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16. Amigos do Peito ou Um Rastro de Lágrimas (2 Samuel 15:13 - 16:23)

Introdução

Quando eu era criança, meus pais compraram um antigo pesqueiro, cujas terras foram cedidas aos primeiros donos pelo governo, e ao qual meu pai deu o nome de “Parque Pioneiro”. Minha família fez muitos amigos ao longo dos anos, mas, depois que compramos esse lugar, o número de “amigos” parece ter aumentado. Normalmente, cobrávamos uma pequena taxa das famílias que vinham nadar, fazer piquenique, usar as instalações sanitárias (latrinas) e acender a fogueira com a lenha dos nossos fogões externos (usando a madeira que eu ajudava a cortar, transportar e empilhar). De vez em quando vinha um carro e, em vez de pagar os cinquenta centavos de entrada, os ocupantes diziam: “A gente só quer conhecer vocês um pouco melhor...” Só que as crianças já estavam com roupa de banho, o lanche do piquenique estava no carro e, às vezes, até o barco já tinha sido lançado no acesso gratuito do terreno ao lado (só para não terem de pagar a pequena quantia que cobrávamos).

Todos nós temos “amigos” e amigos de verdade. O que parece separar os primeiros dos últimos são as adversidades. Quando a coisa fica feia, os “amigos” se vão. Em nosso texto, vemos alguns “amigos” de Davi, alguns deles amigos de verdade. A adversidade que ele enfrenta deixa clara a distinção entre uns e outros.

Você deve se lembrar que o adultério de Davi com Bate-Seba, a esposa de Urias, levou ao assassinato deste. Após Deus preparar o coração de Davi para a repreensão (ver Salmo 32:3-4), Natã o procura com uma história de cortar o coração, a qual mexe com suas emoções e o leva a condenar o culpado. Natã, então, acusa Davi pelo pecado envolvendo Bate-Seba e Urias, garantindo-lhe que ele não morreria, pois o pecado fora removido, mas haveria dolorosas consequências em decorrência disso: 

“Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher. Assim diz o SENHOR: Eis que da tua própria casa suscitarei o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres à tua própria vista, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com elas, em plena luz deste sol. Porque tu o fizeste em oculto, mas eu farei isto perante todo o Israel e perante o sol. Então, disse Davi a Natã: Pequei contra o SENHOR. Disse Natã a Davi: Também o SENHOR te perdoou o teu pecado; não morrerás. Mas, posto que com isto deste motivo a que blasfemassem os inimigos do SENHOR, também o filho que te nasceu morrerá.” (2 Samuel 12:10-14)

O filho de Davi já morreu, sua filha Tamar foi violentada pelo irmão, Amnom, e Amnom foi assassinado por Absalão. Absalão fugiu e pediu asilo ao avô, rei de Gesur. Ele fica por lá cerca de dois anos, até Joabe, usando de artimanha, induzir Davi a trazê-lo de volta. Aparentemente Davi mantém o filho em prisão domiciliar, até Absalão não aguentar mais e, finalmente, receber permissão para andar livremente por Jerusalém. Durante esse período de relativa liberdade, Absalão volta o coração dos israelitas contra Davi, e a seu favor. Em seguida, Davi lhe dá autorização para ir a Hebrom, pretensamente para Absalão cumprir um voto, mas, na realidade para iniciar uma rebelião contra o rei, reivindicando o reino para si.

Em nosso texto, Davi recebe a notícia de que o povo declarou sua fidelidade a Absalão e uma rebelião maciça está prestes a acontecer. É neste ponto que Davi decide fugir de Jerusalém, junto com seus seguidores. Só quem estiver entre os seguidores que o acompanham (ou permanecem em Jerusalém) determinará se é ou não seu amigo de verdade.

Nossa Abordagem Nesta Lição

Acho que nosso autor mostra uma estrutura organizacional nesta porção das Escrituras tanto cronológica quanto geográfica. Quando Davi foge de Jerusalém, ele se dirige para o norte e oeste. Ele vai até o deserto, no lado ocidental do rio Jordão, onde fica aguardando notícias sobre os planos de Absalão. Ao saber que Absalão vai persegui-lo e atacá-lo, Davi cruza o Jordão, indo mais para o norte. A estrutura do texto é organizada de acordo com as paradas de Davi, desde sua saída de Jerusalém até o deserto. A primeira cena é em Jerusalém, onde ele recebe a notícia de Hebrom e decide fugir. A última também, quando Absalão chega e possui as dez concubinas deixadas para trás. A segunda cena é na “última casa”, quando Davi está deixando Jerusalém. A terceira é junto ao rio Cedrom, e a quarta, na subida do monte das Oliveiras. A quinta ocorre logo após o cume do monte, e a sexta, em Baurim. Em cada lugar, há o encontro com um “amigo” ou amigo de verdade.

Cena 1: No Palácio, em Jerusalém (15:13-16)

“Então, veio um mensageiro a Davi, dizendo: Todo o povo de Israel segue decididamente a Absalão. Disse, pois, Davi a todos os seus homens que estavam com ele em Jerusalém: Levantai-vos, e fujamos, porque não poderemos salvar-nos de Absalão. Dai-vos pressa a sair, para que não nos alcance de súbito, lance sobre nós algum mal e fira a cidade a fio de espada. Então, os homens do rei lhe disseram: Eis aqui os teus servos, para tudo quanto determinar o rei, nosso senhor. Saiu o rei, e todos os de sua casa o seguiram; deixou, porém, o rei dez concubinas, para cuidarem da casa.”

