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14. Tragédia na Família Real (II Samuel 13:1-36)

Introdução

Há alguns anos, eu, Jeanette, minha esposa, e algumas de nossas filhas, voltávamos para casa depois de uma festa escolar. Paramos numa mercearia para comprar sorvete para a sobremesa. Ao retornar à estrada em direção de casa, repentinamente apareceu atrás de nós um carro em alta velocidade. Quando notei sua aproximação, pensei que fosse bater na nossa traseira, por isso, rapidamente mudei de faixa. Não devia ter mudado. Ou o motorista não estava prestando atenção (ou não estava sóbrio) ou pretendia mudar de pista no último instante. Não tenho certeza. Assim que mudei da direita para a faixa do meio, ele fez o mesmo. Como eu dirigia um carro a diesel, não tive tempo de acelerar com rapidez. O motorista percebeu e conseguiu desviar para a esquerda em cima da hora — rápido demais — e veloz demais.

Vimos quando o homem passou disparado por nós, perdeu o controle da direção e deslizou sobre o canteiro central. Ao passar pela mureta de concreto, o tanque de combustível se rasgou e a gasolina espalhou-se, deixando um rastro atrás do carro em velocidade. O metal da parte inferior do veículo também entrou em atrito com o concreto, criando uma chuva de faíscas. O que aconteceu em seguida foi inevitável. As faíscas atearam fogo ao rastro de gasolina deixado pelo carro desgovernado. Tudo se passou bem diante dos nossos olhos. Também não conseguimos parar. Finalmente, o outro carro saltou sobre o canteiro central, passou pelas três pistas em sentido contrário, e foi parar do outro lado da rodovia. Nós presenciamos tudo, horrorizados com a cortina de fogo que se levantou, separando-nos do outro carro e seu motorista. Impotentes, vimos a trilha de fogo envolver o automóvel, finalmente parado. O tanque de gasolina pegou fogo e, de onde estávamos, parecia que o motorista tinha sido engolfado pelas chamas. Não podíamos nos aproximar porque, além de estarmos muito longe, a cortina de fogo estava entre nós. Foi com grande alívio que vimos alguém puxando o homem para fora do carro, o qual logo depois foi levado por uma ambulância. 

Quando leio o capítulo 13 de II Samuel, tenho a mesma sensação de tragédia iminente, sabendo que não vou conseguir parar o que está para acontecer. Lemos a história de Amnom, filho de Davi, o qual deseja Tamar, filha do rei com outra mulher. Vemos, incrédulos, quando Davi ordena a ela que vá à casa de Amnom, admirados com sua ingenuidade. Sentimos um calafrio quando ouvimos Amnom ordenando a todos que se retirem, menos Tamar. Observamos impotentes quando ela tenta resistir, mas acaba sendo violentada por ele. E, então, para piorar as coisas, vemos o “amor” de Amnom se transformar em ódio, de modo que ele expulsa Tamar de sua casa, condenando-a a viver desolada pelo resto da vida.

Como isso pôde acontecer? Como Davi pôde tomar parte disso? Por que Deus permite que o inocente sofra nas mãos do ímpio? Qual a relevância desse incidente para a vida atual? Quais as lições de Deus para os santos do Antigo Testamento que leram essa história? Quais as lições para nós? Vamos ouvir e prestar bastante atenção, pois há muito no que refletir, muito a aprender e muito a aplicar à nossa vida.

O título desta mensagem é “Tragédia na Família Real”. Não estou tentando ser engraçadinho, nem tentando tirar proveito da tragédia ocorrida com a morte da Princesa Diana. O título descreve exatamente o conteúdo do nosso texto e desta mensagem. Há grandes benefícios em se fazer parte da família real e, como demonstram os fatos ocorridos na época da morte da princesa, há também muitas responsabilidades. Do ponto de vista da mídia (pelo menos daquela época), a privacidade da família real foi invadida e atacada por alguns papparazzi, os quais aparentemente queriam uma foto exclusiva, sem se importar com as consequências para os membros da família real. No nosso texto não há nenhum papparazzi intrometido. Os pecados cometidos dentro da família real se tornam de conhecimento público, expostos por suas próprias ações e registrados pelo autor inspirado para nossa edificação. Não nos atrevemos a ler a história desta tragédia como alguns a leriam num sórdido tablóide. Esta é a Palavra de Deus para nós, ensinando-os o alto preço do pecado.

Breve Revisão

Saul, que vivia tentando matar Davi para garantir a longevidade do seu próprio trono, está morto, e agora Davi é rei tanto de Judá (sua tribo) quanto de Israel (as outras tribos). Ele já subjugou a maioria das nações circunvizinhas e capturou Jebus, fazendo-a capital do reino e mudando seu nome para Jerusalém. Davi também levou a Arca da Aliança para lá, com a intenção de construir um templo para Deus, pelo que foi gentilmente repreendido, mas animado pelo fato de que o Senhor iria edificar-lhe uma “casa” eterna, um reino sem fim.

Mas o poder e sucesso de Davi parecem subir à sua cabeça. Em vez de liderar os soldados na guerra, ele fica em casa, enviando Joabe e o exército de Israel contra Rabá, capital dos amonitas, para tomá-la e completar seu triunfo sobre os inimigos. Enquanto está em casa, em Jerusalém, Davi tem a vantagem de levar a “boa vida” de um rei. Ele se deita tarde e se levanta no horário em que os outros estão indo para a cama. Uma tarde, enquanto perambula pelo terraço do palácio, ele acaba vendo algo que não pretende, nem imagina: uma adorável mulher se banhando, provavelmente em obediência à lei cerimonial. Ele a observa atentamente durante muito tempo, e decide que a quer, não para esposa, nem para amante, mas só por uma noite. Quando manda os servos perguntarem quem é ela, eles o informam que ela é casada, e esposa de Urias, o heteu, um dos heróis militares de Israel.

