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Auxílio para os Corações Atribulados (João 13:31-14:31)

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Introdução

Uma vez mandado embora o traidor (13:31), com a cruz surgindo diante d’Ele e a sua partida muito próxima, o Salvador procurou encorajar os Seus discípulos com um conjunto de verdades vitais para a sua própria paz de espírito, bem como para a sua capacidade de O representar num mundo perdido e hostil. Toda a passagem desde João 13:31 até ao capítulo 16 forma um longo discurso de despedida, frequentemente interrompido pelas perguntas dos discípulos, mencionados com frequência nos capítulos 13 e 14. O carácter destes capítulos é de instrução final, destinada a fornecer auxílio aos corações atribulados. Tal elemento é realçado pelas palavras de Jesus em 14:1 e 27.

14:1 Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em Mim.

14:27 Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize!

Antes destas palavras, porém, Jesus instruíra os Seus discípulos acerca do perdão, da Sua traição, glorificação e partida. Devido à sua falta de compreensão relativamente ao Seu propósito no plano de Deus e à sua incapacidade nesse ponto – pelo menos quanto a estabelecer uma relação entre tudo isto e a sua própria existência e propósito –, os seus corações estavam extremamente atribulados. A verdade de que precisavam para acalmar os seus corações inquietos era necessária tanto para a sua união, como para a sua coragem. Os medos e hostilidades que enfrentariam, as perguntas sem resposta, as diferenças de temperamento e os ciúmes que haviam existido entre eles aliená-los-iam uns dos outros, tornando-os impotentes no plano de Deus.

O Ensinamento Relativo à Sua Glorificação (13:31-32)

Antes de mencionar a Sua partida, o facto da Sua glorificação é referido cinco vezes em dois versículos curtos (vss. 31-32). De modo consistente ao longo do Seu ministério, a menção da Sua glorificação era uma referência à Sua morte, enquanto culminar do propósito do Pai para o Salvador (veja João 7:39; 12:16, 23; 17:1). Incluída estava a Sua ressurreição, que validaria a significância da Sua morte. Através da Sua morte, demonstrativa do amor de Deus e da fidelidade de Cristo, Cristo e o Pai seriam glorificados (vs. 31). Na ressurreição e exaltação de Cristo, o Pai glorificá-Lo-ia, validando não só as Suas afirmações, mas também a concretização da redenção através da cruz (vs. 32).

Porém, existia certamente outra razão. Uma vez concretizada a Sua morte, teria de partir a fim de regressar para junto do Pai, mas os feitos da Sua morte e da mensagem do amor de Deus teriam agora de ser proclamados e manifestados pelos discípulos de Cristo. Através da purificação diária e da comunhão com Ele (João 13:1-17), bem como do Espírito da verdade, o Auxiliador que Ele enviaria para habitar neles (João 14:15-18), seriam capazes de manifestar ao mundo o Salvador victorioso.

Contudo, neste ponto da sua compreensão, não haviam simplesmente entendido tudo isto, nem eram ainda capazes de perceber (João 16:7,12). Quando o Espírito viesse, passaria não só a fazer sentido, como também revolucionaria as Suas vidas.

O Ensinamento Relativo à Sua Partida (vs. 33)

Jesus começou esta instrução dirigindo-se aos discípulos como “filhinhos”. O correspondente grego é teknion, forma diminutiva de teknon, “filhos”. Trata-se de um termo de amor, expressando a preocupação especial de Jesus pelos Seus. Neste Evangelho, só aqui é utilizado por Jesus. João usou-o sete vezes na sua primeira epístola (1 João 2:1, 12, 28; 3:7, 18; 4:4; 5:21), e Paulo utilizou-o uma vez (Gl. 4:19). Mas parece que Jesus o usou neste contexto a fim de transmitir uma verdade vital. Embora fosse deixá-los e eles não O pudessem seguir, a Sua partida não se devia a não querer saber deles. De facto, a Sua partida revelava-se fundamental face às necessidades deles (16:7).

O Ensinamento Relativo ao Novo Mandamento (vss. 34-35)

Como é óbvio, o mandamento para que as pessoas pertencentes ao povo de Deus se amassem umas às outras não era inédito. Enquanto manifestação do amor a Deus, amar os outros encontra-se no núcleo da Lei e exprime a última metade dos Dez Mandamentos. Assim, por que chama o Senhor a isto um novo mandamento?