Um mensageiro chega com um comunicado que Davi não está muito a fim de ouvir: “Todo o povo de Israel segue decididamente a Absalão.” Acho que ele temia receber esse tipo de notícia mais cedo ou mais tarde. Não é possível que ele não tenha visto a maneira como Absalão estava sabotando seu reino e se colocando como seu sucessor. Davi não questiona, nem contesta a informação. Na verdade, ele até admite que, se não fugirem imediatamente, Absalão não só atacará Jerusalém, mas também o matará e a todos os seus seguidores.

Observe que o relato do mensageiro, da forma como é transmitido ao leitor, não mostra que Absalão já tenha “tocado a trombeta”, declarando-se rei de Israel (ver 15:10). Nem está escrito que ele está mesmo marchando contra a cidade. Mas é evidente que isso pode ser presumido. Se ainda não aconteceu, vai acontecer logo. É hora de agir.

Com relutância, Davi aceita a notícia e toma uma atitude. Seus servos se dispõem a fazer qualquer coisa ordenada por ele. Entendo que isso inclua defendê-lo, e a Jerusalém, do ataque de Absalão. No entanto, em vez de ordenar que se aprontem para a batalha, ele ordena que se aprontem para fugir. Eis aqui o homem que não hesitou em enfrentar Golias, quando ninguém mais o fez, incluindo o próprio Saul. Eis quem, quando insultado por Nabal (1 Samuel 15), ficou tão furioso que quis matá-lo, e a todos os homens da sua casa. Qual a razão, então, para Davi querer fugir em vez de lutar?

A primeira coisa que precisamos entender é que, ao fugir de Jerusalém, Davi não está indicando sua intenção de abdicar do trono. Por isso ele deixa dez concubinas para trás, para “cuidar da casa” (15:16). Ele está deixando a cidade, não o trono. Absalão pode se apossar dele, mas não devido à renúncia de Davi. As concubinas são um símbolo da continuidade do seu reinado sobre Israel.

Várias razões fazem Davi tomar a decisão fugir, mesmo sem abdicar do trono. Primeira, ele sabe que Deus suscitará tribulações ao seu reino, vindas da sua própria família. Se a rebelião de Absalão é parte da disciplina divina, ele não tem certeza se deve resistir a ela. Se isso vem de Deus, não estaria ele lutando contra Deus ao lutar contra a rebelião? Ele indica claramente sua intenção de esperar até ter estar certo do que fazer:

“Então, disse o rei a Zadoque: Torna a levar a arca de Deus à cidade. Se achar eu graça aos olhos do SENHOR, ele me fará voltar para lá e me deixará ver assim a arca como a sua habitação. Se ele, porém, disser: Não tenho prazer em ti, eis-me aqui; faça de mim como melhor lhe parecer. Disse mais o rei a Zadoque, o sacerdote: Ó vidente, tu e Abiatar, voltai em paz para a cidade, e convosco também vossos dois filhos, Aimaás, teu filho, e Jônatas, filho de Abiatar. Olhai que me demorarei nos vaus do deserto até que me venham informações vossas.” (2 Samuel 15:25-28)

Além disso, talvez ele esteja preocupado com o bem-estar dos moradores de Jerusalém. Estaria ele colocando-os em perigo, ao ficar e lutar para defender a cidade? De acordo com o Salmo 51:18, é possível pensar que, naquela época, os muros de Jerusalém ainda não estavam concluídos, tornando sua defesa mais difícil. Finalmente, sabemos que Davi ama Absalão. Ele não quer precipitar uma luta contra o filho, pois não deseja matá-lo (ver 2 Samuel 18). Por que começar uma luta quando não se quer vencer? Absalão está pronto e disposto a matar Davi, e outras pessoas, se for necessário; Davi, não. Por isso, ele decide fugir em vez de lutar.

Cena Dois: Na “Última Casa” (15:17-22)

“Tendo, pois, saído o rei com todo o povo após ele, pararam na última casa1. Todos os seus homens passaram ao pé dele; também toda a guarda real e todos os geteus, seiscentos homens que o seguiram de Gate, passaram adiante do rei. Disse, pois, o rei a Itai, o geteu: Por que irias também tu conosco? Volta e fica-te com quem vier a ser o rei, porque és estrangeiro e desterrado de tua pátria. Chegaste ontem, e já te levaria eu, hoje, conosco a vaguear, quando eu mesmo não sei para onde vou? Volta, pois, e faze voltar a teus irmãos contigo. E contigo sejam misericórdia e fidelidade. Respondeu, porém, Itai ao rei: Tão certo como vive o SENHOR, e como vive o rei, meu senhor, no lugar em que estiver o rei, meu senhor, seja para morte seja para vida, lá estará também o teu servo. Então, disse Davi a Itai: Vai e passa adiante. Assim, passou Itai, o geteu, e todos os seus homens, e todas as crianças que estavam com ele.”