Isso deveria colocar um ponto final na questão, mas não coloca. Davi manda os mensageiros pegarem Bate-Seba e levarem-na ao palácio, e lá ele dorme com ela. Algum tempo depois, ela manda lhe dizer que está grávida. Ele, então, faz o possível para Urias se deitar com ela, de modo a parecer que ele é o pai da criança; mas Urias tem muita personalidade e integridade para se deixar usar por Davi. Por isso, o rei dá ordens a Joabe, comandante das forças militares, para Urias ser morto de forma a parecer apenas outra baixa de guerra. Duvido que isso engane muitos israelitas, mas, com certeza, não engana a Deus, nem ao profeta Natã. Natã chega para Davi com uma historinha sentimental sobre um homem rico que rouba a cordeirinha de um homem pobre e, quando Davi condena o homem rico, Natã lhe diz que ele é o homem. Davi se arrepende e confessa seu pecado, não só para Deus, mas para toda nação nos Salmos 32 e 51.

A primeira das muitas consequências dolorosas do pecado de Davi vem com a morte do seu primeiro filho com Bate-Seba, a criança fruto do seu pecado. Embora Davi chore e suplique fervorosamente a Deus pela vida do menino, Deus não atende seu pedido e a criança vem a morrer. A reação de Davi à resposta de Deus é acertada, para grande espanto dos seus servos. Quando ouve que a criança está morta, ele se levanta, se lava e vai à casa do Senhor para adorar; depois, volta para casa e se alimenta. Davi esperou em Deus pela vida do filho, confiou nEle e dependeu dEle, mas Deus não o atendeu. No capítulo 13, chegamos às próximas consequências dramáticas do seu pecado: o estupro da sua filha Tamar, e o assassinato do seu filho Amnom. Davi, mais uma vez, lamentará a perda de um filho. Na verdade, ele lamentará a perda de dois: Amnom, que será assassinado por Absalão, e Absalão, que fugirá para escapar da punição.

O Primeiro Pecado de Amnom Contra Tamar (13:1-14)

“Tinha Absalão, filho de Davi, uma formosa irmã, cujo nome era Tamar. Amnom, filho de Davi, se enamorou dela. Angustiou-se Amnom por Tamar, sua irmã, a ponto de adoecer, pois, sendo ela virgem, parecia-lhe impossível fazer-lhe coisa alguma.”

“Tinha, porém, Amnom um amigo cujo nome era Jonadabe, filho de Simeia, irmão de Davi; Jonadabe era homem mui sagaz. E ele lhe disse: Por que tanto emagreces de dia para dia, ó filho do rei? Não mo dirás? Então, lhe disse Amnom: Amo Tamar, irmã de Absalão, meu irmão. Disse-lhe Jonadabe: Deita-te na tua cama e finge-te doente; quando teu pai vier visitar-te, dize-lhe: Peço-te que minha irmã Tamar venha e me dê de comer pão, pois, vendo-a eu preparar-me a comida, comerei de sua mão.”

“Deitou-se, pois, Amnom e fingiu-se doente; vindo o rei visitá-lo, Amnom lhe disse: Peço-te que minha irmã Tamar venha e prepare dois bolos à minha presença, para que eu coma de sua mão. Então, Davi mandou dizer a Tamar em sua casa: Vai à casa de Amnom, teu irmão, e faze-lhe comida.”

“Foi Tamar à casa de Amnom, seu irmão, e ele estava deitado. Tomou ela a massa e a amassou, fez bolos diante dele e os cozeu. Tomou a assadeira e virou os bolos diante dele; porém ele recusou comer. Disse Amnom: Fazei retirar a todos da minha presença. E todos se retiraram. Então, disse Amnom a Tamar: Traze a comida à câmara, e comerei da tua mão. Tomou Tamar os bolos que fizera e os levou a Amnom, seu irmão, à câmara. Quando lhos oferecia para que comesse, pegou-a e disse-lhe: Vem, deita-te comigo, minha irmã. Porém ela lhe disse: Não, meu irmão, não me forces, porque não se faz assim em Israel; não faças tal loucura. Porque, aonde iria eu com a minha vergonha? E tu serias como um dos loucos de Israel. Agora, pois, peço-te que fales ao rei, porque não me negará a ti. Porém ele não quis dar ouvidos ao que ela lhe dizia; antes, sendo mais forte do que ela, forçou-a e se deitou com ela.”

Se você é como eu, deve ficar zonzo ao ler a história dos parentes de Davi. Os personagens que fazem parte desta trama são: Jonadabe, sobrinho de Davi, filho de seu terceiro irmão, Simeia; Amnom, primogênito de Davi com Ainoã; e Tamar e Absalão, filhos de Davi com Maaca, sua terceira esposa (que era filha de Talmai, rei de Gesur). É bem difícil lembrar quem é filho de quem, não é?

Talvez seja útil resumir na tabela abaixo algumas informações genealógicas relativas ao nosso texto, para que possamos, pelo menos, visualizar esses relacionamentos.

Davi e Seus Irmãos1 (I Crônicas 2:13-17)

Algumas das esposas e filhos de Davi2 (I Samuel 18; 25:39-44; II Samuel 2:2; 3:2-5 [ver também I Crônicas 3:1-9])

  

Há uma porção de membros da família real — ou próximas a ela (os servos, por exemplo) que, querendo ou não, estão envolvidos nesta tragédia da família de Davi. Tudo começa com Amnom, o primogênito do rei (a primeira esposa de Davi, Mical, foi dada a ele por Saul, depois tirada e, finalmente retomada, mas nunca gerou um filho de Davi — II Samuel 6:23). Ainoã é sua segunda esposa, e a primeira a lhe dar um filho. Isso faz de Amnom seu primogênito, o sucessor mais provável do trono como rei de Israel, pelo menos de acordo com o costume da época. Tamar e seu irmão Absalão são filhos de outra esposa de Davi, Maaca, a qual também é filha do rei de Gesur.

Amnom tem um problema sério. Ele está “apaixonado”3 por sua bela meia-irmã, Tamar4. De acordo com a lei de Moisés, não há maneira possível de ele ter essa mulher como esposa.

