa época não é sua. É óbvio que ele sabe perfeitamente o que Davi quer dele (que faça sexo com Bate-Seba); por isso, ele se recusa, mesmo quando o rei literalmente lhe dá ordens para ir para casa. É difícil explicar essa atitude, se Urias não sabe o que aconteceu entre Davi e Bate-Seba. No mínimo, ele sabe o que Davi quer dele durante sua estadia em Jerusalém. Vamos explorar as implicações disso mais tarde.

3) Não está escrito que Bate-Seba tome parte do plano de Davi para enganar Urias ou ocasionar sua morte, muito menos que ela saiba o que ele está fazendo. Quando ela diz a Davi que está grávida, ele toma uma atitude decisiva, mas em lugar algum está escrito que Bate-Seba faça parte do seu plano. O verso 26 soa como se ela tomasse conhecimento da morte de Urias depois do fato, pelos canais normais de comunicação. Afinal, será que Davi realmente queria que sua nova esposa soubesse que ele assassinou seu marido? Davi age sem o auxílio de Bate-Seba.

Uma Gravidez Indesejada
(11:5)

É como se Bate-Seba não passasse mais pela cabeça de Davi depois do encontro descrito nos versos 1 a 4. Também não parece que ele quer continuar o relacionamento, ter um caso ou se casar com ela. Ele simplesmente deixa de lado aquele acontecimento pecaminoso, até que um mensageiro enviado por ela o informe que sua noite de paixão produziu uma criança. Ela lhe diz que está grávida, não que teme estar. Isso significa que sua menstruação faltou pelo menos uma vez, e talvez outra. De um modo geral, algumas semanas ou mais se passaram; não muito antes que seu estado se tornasse óbvio para as outras pessoas. O pecado é de Davi e a responsabilidade também, por isso ela o informa.

Plano A: Dê A Urias A Chance De Fazer Aquilo Que É Natural
(11:6-9)

O plano de Davi é simples e, pelo menos na sua cabeça, infalível. Em resumo, ele vai induzir Urias a pensar e agir como ele mesmo. Davi não quis enfrentar as dificuldades da guerra com Rabá, por isso foi para Jerusalém, para sua casa e para sua cama. Ele não quis dizer não a si mesmo, por isso, tomou a esposa de outro homem e dormiu com ela. Agora, ele dá a Urias a mesma oportunidade, exceto que Urias dormirá com sua própria esposa. Depois que Urias tiver relações com ela, todos concluirão que ele é o pai da criança concebida pelo ato pecaminoso de Davi. Só uma coisa dá errada no plano de Davi: ele presume que Urias esteja tão espiritualmente apático quanto ele, e será indulgente consigo mesmo em vez de agir como um soldado em guerra.

Davi envia uma mensagem a Joabe, com ordens para mandar Urias de volta para casa. Pelo contexto, entendo que Urias é enviado a Jerusalém sob o pretexto de relatar diretamente a Davi o andamento da guerra. Duvido que Davi queira que ele saiba de suas ordens a Joabe. Estou certo de que ele não quer que Urias conheça o verdadeiro propósito da sua viagem a Jerusalém. Davi orquestra as coisas para fazer o retorno de Urias parecer servir a algum propósito, quando, na verdade, a intenção é dissimular o seu próprio pecado. Mesmo assim, sua ordem não cheira bem. Você devem se lembrar de que quando o pai de Davi quis saber como andava a batalha com os filisteus (onde três de seus filhos estavam envolvidos), ele mandou Davi, seu filho mais novo, como mensageiro, para levar suprimentos e retornar com notícias da guerra (I Samuel 17:17-19). Não é preciso enviar um herói como mensageiro (e nem é bom).

Gostaria ainda de acrescentar que Joabe já está sendo arrastado para a conspiração. Ele obedece à ordem de Davi e manda Urias de volta; meu palpite é que ele sabe de alguma coisa. Talvez tenha ouvido algo sobre o caso de Davi com Bate-Seba. Quando manda Urias para Jerusalém, ele tem de lhe dar alguma missão, alguma incumbência. Talvez ambos tenham sentido que essa não era uma “missão impossível” (como a que se daria a um valente), mas uma “missão incrível”. Em todo caso, a teia de mentiras e engodos já está sendo tecida, e mais pessoas estão sendo arrastadas para a conspiração.