Parece que Davi, e quem tem intenção de fugir com ele, formam uma procissão para fora da cidade. Na “última casa” ele para, deixando os outros passarem à sua frente. Talvez esta seja a última das casas de Jerusalém onde moram suas esposas e filhos, mas aparentemente fica na “periferia”, por assim dizer. Ele vai parando nos arredores da cidade, enquanto os outros passam por ele. Isso lhe dá oportunidade de permitir que alguns o acompanhem e outros retornem.

É aqui que aparecem alguns “antigos fiéis” de Davi. Dentre eles estão os quereteus, os peleteus e os geteus. Os quereteus e peleteus são mencionados antes (8:18, em português nas versões ARC e NTLH) e depois em 2 Samuel (23:22-23, idem). Eles são estrangeiros, não israelitas, liderados por Benaia. Talvez sejam uma espécie de guarda real de David, agentes do seu serviço secreto, cuja missão é defender o rei2. “Geteu” era alguém da cidade filisteia de Gate. O geteu mais famoso provavelmente foi Golias (ver 2 Samuel 21:19). E, assim, o primeiro e maior grupo de pessoas leais a Davi, que o acompanha em sua fuga de Jerusalém, é formado por estrangeiros — gentios. Eles não são seguidores recentes. Todos parecem ser homens cuja associação com Davi remonta à época em que ele se escondia de Saul, na terra dos filisteus. São os homens que “vieram com ele de Gate” (15:18).

Além desse grupo maior de fiéis gentios de longa data, há também um outro gentio, relativamente recém-chegado3. É Itai, o geteu. O autor chama a atenção para ele em diversos versículos (19-22). Esse homem deve ter sido muito leal e capaz, para Davi tê-lo feito comandante de uma parte de suas tropas no capítulo 184. Há diversas razões pelas quais Itai talvez não se sinta obrigado a seguir Davi. Ele é estrangeiro — a luta não é sua. Ele é recém-chegado. Ele está acompanhado de uma porção de “pequenos”, o quais certamente serão um fardo para ele, e estarão em perigo se Absalão perseguir Davi.

Davi o chama de lado e lhe pede que permaneça em Jerusalém ou volte para sua pátria. Essa luta não é dele. Ele realmente não precisa se arriscar, nem àqueles que estão com ele. Davi insiste para ele não o seguir, mas Itai não quer nem saber. Observe como sua resposta é parecida com a de Rute a Noemi:

“Disse, porém, Rute: Não me instes para que te deixe e me obrigue a não seguir-te; porque, aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu e aí serei sepultada; faça-me o SENHOR o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti.” (Rute 1:16-17)

“Respondeu, porém, Itai ao rei: Tão certo como vive o SENHOR, e como vive o rei, meu senhor, no lugar em que estiver o rei, meu senhor, seja para morte seja para vida, lá estará também o teu servo.” (2 Samuel 15:21)

O compromisso de Itai parece bem maior do que uma simples ligação pessoal com Davi; parece parte de sua fé. Itai começa sua declaração com estas palavras: “Tão certo como vive o SENHOR...” Creio que ele, como Rute, se tornou um verdadeiro crente no Deus de Israel, e não tem a menor intenção de voltar à sua própria terra e aos seus deuses.

Cena Três: Junto ao Rio Cedrom (15:23-29)

“Toda a terra chorava em alta voz; e todo o povo e também o rei passaram o ribeiro de Cedrom, seguindo o caminho do deserto. Eis que Abiatar subiu, e também Zadoque, e com este todos os levitas que levavam a arca da Aliança de Deus; puseram ali a arca de Deus, até que todo o povo acabou de sair da cidade. Então, disse o rei a Zadoque: Torna a levar a arca de Deus à cidade. Se achar eu graça aos olhos do SENHOR, ele me fará voltar para lá e me deixará ver assim a arca como a sua habitação. Se ele, porém, disser: Não tenho prazer em ti, eis-me aqui; faça de mim como melhor lhe parecer. Disse mais o rei a Zadoque, o sacerdote: Ó vidente, tu e Abiatar, voltai em paz para a cidade, e convosco também vossos dois filhos, Aimaás, teu filho, e Jônatas, filho de Abiatar. Olhai que me demorarei nos vaus do deserto até que me venham informações vossas. Zadoque, pois, e Abiatar levaram a arca de Deus para Jerusalém e lá ficaram.”

Saindo de Jerusalém, Davi e todos os que o acompanham têm de descer ao vale do Cedrom e depois subir o monte das Oliveiras, do outro lado. A terceira cena tem lugar no vale, logo após a travessia do ribeiro. O sacerdote Zadoque chega, junto com todos os levitas, os quais carregam a arca da Aliança. Eles abaixam a arca e esperam todos passarem o ribeiro. Davi, então, conversa com Zadoque, dizendo-lhe para levar a arca de volta a Jerusalém. Se Deus realmente está com Davi, Ele não o fará retornar a Jerusalém, ao lugar onde escolheu habitar? Se não está, Davi sabe que a arca não fará nenhuma diferença.

Isso é totalmente diferente do que vimos em 1 Samuel 4. Ali, quando os israelitas foram derrotados pelos filisteus, o povo foi buscar a arca, presumindo que ela pudesse lhes dar a vitória como num passe de mágica. Ao invés disso, eles foram novamente derrotados, os dois filhos de Eli foram mortos e a arca foi levada pelos filisteus. Além de tudo, Eli caiu morto ao saber da morte dos filhos e da arca nas mãos do inimigo. Davi não vê a arca como uma espécie de amuleto que garante a presença de Deus ou o livramento divino. Jerusalém é onde ela deve ficar, e ele não vai tentar levá-la com ele.