“Se um homem tomar a sua irmã, filha de seu pai ou filha de sua mãe, e vir a nudez dela, e ela vir a dele, torpeza é; portanto, serão eliminados na presença dos filhos do seu povo; descobriu a nudez de sua irmã; levará sobre si a sua iniqüidade.” (Levítico 20:17)

Pelo que entendo do texto, a lei de Moisés que proíbe o casamento e sexo com uma irmã não é a principal preocupação de Amnom. Na verdade, é uma preocupação de Tamar, não dele. O autor continua a falar dos dois como irmão e irmã, mas quando menciona a frustração de Amnom, é por outra razão:

“Angustiou-se Amnom por Tamar, sua irmã, a ponto de adoecer, pois, sendo ela virgem, parecia-lhe impossível fazer-lhe coisa alguma.” (13:2, ênfase do autor) 

Amnom adoece porque ela é virgem, e por isso “parece-lhe impossível fazer-lhe coisa alguma”. Não é dito que ele a ama e quer casar-se com ela. Acho que o texto diz que Amnom quer fazer sexo com Tamar, mas ela é virgem e pretende se manter assim até o casamento5. Ele quer ter relações sexuais com ela. Ele quer, mas ela não. Ela é virgem e parece disposta a permanecer assim. Não é de admirar que ele não consiga nada com ela. E não é de admirar que esteja frustrado. Sua frustração chega a ponto de deixá-lo doente (doente de amor?). Os sintomas da sua “doença” não são informados, mas imagino que sejam dor de estômago, falta de apetite e insônia.

Não é nenhuma surpresa que um dos sobrinhos de Davi, Jonadabe, filho de um de seus irmãos mais velhos, seja amigo de Amnom. Afinal, eles são primos e fazem parte da família real que vive em Jerusalém (ou nas proximidades). Jonadabe não deixa de notar que dia após dia Amnom está cada vez mais deprimido. Por isso, ele lhe pergunta o que há de errado. Amnom lhe conta o problema — ele está apaixonado por Tamar, sua irmã, cujo irmão é Absalão6. Jonadabe é um cara astuto e, para ele, o dilema de Amnom não é um grande problema. Afinal, não é Amnom “filho do rei” (verso 4)? A inferência é que, sendo “filho do rei”, Amnom tem direito de e autoridade para satisfazer a si mesmo; então, por que ficar tão deprimido? Isso me faz lembrar das palavras da terrível Jezabel a seu marido Acabe:

“Então, Acabe veio desgostoso e indignado para sua casa, por causa da palavra que Nabote, o jezreelita, lhe falara, quando disse: Não te darei a herança de meus pais. E deitou-se na sua cama, voltou o rosto e não comeu pão. Porém, vindo Jezabel, sua mulher, ter com ele, lhe disse: Que é isso que tens assim desgostoso o teu espírito e não comes pão? Ele lhe respondeu: Porque falei a Nabote, o jezreelita, e lhe disse: Dá-me a tua vinha por dinheiro; ou, se te apraz, dar-te-ei outra em seu lugar. Porém ele disse: Não te darei a minha vinha. Então, Jezabel, sua mulher, lhe disse: Governas tu, com efeito, sobre Israel? Levanta-te, come, e alegre-se o teu coração; eu te darei a vinha de Nabote, o jezreelita.” (I Reis 21:4-7)

Não posso dizer com certeza onde Jonadabe pretende chegar com sua estratégia. Não estou muito disposto a dizer que seu plano fará com que seu amigo violente Tamar. Seria esse um plano que daria a Amnom a chance de ficar a sós com ela para depois seduzi-la, ou talvez para convencê-la a se casar com ele? Não tenho certeza. É certo, porém, que o estratagema proposto por ele é traiçoeiro. Amnom tem de fingir que está doente, tão doente que não possa se levantar da cama. Quando o pai for visitá-lo, ele deve lhe pedir para deixar sua irmã ir à sua casa e lhe preparar a refeição.

O plano proposto por Jonadabe só vai até aí. De acordo com o texto, pelo menos, ele não diz a Amnom o que fazer a partir daí. Ele só lhe diz como se aproximar de Tamar. Não está escrito que ele diga a Amnom para mandar os servos se retirar (embora possa ter dito), ou para agarrá-la à força na tentativa de persuadi-la a fazer sexo com ele. Se Jonadabe é tão astuto quanto diz o texto, certamente ele deve imaginar o que pode acontecer quando Amnom ficar sozinho com ela. Ou ele sabe o que Amnom pretende e o ajuda a conseguir, ou suspeita mas não pergunta, ou então, não leva em consideração as opções. Ele é esperto demais para a última opção. Com certeza, ele também tem culpa no cartório7.

Amnom põe em prática o plano de Jonadabe, o qual funciona exatamente como previsto. Esse plano facilita a realização dos desejos ilícitos de Amnom. E também faz de Davi um cúmplice inconsciente e involuntário desse esquema perverso. O rei vai visitar Amnom, como era de se esperar. Quando este lhe pede para Tamar ir lá e preparar a comida sob as suas vistas, Davi consente. É o “decreto executivo” de Davi (pelo menos é sua ordem como chefe executivo de Israel — quem lhe diria não?) que “manda” os mensageiros à casa de Tamar, não muito diferente de quando foram mandados para convocar Bate-Seba. E assim, Davi é o meio pelo qual Amnom consegue ficar a sós com Tamar. 

É surpreendente que tudo passe despercebido a Davi. Ele parece incrivelmente crédulo. Talvez ele saiba que Amnom não está se alimentando e está doente, mas ele pensa mesmo que essa jovem é melhor cozinheira que as experientes profissionais (perdão pelo trocadilho) à disposição de Amnom? Davi acredita mesmo que é uma boa terapia para Amnom ter uma bela jovem cozinhando para ele e servindo-o (na cama!)? Davi seria tão ingênuo? É preciso ler essa história com bastante desconfiança. Como ele pode ser tão crédulo a ponto de participar involuntariamente do esquema perverso de Amnom?