“Novo” corresponde ao grego kainos (kainvo”), que, com frequência, denota aquilo que é qualitativamente novo, em comparação com o que existia até então; aquilo que é melhor entre o velho e o “jovem, recente”. Fala do que é novo no sentido de a estrear, fresco. Os líderes religiosos não haviam compreendido o centro da Lei, falhando na verdadeira orientação do povo no amor a Deus e ao próximo. Deste modo, embora amar os outros não fosse novo no sentido de “recente”, era novo no sentido em que ninguém manifestara completamente o amor de Deus como o Salvador fizera, de forma tão sacrificial era algo inédito.

Contrastando com o moralismo dos Fariseus religiosos, o Senhor Jesus conseguira cumprir a Lei e demonstrar o seu verdadeiro significado, quer em termos de devoção suprema a Deus, quer de amor ao próximo. O novo mandamento de amor mútuo baseia-se, portanto, no Seu exemplo, “como Eu vos tenho amado”. O mandamento é novo no sentido de ser um amor especial pelos outros crentes, baseado no exemplo sacrificial do amor de Cristo.

O objectivo é expressado na última parte do versículo 34, “assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. O amor mútuo traz conforto e auxílio à comunidade cristã; mas é também uma forma poderosa de manifestar Cristo a um mundo hostil, e evidencia a realidade dinâmica da Sua mensagem (vs. 35).

Não obstante, este discurso sobre a Sua traição (13:21-30) e depois sobre a Sua partida era tremendamente desencorajante para os Seus discípulos (13:31-33). Mais tarde neste contexto, seria dito a Pedro que negaria o Salvador (13:36-38). Assim, as suas esperanças e expectativas estavam a ser desmanteladas, pedaço a pedaço; tinham todas as razões para se encontrarem perturbados ou agitados nos seus corações.

Que se encontravam perturbados fica claro pelas palavras do Senhor em 14:1, “Não se perturbe o vosso coração”, e pela Sua promessa de paz em 14:27, “Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize!”. Associado à repetição da Sua exortação contra corações perturbados e temerosos, isto mostra que estavam perplexos.

Assim, João 14 é uma daquelas maravilhosas passagens da Palavra que são sublimes nas suas promessas e profundas na sua significância para a vida do corpo de Cristo ou para os Seus discípulos. Enquanto aqueles que representariam o Salvador num mundo hostil, precisariam das Suas garantias pessoais, encontradas neste capítulo.

Em vista dos corações perplexos dos discípulos, João 14:1 é central e o versículo-chave dos capítulos 13-14. Aponta-nos duas necessidades e dois problemas que todos os discípulos enfrentam na sua caminhada pelo mundo.

O primeiro problema é o dos corações atribulados, mas devemos ter em conta que um coração atribulado é realmente o resultado de um problema mais profundo, que será referido mais tarde.

A primeira necessidade é “Não se perturbe o vosso coração”. “Perturbe” corresponde ao grego tarassw. Significa literalmente “abanar, revolver, agitar (uma coisa, através da movimentação das suas partes para a frente e para trás) como água” (confira João 5:7). Metaforicamente, significa “causar comoção interior, remover a paz de espírito, perturbar a equanimidade de alguém”. Portanto, quer dizer “desinquietar, tornar inquieto; atingir o espírito de alguém com medo e temor; tornar ansioso ou transtornado”.

Para além disso, esta frase ocorre sob a forma de proibição, um mandamento negativo. Porém, não podemos permitir que uma tradução portuguesa como “Não se…” implique uma ideia meramente permissiva. É mais como “Não deixem que o vosso coração se perturbe” ou “Vós não deveis deixar que o vosso coração se perturbe”. O aspecto ou acção deste verbo no Presente Imperativo negativo ordena a cessação dos corações perturbados, bem como a manutenção deste acto como padrão de vida. Ao aplicar a verdade da Escritura, como aquela concedida nesta passagem, devemos consistentemente acalmar a agitação dos nossos corações. Os discípulos estavam angustiados e, aqui, o Senhor convocava-os a lidar com os seus medos.