Além disso, ele sabe que Zadoque não é só sacerdote, ele é também profeta (naquela época os profetas eram conhecidos como videntes — ver 1 Samuel 9:6-9). Isso significa que Zadoque pode dar a ele notícias confiáveis. Afinal, quem não gostaria de ter um relatório sobre a situação dado por um profeta ao invés de alguma fonte menos confiável? Zadoque precisa ficar em Jerusalém para estar junto da arca, e também para manter Davi informado, de lá de dentro. Ele pode usar seu filho Aimaás, e Jônatas, filho de Abiatar, para mandar notícias sobre os planos de Absalão, enquanto Davi espera nos vaus do deserto. Dessa forma, Davi pode decidir se deve recuar mais para o deserto, ficar onde está, ou mesmo se deve voltar a Jerusalém.

Cena Quatro: Subindo o Monte das Oliveiras (15:30-37)

“Seguiu Davi pela encosta das Oliveiras, subindo e chorando; tinha a cabeça coberta e caminhava descalço; todo o povo que ia com ele, de cabeça coberta, subiu chorando. Então, fizeram saber a Davi, dizendo: Aitofel está entre os que conspiram com Absalão. Pelo que disse Davi: Ó SENHOR, peço-te que transtornes em loucura o conselho de Aitofel. Ao chegar Davi ao cimo, onde se costuma adorar a Deus, eis que Husai, o arquita, veio encontrar-se com ele, de manto rasgado e terra sobre a cabeça. Disse-lhe Davi: Se fores comigo, ser-me-ás pesado. Porém, se voltares para a cidade e disseres a Absalão: Eu serei, ó rei, teu servo, como fui, dantes, servo de teu pai, assim, agora, serei teu servo, dissipar-me-ás, então, o conselho de Aitofel. Tens lá contigo Zadoque e Abiatar, sacerdotes. Todas as coisas, pois, que ouvires da casa do rei farás saber a esses sacerdotes. Lá estão com eles seus dois filhos, Aimaás, filho de Zadoque, e Jônatas, filho de Abiatar; por meio deles, me mandareis notícias de todas as coisas que ouvirdes. Husai, pois, amigo de Davi, veio para a cidade, e Absalão entrou em Jerusalém.”

A cena é realmente muito triste. Davi sobe o monte das Oliveiras, chorando enquanto se dirige para o topo. Ele tem a cabeça coberta e os pés descalços, assim como todos que o acompanham. Ele recebe a notícia de que Aitofel se uniu a Absalão em sua revolta. O golpe é devastador, pois o conselho de Aitofel é extremamente confiável:

“O conselho que Aitofel dava, naqueles dias, era como resposta de Deus a uma consulta; tal era o conselho de Aitofel, tanto para Davi como para Absalão.” (2 Samuel 16:23)

Embora a perda de Aitofel seja terrível para a administração de Davi, isso não deve ser muito surpreendente, tendo em vista a relação entre os textos abaixo:

“Davi mandou perguntar quem era. Disseram-lhe: É Bate-Seba, filha de Eliã e mulher de Urias, o heteu.” (2 Samuel 11:3)

“Elifelete, filho de Aasbai, filho de um maacatita; Eliã, filho de Aitofel, gilonita;” (2 Samuel 23:34)

Por estes versículos ficamos sabendo que Eliã é filho de Aitofel, o gilonita, e Bate-Seba é filha de Eliã. Em suma, Bate-Seba é neta de Aitofel. Seria preciso pensar muito para se entender o motivo de Aitofel abandonar Davi e se aliar a Absalão, o qual pretende tomar o trono e, se for preciso, tirar a vida do próprio pai? Talvez Aitofel sinta por Davi o mesmo que Absalão sentiu por Amnom5.

A reação de Davi é orar pedindo a Deus que, de alguma forma, reverta o conselho de Aitofel. A resposta não demora muito, pois mal ele termina de orar, chega seu amigo leal, Husai, o arquita. Husai tem o manto rasgado e terra na cabeça, em sinal de tristeza. O que aconteceu foi realmente terrível. Ele está pronto a acompanhar Davi aonde quer que ele vá. Mas Davi muda os planos de Husai. O rei diz a ele que, se ele o acompanhar em sua fuga, será somente um fardo a mais. Husai pode prestar um serviço muito mais valioso voltando para Jerusalém e fingindo ser um dos fiéis colaboradores de Absalão. Desse jeito, ele estará em posição de se opor ao conselho de Aitofel. Davi lhe diz que os sacerdotes Zadoque e Abiatar também estão do seu lado. Quando Zadoque ou Abiatar souberem de alguma coisa do palácio, podem mandar um recado para Davi por um de seus filhos: Aimaás, filho de Zadoque, ou Jônatas, filho de Abiatar. E assim, Husai vai para Jerusalém, e está lá na chegada de Absalão.