Quando Urias chega em Jerusalém, ele se apresenta a Davi, que age de acordo com a farsa planejada. Ele pergunta a Urias sobre o “bem-estar de Joabe e do povo” e sobre a “guerra”. O que me incomoda é: para que Davi precisa desse relatório, afinal? Se ele tivesse ido com seus homens para a guerra, isso não seria necessário. No entanto, pior ainda é ele não se importar nem um pouco com Joabe, com o povo ou com a guerra. A sua única preocupação é encobrir seu pecado, fazer com que Urias vá para casa e se deite com a esposa, para tirar seu pescoço (de Davi) da forca. Como é triste ver a hipocrisia de Davi. O rei que teve piedade do filho deficiente de Jônatas, agora não tem a mínima compaixão de um exército inteiro, e muito menos de Bate-Seba e seu marido.

Davi age mecanicamente com Urias. Ele ouve o seu relatório e depois lhe dá uma noite de folga, um tempo para ir para casa e “lavar os pés”. Davi não está preocupado com a higiene pessoal de seu soldado; está preocupado com a sua própria reputação. Quando alguém entrava em casa, em geral tirava os sapatos e lavava os pés antes de comer e ir para a cama. Davi, com muita delicadeza, incentiva Urias a ir para casa e se deitar com sua esposa. Urias sabe disso; nosso autor sabe; e nós também.

Urias sai da presença do rei. Agora, Davi dá um toque a mais. Ele envia um “presente do rei” junto com Urias, ou logo depois de sua saída. Gostaríamos muito de saber exatamente que “presente” é esse! Seria uma noite para dois no Jerusalém Hilton? Um jantar dançante num restaurante romântico? Acho que podemos seguramente dizer o seguinte: 1) não está escrito qual foi o presente; 2) ou não é para sabermos ou não faria nenhuma diferença se soubéssemos; 3) O que quer que fosse, foi cuidadosamente planejado para facilitar o plano de Davi, de fazer com que Urias se deitasse com sua esposa o mais rápido possível.

Urias deve entender o que o rei está sugerindo. Quem não gostaria de ir para casa e se alegrar com sua esposa depois de um tempo separação graças à guerra com os amonitas? Ao invés disso, Urias não deixa o palácio. Ele dorme à porta da casa real, na presença de uma porção de servos do rei. Tenho a impressão de que, pelo menos alguns desses servos, se não todos, são guarda-costas reais (compare com I Reis 14:27-28). Urias é soldado. Ele foi chamado à presença do rei, longe da batalha. Entretanto, sendo um servo fiel, ele não desfrutará de uma noite a sós com sua esposa; antes, se juntará àqueles que guardam a vida do rei. Desse jeito ele pode servi-lo em Jerusalém; por isso, prefere ficar em vez de ir para casa. A ironia é avassaladora. O soldado leal passa a noite guardando a vida do rei, o mesmo rei que lhe tomou a esposa durante a noite e em breve lhe tomará a vida também.

Plano B: Seja Mais Claro E Mais Incisivo Com Urias
(11:10-11)

Davi tem espias vigiando Urias como se ele fosse o inimigo. Eles sabem da intenção de Davi: que Urias vá para casa e durma com sua esposa. Se não conhecem todos detalhes do que aconteceu entre Davi e Bate-Seba (o que é difícil de acreditar) e de sua intenção com a visita de Urias, com certeza sabem que algo fora do normal está acontecendo no palácio. De uma forma ou de outra, Davi está tornando esses servos-espias co-conspiradores com ele.

Os servos-espias chegam para Davi na manhã seguinte com uma notícia surpreendente: “Urias não fez o que o rei mandou. Nem mesmo foi para casa!” Davi, então, procura gentilmente repreendê-lo. Mal dá para acreditar na hipocrisia da sua atitude e de suas palavras. Ele faz o papel de um amo bondoso. Urias, seu servo, “vem de uma jornada” (verso 10). Não é esse o momento de se preocupar com suas necessidades e desejos? Não é hora de pensar na carência de sua esposa? Quanta insensibilidade de Urias não ir para casa e ficar e dormir com ela! “Que vergonha, Urias!” Ele tem muito a explicar; ou é o que parece a Davi.