O segundo problema e a raiz é o medo misturado com a descrença. O maior problema do homem é o seu medo, causado pela descrença em Deus. Esta é a raiz e coração de toda a iniquidade, e a iniquidade leva à perturbação do coração. Isaías escreveu: “Mas os ímpios são como um mar encapelado, que não pode acalmar-se, cujas ondas revolvem lodo e lama. ‘Não há paz para os ímpios’, diz o meu Deus” (Is. 57:20-21).

Assim, é aqui que encontramos a segunda necessidade, mas esta, se corrigida, torna-se também a solução. Do que o homem precisa é de uma relação com Deus através da crença ou fé n’Ele. Conforme o Senhor realça, crer em Deus é também acreditar n’Aquele que é “o caminho, a verdade e a vida”. Incerteza, ignorância ou falta de compreensão espiritual acerca de Deus e do Seu plano enfraquecem a nossa fé. Naturalmente, isto culmina em corações atribulados. Os discípulos tinham corações perturbados por causa da sua falta de compreensão da Palavra, no que diz respeito aos sofrimentos do Messias. Embora claramente ensinada no Antigo Testamento, não tinham ainda absorvido a premência da cruz. Acreditavam n’Ele como Messias, o Filho de Deus, mas tinham dificuldade em lidar com os Seus comentários repetidos sobre a Sua morte e ressurreição.

Como podemos obter compreensão? Colocando questões e recebendo respostas através de instrução. E é precisamente isso que começa a acontecer no versículo 2.

Nesta sequência de versículos, há um número de perguntas feitas pelos discípulos, por Pedro (13:36-37), Tomé (14:5), Filipe (14:8) e Judas [não o Iscariotes] (14:22). Para além disso, existe na realidade uma pergunta não colocada à qual o Senhor responde (14:12-14).

É útil reparar que estas questões retratam perplexidades do coração humano que atribulam os corações e perturbam a mente. Mas, de modo maravilhoso, todas estas questões encontram a sua resposta somente na pessoa e obra de Jesus Cristo e no Seu propósito para nós enquanto Seus discípulos.

Em resumo, reparemos na forma como estes versículos abordam as nossas necessidades mais íntimas e as questões filosóficas da vida. Porém, conforme o texto mostra, as respostas a estas perguntas encontram-se na morte, ressurreição, ascensão, sessão e regresso de Cristo.

Questões Cruciais Que Perturbam Os Corações
(13:36-14:31)

A Questão de Pedro, uma Questão de Destino (13:36-37)

Embora a pergunta de Pedro fosse dirigida à partida do Senhor, mencionada no versículo 33, diz realmente respeito à questão para onde vamos? Ele estava a perguntar ao Salvador “o que nos irá acontecer se nos deixares?”. Por outras palavras, é seguro o nosso futuro? Há aqui claramente um elemento de medo – então e o Céu, e como chegar lá? O Senhor responde a isto em 14:2-3, onde promete o Seu regresso pessoal para o corpo de Cristo, especificamente o arrebatamento da Igreja, como é alvo de desenvolvimento adicional nas epístolas de Paulo (1 Co. 15:51-54; 1 Ts. 4:13-18). A resposta de Cristo mostra-nos que o destino humano envolve tanto um lugar como uma pessoa. O lugar é a casa do Pai, um local que contribuirá para a felicidade, mas chegar lá advém de conhecer uma pessoa – o próprio Cristo.

A Questão de Tomé, uma Questão de Cepticismo (14:5)

Tomé mostra-nos a mesma incerteza acerca de para onde vamos, mas acrescenta especificamente a pergunta “como chegaremos lá?”. Ele queria saber quem lhes mostraria o caminho. Cristo dá a resposta nos versículos 6 e 7. Tomé, tal como os outros discípulos (excepto Judas Iscariotes), era crente e conhecia o Senhor nesse sentido, mas não O conhecia tão profunda e intimamente como precisava. Eles não haviam penetrado na vida de Cristo enquanto o Salvador sofredor, como fizera Maria, que se sentara aos Seus pés para ouvir a Sua palavra (Lucas 10:39), e que ungira também os Seus pés com bálsamo, em preparação para a Sua morte (João 12:3-7). Portanto, quando Cristo disse “Se me conhecêsseis, também certamente conheceríeis Meu Pai”, Ele não estava a sugerir que Tomé não fosse crente. Ele não estava a usar o verbo “conhecer” no sentido da fé em Cristo para a salvação, mas sim no sentido da intimidade e da percepção espiritual mais profunda de uma fé mais madura. Cristo não disse que conhecia ou que lhes ensinaria o caminho, mas que Ele mesmo era “o caminho, a verdade e a vida”. “As soluções para os problemas humanos nunca se encontram no cepticismo, mas sim na afirmação da fé”.1 E a única afirmação da fé que nos conduz à vida e a um destino eterno é a fé em Jesus Cristo.