Cena Cinco: Logo Após o Cume do Monte das Oliveiras (16:1-4)

Ziba, Mefibosete e Davi

“Tendo Davi passado um pouco além, dobrando o cimo, eis que lhe saiu ao encontro Ziba, servo de Mefibosete, com dois jumentos albardados e sobre eles duzentos pães, cem cachos de passas, cem frutas de verão e um odre de vinho. Perguntou o rei a Ziba: Que pretendes com isto? Respondeu Ziba: Os jumentos são para a casa do rei, para serem montados; o pão e as frutas de verão, para os moços comerem; o vinho, para beberem os cansados no deserto. Então, disse o rei: Onde está, pois, o filho de teu senhor? Respondeu Ziba ao rei: Eis que ficou em Jerusalém, pois disse: Hoje, a casa de Israel me restituirá o reino de meu pai. Então, disse o rei a Ziba: Teu é tudo que pertence a Mefibosete. Disse Ziba: Eu me inclino e ache eu mercê diante de ti, ó rei, meu senhor.”

Davi e seus seguidores acabam de passar pelo cume do monte das Oliveiras. Ali, Ziba, servo de Mefibosete, vai ao seu encontro. Vimos Ziba pela primeira vez em 2 Samuel 9. Ele era servo de Saul. Para cumprir a aliança feita com Jônatas, Davi precisava encontrar um herdeiro de Saul a quem pudesse favorecer, por amor a Jônatas. Ele ouve falar de Ziba, antigo servo de Saul. Ziba é convocado ao palácio e lhe fala sobre Mefibosete. Quando Davi leva Mefibosete para casa, para comer à sua mesa, ele também restaura todos os bens que eram dele como herdeiro de Saul e Jônatas. Davi também designa Ziba e sua família para servi-lo, como haviam feito antes da morte de Saul.

Agora encontramos Ziba novamente. Desta vez, ele vai ao encontro de Davi com provisões para a jornada. Davi lhe pergunta por que ele traz suprimentos e Ziba lhe responde que é tudo para o rei e seus acompanhantes, pois a jornada não será fácil6. Davi, então, lhe pergunta onde está seu senhor, Mefibosete. Ziba diz que Mefibosete foi a Jerusalém, na esperança de ver o reino de Saul, seu pai, restaurado. Com base na narrativa de Ziba, Davi dá a ele, e a seus filhos, tudo o que antes fora dado a Mefibosete.

Cena Seis: Em Baurim — Apedrejado por Simei (16:5-14)

“Tendo chegado o rei Davi a Baurim, eis que dali saiu um homem da família da casa de Saul, cujo nome era Simei, filho de Gera; saiu e ia amaldiçoando. Atirava pedras contra Davi e contra todos os seus servos, ainda que todo o povo e todos os valentes estavam à direita e à esquerda do rei. Amaldiçoando-o, dizia Simei: Fora daqui, fora, homem de sangue, homem de Belial; o SENHOR te deu, agora, a paga de todo o sangue da casa de Saul, cujo reino usurpaste; o SENHOR já o entregou nas mãos de teu filho Absalão; eis-te, agora, na tua desgraça, porque és homem de sangue. Então, Abisai, filho de Zeruia, disse ao rei: Por que amaldiçoaria este cão morto ao rei, meu senhor? Deixa-me passar e lhe tirarei a cabeça. Respondeu o rei: Que tenho eu convosco, filhos de Zeruia? Ora, deixai-o amaldiçoar; pois, se o SENHOR lhe disse: Amaldiçoa a Davi, quem diria: Por que assim fizeste? Disse mais Davi a Abisai e a todos os seus servos: Eis que meu próprio filho procura tirar-me a vida, quanto mais ainda este benjamita? Deixai-o; que amaldiçoe, pois o SENHOR lhe ordenou. Talvez o SENHOR olhará para a minha aflição e o SENHOR me pagará com bem a sua maldição deste dia. Prosseguiam, pois, o seu caminho, Davi e os seus homens; também Simei ia ao longo do monte, ao lado dele, caminhando e amaldiçoando, e atirava pedras e terra contra ele. O rei e todo o povo que ia com ele chegaram exaustos ao Jordão e ali descansaram.”

Baurim é uma cidadezinha, abaixo, não muito longe de Jerusalém. Paltiel, o (segundo) marido de Mical, pôde segui-la até lá e então teve de voltar (2 Samuel 3:14-16). É lá também que os dois espiões, Aimaás e Jônatas, ficam escondidos num poço até os homens de Absalão desistirem de procurá-los (2 Samuel 17:17-20). Ali aparece um homem chamado Simei, não para lamentar com Davi, nem para fornecer suprimentos para sua jornada, mas para zombar dele e amaldiçoá-lo, atirando pedras e sujeira nele e em seus acompanhantes.

Quando leio esta história, fico surpreso com o quanto esse homem parece estúpido. Eis aqui um único homem, sem mais nem menos, xingando e ofendendo Davi (embora eu suspeite que os guarda-costas não o deixem se aproximar o suficiente para causar qualquer dano físico a Davi). Porventura ele não sabe que um dos guarda-costas pode decepar sua cabeça de um só golpe, se Davi permitir? Acho que já vi esse tipo de comportamento nos noticiários, quando manifestantes, armados só com paus e pedras, desafiam tropas de choque equipadas com tanques e armas automáticas, como se fossem seus inimigos. Apesar do poderio do adversário, eles não podem ser detidos ou silenciados, senão pela morte.