E Urias explica. Suas palavras ao comandante em chefe são uma repreensão tão contundente quanto a recebida por Davi de Natã no capítulo seguinte. Urias compreende claramente que o que antes Davi apenas insinuou (ou seja, que fosse para a cama com sua esposa), agora ele está dizendo, e até mesmo ordenando, que faça. Humildemente, mas com firmeza, Urias se recusa:

“Respondeu Urias a Davi: A arca, Israel e Judá ficam em tendas; Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão acampados ao ar livre; e hei de eu entrar na minha casa, para comer e beber e para me deitar com minha mulher? Tão certo como tu vives e como vive a tua alma, não farei tal coisa.” (II Samuel 11:11)

Primeiro Urias mostra a Davi que sua terminologia está incorreta. Davi fala de Urias retornando de uma jornada (verso 10). A verdade é que ele foi chamado do campo de batalha. Ele não é um caixeiro-viajante, em casa depois de uma viagem; é um soldado, longe do seu posto. No coração e na alma, Urias ainda está com seus companheiros. Ele realmente quer voltar ao campo de batalha, não ficar em Jerusalém. Ele retornará tão logo Davi o dispense (ver verso 12). Até lá, pensará e agirá como soldado. Na medida do possível, viverá do mesmo jeito que seus companheiros de batalha estão vivendo. Lá, cercando a cidade de Rabá, estão os soldados israelitas liderados por Joabe. Eles, junto com a arca do Senhor, estão acampados em tendas ao ar livre. Urias não pode, e não irá, viver no luxo enquanto eles vivem com sacrifício. Ele não irá dormir com sua esposa até que eles também possam dormir com suas esposas.

Urias, respeitosamente, não aceita — na verdade, ele se recusa — a agir de forma não condizente com um soldado, quanto mais com um herói de guerra. Acho importante observar que aqui não há nenhuma ordem em particular que ele se recuse a obedecer. Ao que eu saiba, não há nenhum mandamento específico na Lei de Moisés que proíba um soldado de fazer sexo com sua esposa em tempos de guerra (se isso fosse verdade nos primeiros anos da história de Israel, não teria havido outra geração de israelitas, uma vez que eles estavam quase sempre em guerra com um ou outro de seus vizinhos). Essa é uma convicção particular de Urias como soldado, e ele não violará sua consciência, mesmo tendo recebido uma ordem do rei.

Para compreender totalmente o impacto das palavras de Urias, vamos voltar algumas páginas nos escritos de Samuel para relembrar as palavras do próprio Davi, ditas a Aimeleque, o sacerdote, uma vez que elas têm relação com este encontro com Urias:

“Então, veio Davi a Nobe, ao sacerdote Aimeleque; Aimeleque, tremendo, saiu ao encontro de Davi e disse-lhe: Por que vens só, e ninguém, contigo? Respondeu Davi ao sacerdote Aimeleque: O rei deu-me uma ordem e me disse: Ninguém saiba por que te envio e de que te incumbo; quanto aos meus homens, combinei que me encontrassem em tal e tal lugar. Agora, que tens à mão? Dá-me cinco pães ou o que se achar. Respondendo o sacerdote a Davi, disse-lhe: Não tenho pão comum à mão; há, porém, pão sagrado, se ao menos os teus homens se abstiveram das mulheres. Respondeu Davi ao sacerdote e lhe disse: Sim, como sempre, quando saio à campanha, foram-nos vedadas as mulheres, e os corpos dos homens não estão imundos. Se tal se dá em viagem comum, quanto mais serão puros hoje!” (I Samuel 21:1-5)

Vocês devem se lembrar que, logo no início, quando Davi fugia de Saul, ele procurou Aimeleque, o sacerdote, para lhe pedir provisões e uma espada. O sacerdote só tinha pão sagrado, o qual permitiria que Davi e seus homens comessem se pelo menos eles “se abstivessem das mulheres” (verso 4). O sacerdote presume que talvez eles não estejam fazendo isso. A resposta de Davi, e especialmente o seu tom, é totalmente pertinente ao nosso texto. Ele garante a Aimeleque que tanto ele como seus homens estavam se abstendo das mulheres, quase exasperado com fato de o sacerdote supor outra coisa. E a razão dada por Davi é que ele e seus homens estavam em missão para o rei. A inferência é de que a missão era militar (ou, pelo menos, oficial).