A Questão de Filipe, uma Questão de Realismo (14:8-9)

Constatamos aqui a ânsia e necessidade do homem quanto a ter um relance de Deus e experienciar a Sua realidade. “Mostra-nos Deus e acreditaremos” é a questão lançada por Filipe. Era um materialista que desejava algo mais tangível do que distinções metafísicas ou abstracções teológicas. Ele queria ver alguma evidência concreta. Este desejo no homem explica porque somos tão propensos a diversas formas de idolatria e à busca de coisas que podemos ver, tocar e segurar. A resposta aparece nos versículos 9-11. Ver o Senhor Jesus era ver e experienciar o Pai, o Deus vivo, tal como a vida, palavras e obras de Jesus deixaram claro (João 1:14, 18).

A Questão Não Perguntada, uma Questão de Direcção (Propósito) (14:12-14)

Ao indicar as obras mais grandiosas que os Seus discípulos realizariam após a Sua partida, o Senhor dirigia-se indirectamente a outro assunto, embora não se tratasse verdadeiramente de uma pergunta colocada pelos discípulos, pois é um tema que diz respeito a uma ânsia básica do homem. É a questão da significância e do propósito. A menos que esta questão seja respondida e encontrada numa relação pessoal com Cristo, como alguém que permanece n’Ele (João 15), é um assunto que não só leva os homens a oscilar incessantemente de objectivo em objectivo, mas também os desvia do chamamento de Deus nas suas vidas. Tipicamente, contudo, esta pergunta permanece sem solução porque, à semelhança de um cão que persegue a própria cauda, os homens, ao serem iludidos pelo sistema mundial de Satanás, perseguem persistentemente as coisas erradas. De facto, o Rei Salomão mencionou este mesmo tema em Eclesiastes; independentemente dos seus feitos ou acumulação, quando o homem tenta viver a vida sem fé em Deus, nada experiencia a não ser futilidade.

Aqui, portanto, se encontra uma questão do coração que as pessoas podem nem saber que estão a perguntar. Como um submarino espiritual, é uma questão que circula silenciosa e profundamente sob a superfície das águas inconscientes do coração. Eis uma questão e uma ânsia que agitam e perturbam os corações dos homens – é a questão “qual é o meu propósito na vida? Por que estou aqui?”. Trata-se da busca da significância. Mas é também uma questão muito relacionada com a promessa do Senhor quanto a preparar um lugar e regressar para os Seus, uma vez que é nesse momento que certamente recompensará os Seus santos pelo uso fiel das suas vidas.

A grande questão, assim, é a questão do PROPÓSITO: Por que estou aqui, ou para que estamos aqui? Qual a razão para esta vida? Qual é o meu propósito aqui na terra? O que devo fazer com a minha vida?

Tal pergunta e a respectiva resposta, dadas sob a forma de promessa para a Igreja, encontram-se no coração desta passagem, apontando-nos um dos pontos-chave para um coração tranquilo. Aqui se encontra uma das principais causas de perplexidade, desunião e desassossego no homem; aqui está uma questão que, para serem eficazes, todos os discípulos precisam de resolver.

John White, autor cristão e psiquiatra, destacou a inexistência de um propósito adequado para a vida como um dos problemas espirituais responsáveis por causar doenças mentais graves.2

Stephen Eyre investigou os valores e motivações de estudantes universitários em câmpus do Sudeste dos Estados Unidos. Uma descoberta notável da sua pesquisa foi a existência de baixo sentido interno de dever ou causa entre os estudantes. As motivações primárias centravam-se no proveito pessoal e no desenvolvimento de competências relacionadas com o emprego. 3