As acusações de Simei são interessantes. Vamos examinar suas palavras com cuidado. Ele acusa Davi de ser um “homem de sangue”. Logo pensamos na morte de Urias, ordenada pelo próprio Davi. Mas não é isso especificamente o que Simei diz. Ele fala de derramamento de sangue em relação a Saul e sua casa (versículo 8). Acho que ele está totalmente fora de sintonia ao chamar Davi (o rei ungido de Deus) de “homem de Belial”, e acusá-lo de derramar o sangue de Saul e sua família, pelo que Davi não foi responsável. Abisai quer calar a boca do homem de uma vez por todas, decepando sua cabeça. Davi não permite, convencido da soberania de Deus em todas as coisas. Ele sabe que Simei está errado e suas acusações são infundadas. Mesmo assim ele acredita que Deus talvez esteja lhe falando por intermédio desse homem e, por isso, não tentará silenciar quem pode estar sendo usado por Deus. Em vez disso, ele continua seu caminho, esperando em Deus pela sua vindicação. Cansados, sem dúvida, dos aspectos físicos da jornada, bem como do desgaste emocional, David e seus seguidores chegam ao seu destino, onde aguardarão notícias de Jerusalém.

Cena Sete: De Volta a Jerusalém (Enquanto isso, na cidade...) (16:15-23)

“Absalão, pois, e todo o povo, homens de Israel, vieram a Jerusalém; e, com ele, Aitofel. Tendo-se apresentado Husai, o arquita, amigo de Davi, a Absalão, disse-lhe: Viva o rei, viva o rei! Porém Absalão disse a Husai: É assim a tua fidelidade para com o teu amigo Davi? Por que não foste com o teu amigo? Respondeu Husai a Absalão: Não, mas àquele a quem o SENHOR elegeu, e todo este povo, e todos os homens de Israel, a ele pertencerei e com ele ficarei. Ainda mais, a quem serviria eu? Porventura, não seria diante de seu filho? Como servi diante de teu pai, assim serei diante de ti. Então, disse Absalão a Aitofel: Dai o vosso conselho sobre o que devemos fazer. Disse Aitofel a Absalão: Coabita com as concubinas de teu pai, que deixou para cuidar da casa; e, em ouvindo todo o Israel que te fizeste odioso para com teu pai, animar-se-ão todos os que estão contigo. Armaram, pois, para Absalão uma tenda no eirado, e ali, à vista de todo o Israel, ele coabitou com as concubinas de seu pai. O conselho que Aitofel dava, naqueles dias, era como resposta de Deus a uma consulta; tal era o conselho de Aitofel, tanto para Davi como para Absalão.”

Vou analisar rapidamente este último parágrafo, pois ele é a chave para a transição para o capítulo 17. As versões bíblicas geralmente começam o versículo 1 do capítulo 17 com “Disse mais” ou “Disse ainda”. Na verdade, a conjunção hebraica utilizada é mais simples (a vav), podendo ser traduzida, na maioria das vezes, por “e”. O que quero ressaltar é que a quebra do capítulo neste ponto é estranha e acaba separando o que deveria ser considerado junto. Os versículos 25 a 33 do capítulo 16 e os versículos 1 a 4 do capítulo 17 constituem o conselho de Aitofel a Absalão, o qual tem duas partes: 1) Coabita com as concubinas de teu pai e, com isso, proclama-te “rei”; 2) “Deixa-me escolher doze mil homens, e me disporei, e perseguirei Davi esta noite.”

Para esta lição, vou me concentrar apenas nos versículos do capítulo 16, abordando um dos aspectos do conselho de Aitofel e a atitude de Absalão. Na próxima lição, voltaremos a estes versículos, analisando-os em relação aos demais.

Nosso autor não diz realmente que Absalão “tocou a trombeta”, o que serviria de sinal para Israel declarar sua lealdade a ele como o novo rei (15:10). A fuga de Davi de Jerusalém certamente propicia o ousado avanço de Absalão contra a cidade e sua tomada. Uma vez em Jerusalém, Absalão procura Aitofel para saber o que deve fazer a seguir. Aitofel o aconselha a simbolicamente se declarar rei, de forma que Davi e todo Israel fiquem sabendo. Ele diz ainda para Absalão tomar as dez esposas de Davi (ou concubinas — os termos parecem ser usados quase sem distinção neste ponto) e publicamente dormir com elas, como símbolo de sua posse do trono (junto com o harém). Tomar o harém, com certeza, simboliza tomar o lugar do homem da casa, substituindo-o. Rubem fez a mesma coisa ao tomar uma das concubinas de Jacó (Gênesis 35:22, cf. 49:4). Adonias vai tentar fazer o mesmo com Abisague, uma das concubinas de Davi (1 Reis 2:13-25).