Mas há algo ainda mais surpreendente: Davi, naquela época, era muito rígido quanto ao fato de os soldados em missão para o rei se absterem de relações sexuais. Agora, anos mais tarde, ele se espanta com o caso de um homem na mesma situação estar disposto a se abster das relações com sua esposa. Pior ainda, ele tenta convencer — e até mesmo forçar — Urias a fazê-lo, mesmo que isso viole a consciência de Urias. Isso não é “fazer um irmão mais fraco tropeçar”, é amputar as pernas de um irmão mais forte até o joelho. Urias é um exemplo do comprometimento esperado de todo soldado, e de Davi em especial — pelo menos do Davi dos tempos passados. Urias agora age como o Davi que conhecemos nos primeiros dias. Ele é o “Davi” que Davi deveria ser.

As palavras de Urias devem ter feito Davi perceber a profundidade do seu pecado. O autor usa essas palavras de forma irônica, mas fundamental. Urias diz a Davi que não irá para casa, não comerá, nem beberá e nem dormirá com sua esposa3. Ele é muito incisivo: “Tão certo como tu vives e como vive a tua alma, não farei tal coisa” (verso 11). Nos versos seguintes, Davi o constrange a “comer e beber” com ele, na esperança de que Urias se deite com a esposa. E, quando Urias jura pela vida do rei que não fará tal coisa, o rei acaba tirando a sua vida. Que ironia! Que trágico!

Plano C: Dê Uma Bebedeira Em Urias E Ele Fará Bêbado O Que Não Faria Sóbrio
(11:12-13)

Davi está ficando desesperado. Ele sequer cogita a possibilidade de Urias recusar sua oferta. Urias fala com tanta convicção que Davi sabe que ele não infringirá seu dever como soldado se estiver de posse de suas plenas faculdades mentais. Por isso, faz uma última modificação em seu plano original — ele vai embebedar Urias e fazê-lo ir para a cama com a esposa. Afinal, as pessoas não fazem coisas quando estão bêbadas que não fariam quando sóbrias? Isso, com certeza, fará o plano de Davi dar certo.

Deve ser com grande apreensão que Urias se junta a Davi para jantar nessa última noite em Jerusalém. Davi começa a comer e beber, e não aceitará não como resposta quando oferecer comida e bebida a Urias. Isso até que funciona, pois Davi se assegura de que ele tenha álcool suficiente no sangue para ficar bêbado. E, nesse estado, Davi o manda para casa para “recuperar-se”, na sua própria cama, é claro. No entanto, mesmo bêbado, Urias não violará sua consciência!4 De novo, ele passa a noite à porta do palácio de Davi, junto com os servos do rei. Ele não vai para sua casa e, por isso, não dorme com sua esposa. Davi está encrencado.

Plano D: Em Desespero, Davi Ordena A Morte De Urias
(11:14-17)

Davi dá um tiro que sai pela culatra. Ele pretende colocar Urias em uma situação onde este pareça ser o pai do filho de Bate-Seba. A conduta de Urias, porém, mostra publicamente sua lealdade para com seus deveres de soldado, tornando ainda mais evidente que ele não pode ser o pai da criança. A situação fica pior do que quando Davi o chama de volta a Jerusalém. Davi conclui, então — erroneamente — que a única solução é Urias ser morto em ação. Não sei se ele realmente acha que pode enganar a todos em Jerusalém quanto à paternidade do filho de Bate-Seba. Como ele pode pensar assim, se todos sabem que Urias não esteve com sua esposa, para deixá-la grávida? Parece que Davi está simplesmente tentando legitimar seu pecado. Fazendo de Urias uma baixa de guerra, ele deixa Bate-Seba viúva. Agora ele pode casar-se com ela e educar o filho como seu, o qual obviamente é mesmo.