Conforme as instruções de Davi, Tamar vai à casa de Amnom e começa a preparar a comida para ele. Fico me perguntando o que se passa em sua cabeça enquanto ela vai para lá. Teria ele lhe passado alguma “cantada” anterior? Se sim, é provável que tenha sido repelido. Quando ela chega, ele está deitado. Ela começa a fazer o serviço, preparando, amassando e enrolando a massa em pequenos bolos. Durante todo o tempo, Amnom fica observando. Quando os bolos estão assados, ela tenta servi-los a ele, mas ele não quer. O filho do rei, então, ordena a todos que se retirem. Davi levou Tamar até lá e agora todos os presentes estão sob a autoridade de Amnom. Quem ousará desafiá-lo ou negar-lhe alguma coisa? E assim todos se retiram, deixando-o a sós com Tamar. Ele, então, diz a ela para levar-lhe a comida, no quarto, para “que ele coma de sua mão”. Assim, ela pega os bolos que fez e os leva para ele no quarto.

Nossa cabeça entra em parafuso quando lemos esse trecho. Será possível que nenhum dos que estavam presentes percebeu o que viria a seguir? Estavam todos com medo de fazer alguma objeção ou dizer não? E como Tamar não percebe nada? Ela não pode fugir? Os sinais de perigo estão lá, mas ela está na casa de Amnom a mandado do rei. É como observar um acidente de carro ocorrendo diante dos nossos olhos, vendo o que vai acontecer, mas impotentes para fazer alguma coisa.

Uma vez a sós, todas as sutilezas desaparecem. Amnom agarra Tamar, forçando-a a se deitar com ele. Ele não pede para eles se casarem — mas para ela dormir com ele. É interessante observar como ele expressa seu pedido: “Vem, deita-te comigo, minha irmã.” (verso 11, ênfase do autor). Por que ele ressalta este fato, relembrando Tamar exatamente daquilo que deveria impedi-lo de levar adiante seus desejos? Receio que a mesma coisa que deveria afastá-lo é o que o atraia a ela. Não teria ocorrido o mesmo com Davi? Conhecer o estado civil de Bate-Seba não o impediu de tomá-la; talvez até tenha reforçado seu desejo e sua determinação. Quando a “Dona Loucura” tenta atrair o “Sr. Simples”, no livro de Provérbios,  ela usa coisas proibidas como parte da sua sedução (Provérbios 9:17). Isso deveria nos surpreender? Paulo não nos ensina que, quando a lei proíbe alguma coisa, o pecado usa essa mesma lei para nos instigar a fazer coisas ilícitas (Romanos 7:7ss)?

Tamar é realmente uma vítima inocente nessa história. Ela não encoraja Amnom; na verdade, ela o deixa frustrado com sua decisão de continuar virgem até se casar. Ela só vai à casa dele porque Davi mandou. Amnom ordena a todos que se retirem, para ninguém defendê-la. É difícil acreditar que ninguém saiba — ou pelo menos suspeite — das intenções dele. Quando ele faz o rude pedido a Tamar, ela responde exatamente como está na lei de Moisés. Quando ela fala: “Não, meu irmão (ênfase do autor), ela dá a razão pela qual o pedido dele é errado. Ela fala da intimidade sexual desejada por ele como uma violação a ela, e será mesmo. O que ele fará com ela jamais poderá ser desfeito. A vergonha de Tamar nunca será removida, pois ele irá tirar sua virgindade. Ela não suplica só por si mesma, mas também para que ele aja em seu próprio interesse. Ao estuprá-la, ele se tornará como um dos loucos de Israel. Ele, o primogênito do rei, será como um dos homens mais vis da nação.

Suspeito que ela lhe faça um último apelo quando percebe que não poderá impedi-lo de tê-la. Que Amnom procure seu pai, Davi, e a peça em casamento. Certamente o rei não negará seu pedido. Há um certo precedente para suas palavras. Afinal, Sara era para Abraão o que Tamar será para Amnom. Eles tinham o mesmo pai, mas mães diferentes (ver Gênesis 20:12). Não acho que Tamar queira se casar com Amnom, mas casamento é melhor que estupro e desonra. Talvez ela espere que, ao falar com seu pai, ele seja repreendido e advertido a não pensar em tal coisa novamente ou a se aproximar dela.

Seu apelo não funciona. Amnom está determinado a se deitar com ela ali mesmo e naquele momento. Se ela não fizer de boa vontade, fará de qualquer jeito. Ele é maior e mais forte, e para ele, nesse momento, talvez não seja certo, mas vai acontecer.

Com certeza esta não é a cena que ele deve ter passado e repassado em sua cabeça, enquanto aguardava a ocasião propícia. Ela não quer, e este ato de violência nada tem a ver com amor. Da atração intensa e insuportável, os sentimentos de Amnom por Tamar se transformam em repulsa. Ele mal consegue olhar para a mulher que violentou. Ele ordena que ela saia. Novamente Tamar resiste. Ela lhe diz que, apesar de todo o mal feito por ele ao estuprá-la, será muito pior se ele lançá-la fora, pois deixará claro que não a terá como esposa. Quanto a se casar e ter filhos, ela não tem mais nenhuma opção. Mais uma vez, ele não dará ouvidos à razão ou à justiça.

Novamente vemos semelhanças entre o pecado de Amnom contra Tamar e o pecado de Davi contra Bate-Seba e Urias. Já foi mal suficiente Davi dormir com Bate-Seba, mas matar seu marido foi ainda pior. O segundo pecado de Amnom é a mesma coisa, quando ele lança fora Tamar depois de violentá-la.

Se antes foi Amnom quem agarrou Tamar, para não deixá-la ir, agora parece ser ela quem o agarra, para não ir. Já que ele a violentou, pelo menos que faça algo honroso e se case com ela. Amnom sente ainda mais aversão por isso, ordenando a seu servo que a lance para fora e tranque a porta. O servo obedece, e Tamar deixa a casa, rasgando sua túnica talar de mangas compridas e colocando cinzas sobre a cabeça. Enquanto segue seu caminho, ela põe as mãos na cabeça e chora. Com certeza, quem a vê, se não sabe exatamente o que aconteceu, pelo menos sabe que algo terrível lhe sucedeu.