O que desejo ressaltar é que o comportamento de Absalão em relação às esposas de Davi não é só um gesto para proclamar simbolicamente sua posse do trono; é também o cumprimento das palavras proféticas de Natã no capítulo 12:

“Por que, pois, desprezaste a palavra do SENHOR, fazendo o que era mau perante ele? A Urias, o heteu, feriste à espada; e a sua mulher tomaste por mulher, depois de o matar com a espada dos filhos de Amnom. Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher. Assim diz o SENHOR: Eis que da tua própria casa suscitarei o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres à tua própria vista, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com elas, em plena luz deste sol. Porque tu o fizeste em oculto, mas eu farei isto perante todo o Israel e perante o sol.” (2 Samuel 12:9-12, ênfase do autor)

Nunca houve qualquer dúvida de que Deus cumpriria a promessa feita por intermédio de Natã. O que o autor do texto deseja é que não percamos de vista o fato desse acontecimento ser, em parte, cumprimento das palavras do profeta. Davi pecou com uma mulher, tomando-a como esposa quando ela ainda era esposa de outro homem. Agora, Absalão toma dez esposas de Davi e as torna suas esposas ao dormir com elas. Davi pecou em oculto; Absalão propositadamente faz do seu pecado um espetáculo, para todo Israel saber o que ele fez. Com isso, a humilhação de Davi é enorme. Nunca nos enganemos pensando que o pecado vale a pena. Se Davi pudesse ter visto onde ele o estava levando, jamais teria escolhido esse caminho. Vamos aprender com seu erro (pecado), em vez de aprender como ele aprendeu, da forma mais difícil, que o pecado nunca vale a pena.

Conclusão

Ao concluir esta lição, vamos fazer uma pausa para considerar algumas implicações e aplicações de nosso texto.

O texto tem muito a nos ensinar sobre a verdadeira amizade. O livro de Provérbios tem muito a dizer sobre os verdadeiros amigos e sobre os outros “amigos”:

“Ao generoso, muitos o adulam, e todos são amigos do que dá presentes.” (Provérbios 19:6)

“Se os irmãos do pobre o aborrecem, quanto mais se afastarão dele os seus amigos! Corre após eles com súplicas, mas não os alcança.” (Provérbios 19:7)

“Não abandones o teu amigo, nem o amigo de teu pai, nem entres na casa de teu irmão no dia da tua adversidade. Mais vale o vizinho perto do que o irmão longe.” (Provérbios 27:10)

Em nosso texto, descobrimos quem são os verdadeiros amigos de Davi. O incrível é que muitos deles nem mesmo são judeus, mas gentios. Muitos se tornaram seus amigos quando ele enfrentava adversidades, fugindo para salvar sua vida.

Espero que em nossa igreja, e em muitas outras, os verdadeiros amigos estejam entre os irmãos e irmãs com quem adoramos e servimos a Deus. Mas nem sempre é assim. Até mesmo o apóstolo Paulo foi abandonado por seus amigos (ver 2 Timóteo 4:9-11, 16). Não havia muitas igrejas como a de Filipos, na Macedônia, que sempre o apoiava (Filipenses 4:10-16). Não havia muitos homens como Timóteo e Epafrodito, com quem Paulo podia contar quando as coisas ficavam difíceis (Filipenses 2:19-30). A única certeza de Paulo era que havia um “Amigo” que jamais o abandonaria:

“O homem que tem muitos amigos sai perdendo; mas há amigo mais chegado do que um irmão.” (Provérbios 18:24)

“Na minha primeira defesa, ninguém foi a meu favor; antes, todos me abandonaram. Que isto não lhes seja posto em conta! Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de forças, para que, por meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios a ouvissem; e fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para o seu reino celestial. A ele, glória pelos séculos dos séculos. Amém!” (2 Timóteo 4:16-18)

Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: DE MANEIRA ALGUMA TE DEIXAREI, NUNCA JAMAIS TE ABANDONAREI.” (Hebreus 13:5)7

O único “Amigo” que nunca abandonaria Moisés, Josué, Paulo ou Davi é o nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não se deixa intimidar por ninguém, nem é dissuadido pelo sofrimento e pela tristeza. Ele é o único que suportou a rejeição e o sofrimento para que pudéssemos ser salvos. Ele é o modelo, a referência de um verdadeiro amigo.

Nosso texto nos lembra que Deus sempre mantém Sua Palavra, e que o pecado não compensa. Por intermédio de Natã, Deus disse a Davi que o pecado cometido com Bate-Seba teria consequências dolorosas, semelhantes a ele, mas em escala muito maior. Davi pecou ao tomar a mulher de outro homem, em particular; e sofreu quando um homem tomou suas dez esposas, em público. O pecado não compensa. Nunca vale o preço. Esta mensagem retrata a jornada Davi e seus acompanhantes como um “rastro de lágrimas”. No texto há muito tristeza, muito pranto, tudo consequência do pecado, do pecado de Davi.

Nosso texto chama atenção para a verdade reconfortante da soberania de Deus. Ser soberano é ter autoridade e controle absoluto sobre tudo. Deus é soberano sobre toda criação. Ele é soberano sobre os homens. Nada pode frustrar Seus planos, Seus propósitos e Suas promessas. Deus disse a Davi o que aconteceria em consequência do seu pecado e, em nosso texto, vemos isso acontecendo. Não deveria ser surpresa. Deus também prometeu que Davi não morreria, e seu reino seria eterno. Por isso, vemos Deus protegendo sua vida, mesmo em meio ao sofrimento. Deus supre as necessidades de Davi de forma totalmente inesperada, mas em especial por meio de seus amigos, muitos dos quais nem mesmo são israelitas.