Davi deve ter passado uma noite angustiante, vendo que até mesmo bêbado Urias é um homem melhor do que ele. Por isso, de manhã cedo, ele parte para ação. Ele escreve uma carta para Joabe, a qual servirá como sentença de morte para Urias. Na carta, Davi ordena claramente que Joabe mate Urias por ele. Ele até mesmo lhe diz o que fazer para encobrir a verdade. Assim, Davi honrará Urias como herói de guerra e, magnanimamente, assumirá o dever se tornar marido de sua esposa, e também de educar o filho que está para nascer. Joabe deve colocar Urias na linha de frente, onde a batalha está mais acirrada, o que não seria surpresa para um homem com a coragem e a habilidade de Urias. Joabe deve atacar e então recuar, de forma que Urias se torne um alvo fácil para os amonitas, garantindo assim a sua morte. Não há dúvida nas ordens de Davi: ele quer Urias morto de forma a parecer uma simples baixa de guerra. Joabe aquiesce totalmente às suas ordens, e Urias é eliminado, não sendo mais um obstáculo aos planos do rei. Ao dar essa ordem a Joabe, Davi o torna cúmplice de sua conspiração, fazendo-o partilhar a culpa pelo sangue de Urias. O pecado de Davi continua a envolver cada vez mais pessoas, levando a pecados cada vez maiores.

Como é estranho ver Davi, um valente (I Samuel 16:18), tratando Urias, outro valente, como inimigo. Eis Urias, um homem que dará a sua vida por seu rei, e Davi, um homem que está disposto a tirar a vida de Urias para encobrir o seu pecado. Todo mundo sabe que isso não vai funcionar. Como é estranho ver Davi fazendo Joabe cúmplice do seu crime, especialmente depois do que Joabe fez a Abner:

“Retirando-se Joabe de Davi, enviou mensageiros após Abner, e o fizeram voltar desde o poço de Sirá, sem que Davi o soubesse. Tornando, pois, Abner a Hebrom, Joabe o tomou à parte, no interior da porta, para lhe falar em segredo, e ali o feriu no abdômen, e ele morreu, agindo assim Joabe em vingança do sangue de seu irmão Asael. Sabendo-o depois Davi, disse: Inocentes somos eu e o meu reino, para com o SENHOR, para sempre, do sangue de Abner, filho de Ner. Caia este sangue sobre a cabeça de Joabe e sobre toda a casa de seu pai! Jamais falte da casa de Joabe quem tenha fluxo, quem seja leproso, quem se apoie em muleta, quem caia à espada, quem necessite de pão. Joabe, pois, e seu irmão Abisai mataram Abner, por ter morto seu irmão Asael na peleja, em Gibeão.” (II Samuel 3:26-30)

Davi condenou Joabe e o amaldiçoou por ele ter derramado o sangue inocente de Abner. Agora, o mesmo Davi (bem, não exatamente o mesmo) usa Joabe para matar Urias e tirá-lo do seu caminho. O inimigo de Davi (Joabe) se torna seu amigo, ou pelo mesmo, aliado. Os inimigos de Davi (os amonitas) se tornam seus aliados (eles deram o golpe fatal que matou Urias). E o servo leal de Davi, Urias, é condenado à morte como se fosse o inimigo. Não só Urias é morto, mas também muitos outros guerreiros israelitas. Eles precisam ser sacrificados para encobrir o assassinato de Urias. Sua morte precisa ser vista como a de um grupo, não de um só homem. Sem dúvida alguma, este é o ponto mais baixo da vida moral e espiritual de Davi.

Joabe Cuida Do Problema Das Relações Públicas
(11:18-25)

Estes oito versos, destinados à descrição da morte de Urias, são o dobro dos versos utilizados para descrever o pecado de Davi com Bate-Seba. Eles são praticamente iguais em extensão à narrativa das conversas de Davi com Urias. Eles começam com as instruções cuidadosas de Joabe ao mensageiro que vai levar a notícia a Davi, e terminam com o próprio relato e a resposta de Davi. Por que será que o autor dedica tanto tempo e espaço à maneira pela qual a morte de Urias é informada ao rei? Vejamos se é possível encontrar a resposta a essa pergunta dando uma olhada mais de perto nesses versos.

Missão cumprida: Urias está morto. Joabe cumpriu as instruções de Davi ao pé da letra. Agora ele precisa mandar a notícia para Davi de forma que não revele nada sobre a conspiração. Ele chama um mensageiro e lhe dá instruções precisas. O mensageiro deve primeiro fazer um relato completo e detalhado dos acontecimentos, incluindo o malfadado ataque à cidade e a chacina de Urias e o grupo que estava com ele. Por que a maneira como o mensageiro vai dar a notícia é tão importante?