Absalão, Amnom, Davi e Jonadabe (13:20-36)

Absalão, seu irmão, lhe disse: Esteve Amnom, teu irmão, contigo? Ora, pois, minha irmã, cala-te; é teu irmão. Não se angustie o teu coração por isso. Assim ficou Tamar e esteve desolada em casa de Absalão, seu irmão. Ouvindo o rei Davi todas estas coisas, muito se lhe acendeu a ira. Porém Absalão não falou com Amnom nem mal nem bem; porque odiava a Amnom, por ter este forçado a Tamar, sua irmã. Passados dois anos, Absalão tosquiava em Baal-Hazor, que está junto a Efraim, e convidou Absalão todos os filhos do rei. Foi ter Absalão com o rei e disse: Eis que teu servo faz a tosquia; peço que com o teu servo venham o rei e os seus servidores. O rei, porém, disse a Absalão: Não, filho meu, não vamos todos juntos, para não te sermos pesados. Instou com ele Absalão, porém ele não quis ir; contudo, o abençoou. Então, disse Absalão: Se não queres ir, pelo menos deixa ir conosco Amnom, meu irmão. Porém o rei lhe disse: Para que iria ele contigo? Insistindo Absalão com ele, deixou ir com ele Amnom e todos os filhos do rei. Absalão deu ordem aos seus moços, dizendo: Tomai sentido; quando o coração de Amnom estiver alegre de vinho, e eu vos disser: Feri a Amnom, então, o matareis. Não temais, pois não sou eu quem vo-lo ordena? Sede fortes e valentes. E os moços de Absalão fizeram a Amnom como Absalão lhes havia ordenado. Então, todos os filhos do rei se levantaram, cada um montou seu mulo, e fugiram. Iam eles ainda de caminho, quando chegou a notícia a Davi: Absalão feriu todos os filhos do rei, e nenhum deles ficou. Então, o rei se levantou, rasgou as suas vestes e se lançou por terra; e todos os seus servos que estavam presentes rasgaram também as suas vestes. Mas Jonadabe, filho de Siméia, irmão de Davi, respondeu e disse: Não pense o meu senhor que mataram a todos os jovens, filhos do rei, porque só morreu Amnom; pois assim já o revelavam as feições de Absalão, desde o dia em que sua irmã Tamar foi forçada por Amnom. Não meta, pois, agora, na cabeça o rei, meu senhor, tal coisa, supondo que morreram todos os filhos do rei; porque só morreu Amnom. Absalão fugiu. O moço que estava de guarda, levantando os olhos, viu que vinha muito povo pelo caminho por detrás dele, pelo lado do monte. Então, disse Jonadabe ao rei: Eis aí vêm os filhos do rei; segundo a palavra de teu servo, assim sucedeu. Mal acabara de falar, chegavam os filhos do rei e, levantando a voz, choraram; também o rei e todos os seus servos choraram amargamente.

Uma das pessoas cientes dos fatos acontecidos com Tamar é Absalão, seu irmão (por parte de pai e mãe). Ele a deixa saber que ele sabe o que Amnom fez a ela, e então faz algo surpreendente — nada, aparentemente. Ele parece dizer-lhe para manter segredo sobre isso, deixando tudo em família. Ela deve ficar em silêncio e não se angustiar. Será que ele acha mesmo que ela pode fazer isso? Talvez para mantê-la calada, ou para ajudá-la a lidar com o trauma, ele a leva para sua própria casa. Nesta passagem, pelo menos, ele não conta à irmã quais são suas intenções. No entanto, segundo as palavras de Jonadabe a Davi dois anos depois, Absalão já tinha intenção de matar Amnom desde quando soube que o irmão tinha violentado Tamar (verso 32). Jamais esta linda mulher poderá se casar ou ter filhos. É quase impossível calcular tudo o que Amnom roubou de sua irmã nesse dia terrível.

Superficialmente, a reação de Davi à notícia do estupro de sua filha parece semelhante à de Absalão. No entanto, ele não esconde sua raiva. O autor nos diz que ele sabe de tudo o que aconteceu (verso 21). Contudo, ele parece não fazer absolutamente nada. Por que será? Seria ele incapaz de obter o tipo de testemunho requerido pela lei? Pode ser, mas não parece provável. Estaria ele com medo de ser hipócrita? Como poderia punir o filho por fazer algo que ele mesmo fez? Ou ainda, Davi estaria indeciso por também ser parcialmente culpado? Afinal, foi ele quem mandou Tamar à casa de Amnom.

Ao que tudo indica, ele extravasa sua raiva, embora não lide com Amnom como deveria. Absalão, entretanto, parece a essência do autocontrole. Ele esconde o ódio e a fúria e age como se nada tivesse acontecido. No íntimo, porém, ele tem intenção de fazer com que Amnom pague por arruinar a vida da sua irmã. Motivo ele já tem. Só faltam os meios e a oportunidade. Eles virão dentro de dois anos. Até lá, ele nem mesmo fala de Amnom. Ele o trata como se Amnom nem existisse; e logo não existirá.

Dois anos se passam. Aparentemente tudo foi esquecido e Amnom escapou impune do seu crime. Talvez Absalão tenha feito outras tentativas para afastá-lo do olhar atento e protetor de Davi, e não tenha conseguido; mas desta vez seu plano será bem sucedido. Chega a época da tosquia, e ele, como muitos outros, termina o serviço e planeja uma comemoração. Ele sabe o quanto Davi aprecia essas coisas, não só por ter sido pastor quando garoto, mas também por suas experiências em um passado mais recente (ver I Samuel 25:2 e ss). Eis o pretexto pelo qual Absalão vem esperando.

Duvido muito que ele queira a presença de Davi na comemoração em Baal-Hazor, distante uns 30 km ao norte e a leste de Jerusalém. Davi não está disposto a fazer a jornada, e acho que Absalão sabe disso. Além do mais, Davi e seu séquito formarão um grupo enorme, grande demais para ser acomodado com facilidade. E assim, Davi não vai, mas dá a Absalão sua bênção. Absalão já esperava por essa resposta, e não desiste. Ele, então, pressiona o pai para obter aquilo que realmente deseja — que Davi mande8 Amnom. Estaria Absalão sugerindo que Amnom represente Davi como seu primogênito? Não sabemos, pois o texto não diz.