Podem ser sublinhadas aqui várias coisas: (1) Estar sem Deus ou sem uma relação adequada com Ele cria um enorme vazio no coração do homem. Isto conduz a uma obsessão quase patológica com a escalada da escada do sucesso, conforme é definido pelo mundo (confira João 7:37-39; Ef. 4:17 ss). (2) E como é que o mundo define sucesso? Define-o em termos de prosperidade, prestígio, estatuto, poder, prazer e bens. Define-o em termos de números, nomes e narizes – e demasiados cristãos e igrejas procuram a sua significância da mesma forma. Tal apenas pode conduzir a corações perturbados, repletos de desunião, competição e ressentimento. (3) No topo desta escada chamada “sucesso”, é suposto haver um lugar chamado felicidade, pavimentado com ruas denominadas realização, paz e segurança. Seremos prudentes se lembrarmos o modo como Paulo nos adverte de que um dos sinais dos últimos tempos e respectiva apostasia seria a procura, por parte do mundo, de “paz e segurança” a todo o custo (1 Ts. 5:3).

No topo da escada do sucesso, poderá existir algum tipo de automóvel luxuoso, uma mansão numa colina com vista para o Pacífico ou para uma linda paisagem montanhosa, o nome de alguém escrito em luzes, ou grande reconhecimento em alguma área – mas será que a escalada vale a pena? O Senhor advertiu os Seus discípulos quanto a procurar ganhar o mundo, perdendo assim as suas almas – isto é, desperdiçar as suas vidas do ponto de vista e propósito de Deus. Como um pesadelo, a verdadeira felicidade e o significado da vida estarão sempre fora do alcance, a menos que sejam procuradas e encontradas nas respostas que o Salvador nos dá nesta passagem. A imagem que o mundo oferece de significado e felicidade numa vida boa, em paz e segurança, é uma miragem satânica.

Enquanto cristãos com o dever de ser e de formar discípulos, temos de compreender que a procura da chamada “vida boa” consome as pessoas num processo ruinoso e destrutivo. Não só não compensa, como também tem consequências definitivamente negativas.             

  • Conduz-nos, como um vórtice ou um buraco negro, até a uma busca que Salomão descreve em Eclesiastes como “correr atrás do vento”. Essencialmente, esta busca é um paradoxo.
  • Na procura egoísta da nossa própria felicidade, arruinamos as nossas vidas e as vidas das nossas famílias, não conseguindo experienciar o verdadeiro significado da vida – o propósito de Cristo.
  • Leva-nos a negligenciar a nossa saúde, companheiros, filhos e amigos.
  • Ficamos cegos e insensíveis às pessoas que precisam de ajuda à nossa volta e, acima de tudo, negligenciamos Deus descaradamente.
  • É uma busca que se torna egoísta e imoral porque se baseia em prioridades e valores errados – aqueles que se centram no “eu” em vez de nos outros.

Tendo isto em mente, debrucemo-nos sobre 14:12-18. Estes versículos constituem várias promessas, mas todas estão directamente relacionadas com uma promessa primária, que diz respeito ao princípio da orientação ou do propósito.

A Certeza das Promessas, “Em verdade, em verdade” (14:12)

“Em verdade” corresponde ao grego emhn (emhn). Significa “estar firme, seguro”. Não só aponta para a certeza de uma verdade específica, mas foi também usado pelo Senhor a fim de captar a atenção, pois o ensinamento que se seguiria não era de modo algum opcional, mas sim fundamental e indispensável à vida. No contexto desta passagem, o que temos diante de nós é tão essencial para que haja discípulos eficazes e corações tranquilos como o oxigénio o é para o ar que respiramos (compare o vs. 1 com o vs. 27).

O Consignatário (o “Quem”) da Promessa, “Aquele que crê em Mim” (14:12)

Repare, por favor, no seguinte: As promessas e mensagem desta passagem não se restringem a ministros, missionários ou pregadores. Dizem respeito a todos os crentes, a todos nós. O assunto em causa é a fé em Cristo. A fé no Salvador une a pessoa quer à Sua vida, quer ao Seu propósito. Leva tanto o poder de Deus como o Seu objectivo a ter efeito sobre a vida de todos os crentes, e inclui um convite ao ministério, enquanto parceiros do Salvador no Seu projecto na terra. Deus quer que todos os fiéis sejam discípulos.