A resposta é muito simples, como fica evidente pela preocupação do próprio Joabe. A missão inteira é um fiasco. Os israelitas estão sitiando a cidade de Rabá. Isso significa que eles rodeiam a cidade e o povo não pode entrar, nem sair. Tudo o que os israelitas têm a fazer é esperar até que os amonitas morram de fome. Não há necessidade de um ataque. A missão é suicida desde o princípio e não é preciso ser gênio para ver isso. Joabe tem de reunir um grupo de valentes como Urias, incluindo o próprio Urias, para realizar um ataque à cidade. O ataque não é feito contra o ponto mais fraco do inimigo, como seria de se esperar, mas contra o mais forte. Essa ação provoca um contra-ataque dos amonitas contra Urias e seus homens. Quando o exército israelita bate em retirada, deixa seus próprios homens indefesos, e o resultado óbvio é uma chacina. Como alguém pode dar a notícia de um fiasco desses sem que Joabe pareça um tolo (na melhor das hipóteses) ou assassino (na pior)?

Eis a razão para que as instruções de Joabe ao mensageiro sejam tão cuidadosas. O mensageiro deve informar sobre o ataque à cidade de Rabá e depois, sobre as consequentes perdas israelitas. Joabe sabe que Davi irá reagir (talvez com hipocrisia) quando souber do ataque e das perdas. É aí, diz Joabe ao mensageiro, que ele deve falar da morte de Urias. Isso, com certeza, porá fim a quaisquer protestos ou críticas por parte de Davi.

Assim, nos versos 22 a 25 temos a narrativa da chegada do mensageiro, do seu relato a Davi e da reação deste. Devo ressaltar que o mensageiro não faz o que lhe foi pedido, pelo menos não da forma como leio o texto. Ele chega para Davi e diz que os amonitas prevaleceram contra eles enquanto deixavam a cidade, perseguindo-os em campo aberto. Os israelitas, então, se voltaram contra eles, forçando-os até os portões da cidade. Foi aí que Urias e seu grupo lutaram. E foi aí que ficaram ao alcance dos flecheiros, que os atingiram, matando uma porção de servos do rei. E, rapidamente, o mensageiro acrescenta: “e também morreu o teu servo Urias, o heteu.” (verso 24)

Por que será que o mensageiro não espera pela reação encolerizada de Davi, como fora instruído por Joabe? Por que ele lhe diz que Urias foi morto, antes mesmo de Davi fazer qualquer crítica ou protesto? Creio que ele dá as notícias dessa forma porque compreende o que realmente está acontecendo. Talvez ele saiba sobre Davi e Bate-Seba, e até mesmo sobre sua gravidez. Com certeza ele sabe da convocação de Urias a Jerusalém. Talvez também ele tenha descoberto que Davi queria se livrar de Urias e Joabe fez isso arranjando uma desculpa esfarrapada para atacar o inimigo. Talvez ainda ele imagine que, se Davi souber logo da morte de Urias, não levantará objeções quanto à chacina desnecessária. Por isso, em vez de esperar por um ataque hipócrita de Davi sobre a estupidez daquela ação, ele se adianta e lhe conta, para não ter de presenciar a reação do rei.

E o servo está absolutamente certo, conforme indica o verso 25:

“Disse Davi ao mensageiro: Assim dirás a Joabe: Não pareça isto mal aos teus olhos, pois a espada devora tanto este como aquele; intensifica a tua peleja contra a cidade e derrota-a; e, tu, anima a Joabe.” (II Samuel 11:25)

Essas palavras de Davi dão o toque final à questão. Elas parecem graciosas e compreensivas, até mesmo simpáticas. Na verdade, ele está dizendo: “Bem, não se preocupe. Afinal, às vezes a gente ganha, às vezes perde. É assim mesmo.” Urias, um grande guerreiro e homem de caráter piedoso, acaba de morrer, e Davi não diz uma palavra de pesar, não demonstra nenhuma tristeza, não faz nenhum tributo. Urias morre e Davi fica impassível. Compare sua reação à morte de Urias com sua reação às mortes de Saul e Jônatas (II Samuel 1:11-27), e até mesmo de Abner (II Samuel 3:28-39). Este não é o Davi de alguns capítulos antes. Este é um Davi endurecido, calejado, calejado pelo seu próprio pecado.