Davi, entretanto, estranha o pedido. Por que Absalão pede justamente a presença de Amnom? Ele pressiona o filho, mas este parece se esquivar da pergunta, continuando a insistir para o rei mandar Amnom. Será ideia de Davi mandar todos os filhos junto com Absalão? Talvez. Isso aparentemente acalma suas suspeitas. De uma forma ou de outra, Davi fica em casa (Ô cara, já viu esse filme?), enviando seus filhos em seu lugar.

Absalão já bolou um plano e deu instruções aos servos. Da mesma forma que Davi instruiu Joabe a matar Urias, agora é Absalão quem instrui os servos a matar Amnom9. Ele cuidará para que Amnom beba com ele, e assim fique “alegre de vinho” (isso também parece dar uma estranha sensação de deja vu, quando nos lembramos de que Davi também tentou deixar Urias de coração alegre para conseguir dele o que queria). Quando Amnom estiver suficientemente bêbado, Absalão dará a ordem, e os servos o matarão. Eles não devem temer; ele assumirá total responsabilidade pelo que fizerem a Amnom. Chegada a hora, Absalão ordena e a vida de Amnom é tirada.

Os outros filhos de Davi ficam apavorados quando veem Amnom ser morto pelos servos de Absalão. Será que Absalão pretende matá-los também? Eles não ficam esperando para descobrir. Todos montam em suas mulas e fogem de volta para Jerusalém. As notícias alcançam Davi antes de seus filhos serem avistados. Como quase sempre acontece, as primeiras informações são exageradas. Dizem a Davi que todos os seus filhos foram mortos e nenhum sobreviveu. Bem, antes que nossos pensamentos coloquem essa falsa informação de lado, deixe-me chamar a atenção para o intenso sofrimento vivido por Davi quando ele ainda acredita que a informação seja verdadeira. Seu sentimento deve ser muito parecido com o de Jó, quando este soube da morte de todos os seus filhos (ver Jó 1). Quanto sofrimento para tão pouco tempo! É como a morte do filho de Davi com Bate-Seba multiplicada muitas e muitas vezes (ver 12:14 e ss). Ele rasga suas vestes e se prostra no chão, seguido por todos os servos.

Nesse meio-tempo, entre a primeira informação (incorreta) e a chegada dos filhos de Davi, Jonadabe se aproxima dele, garantindo que a notícia não é verdadeira. Ele diz a Davi que apenas um de seus filhos está morto — Amnom — e que Absalão já tinha intenção de matá-lo desde quando sua irmã, Tamar, fora estuprada por ele. Por isso, insta Jonadabe, o rei não deve se afligir demais, como se todos estivessem mortos (versos 32-33).

Observe algo interessante sobre as palavras de Jonadabe: só há uma maneira de ele saber o que diz a Davi. Ele não foi à festa na fazenda de Absalão junto com os filhos do rei. Ele não estava lá para saber o que ocorreu. As informações iniciais vieram (direta ou indiretamente) de quem estava lá, em Baal-Hazor. Como ele pode garantir a Davi que as informações não são verdadeiras, quando não estava lá para ver o que aconteceu? Só há uma resposta, pelo que posso dizer. Jonadabe já sabia quais eram as intenções de Absalão com relação a Amnom. Ele conhecia seus planos, mas não disse nem fez nada para impedi-lo.

Não gosto do que vejo em Jonadabe neste capítulo. Talvez ele seja um rapaz muito esperto, mas também parece oportunista e sem escrúpulos. Ele devia ter ideia das intenções de Amnom com relação a Tamar, mas nada fez para impedi-lo. Em vez disso, ele lhe disse como alcançar seu vil objetivo. E agora, depois de ter sido apenas um coadjuvante antes do estupro de Tamar, ele aumenta ainda mais o seu pecado por saber dos planos de Absalão para matar Amnom e não fazer nada quanto a isso (francamente, me deixa surpreso ele não ter dito a Absalão como levar Amnom para a fazenda). Além do mais, ele usa esse conhecimento para tentar se promover diante de Davi. Ele parece ter uma razão bem matreira para lhe dizer que somente Amnom foi morto, antes do retorno dos filhos do rei a Jerusalém. Seu regresso prova que ele sabe do que está falando. Quando eles chegam, ele diz: “Eis aí vêm os filhos do rei; segundo a palavra de teu servo, assim sucedeu.” (verso 35). Acho que ele está tentando ganhar pontos com Davi.

Pouco depois de Jonadabe garantir a Davi que apenas um filho está morto, o vigia olha e vê muitos homens chegando. Logo, todos os filhos de Davi alcançam Jerusalém, exceto dois: Amnom, que está morto, e Absalão que o matou e fugiu. Nesse momento os filhos de Davi começam a chorar, e ele se junta a eles no lamento pela morte de Amnom. Todos choram amargamente.

Conclusão

Ao concluir esta lição, deixe-me sugerir algumas maneiras desta passagem nos instruir.

Primeira, o texto é colocado imediatamente após o trecho que descreve o pecado de Davi e suas consequências pessoais com a morte do seu primeiro filho com Bate-Seba. Isso ocorre não só devido aos acontecimentos do capítulo 13 se seguirem aos do capítulo 12, mas também porque o capítulo 13 descreve outras consequências do pecado de Davi. Esse pecado, antes pessoal e particular, agora tem impacto sobre toda nação. O pecado de Davi o afetou mesmo, afetou sua esposa e seu filho, e agora afeta os outros membros da sua família. Em breve, ele dividirá a nação e afastará Davi do trono durante um certo período.

Creio que a morte do bebê de Davi (capítulo 12), e agora o estupro da sua filha e  assassinato do seu filho (capítulo 13) não sejam punições divinas por causa do seu pecado, mas disciplina de Deus. Se Davi tivesse de ser punido por seu pecado, ele teria de morrer. Natã lhe disse que ele não morreria, pois seus pecados foram removidos. As tragédias ocorridas a partir daqui são destinadas a educar e corrigir, mesmo sendo também dolorosas. Isso é totalmente condizente com os ensinamentos da Palavra de Deus (ver Hebreus 12:1-13).