Nestes versículos, a promessa do Senhor acerca de “obras maiores” diz respeito à totalidade do corpo de Cristo. Enfatiza a ordem bíblica que afirma que cada membro deve envolver-se no propósito de Deus para a sua vida.

O Conteúdo (o “Quê”) da Primeira Promessa (14:12)

A Continuação da Sua Obra – “fará também as obras que Eu faço”

Sublinhe a palavra “também”. Aqui, o Senhor resumiu o impulso principal do Seu ensinamento ao longo destes capítulos. Queria imprimir em nós o facto de que, face à Sua partida, não estava a abandonar os discípulos nem a pôr fim aos Seus objectivos.

De facto, a Sua partida seria a base para a continuação da Sua obra na terra.

Actos 1:1 é chamado de “prefácio de ressunção”. “Fazer” refere-se às obras de amor de Cristo, conforme Ele as transmitia a um mundo em sofrimento. “Ensinar” equivale às Suas palavras de amor, a mensagem evangélica, mas ambos os actos caminham juntos, falando da missão da Igreja e seus membros quanto a comunicar com o mundo enquanto parceiros do Senhor Jesus, com a Sua vida concretizada na nossa.

É a isto que John Stott chama “Cristandade encarnacional”. “Na Cristandade 'encarnacional', a Igreja é quer um povo convocado a partir do mundo para adorar a Deus, quer um povo mandado de volta para o mundo para dar testemunho d'Ele e O servir”.4 Mas o que se destaca é o facto de ser encarnacional no sentido em que o povo Deus concretiza a própria vida de Cristo através da forma como vive os seus valores, aspirações e preocupação por um mundo moribundo. Tal tornar-se-á evidente na resposta de Nosso Senhor a Judas (não o Iscariotes) nos versículos 23 ss.

A Amplificação da Sua Obra – “e fará ainda maiores do que estas”

Foram concedidos aos discípulos dons temporários de natureza miraculosa, como o dom de realizar milagres e de curar. Mas o que é mais importante aqui não são esses poderes miraculosos. Tal aplica-se a todos os crentes ou à Igreja de todos os tempos, até ao regresso de Cristo.

As obras maiores aqui referidas não são maiores em grau, mas sim no sentido de extensão e efeito.

  • Quanto à extensão, o ministério de Cristo ficou limitado à Palestina, a lugares como a Judeia, Perea, Decápole, Galileia e Samaria; porém, através da Igreja, a Sua obra espalhar-se-ia por todo o mundo.             
  • Quanto ao efeito, viriam de todo o mundo multidões para conhecer Cristo e ser colocadas no Seu corpo, a Igreja.

Por outras palavras, cada crente e cada igreja devem ser parte de um propósito e ministério de alcance mundial, movidos por Cristo vivo, através do Espírito Santo que Ele concedeu à Igreja após a sua glorificação, a Sua morte, ressurreição e ascensão.

A Causa (o “Porquê”) da Promessa (14:12c-14)

No texto, são dadas três razões. Primeiro, a Sua Ascensão e Sessão, segundo, a nossa Intercessão, e terceiro, a Processão do Espírito Santo.

(1) A Ascensão (a Sua partida) e a Sessão (a Sua chegada) – “porque vou para junto do Pai”

O que aqui se destaca é que o poder para tal ministério resultaria do poder, autoridade, ministério e dons do Senhor exaltado. Isto é explicado e desenvolvido nos versículos que se seguem, bem como ao longo do Novo Testamento. O poder para o ministério originar-se-ia no Senhor exaltado. O Senhor volta agora a nossa atenção para dois resultados adicionais deste facto – o privilégio da intercessão e da processão, o dom do Espírito Santo.

(2) A Intercessão da Igreja – “e tudo o que pedirdes ao Pai em Meu nome, vo-lo farei…”

Enquanto crentes em Cristo, temos acesso à presença real de Deus através do Senhor Jesus, que está lá para nós. Mas o que significa isto? O que deve o discípulo compreender aqui? Ele está lá para nós:

  • Permanentemente – tendo lidado com o nosso pecado de uma vez para sempre.
  • Exaltadamente – tendo-Lhe sido outorgados todo o poder e autoridade, graças à Sua conquista gloriosa sobre Satanás, o Pecado e a Morte.
  • Compreensivamente – tendo-Se tornado homem, É capaz de Se compadecer das nossas enfermidades e necessidades, sempre disponível para nós.
  • Compassivamente – sempre zelando por um mundo moribundo.