Conclusão

Nosso texto tem muitos ensinos e implicações para os nossos dias. Permitam-me sugerir alguns para concluir esta mensagem.

Primeiro, Um cristão pode cair? Sim, pode. Alguns personagens bíblicos talvez nos façam perguntar se eles realmente são crentes em Deus, tais como Balaão, Sansão ou Saul. Com relação a Davi, entretanto, não nos fazemos tais perguntas. Ele não é apenas um crente, é um crente modelo. Na Bíblia, ele estabelece o padrão, pois é um homem segundo o coração de Deus. No entanto, esse homem, apesar de crer em Deus, apesar de momentos espirituais incríveis e de seus belos salmos, cai profundamente em pecado. E, se Davi pode cair, nós também podemos, e é exatamente sobre isso que Paulo nos adverte:

“Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado. Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia.” (I Coríntios 10:11-12)

Segundo, A que profundidade um cristão pode cair? Muito fundo. Davi não só cometeu o pecado de adultério, ele também cometeu assassinato. Creio que podemos dizer que não pecado na carne que o cristão não seja capaz de cometer. Às vezes, ouço as pessoas dizerem: “Não sei como uma pessoa que... pode ser cristã.” Muitas vezes — como esta na vida de Davi — outras pessoas mal nos reconhecem como cristãos devido ao nosso mau testemunho.

Terceiro, A que velocidade um cristão pode cair? Muito rápido. É impressionante como foi rápida a queda de Davi em um único capítulo. Longe da graça providente de Deus, podemos cair bem fundo e bem rápido. Que a trágica experiência de Davi sempre nos relembre disso.

Quarto, o pecado é como uma bola de neve. O pecado não é estanque; não é estático. Ele cresce. Veja a sua progressão em nosso texto. O pecado de Davi começa quando ele deixa de agir como soldado e vira um dorminhoco que fica na cama até tarde. Seu pecado vai do adultério ao assassinato. Ele começa discretamente, mas, à medida que a história se desenrola, cada vez mais pessoas tomam conhecimento dele; e pior, cada vez mais pessoas se tornam participantes dele. O pecado de Davi inicialmente se expressa quando ele toma a esposa de outro homem; depois, quando tira a vida desse homem, e, junto com sua vida, a de uma porção de homens que precisam morrer para que sua morte seja verossímil. O pecado de Davi desabrocha de modo a transformar um amigo leal e verdadeiro (Urias) em inimigo, e inimigos (os amonitas e, em certo sentido, Joabe) em aliados.

Quinto, quando tentamos encobrir nossos pecados, as coisas pioram. Por isso, a melhor coisa a fazer é confessá-los e abandoná-los.

“O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia.” (Provérbios 28:13)

Como teria sido melhor para Davi se ele simplesmente tivesse confessado seu pecado com Bate-Seba, e então sido perdoado; mas ele tentou encobri-lo e as coisas só ficaram piores. O homem tenta encobrir seus pecados desde o jardim do Éden. Adão e Eva pensaram que podiam encobrir seu pecado escondendo sua nudez, ou melhor, escondendo-se de Deus. Contudo, Deus amorosamente busca por eles, não só para repreendê-los e amaldiçoá-los, mas para lhes dar a promessa de perdão. Foi Deus quem providenciou a cobertura para o pecado de Adão e Eva. A morte sacrificial, o sepultamento e a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo é o meio pelo qual Deus cobre os nossos pecados. Meu amigo, você já passou por essa experiência? Se ainda não, por que não confessa agora seus pecados e recebe o presente do perdão de Deus na pessoa e na obra de Jesus Cristo na cruz do Calvário?

Sexto, nosso texto mostra Urias como um herói-modelo, não como um otário estúpido. Talvez algumas pessoas concluam que o elevador de Urias não “vá até o último andar” (como dizia uma vizinha minha sobre as pessoas que ela achava meio devagar). Urias é ingênuo? Ele não percebe o que Davi está tentando fazer? Não creio. Por isso sua lealdade a Davi e à lei de Deus são tão notáveis. Creio que podemos dizer que ele é muito parecido com o Davi dos primeiros tempos, com relação à maneira como este reagia a Saul. Quando Saul quis matá-lo injustamente, porque estava com ciúmes do seu sucesso militar, Davi também submeteu-se a ele, servindo-o fielmente. Davi deixou sua segurança e seu futuro nas mãos de Deus, e Deus não o desamparou.