Hugh Blevins, amigo e companheiro de conselho, fez uma observação a respeito deste texto. Deus orquestra os acontecimentos de forma que Davi viva o seu próprio pecado da perspectiva dos outros. De fato, algumas pessoas da sua família fazem a ele o que ele fez a Deus. Assim como ele abusou da sua autoridade como “rei de Israel” para pecar contra Deus aproveitando-se de Bate-Seba, Amnom agora abusa da sua autoridade e posição como “filho do rei” para se aproveitar de Tamar. Assim como Davi pecou matando Urias, Absalão peca ao matar Amnom. Agora Davi pode sentir o mesmo que Deus, Bate-Seba e outras pessoas afetadas por seu pecado sentiram.

Segunda, o texto tem muito a ensinar para Davi e para nós sobre pecado. Observe que o pecado quase sempre tem início com algum tipo de “fruto proibido”. Para Adão e Eva, foi comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Para José, a esposa de Potifar. Para Daniel e seus amigos, as iguarias do rei. Para Davi, Bate-Seba. Para Amnom, Tamar. Vemos que, embora o pecado geralmente comece pequeno e pessoal, ele cresce rapidamente, tornando-se maior e mais conhecido. E ainda, de acordo com o texto, o pecado não compensa. O preço é sempre muito mais alto que o valor. O pecado e suas consequências jamais serão motivo de riso para Davi, para sua família, ou para a nação de Israel. Como disse Mark Twain certa vez: “É melhor ficar do lado de fora do que ter de sair.” Com certeza isso se aplica ao pecado.

Esta passagem certamente nos encoraja a ficar do lado de fora do pecado. Mas ela também nos ensina que, uma vez começado, quanto mais cedo for interrompido, melhor para todos. Como teria sido melhor para todo mundo se o astuto Jonadabe tivesse repreendido Amnom pelo seu desejo pecaminoso ao invés de dizer-lhe como conseguir o que queria. Como teria sido melhor se Davi tivesse reconhecido a maldade do pedido de Amnom e não tivesse deixado sua filha ir vê-lo, e nem Amnom ir à fazenda de Absalão. Eis aqui uma passividade dolorosamente evidente diante do pecado dos outros. Quem não corrige aqueles que pecam torna-se coconspirador na ampliação do seu pecado. Quantas famílias já não tiveram grande sofrimento devido à mãe ou ao pai não querer disciplinar o filho teimoso ou rebelde? Quantos casamentos já não foram desfeitos devido ao marido ou a esposa não querer lidar com o pecado na sua vida ou na vida do seu cônjuge? Como é comum as famílias seguirem a recomendação de Absalão — mantendo o pecado como segredo de família.

Sem dúvida, vemos que o pecado separa. Nós sabemos (ou deveríamos saber) que ele nos separa de Deus. E também nos separa dos outros. O pecado de Adão e Eva provocou sua separação de Deus, e logo depois, o pecado separou Caim e Abel. O pecado separou José e seus irmãos. O pecado dividiu a família de Davi. O pecado separou Amnom e Tamar, Amnom e Absalão, Davi e Absalão e, finalmente toda a nação. O pecado é a raiz da falta de união e da divisão.

Terceira, cada um dos personagens do texto tem algo a nos ensinar. Amnom nos adverte a respeito da busca por paixões carnais (compare com I Coríntios 10). Jonadabe, sobre o perigo de usar o pecado alheio para favorecimento próprio, tornando-o parte dos nossos interesses, em vez de pagarmos o preço de repreender e corrigir. Davi nos ensina a respeito da passividade diante do pecado. Ele sabia de tudo sobre o crime cometido contra sua filha, e mesmo assim parece não ter feito nada a esse respeito. Por que não? Seria devido à sua própria culpa pelo pecado cometido com Bate-Seba? Estaria ele receoso de que, se corrigisse Amnom, alguém lhe dissesse quem era ele para atirar pedra em pecadores? Quaisquer que fossem as razões da sua inércia, isso só facilitou o pecado dos outros. E da parte de Absalão, aprendemos sobre os perigos do ressentimento e da amargura. Ele não quis resolver o problema com Amnom de forma bíblica. Ele preferiu se vingar do seu próprio jeito. Por isso, quando o fez, ele se tornou assassino e fugitivo.

Quarta, este texto tem muito a nos ensinar sobre amor. Nem tudo que é chamado de amor é necessariamente amor. É óbvio que Amnom acha que está amando, mas também é óbvio que não está. Para ele, amor é sinônimo de sexo. Seu tipo de “amor” é frustrado pela castidade, e não está nenhum pouco preocupado com a justiça (tal como a conduta prescrita pela lei de Deus). O “amor” de Amnom não passaria no teste de I Coríntios 13. Tamar nunca foi enganada por ele a esse respeito. Como é triste ver tantas jovens perdendo a virgindade devido a umas poucas palavras melosas, ditas por um jovem dominado por seus hormônios. Hoje em dia, há moças que não conseguem manter os mesmos valores ou o mesmo padrão de Tamar. Elas não veem a pureza sexual como algo a ser valorizado e protegido; elas a veem como maldição, a qual deve ser perdida o mais rápido possível. Que esta passagem nos ensine o verdadeiro significado do amor e o grande valor da pureza sexual, seja do homem ou da mulher.

Finalmente, esse texto lança luz sobre a boa nova do evangelho de Jesus Cristo. Pense em como Absalão se sentiu sobre o abuso de Amnom a Tamar, sua irmã. Pense em como Davi se sentiu sobre o abuso sofrido por sua filha. Só podemos imaginar como ele conseguiu não fazer nada a Amnom. Agora, com isso em mente, pense em como Deus Pai deve ter se sentido, e ainda se sente, sobre quem rejeita, e se rebela e blasfema contra Seu Filho inculpável, Jesus Cristo. Quando Deus O enviou ao mundo, há pouco mais de 2.000 anos, os homens O rejeitaram e O consideraram como pecador, crucificando-O na cruz do Calvário. Se você fosse Deus, como se sentiria em relação àqueles que fizeram isso, e em relação àqueles que não aceitam Cristo ainda hoje?