Com frequência, os nossos ministérios revelam-se impotentes ou porque não oramos, ou porque não conseguimos orar premeditadamente de acordo com os objectivos da Escritura. Podemos também reparar noutra coisa: a promessa “tudo o que pedirdes…” é feita em associação com o alcance das obras maiores de Cristo. Não se trata de um cheque em branco para desejos egoístas (Tg. 4:3). Mas o poder na oração e a eficácia no ministério dependeriam de algo mais. Não só precisaríamos de ter acesso, mas também requereríamos capacitação espiritual e orientação na nossa vida de oração e na nossa capacidade de comunicação com o mundo.

(3) A Processão (o envio do Espírito Santo do Pai através do Filho) – “e Eu rogarei ao Pai…” (João 14:16-17, 18 ss, 26)

“Exaltado pela direita de Deus, havendo recebido do Pai o Espírito Santo prometido, derramou-o como vós vedes e ouvis…” (Actos 2:33)

Por diversas ocasiões, o Senhor falou do Espírito Santo como o “Auxiliador” ou “Capacitador”. Ele É o dom de Deus para o corpo de Cristo, destinado a capacitar os crentes para a vivência de uma existência cristã e para cumprirem os propósitos individuais que Deus Lhes reserva. Uma passagem particularmente pertinente neste contexto é Zacarias 4:10. Deus entregou a Zacarias uma mensagem especial para Zorobabel, vital para o seu sucesso e conclusão da tarefa com que se deparava. Finalizar a tarefa com sucesso não dependia da força ou poder humanos, mas sim do próprio Espírito. São mencionados todos os tipos de poder ao alcance do homem: físico, mental, moral. Mesmo no seu melhor, são insuficientes para as tarefas em mãos ou para qualquer obra de Deus, pois é Ele que providencia o poder do Seu Espírito, suficiente para as nossas tarefas no mundo hostil em que vivemos.

Quão oportuna é, portanto, esta mensagem para o nosso dia, com os seus complexos e diversos comités, comissões, viagens, planos, organizações, concursos, orçamentos, patrocinadores, comícios, grupos, metodologias, técnicas e muito mais. “Estes últimos nunca servem em si mesmos para conduzir à concretização da tarefa que Deus nos confiou; desde que se trata, do princípio ao fim, de uma obra espiritual, tem de ser desempenhada pelo omnipotente, infalível e Espírito exacto de Deus. O braço de carne desilude; Ele não”. 5 Compare 2 Co. 2:16; 3:4-5.

Aplicação

A questão, portanto, é a seguinte: o que tem tudo isto a ver connosco, crentes em Cristo?

  1. Antes de mais, trata-se de uma convocação ao ministério, à projecção de um tipo de ministério para cada membro, à projecção de uma Igreja integralmente dedicada a continuar aquilo que Nosso Senhor começou.
  2. É um chamamento para se ser um povo repleto do Espírito, um povo controlado e conduzido pelo Espírito, tal como o próprio Senhor, cujas obras resultavam de permanecer no Pai.
  3. E é um chamamento à intercessão, a uma vida na qual a oração representa uma prioridade tal que se torna o alicerce do nosso ministério e alcance no mundo.

Voltamo-nos agora para uma última questão, a pergunta de Judas (não o Iscariotes), no versículo 22. Esta questão é importante para a nossa compreensão da passagem e respectiva mensagem.

A Questão de Judas (não o Iscariotes), acerca da Revelação (14:22)

A partir da pergunta de Judas, contemplamos uma última questão, uma perplexidade final. Por que não te revelas agora ao mundo? Porquê só a nós?

Atentemos na resposta do Senhor. O versículo 23 reponde à questão de Judas e, em seguida, o versículo 24 resume e conclui a Sua instrução em resposta a estas perguntas.

À primeira vista, a Sua resposta não parece responder realmente à totalidade da questão de Judas, especialmente no que diz respeito à revelação diante do mundo. Porém, sob um olhar mais atento à luz da restante Escritura, responde. O importante é o seguinte: ao amarem o Senhor, ao guardarem a Sua Palavra, os homens experienciarão níveis cada vez mais profundos de intimidade com Deus. No processo, tornarão concretos o amor, valores, propósitos e vontade de Deus, o que resultará numa ampla revelação a um mundo necessitado da pessoa de Cristo e do Pai, em termos de tudo o que Ele começou quer a fazer, quer a ensinar.