Sétimo, Urias é um lembrete de que nem sempre Deus livra imediatamente o justo das mãos do perverso, ou mesmo durante a sua vida. Os três amigos de Daniel disseram ao rei que o seu Deus era capaz de livrá-los. Ele não presumiram que Ele iria, ou deveria, fazê-lo. E Deus realmente os livrou. Acho que os cristãos consideram esse livramento como a regra, não como a exceção. Entretanto, quando Urias serve fielmente ao seu rei (Davi), ele perde a vida. Deus não é obrigado a “nos livrar dos problemas” ou nos afastar das provações e tribulações só porque confiamos nEle. Às vezes, é da Sua vontade que os homens confiem totalmente nEle e se sujeitem ao governo humano, e ainda sofram adversidades, das quais talvez Ele não os livre. Espiritualidade não é garantia de que não vamos mais sofrer. Na verdade, intimidade espiritual com Deus muitas vezes é consequência dos nossos sofrimentos (ver Mateus 5).

No Antigo Testamento, como no Novo, Deus às vezes livra Seu povo das mãos dos perversos, mas nem sempre. A “libertação” do povo de Deus vem com a chegada do Messias, o Senhor Jesus Cristo. Urias, como todos os santos do Antigo Testamento, morreu sem receber seu completo galardão, porque Deus quis que ele esperasse. Urias, como muitos santos do Antigo Testamento, não foi liberto das mãos do perverso. Isso é mostrado pelo autor da carta aos Hebreus:

“Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade... E que mais direi? Certamente, me faltará o tempo necessário para referir o que há a respeito de Gideão, de Baraque, de Sansão, de Jefté, de Davi, de Samuel e dos profetas, os quais, por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a justiça, obtiveram promessas, fecharam a boca de leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram força, fizeram-se poderosos em guerra, puseram em fuga exércitos de estrangeiros. Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos. Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra. Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados.” (Hebreus 11:13-16, 32-40)

Urias não deve ser criticado ou desprezado por sua lealdade e submissão a Davi. Pelo contrário, ele deve ser elogiado. De fato, um amigo me deu algo novo em que pensar: “E se Urias foi adicionado à lista dos heróis de guerra por sua lealdade e coragem na batalha que lhe custou a vida?” Essa é uma possibilidade a ser considerada. Urias é um daqueles gentios convertidos, cuja fé e obediência envergonham muitos israelitas. Ele está entre os muitos que creram em Deus e O obedeceram e não receberam o seu galardão em vida; mas o receberão na vinda do reino de Deus. Muitos cristãos da atualidade querem suas bênçãos “na hora” e sem sofrimento, sem ter de esperar pelo galardão. Que eles considerem cuidadosamente o exemplo de Urias para a sua própria vida.

Tradução: Mariza Regina de Souza


1 Sabemos que, enquanto Davi estava na caverna de Adulão, seus irmãos e toda a casa de seu pai, junto com outros que se encontravam em perigo, foram até ele, temendo a ira de Saul (I Samuel 22:1-2). Joabe, Abisai e Asael eram filhos de Zeruia, irmã de Davi (I Crônicas 2:16). Por inferência, entendo que esses três se juntaram a Davi na mesma época que o restante de sua família.

2 Note que aqui havia uma festa de três dias para Davi e os homens uniram-se a ele. Essa certamente era uma ocasião para conhecê-los.

 

3 Seria esta, por acaso, uma pista sobre o presente enviado por Davi a Urias no verso 8? Será que o presente era comida e bebida?

4 A atitude de Urias levanta algumas perguntas interessantes sobre as pessoas que ficam bêbadas. Parece-me que nosso texto deixa implícito que, mesmo bêbado, alguém não pode ser forçado a trair suas próprias convicções, a menos, é claro, que queira isso. Pergunto-me quantas pessoas não se embebedam para fazer aquilo que desejam, pensando que assim podem colocar no álcool a culpa pelo seu próprio pecado. Isso me parece outra versão de Foi o diabo que me fez fazer isso.

 

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