Tenho uma notícia boa e outra má para você. Deixe-me começar pela má. A má notícia é que Deus vai punir todos os que rejeitam Seu Filho. Quando voltar à terra, Cristo virá em glória e com poder para subjugar Seus inimigos:

“Respondeu-lhe (ao sumo sacerdote) Jesus: Tu o disseste; entretanto, eu vos declaro que, desde agora, vereis O FILHO DO HOMEM ASSENTADO À DIREITA DO TODO-PODEROSO e VINDO SOBRE AS NUVENS DO CÉU.” (Mateus 26:64)

A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis. Porque Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo declara: DISSE O SENHOR AO MEU SENHOR: ASSENTA-TE À MINHA DIREITA, ATÉ QUE EU PONHA OS TEUS INIMIGOS POR ESTRADO DOS TEUS PÉS. Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo. (Atos 2:32)

Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos. (Atos 17:30-31)

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai. (Filipenses 2:5-11)

Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas. Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles. Na sua ira, a seu tempo, lhes há de falar e no seu furor os confundirá. Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião. Proclamarei o decreto do SENHOR: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão. Com vara de ferro as regerás e as despedaçarás como um vaso de oleiro. Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos advertir, juízes da terra. Servi ao SENHOR com temor e alegrai-vos nele com tremor. Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam. (Salmo 2)

Ninguém que tenha vivido é digno da vida eterna. Todo ser humano é nascido em pecado e incapaz de alcançar o padrão de justiça estabelecido por Deus (Romanos 3:23; 6:23). Todos nós merecemos a condenação da morte. Deus, em Sua graça e misericórdia, deu a solução na pessoa do Seu Filho Jesus Cristo. Ele veio à terra, acrescentando perfeita humanidade à Sua plena divindade. Ele viveu uma vida sem pecado, revelando a Si mesmo como o único caminho Deus para a vida eterna (João 14:6). Deus colocou sobre Seus ombros a culpa pelos nossos pecados e, quando Ele morreu na cruz e ressuscitou da morte, Ele providenciou um meio de salvação para todos os que a recebem.

“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome.” (João 1:12)

“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16)

“Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.” (Romanos 3:21-26)

“De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus. Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.” (II Coríntios 5:20-21)

“Se admitimos o testemunho dos homens, o testemunho de Deus é maior; ora, este é o testemunho de Deus, que ele dá acerca do seu Filho. Aquele que crê no Filho de Deus tem, em si, o testemunho. Aquele que não dá crédito a Deus o faz mentiroso, porque não crê no testemunho que Deus dá acerca do seu Filho. E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida.  Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus.” (I João 5:9-13)

A grande nova do evangelho é que nós não precisamos sofrer a ira de Deus por causa do nosso pecado. Cristo já pagou a pena para todos quantos recebem a sua salvação. A má notícia é que, quem rejeita o Filho, e a penalidade paga por Ele, algum dia estará diante Dele como inimigo derrotado, reconhecendo-O como o Rei soberano de toda terra. Oro para que você receba esta dádiva de perdão e vida eterna, a fim de que possa se tornar parte da família real de Deus, em vez de permanecer como um de Seus inimigos.

Tradução: Mariza Regina de Souza


1 Separei os três primeiros irmãos de Davi dos três últimos porque eles são mencionados em I Samuel 16 como seus irmãos mais velhos, e no capítulo 17 como as únicas pessoas da sua família que vão para a guerra. O nome dos últimos está em I Crônicas 2. Jonadabe, filho de Simeia, é citado várias vezes em nosso texto. Abisai, Joabe e Asael são filhos de Zeruia, irmã de Davi, os quais desempenham papel significativo em sua vida. Amasa, filho de Abigail, será designado comandante do exército de Israel por Absalão, quando este temporariamente se apossar do reino de Davi em II Samuel 17. Ao retomar o trono, Davi o colocará em lugar Joabe (capítulo 19) e, logo em seguida, ele será morto por Joabe (capítulo 20).

2 Os três filhos de Davi que nos interessam aqui são: Amnom, filho de Ainoã, e Absalão e Tamar, filhos de Maaca. Adonias, filho de Hagite, é o único que tentará firmar-se como sucessor de Davi, conforme descrito em I Reis.

3 Talvez este seja um bom lugar para uma observação. A palavra “amor” é usada quatro vezes em nosso texto. É claro que o “amor” de Amnom nada mais é do que lascívia, e ainda assim, nessas quatro vezes os tradutores da Septuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento, usaram a palavra grega agapao. Quem sugere ou afirma que o “amor ágape” é amor divino, a forma mais sublime de amor, tome nota de que isso não condiz com o uso da palavra, seja na Septuaginta, seja no Novo Testamento. Sejamos cautelosos com as simplificações.

4 Há outras “Tamares” no Antigo Testamento. Uma é a nora de Judá, que se encontra em Gênesis 38, e outra é a “Tamar”, filha de Absalão (II Samuel 14:27). Será que ele honrou sua irmã (a qual permaneceu estéril pelo resto da vida), colocando o nome dela em sua filha?

5 Observe que, quando se torna evidente para ela quais são as intenções de Amnom, ela, então, se propõe a se casar com ele, de uma forma ou de outra (veja o verso 13).

6 Definitivamente tem-se a impressão de que Amnom tem um respeito saudável por (ou até medo de) Absalão. Não é só o fato de Tamar querer se manter virgem, mas ela também tem Absalão para proteger sua virtude. Irmãos adultos (e pais) têm uma certa forma de suscitar o temor de Deus nos pretendentes de suas irmãs (e filhas).

7 Ainda não terminamos de falar sobre Jonadabe. Este é apenas o primeiro de seus atos perversos, o segundo logo será mostrado.

8 A palavra “enviar” ou “enviou” (ou as equivalentes implícitas) continua aparecendo no texto. Inúmeras vezes ela é encontrada no capítulo 11, onde Davi usa sua autoridade para (manda) realizar, e aumentar, seu pecado com relação a Bate-Seba e Urias. Aqui no capítulo 13, ele “envia” Tamar para Amnom (verso 7) e, praticamente, Amnom (junto com os demais filhos) para Absalão (verso 27).

9 A diferença é que Urias foi morto por ser justo, enquanto Amnom é morto por ser depravado.

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