Conclusão

Devemos notar que, se 14:1 introduz o nosso tema, “não se perturbe o vosso coração”, 14:27 conclui-o e aponta-nos os resultados que experienciamos, mas apenas quando aceitamos as respostas do Senhor, reivindicamos as Suas promessas e permanecemos na Sua vida, conforme o capítulo seguinte (15) nos ensina tão dramaticamente, recorrendo à imagem da Videira e dos ramos.

Por todo o lado, as pessoas querem paz, não querem? Mas procuram-na nos lugares errados... O mundo não pode concedê-la. Apenas Jesus Cristo nos pode dar paz e corações sem perturbação; e só aqueles que, como discípulos empenhados, se rendem a Ele e à vida que nos deixou para viver – uma existência como Seus companheiros - podem conhecer a Sua paz e significado na vida.

Coloquemos a nós mesmos algumas questões importantes e escrutinadoras da alma, questões que também devemos colocar aos nossos discípulos:

(1) Corro naquela proverbial roda da fortuna ou em alguma outra roda em busca de satisfação, significância e segurança? Corro atrás do vento?

(2) Quais são as expectativas específicas que me levam a esforçar-me e a correr nesta roda de expectativas fúteis?

(3) O que é que permanecer nesta roda me está a custar em termos do meu tempo, da minha relação com Deus, família e amigos, em termos do ministério que Deus poderá ter para mim, e em termos da minha própria saúde mental ou física?

(4) O que me motiva a continuar a escalada?

Independentemente daquilo em que as pessoas dizem que acreditam, as suas acções e estilo de vida revelam que os seus derradeiros valores e confiança são económicos, não bíblicos, e isso é idolatria. Há quinze anos atrás, o valor dominante entre os caloiros universitários consistia em encontrar uma filosofia de vida adequada. Hoje, tal valor desceu para número oito da lista. Previsivelmente, estar confortável a nível financeiro ocupa agora o número um.6

A partir do momento em que o mundo é visto em larga escala como uma arena para actividades económicas e comerciais, os indivíduos tendem a ir buscar o seu sentido de identidade e de valor àquilo que produzem e consomem. Identificamo-nos a nós mesmos através do local onde trabalhamos, de onde vivemos e do que conduzimos – quanto mais temos, mais somos.7

(5) Há no meu coração uma ânsia de fazer parte de uma causa maior? Anseio por ver Deus utilizar a minha vida de uma forma que faça a diferença? Se assim for, preciso de procurar indentificar e descrever a minha percepção do que o propósito de Deus para a minha vida poderá ser.

Artigo original por J. Hampton Keathley III, Th.M.

Tradução de C. Oliveira

J. Hampton Keathley III, Th.M., licenciou-se em 1966 no Seminário Teológico de Dallas, trabalhando como pastor durante 28 anos. Em Agosto de 2001, foi-lhe diagnosticado cancro do pulmão e, no dia 29 de Agosto de 2002, partiu para casa, para junto do Senhor.

Hampton escreveu diversos artigos para a Fundação de Estudos Bíblicos (Biblical Studies Foundation), ensinando ocasionalmente Grego do Novo Testamento no Instituto Bíblico Moody, Extensão Noroeste para Estudos Externos, em Spokane, Washington.


1 Merrill C. Tenney, John: The Gospel of Belief, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, 1948, p. 214.

2 John White, Putting the Soul Back in Psychology, InterVarsity Press, Downers Grove, 1987, p. 36 ss.

3 Stephen Eyre, Defeating the Dragons of the World, InterVarsity Press, Downers Grove, 1987, pp.10, 12.

4 Bibliothecra Sacra, Julho-Set., 88, p. 245.

5 Charles Lee Feinberg, Zecha­riah: Israel’s Comfort and Glory, American Board of Missions to the Jews, New York, 1952, pp. 44-45.

6 Tom Sine, Why Settle For More and Miss the Best, Word Publishing, Dallas, 1987, p. 30.

7 Sine, p. 32.

Related Topics: Comfort, Suffering, Trials, Persecution

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