Em Sua soberania, Deus emprega os inimigos de Davi, e até mesmo os ímpios, para cumprir Seus propósitos e Suas promessas. Deus levanta Husai para frustrar o conselho de Aitofel. Ele usa mercenários gentios para lutar com e por Davi. Ele usa até mesmo um inimigo linguarudo — Simei — para humilhar Davi, embora os motivos de Simei e sua mensagem estejam errados. Deus usa tudo isso para corrigir Davi e propiciar sua restauração.

Em Sua soberania, Deus usa essa época difícil para fazer Davi amadurecer na e na prática. Deus usa o “mal” para fazer o “bem” para Davi. Com certeza, Romanos 8:28 está sendo representado em sua vida, especialmente em nosso texto. Incluídas em “todas as coisas” empregadas por Deus para nos fazer o “bem”, e para a Sua glória, estão as provações e tribulações desta vida. Deus não permitiu que todas essas coisas dolorosas acontecessem com a finalidade de destruir Davi, mas para aproximá-lo dEle, para torná-lo mais humilde e dependente.

É fácil ser envolvido pela tristeza dessa fuga de Jerusalém e se emocionar com as lágrimas derramadas. Mas toda tristeza também tem seu lado bom. Quando vemos a reação de Davi aos acontecimentos das horas mais negras da sua vida, percebemos algumas qualidades que lhe faltaram em outras épocas. Aqui, vemos em Davi um quebrantamento e uma humildade que nem sempre foram evidentes quando ele foi bem sucedido. O “Davi” que estava louco para dar cabo de Nabal, e de todos os homens da sua casa, pela rudeza com que fora tratado, agora suporta os insultos de Simei, pois sabe que há uma certa verdade naquilo que o inimigo está dizendo. Davi está disposto a aprender com seus inimigos e a enfrentar pacientemente as perseguições e aflições.

O sofrimento de Davi, de diversas maneiras, nos mostra o tipo de sofrimento de nosso Senhor Jesus Cristo. É difícil ler estes versos sem pensar na rejeição do Senhor por Seu próprio povo, os judeus, e de Sua aceitação por tantos gentios. Não é difícil perceber que a traição de Absalão ao seu próprio pai e rei é uma figura da traição de Jesus Cristo por Judas. Assim como Davi e uma procissão saíram de Jerusalém e subiram o monte das Oliveiras, é fácil recordar da procissão que deixou Jerusalém, a caminho da cruz do Calvário. No meio de toda tristeza e sofrimento do nosso texto, há um prenúncio da esperança que vem da obra de nosso Senhor na cruz do Calvário. Assim como Davi foi rejeitado como rei de Israel, só para derrotar seus inimigos e retornar como rei, nosso Senhor também voltará para subjugar Seus inimigos e estabelecer Seu trono eterno sobre a terra. Que a nossa esperança e a nossa confiança estejam depositadas no Filho de Davi, que veio para salvar pecadores e estabelecer Seu reino de justiça sobre a terra.

Tradução: Mariza Regina de Souza


1 A New International Version (NVI) diz: “um lugar a certa distância”. A Nova Versão Internacional, no entanto, interpreta: “na última casa da cidade” (NT).

2 Um amigo me chamou a atenção para o fato de Aquis, o rei de Gate, ter designado Davi como seu guarda-costas vitalício (1 Samuel 28:1-2). Seria possível haver o sentimento de que um fiel guarda-costas estrangeiro não se envolveria com tanta facilidade no tipo de intriga que derrubava um rei? De qualquer forma, não deve ter sido tão incomum Davi usar quereteus e peleteus para esses fins.

3 No texto Davi diz que Itai “chegou ontem” (15:20). É óbvio que Itai estava com Davi há mais tempo que isso, pois ele se tornará comandante de um terço das forças empregadas contra Absalão no capítulo 18, versículo 2. “Chegou ontem” deve ser apenas uma figura de linguagem, significando “relativamente recém-chegado”.

4 Seria de estranhar se Itai não fosse o comandante dos geteus que acompanharam Davi quando ele fugiu de Jerusalém.

5 “Não é nada impossível que, desde a violenta morte de Urias, Aitofel esteja procurando uma oportunidade para se vingar. Com a rebelião do filho de Davi, Absalão, ele tem sua chance.” John J. Davis e John C. Whitcomb, Israel: Da Conquista ao Exílio (Winona Lake, Indiana, BMH Books, 1969, 1970, 1971), p. 313.

6 Fico um tanto perplexo com aqueles que parecem ansiosos para acusar Ziba de segundas intenções. Isso se baseia, em parte, no aparecimento de Mefibosete no capítulo 19, onde ele encontra Davi voltando para Jerusalém e para o trono. Ele joga a culpa pela sua ausência em Ziba. O resultado é que, embora Davi tenha dado a Ziba tudo o que pertencia a Mefibosete, no capítulo 19 ele dividirá a herança. Parece impossível destrinchar totalmente essa história. Davi parece ter pensado a mesma coisa, por isso, dividiu os bens de Saul, dando metade a Ziba. Acho meio difícil culpar somente Ziba e acreditar piamente na história de Mefibosete, quando nem Davi faz isso.

7 Se foi Paulo ou não quem escreveu a carta aos Hebreus, o apóstolo conhecia a verdade, que vem do Antigo Testamento (Deuteronômio 31:6; Josué 1:5).

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